terça-feira, 4 de abril de 2017

A I República em Alcobaça PEDE-SE A CABEÇA DO REI


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(I)



SUMÁRIO:
(1).O Sarg. A. Ganito (da Guarda Real/Pessoal de D. Carlos)-(2).O Rotativismo-(3).D. Carlos, Luís XVI e Afonso Costa-(4).Ecos em Alcobaça-(5).Américo d’Oliveira-(6).O Partido Republicano em Alcobaça-(7).O Descalabro do Regime. O Golpe do Elevador-(8).O Regicídio e Aquilino Ribeiro-(9).Reflexos em Alcobaça-(10).Condolências da CâmaraMunicipal de Alcobaça.

-1-O SARG. A. GANITO (da Guarda Real/Pessoal de D. Carlos)-

A
1 de fevereiro de 1908, quando regressavam a Lisboa provenientes de Vila Viçosa, o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe foram assassinados no Terreiro do Paço.
Nos últimos anos da monarquia, o Sarg. Cav. António de Oliveira Ganito, natural de Castelo Branco, foi colocado no quartel de Alcobaça.
Casado durante a sua comissão na vila, como não teve filhos, ajudou a criar a Abília, filha de uma galega, criada de um padre, e de quem, segundo se dizia, também era filha. Quando o Sarg. Ganito foi destacado para o Palácio de Vila Viçosa, para fazer parte da guarda pessoal do Rei D. Carlos, além da esposa levou consigo a menina.
A viver nas instalações do palácio, o Sarg. António Ganito conheceu pessoalmente o Rei D. Carlos, viu-o partir para as caçadas, assistiu à distribuição das peças de caça, recebendo por vezes algumas e acompanhou-o ao comboio para Lisboa, no fatídico dia 1 de fevereiro de 1908. O Sarg. Ganito, acabou por regressar a Alcobaça, e a Abília veio a casar com um sobrinho de sua esposa. Deste casamento, nasceram dois filhos, uma rapariga e um rapaz, e aquela, de nome Maria Dolores Pimenta, é sogra de Joaquim Romão, a quem se voltará a referir.
-2-O ROTATIVISMO-
O atentado ficou a dever-se, entre o mais, ao colapso do sistema político, em parte fruto do Rotativismo.

Esta foi a designação dada ao sistema político-partidário vigente em Portugal durante a segunda metade do século XIX, com maior expressão no período compreendido entre 1878 e 1900, o qual era caraterizado pela alternância no poder dos dois grandes partidos políticos, o Partido Regenerador, do centro direita, e o Partido Progressista ou o Partido Histórico, do centro esquerda. O Rotativismo português, teve o apogeu entre 1878 e 1890, e durante esse período, o Partido Regenerador governou durante 81 meses e o Partido Progressista 69 meses. De fora ficavam os pequenos partidos de oposição, o Partido Republicano Português e o Partido Socialista Português, que se dedicavam ao combate contra a monarquia pela via doutrinária, ausentes do arco do poder e sem expressão parlamentar. O Rei, como árbitro/moderador, papel atribuído pela Carta, havia designado João Franco para chefe do governo. Este, enérgico e habituado à guerrilha política (dissidente em 1901 do Partido Regenerador, por divergências relativas a uma lei sobre a contribuição predial), passou a liderar o Partido Regenerador Liberal que fundou em 1903, no que foi acompanhado por cerca de três dezenas de deputados, entre os quais figuras de primeiro plano dentro do Partido Regenerador. João Franco convenceu o Rei a encerrar as Cortes de modo, alegadamente a seguir um caminho novo, implementar medidas objetivas e credíveis com vista à moralização da vida política, como a reorganização interna que conduziria ao restauro da autoridade do Estado e reformas sociais, aspiradas mas adiadas, capazes de colherem larga base de apoio popular, especialmente entre os trabalhadores que pretendia caçar como eventualmente os republicanos, destinatários da alta questão da justiça social e utilidade pública, no seu mais largo sentido. Para João Franco, o seu novo partido tinha sentido pois a fórmula rotativa estava esgotada, Portugal não pode continuar a ser ludíbrio de regeneradores e progressistas.
A governação de João Franco, agitou fortemente a oposição, não só a republicana, mas também a monárquica não menos agressiva, liderada por rivais que o acusavam de governar em ditadura.
Se o Sr. João Franco estende a mão aos republicanos, esta fica-lhe no ar, porque nós não lha queremos, afirmou nas Cortes o Deputado António José de Almeida, que os republicanos de Alcobaça muito apreciavam.
No Partido Progressista também se verificou em 1905 uma dissidência liderada por José Alpoim, Ministro de Justiça de um governo chefiado por José Luciano. Em Alcobaça, esta interessava, tão só, na medida em que os republicanos como Santiago Ponce sabiam e diziam não ter pressa, pois que iriam comer a maçã madura que lhes caía no prato sem esforço.
-3-D. CARLOS, LUIS XVI E AFONSO COSTA-
O Deputado Afonso Costa virou-se para João Franco e disse implacavelmente sem tremer a voz: O Senhor Presidente do Conselho é mandatário do País e os membros do Parlamento, como representantes da nação são seus mandantes. S. Eª, como administrador ou procurador nosso, tem o dever de trazer à Câmara as contas dos adiantamentos feitos a eles. A Nação ordena, e declarara indispensável, que essas pessoas reponham as quantias desviadas com todos os juros sem exceção de uma só verba; declara formalmente que não consentirá no aumento da lista civil, nem em qualquer regularização, nem em outro modo acomodatício de pagamento. E mais ordena do Povo, solenemente, que logo que tudo esteja pago, diga o Senhor Presidente do Conselho ao Rei: Retire-se senhor, saia do País, para não ter que entrar numa prisão em nome da lei.
Das galerias, soaram aplausos, que a Mesa não conseguiu dominar.
Afonso Costa prosseguiu: Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI.
Novamente soou a campainha, Ordem! Ordem, e Tomás Pizarro de Mello Sampaio (de nome completo, deputado pelo Partido Regenerador-Liberal, de João Franco, havia assumido a Presidência da Câmara dos Deputados, entre 1906 e 1908), declarou que ou o senhor Afonso Costa retira a frase ou tenho de lhe aplicar o Regimento.
Afonso Costa, repisou a injúria no mesmo tom, sobrepondo-se ao tumulto que criara na Câmara: Por muito menos rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI.
O tumulto aumentou nas galerias, que os contínuos queriam esvaziar. Os deputados republicanos gritavam que era ilegal mandar sair o público, encontrando-se a sessão aberta e não se deviam suspender os trabalhos. Mais uma vez a voz de Afonso Costa fazia-se ouvir acima de qualquer outra:
-Eu respondo pelos meus atos!
-V.Exª não pode falar… Convido-o a retirar-se do edifício das Cortes.
Afonso Costa bradava: Havemos de sair todos! Hão de prender-nos a todos! Esta a liberdade do governo e a liberdade da monarquia.
-Em virtude da resistência do senhor Afonso Costa à intimação que lhe faço, em nome da Câmara, vou mandar entrar a força armada.
Quando os soldados entraram na sala, num gesto largo e teatral, Afonso Costa ao ser arrastado para o exterior, virou-se para eles de braços abertos e gritou: Soldados, não tendes o direito de tocar num representante do povo. E acrescentou: Soldados! Com a minha voz e as vossas armas baionetas, vamos proclamar a República, vamos fazer uma Pátria nova.
Dirigindo-se a João Franco e enquanto partia entre os soldados, Costa gritava de punho erguido: Esta é a sua liberdade!

