terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Ontem, hoje ou amanhã


ONTEM, HOJE OU AMANHÃ
FLeming de OLiveira
Uma Questão de Idade
A partir de que idade, alguém, se considera “velho”?
Nos meus tempos de rapaz, com 50 anos de idade já se era considerado “idoso”. A velhice, hoje em dia, é também uma construção social e a sociedade viu surgir dois fenómenos/momentos bem diversos, a adolescência, que se mistura por vezes com a infância e a segue, e depois a idade adulta. E essas duas décadas, como foi o caso de meu Pai, por vezes três, que separam a cessação da atividade profissional do momento em que as insuficiências físicas e mentais eliminam a autonomia, fazem um “velho”.
Antigamente, a esperança de vida, tornava muito curto o período entre a cessação da atividade e a morte, que com frequência antecipava-se aquela. Atualmente, muitos milhares de portugueses reformados são “maduros”, sem estarem senis, longe disso! 
As evidências biológicas não são escamotáveis, envelhece-se muito cedo, e aos trinta e tal anos o organismo atinge a fase de rendimento máximo. Toma-se consciência do declínio físico, através do uso de óculos para ler, de alguma surdez, a falta de fôlego ao subir escadas ou numa corridinha, tensão arterial elevada, a irritabilidade perante ninharias, enquanto que a degenerescência intelectual se traduz em “lapsos/buracos” da memória, primeiro relativamente a nomes próprios, depois ao passado recente que se desvanece, enquanto as recordações antigas permanecem nítidas.
Rebuscando no baú das memórias um tempo cada vez mais distante, o “idoso” deixa de ser contemporâneo da sua própria história e este “laudator temporis” aborrece, quanto basta, os próximos, irritados com as suas manias “despropositadas”. Com a idade emergem, ou tornam-se mais intensos, o gosto pelo conforto,pelo sol, descanso ou requinte, a procura de notoriedade familiar ou social, bem como o desejo de reconhecimento do mérito. Prosélito da sua maneira de ser e viver, o “idoso” exaspera por aquilo que pelos outros é percebido ou entendido como uma indevida auto-satisfação.
A expressão popular “voltar à infância” é adequada, já que aos poucos se vão substituindo os alimentos sólidos por líquidos ou papas, o interese crispa-se em torno da alimentação e das funções excremenciais, o médico torna-se um pai e a enfermeira uma mãe, que não devem estar longe. Enquanto a dependência da criança decresce progressivamente para desaguar na vida, a do “velho” condu-lo ao fim. Daí uma sábia e interessante conclusão, que recordo ouvir em casa do meu Pai, que se reformou lúcido e demasiado cedo: “O velho é uma caricatura da criança, uma criança que caminha para futuro nenhum, a velhice é uma infância vazia, uma infância absurda. É um vazio em si e diante de si”.
Preocupado com a sua sobrevivência, o “idoso” perde uma parte da  sensibilidade,  a morte dos outros pouco o afeta, a da gente do seu meio dá-lhe uma satisfação inconfessada.


Há regras imutáveis!

O peso do luto não deve fazer esquecer que a morte é também transmissão de um património.
Cada vez é mais frequente, os filhos entrarem na posse de uma parte do património familiar antes da morte dos pais. A coexistência de três gerações é vulgar e a de quatro deixou de admirar. Deste modo, enquanto se herda cada vez mais tarde, aumenta o número de ascendentes a cargo, como os reformados, incluidos os pré-reformados.
Entre os inúmeros casos de que tomei conhecimento no meu escritório, posso referir aos meus leitores, o do herdeiro de um património, que com sessenta anos de idade ainda não tinha herdado nada, pois que os pais ainda vivos, não efetuaram qualquer doação, como “apreciaria”. E também o agricultor pobre, com sessenta anos, tendo a seu cargo simultaneamente ainda um ascendente e dois filhos que não têm emprego.
Em consonância com um pensador que aparece nas manhãs da rádio, entendo que uma sociologia da morte que não se baseie numa sociologia das formas de transmissão do património, corre o risco de ser idealista e abstrata. Conscientes que os filhos só irão herdar na idade da reforma, são muitos os pais que fazem doações, embora eu duvide da sua “bondade”. Este  donatário é, em média,  dez anos mais novo que o “herdeiro natural”. No tempo de meus Pais, a herança chegava quando se entrava na vida ativa, hoje ocorre quando as pessoas a deixam (mal comparando, parece-me o caso da Rainha de Inglaterra…). Aceito pensar, sem especial malícia ou mesmo cinismo, que os choros e lamentações que acompanham o defunto, estão muitas vezes a mascarar a expectativa cúpida da herança, e que só o desaparecimento ritual deixa intacto o sentido da morte e o pavor que ela suscita.
A morte, que não é apenas “obscena” ou “escandalosa”, não se limita à partilha da herança, pois exprime a perpetuação da família e a sua posição social do “de cujus” (falecido). Ver no património tão só uma acumulação de coisas, é reduzir-lhe o significado. Entendo o património como um conjunto de valores carregados de afetividade e do peso da história de uma família. O pai que economiza, empreende e acumula, para legar gostosamente aos filhos mais do que recebeu, está longe de se determinar apenas pelo espírito do lucro ou avareza. Para assegurar a continuidade da linhagem, o dinheiro adquire uma dimensão instrumental.
O património, como decorre do próprio nome, remete para a imagem paterna. Talvez por isso, o legislador aqui ou acolá, tem limitado, se não abolido, o imposto sobre sucessões.  


Mudam os tempos, muda o discurso…(I)


A ninguém é permitido, muito menos obrigado, “aliviar” o próximo, retirando o que entenda necessário para si e família, nem sequer repartir o que as conveniências ou a decência impõem.
Foi, decerto modo, o que o Papa Leão XIII escreveu em 25 de Maio de 1891, in “Rerum Novarum” e outras encíclicas, como “Auspicato Concessum” ou “Graves de Communi”. “Rerum Novarum”, talvez a mais conhecida, sobre a condição dos operários (em português "Das Coisas Novas”), era uma carta aberta aos Bispos, debatendo as  condições daqueles.
A encíclica aborda problemas levantados com a revolução industrial e as sociedades democráticas, do final do século XIX. Leão XIII, apoiava o direito dos trabalhadores a formarem sindicatos, rejeitava o “socialismo e defendia o direito à propriedade privada. Discutia, enfim, as relações entre o governo, os negócios, o trabalho e a Igreja.
Iniciou o texto, fazendo um levantamento da situação social da época e da crise de conflitos que o mundo (europeu…), e criticou a situação de miséria e pobreza a que os trabalhadores estavam submetidos em razão de um liberalismo irresponsável, de um capitalismo selvagem e de patrões desumanos. Os trabalhadores estavam a ser vítimas da cobiça e de uma concorrência desenfreada da ganância e de leis que haviam perdido o sentido e os princípios cristãos:
“(...) É necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida”.
Leão XIII criticava a concentração das riquezas nas mãos de poucos e do mau uso que dela faziam. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal.
Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens, ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isso deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram um quinhão de um pequeno número de ricos e de opulentos, que impõe assim um julgo, quase servil, à multidão do operariado.
A encíclica refuta o critério “socialista sobre a propriedade privada, acusa de injustas e absurdas as razões aduzidas pelos “socialistas”. Afirma que o homem antecede ao Estado em valor, dignidade e importância e também no tempo, que o fim do Estado é propiciar o bem comum do homem e de prover-lhe os meios para que possa alcançar a felicidade. Não é o homem para o Estado, mas o Estado que existe em função do homem, o direito de propriedade é um  direito natural, baseia-se no trabalho humano e ainda na essência da vida doméstica.
(continua)