O Deputado António José de Almeida, ainda tentou convencer os militares (que apelidava de Filhos do Povo), a proclamarem nesse momento a República. Este e outros incidentes, difundidos e ampliados pelos republicanos, levaram a agitação a muitos pontos do País. Em Alcobaça, aquilo em que participava António José de Almeida era seguido com atenção.
Afonso Costa e Alexandre Braga, foram julgados e condenados por ofensas ao Rei na suspensão dos direitos parlamentares por 30 dias.
-4-ECOS EM ALCOBAÇA-
Em 3 de julho de 1907, Câmara Municipal protestou contra o estado da administração pública decorrente da ditadura franquista, pelo que enviou a Lisboa, uma delegação com dois de seus membros, para pedir o regresso à normalidade constitucional, a qual foi acolhida com alguma indiferença pelo secretário do ministro que a recebeu.
O Presidente da Câmara, em 30 de dezembro de 1907 anunciou que, em obediência a ordens superiores, abandonava, tal como os vereadores, a gestão da Câmara, protestando contra a violação constitucional e leis do país, entregando a administração municipal a uma entidade que não foi eleita pelos munícipes, como impunha a Carta.
A notícia do acontecimento nas Cortes com Afonso Costa, chegou a Alcobaça no dia seguinte, trazida de Lisboa por Américo d’Oliveira, tendo sido recebida com cautela, dados os inusitados termos e possíveis efeitos.
Quando na sexta-feira os Deputados Afonso Costa e Alexandre Braga, retomaram os seus lugares (afinal não cumpriram 30 dias), foi expedido para Lisboa um telegrama de solidariedade:
Drs. Afonso Costa e Alexandre Braga, câmara dos deputados – Lisboa.
Republicanos de Alcobaça saúdam os seus deputados e, confiando que eles continuarão a servir o país e a honrar o seu mandato como até aqui, esperam que se não repetirá a injusta violência de que foram vítimas, e nós com eles.
(a) Raposo de Magalhães.
-5-AMÉRICO D’OLIVEIRA-
Américo d’Oliveira propagandista da República (para cuja causa contribuiu com dinheiro que herdou), maçon e carbonário, teve ação relevante já no dia 4 de outubro, na Rotunda ao lado de Machado dos Santos, que ao admitir o eventual falhanço do golpe, o incentivou, permanecendo ambos lado a lado até à vitória se consumar,
As coisas não correram bem aos sublevados que se tinham concentrado na Rotunda. Perante a ausência dos principais dirigentes republicanos e em face dos