Mudam os tempos, muda o discurso…(II)

(continuação)



Rerum Novarum” qualifica, como vimos, de desastrosas as consequências da proposta “socialista” e é uma crítica à falta de princípios éticos e valores morais na sociedade progressivamente laicizada, uma das principais causas dos problemas sociais. O documento papal refere alguns princípios que, na perspetiva de há mais de 100 anos, deveriam nortear a procura de justiça social, económica e industrial como, por exemplo, a melhor distribuição de riqueza, a intervenção do Estado na economia a favor dos pobres e desprotegidos e a “caridade” do patronato aos trabalhadores.
A encíclica, veio completar outros trabalhos de Leão XIII, para modernizar o Pensamento Social da Igreja e da hierarquia.  
(…) “A religião confere aos infelizes a sua melhor consolação, inspirando-lhes a esperança de bens imensos e imortais, tanto maiores quanto mais pacífico e longo for o sofrimento”(…).
(…) “Dispensar aos patrões o respeito que merecem e fornecer o trabalho que lhes é devido, não se enfadar com a vida doméstica, tão rica em bens de todas as espécies, acima de todo praticar a religião e pedir-lhe consolo nas dificuldades da vida”(…).
Máximas como estas, como compreendemos facilmente não poderiam ser, hoje, proferidas a partir de Roma, de um púlpito qualquer, muito menos por um político no ativo.
Houve os que acreditaram e que por terem aberto os olhos, saíram do “Partido”. Talvez Estaline, Mao, Castro ou mesmo Cunhal tenham sido os seus modelos e durante anos justificado a esperança num mundo que não fosse dominado pela exploração, tragédia, impotência ou injustiça na repartição. Houve os que visitaram o “Partido” antes que o carreirismo os levasse a renunciar à utopia. E também os que, ocasionalmente, encontraram no “Partido”, a família que lhes faltava, os que tendo construído a identidade sobre os esteios judaico-cristãos não conseguiram passar sem a transição de uma bengala, ou os que depois do 25 de Abril, aderiram para matar o espirito, senão a família, que não era oposicionista. Há sim, e isso comove-me especialmente, os que, operários e filhos de operários, sabem muito bem que poucas são as possibilidades de sair da condição em que o acaso os fez nascer, mau grado lhes acenem com uma democracia social. Mas há também os que “calcularam” o lucro que poderiam tirar dos “compagnons de route”, antigos compromissos. Não, não me espanta nada, o fascínio que o comunismo soviético exerceu sobre alguma, auto proclamada, “intelligentsia” portuguesa. Espantoso é quando os especialistas do erro se transformam em detentores da verdade. Comunistas estavam prontos a abrir as portas dos “gulags”, para lá fechar os que duvidavam da possibilidade de uma superação dos horrores do momento. Quando se tornaram “infantilmente” esquerdistas, sincretizaram o seu anti-comunismo e o seu anti-americanismo, num espontaneismo da missão de engendrar uma sociedade nova e justa. De regresso aos sentimentos dos pais, acolhidos com o fasto mediático que convém aos filhos pródigos, atraíram os pares para a via do alinhamento pelos valores tradicionais, restaurados ou remendados.





GERIR O TEMPO QUE PASSA

O emprego do tempo é, hoje em dia, um fenómeno cultural (como acentuava o saudoso Prof. J.H. Saraiva), e o peso do passado deixa aí a sua marca.
O poder público português parece não o valorar  devidamente, nomeadamente ao gerir o fenómeno turístico.
Em Portugal, é de bom-tom ser-se “sobre-ocupado” (quem não anda muito atarefado, não presta…), adiar encontros tidos por urgentes, chegar atrasado aos jantares fora, não responder às cartas, não ligar a quem deixou uma mensagem, etc.. Creio que os ingleses elaboraram, há muito, técnicas de gestão de tempo, a que se chama vulgarmente a “pontualidade britânica” que, em casa de meus Pais, era muito observada. Não a destacando, especialmente, como uma questão de educação que é, o objetivo é a eficácia, pelo que utilizam duas palavras “efficient” (tarefa executada no tempo mínimo) e “effective” (objetivo atingido). O conceito de “planning” veio, porém, dos E.U. (não da URSS).
Liberto de uma história que pouco lhe foi ensinada, o americano ao invés do português ou do europeu, vive muito no presente e projeta-se logo no futuro, pelo que se pode dizer que o seu imaginário é mais prospetivo que retrospetivo. Não, não se posiciona, nem se preocupa assim, “Em busca do tempo perdido”. O eletrodoméstico, o telemóvel, o PC, criaram um tempo livre que o português se apressou a atulhar. Estes instrumentos que permitem “ganhar tempo ao tempo”, começam a ser tidos como alienantes. O meu tio Miguel Arcanjo, já há mais de trinta anos (ainda não haviam telemóveis ou PC), sem que os filhos ou sobrinhos como eu o secundassem, queixava-se da idolatria da técnica, da técnica inventada pelo homem e à qual se escraviza, a loucura da velocidade, uma trepidação a que ninguém escapa, uma desmesura de coisas que é o que há de menos conforme com a nossa natural maneira de ser. A gestão “feliz” do tempo, cria a disponibilidade. Uma vez que o recuo da “fronteira” passa pela inovação e pela decisão de empreender, há que não deixar escapar uma ideia nova.
De certo modo, nesta linha de raciocínio, um Advogado, o meu Amigo Soares Dias, entende que a conceção “americana” do tempo, ajuda a explicar a elevada taxa de divórcios, já que se impõe a convicção que se tem tempo, que após um fracasso matrimonial se pode sempre recomeçar e ter êxito. E daí conclui que, o casamento é um empreendimento demasiadamente sério para comportar a resignação face à mediocridade. Falhou-se conjugalmente em Alcobaça, reinicia-se a vida no Porto, em Lisboa ou até em Angola. O exemplo de certos casais, muito mediáticos, fornece a prova “provada” que, com frequência a segunda tentativa se transforma em sucesso.






TODOS QUEREM SER COMO “NARCISO” OU “VENUS”

Um rechonchudo americano, que conheci no verão passado no Algarve, retorquiu-me “claro, temos muitos obesos, olhe para mim, mas há aqueles, como vocês, que são miseráveis”, enquanto na esplanada devorava himalaias de gelados merengados ou hamburgers com batatas fritas molhadas em maionese, tudo acompanhado por grandes copos de coca-cola embora, depois, por descargo de consciência, deitasse sacarina no café.
Referindo-se ao “miserável” português, onde me incluia discreta mas tacitamente, dizia ele ser um tipo volúvel e invejoso, com Segurança Social a “insultar” um Estado que não cessa de solicitar, incapaz de empreender seja o que for a não ser criticar o outro, e que afoga a nostalgia da grandeza perdida há 500 anos no vinho tinto, com que rega o seu bacalhau, o cozido, ou o bife de vaca.
Para o português “mediatizado” acrescentava ele, os americanos são como a Greta Garbo, a Marilin, o Clark Gable, o Paul Newman ou o George Clonney. Por de trás destes “clichés” antiquados, uma constatação se me impõe, de ambos os lados do Atlântico, o corpo de Narciso ou Venus tende a melhorar. Ao nível do tipo de corpo vencedor, a iniciativa é  americana (antigamente dizia-se nórdica) e as estatísticas, talvez credíveis, informam que de há 50 anos para cá o número de americanos e europeus praticantes de “jogging” duplicou e a dieta fez baixar os acidentes cardiovasculares ou de diabetes. Embora, os americanos, auto financiem uma parte importante dos seus cuidados de saúde (Obama no seu primeiro mandato, bem tentou contrariar a situação), os que, seja qual for o nível de rendimentos consultam os médicos, são cada vez mais.
A campanha anti-tabagismo foi um êxito, e os não fumadores são, talvez, tão numerosos, como os fumadores. “Ela” bebe leite magro, come fruta, faz desporto, renuncia ao tabaco e ao álcool, que tornam a tez macilenta.
Os portugueses eram (e ainda são sujos), pelo menos os médicos, enfermeiros e as meninas do apoio domiciliário o dizem. A luta contra a sujidade, anda associada à higiene. É conveniente escovar os dentes antes de ir dormir, tomar banho regularmente e renunciar ao consumo do açúcar, para prevenir as cáries. Se a natureza dotou alguém de alguns portugueses(as) de elementos inestéticos, eles(as) já não hesitam recorrer à cirurgia estética (veja-se a Corporatión Demoestética, que aceita finaciar (a)o cliente), pois não têm culpa do respetivo código genético. A maior parte destas intervenções, têm como objetivo o rejuvenescimento, pois há que envelhecer feliz. No nosso País, a recusa do envelhecimento, ou pelo menos a arte de a ele se acomodar, começou há anos, com a talassoterapia, massagens, “liftings”, “cocktails de vitaminas” e outros instrumentos que permitem manter o corpo com as suas faculdades.
Pode-se voltar a casar, em qualquer idade. Em Portugal, mesmo em crise, não se prescinde da busca da eterna juventude.