boatos que começavam a fervilhar, alguns consideram que se deveria levantar o acampamento.
Em 1908, Américo d’Oliveira vivendo ainda em Alcobaça, fundou e custeou o jornal O Republicano, do qual terão saído apenas seis exemplares e era principal redator Raul Proença que também vivia em Alcobaça.
Este, figura cimeira do pensamento político português no primeiro quartel do século XX, marcou a intervenção cívica durante a I República, cujos vícios criticou duramente. Proença combateu o sidonismo e a Ditadura Militar que, em 1927, o condenou ao exílio em Paris. Tendo regressado a Portugal em 1932, já acometido da grave doença mental que o levaria ao internamento no Hospital do Conde de Ferreira, no Porto, aí faleceu.
Um grupo de amigos e correligionários de Américo d’Oliveira, ofereceu-lhe no dia 21 de janeiro de 191/sábado, no Grande Hotel de Inglaterra- Lisboa (um dos mais conceituados da capital, propriedade de A. Ramos, situado na esquina da Praça dos Restauradores com a Rua do Príncipe, hoje Rua do Jardim do Regedor, inaugurado a 15.04.1906, após profundas obras para ser adaptado a hotel e que com o 5 de Outubro, sofreu bastantes danos, embora tenha reaberto ao fim de poucos dias), um banquete de homenagem pelos serviços prestados à República, quando do movimento que a implantou. Diversos brindes foram proferidos, salientando a ação de Américo d’Oliveira, de quem o Ministro António José de Almeida, que assistiu ao jantar, frisou ser um dos mais heroicos combatentes da Revolução, ao qual a História haveria de fazer justiça.
O semanário lisboeta Colonial, querendo prestar homenagem ao revolucionário Américo d’Oliveira, inseriu o retrato num dos seus números, fazendo-o acompanhar de um artigo a salientar a sua coragem e determinação no decorrer do 4 de outubro, na Rotunda.
Nos primeiros momentos da revolta Machado Santos corre o acampamento e não encontra um oficial, a quem se pudesse entregar o comando.
Foi um momento de dolorosa angústia para o heroico marinheiro, republicano desde muitos anos e um doido pela grande ideia.
O que ele sofreu nesses momentos, ao ver que o movimento ia talvez fracassar, diante delle que estava ali resolvido a praticar todas as loucuras!
Olhou em volta de si e viu Américo de Oliveira, que procurava o mesmo que ele: uns galões de ouro.
Com a mesma ideia dirigem-se para outro.
-Estamos perdidos! Exclama Machado dos Santos. Estamos sós! Que fazer?
Américo de Oliveira exclamou, num ímpeto:
-Tocar a unir, e perguntar aos sargentos se aceitam o seu comando!

Machado dos Santos exultou, já não estava só, tinha ali ao lado um companheiro heroico. Silenciosamente, mas com grande decisão, caíram nos braços um do outro, e foi com uma voz potente de comando de Machado dos Santos mandou tocar a unir.
Felizmente, os heroicos sargentos aceitaram sem relutância o comando de um oficial da marinha, que nem sequer era combatente. De tal modo eles queriam ir para a frente!
Américo d’Oliveira participou no 28 de maio de 1926, tendo sido um dos dois que, com Mendes Cabeçadas, foi ao Palácio de Belém parlamentar com Bernardino Machado, a entrega do poder.
Foi o editor de Arquivo Nacional, que Rocha Martins dirigiu entre 1932 e 1943, semanário que divulgava, aliás sem grande profundidade factos, acontecimentos, biografias e memórias de contemporâneos e de figuras de outras épocas, quase sempre marcadas por controvérsia.
-6-O PARTIDO REPUBLICANO EM ALCOBAÇA-
O Partido Republicano não tinha delegação em Alcobaça, o que não impedia ação política por parte de seus membros ou dirigentes.
O Centro Democrático Republicano apenas seria constituído em 1907, pelo que até aí os republicanos reuniam-se informalmente, na farmácia ou em casa de Natividade. Por isso os abaixo assinados, constituídos em comissão para levarem a efeito a organização do partido republicano no concelho de Alcobaça, tomam a liberdade de convidar para um reunião que se há de efetuar no dia 25 do corrente, todos os cidadãos republicanos e maiores de 21 anos do mesmo concelho, a fim de se eleger a respetiva comissão municipal e encetar outros trabalhos concernentes á referida organização.
A reunião terá lugar em Alcobaça, à 1 hora da tarde na casa onde existiu a antiga fábrica de papel, á Levada, pertencente ao Sr. Francisco Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
Alcobaça, 15 de dezembro de 1906.
José Eduardo R. de Magalhães
António de Sousa Neves
Santiago Perez Ponce y Sanchez
João Ferreira da Silva
Afonso Ferreira
Nota-São considerados cidadãos republicanos, além dos que se acham inscritos como subscritores do partido, todos quantos assinaram as mensagens de adesão enviadas ao comício de Leiria e ao banquete em homenagem aos deputados republicanos, e bem assim aqueles que, desejando aderir, compareçam á reunião

do dia 25 e nessa ocasião se inscrevam no respetivo cadastro partidário, a fim de poderem votar na eleição da comissão municipal.



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