LIBERTAÇÃO OU TALVEZ NÃO


Escapa já a homossexualidade, à condenação ética e ao poder médico?
O “atual” de que falamos nestes apontamentos que temos vindo a publicar e as transformações alegadamente estruturais que com ele conotam podem, aliás, ser consideradas em referência a um tempo longo. Com efeito, dizem respeito aos últimos anos de um estado político e social, que a rapidez das transformações em curso faz já parecer longínquo. Ou seja, um período que consideramos genericamente no seio de quadros sociopolíticos precisos, termina com o 25 de Abril, já que com este outra “festa” foi instaurada.  
Posto isto, sendo a resposta aquela questão eventualmente positiva ter-se-á a “libertação gay” estendido a Portugal? Lá fora e cá, o reconhecimento social da especificidade homossexual, advém em meados dos anos 70. Uma sondagem feita em Inglaterra por essa altura  (muito pouco divulgada entre nós), revela uma reprovação, quase unânime, da homossexualidade, ao passo que 1980, já só um terço dos inquiridos exprime uma condenação, sem reservas.
Foi nos “campus” e em certos bairros de cidades americanas, embora circunscritos, como Nova Iorque ou S. Francisco, que os homossexuais puderam começar a levar a existência porque optaram, sem mais a mascararem. Se é certo, como já afirmavam os romanos, que a natureza humana é estruturalmente bissexual, há ainda muito a fazer para que se apaguem mais de dois milénios de moral cristã.
Desconheço se a percentagem de homossexuais é atualmente mais elevada na Europa do que em Portugal, até porque a expressão não é totalmente inequívoca. Quando se fala de homossexuais, temos que saber se são os que se assumem “ostentatoriamente”, os que se escondem por de trás de uma vida familiar “digna” ou ainda os que desejosos recuam perante a passagem ao “acto”, vivendo um jogo fantástico, absolutamente secreto. A concentração de “gays” em lugares bem precisos, como bares ou associações, demonstra que ainda constituem uma minoria na defensiva, rejeitada, afinal, pela sociedade em geral, conservadora. O aparecimento da “sida” foi um excelente achado para o fundamentalismo latente, uma vez que metaforicamente, mata a vida do corpo antes de condenar a alma.








QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (I)
A Família tradicional


Longe vão os tempos em que os cuidados de saúde e higiene com os idosos eram prestados no calor da familia.
Foi, ainda assim, com os nossos Avós que faziam parte integrante da família “tradicional”, a quem eram dispensados o aconchego e o zelo possíveis. A família estava estruturada e preparada para isso, sendo a situação aceite no campo ou na cidade, num contexto de maior ou menor escassez de recursos. Antes de disparar o surto de urbanismo, a família tradicional era principalmente rural e agrupava, não raramente, três gerações. Na cidade, encontrava-se no seio de uma classe média burguesa, mais ou menos alta ou confortável. Com a cidade de habitações exíguas, a família viu-se reduzida ao núcleo mais elementar, desde logo, pelo número de filhos.
O conceito de família, na sociedade portuguesa, deixou há muito de caber apenas no rótulo de tradicional, para se espalhar por outras formas de organização, desde os homossexuais, à mãe e pai solteiros, casais que conjugam filhos de anteriores relações com outros nascidos da nova relação. A sociedade portuguesa olha para as mais recentes formas de organização familiar, com um misto de abertura e desconfiança, principalmente no que toca às mães solteiras e aos casais de homossexuais, cujo debate não encerrou.
Com o passar dos tempos a estrutura foi-se alterando, com exigências e compromissos sócio-laborais a exigirem maior ocupação e dispersão dos braços, o que implicou que o idoso fosse sendo remetido para o isolamento do lar. O aumento do tempo médio de esperança de vida, acarretou para esta faixa etária a necessidade duma estrutura social mais sólida, com suporte administrativo e financeiro integrado no Estado-Social. Contudo este, pelo menos em Portugal, está longe de ter capacidade de resposta para todo o espaço nacional, além de que nem os Hospitais ou as Instituições de Solidariedade Social têm condições ou vocação para lidar com a situação.
(Continua)





QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (II)

A Família tradicional


(Continuação)

Perante este estado de coisas e com a população a envelhecer, os Lares de Idosos começaram a proliferar de Norte a Sul numa lógica de exploração ou de negócio como outro qualquer, sabe-se lá com que qualidade.
O programa do governo do Senhor “Engenheiro”, fez o “reconhecimento da diversidade das situações familiares, o que implica o estudo e acompanhamento das mudanças em curso na família e a definição de tipologias de intervenção adequadas. Além disso, defendeu a consagração de políticas públicas determinadas por critérios de justiça social nomeadamente no que se refere à progressiva eliminação dos fatores que afetam todas as famílias em situações de grande vulnerabilidade social - as pessoas/mulheres sós, sobretudo idosos, as famílias numerosas pobres, as famílias em situação de monoparentalidade, as famílias com pessoas desempregadas, as crianças em situação de risco, as famílias imigrantes e famílias com pessoas portadoras de deficiência”.
Fez o reconhecimento, fraturou, insistiu e nada adiantou…
Mais preocupante do que os Lares de Idosos, “sem alvará”, é a propagação de Casas “Clandestinas”, que acolhem pessoas sem reunir condições para tal. Trata-se de empresários, normalmente sem qualificações, que aceitam acolher em casa um, dois, três ou mais idosos e que, muitas vezes os colocam a viver em caves, outros locais do género ou a repartir camas.
As Autoridades Policiais, as Juntas de Freguesia, a Segurança Social e muitos de nós, têm conhecimento desta triste realidade, o que nem por isso facilita uma atuação, dado só ser possível num Estado de Direito entrar numa casa com autorização do proprietário ou com mandado judicial.
Nunca ninguém apurou quantas são estas casas que por aí existem, concretamente em Alcobaça, em que condições vivem os idosos. Não releva reportar às famílias a pesada quota-parte de responsabilidade no fenómeno, embora se reconheça que, assim ao proceder, ao deixarem os parentes livram-se no imediato duma incómoda preocupação.
(continua)




QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (III)
A Família tradicional


(Continuação)

Se estivessemos no antigamente, e não me refiro propriamente ao tempo da “outra senhora”, poderiamos afirmar que um idoso abandonado traduz o que há de mais sórdido, o desprezo para com o pioneiro fundador da família. Os nossos idosos, muitas vezes, são considerados como figuras gastas, um pesado e fastidioso encargo. Todavia, tendo o direito de exigir um lugar no seio da família, vêm-se obrigados, não raras vezes, a mendigar a migalha que sobra. Nalgumas sociedades ou famílias não apenas tribais, os idosos são considerados, como “O Livro da Sabedoria”, portanto, especialmente venerados.

O idoso ao ser rejeitado, acelera o seu processo de envelhecimento. Por outro lado, muitas das alterações do comportamento, devem ser interpretadas como reação à vivência da desvalia da auto-imagem,  diretamente dependente da diminuição das capacidades funcionais e intelectuais. O idoso, tornando-se pouco a pouco mais frágil, tanto sob ponto de vista físico, como psíquico, fica cada vez mais dependente, num meio cada vez menos tolerante.

A reforma é por vezes mal vista, na medida que é associada a morte social. Os colegas começam a desaparecer, os amigos e a família a afastar-se, e a surgir no medo e meio da solidão, a doença e a dificuldade de locomoção. O ser humano não é só biologia ou composto psicossomático, mas um projeto que inclui corpo e espírito, tempo e Eternidade. A História é composta de alegrias e sofrimento, pelo que se impõe sensibilizar os mais jovens a estarem conscientes da conceção de velho, que amanhã como “ cruz” tem de usar fralda, bengala, cadeira de rodas, algália e uma cama.

(Continua)





QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (IV)
Ser velho, não tem “graça” nenhuma


(continuação)

Os Idosos são personagens recorrentes em (com)textos que ocupam espaços importantes na televisão, particularmente nas novelas e nos programas humorísticos, pois é fácil explorar a sua  dramaticidade, ao acentuar a teimosia, desorientação e impertinência.
A familia “tradicional” está, pois, em crise, embora talvez pior que a crise, são os modelos alternativos que nos querem eleger como substitutos da verdadeira família, famílias monoparentais, pares de homossexuais a adotarem crianças, famílias em que cada um dos membros é o que fica de outras famílias. Os que assim se encontram, tem os seus “lobbies”, querem reconhecimento social, jurídico ou económico, como se tratasse de famílias tradicionais, não aceitando que a situação é a corrução daquelas. O drama da velhice, é frequentemente retratado em reportagens de idosos abandonados/depositados em Lares.  Todavia, numa hipócrita boa consciência, é vulgar que depois das imagens de abandono, sejam apresentados velhos, gente feliz sem lágrimas, que continuam a desenvolver atividades criativas, cantando e rindo...
O Poder tem de inverter a sua política familiar e deixar de gastar tanto do nosso dinheirinho em, pouco mais que, propagandear os malefícios da diminuição da natalidade e o rapidíssimo envelhecimento da sociedade portuguesa, elevado a um nível dos maiores da Europa. Respeitando a paternidade/maternidade responsável, devem estimular a natalidade dentro do matrimónio, sim dentro do matrimónio, para que a sociedade se vá retornando, mais equilibrada.
(CONTINUA)






QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (V)
Bons negócios


(continuação)
Os Lares de Idosos “ilegais” em Portugal movimentam muito dinheiro, embora pratiquem preços, ao que se diz, cerca de 15% ou mais, inferiores aos lares “legais”, o que leva a que tenham uma forte procura de famílias menos abonadas, especialmente nestes tempos que correm.
Têm sido recorrentes as notícias de Lares de Idosos “ilegais” encerrados coercivamente. Daqui lanço um alerta para os combater, pois que para além de não pagarem impostos, e por aí não são solidários perante a crise, frequentemente carecem de condições de higiene e segurança para uma qualidade de vida decente, embora não conheça nenhum caso especialmente relevante em Alcobaça.
Estimado leitor e alcobacense, sempre que precisar de um Lar para um Idoso, procure um qure seja acreditado, consultando a Segurança Social, a sua Junta de Freguesia, que têm conhecimento de situações “irregulares”, bem como disponíveis listas de lares “legais”.
Mas o abandono não se traduz apenas nos casos de Lares de Idosos, ainda que “legais”.
O número de idosos abandonados nos Hospitais não pára de aumentar, como os deixados na “Urgência”, familiares que desaparecem e não atendem os telefonemas das assistentes sociais ou vidas marcadas pela miséria, que acabam, enfim, numa cama de camarata de hospital. Mas também se registam casos de famílias que não levam os doentes para casa, quando o médico efetua a avaliação e diz que um idoso pode fazer lá a reabilitação, porventura, com necessidade de apoio domiciliário. Não os levam e vão protelando, tanto quanto possível, a permanência no hospital. Para quem fica, o sentimento de abandono será insuperável, impossível de imaginar por nós felizmente normais, pois nunca pensaram que os filhos ou outros familiares os pudessem deixar numa situação destas.
E se a tudo isto acrescentarmos que isto acontece ou pode acontecer a uma pessoa que trabalhou uma vida inteira, fez os descontos para a S.S. e contribuiu, a seu modo, para a vida coletiva, ficamos sem saber qual é o conteúdo real que devemos atribuir à expressão solidariedade social, neste Portugal tecnocrático.
A linguagem do político está cheia de palavras bonitas, utilizadas sem conteúdo substancial, e com a maior despudorada ligeireza. Certamente que estamos muito longe da sociedade justa e solidária que almejámos! E não me venham com o argumento do Défice ou Imposições da Troika…





Pagador de “Promessas” (I)
O Senhor da Pedra

Até me vir radicar em Alcobaça, vivia numa terra à beira-mar onde todos os anos se realizava uma romaria mais animada que propriamente importante, o Senhor da Pedra (que ocorria imediaramente a seguir ao Senhor de Matosinhos e à Senhora da Hora), como estas com uma natureza bastante urbana, pois todas elas têm localização na orla do Porto.
Hoje em dia, o Senhor da Pedra descaraterizou-se, absolutamente, tanto na componente religiosa, como lúdica. Enquanto rapaz e mesmo homem feito, sempre me interessou e intrigou o fenómeno da “promessa” (ao Senhor da Pedra, que era o que conhecia de perto), dadas as características contraditórias, que apresentava ou lhe reconhecia.
A “promessa”, como tem sido referido, é uma relação que se aproxima  do sacrifício, ao mesmo tempo que se insere no quadro de uma outra de intercâmbio. A pessoa “promete”  quando está em perigo a segurança da sua existência pessoal, familiar ou social. O exame dos ex-votos de que estão cheias as dependências dos santuários (o Senhor da Pedra, não era uma exceção, embora não das mais expressivas), e que por vezes mostram o “milagre” que se agradece, permitem-nos ajuizar a  variedade de situações em que surgem as “promessas”, como a guerra, acidentes, problemas de amor, exames escolares, calamidades ou mesmo negócios. As “promessas” mais frequentes, foram quase sempre as relativas à saúde, enquanto que em Portugal, nos finais de Estado Novo,  eram as que tinham ligação com a Guerra de África. “Pagam-se” elas de forma dolorosa (de outro modo teriam menos valor…), longas caminhadas a pé ou de joelhos, substituídas, por vezes, por bens ou pelo valor em dinheiro.  
A oferta/promessa de uma missa, não é um fenómeno particular, nem raro das romarias portuguesas. Conhece-se a amplitude das transferências económicas no âmbito do mundo cristão, concretamente durante a Idade Média, fruto de disposições testamentárias, instituindo as ”missas perpétuas”. Estas ocorrências deram direta ou indiretamente origem a vários santuários de peregrinação popular.
Bem entendido, tenho muito respeito pela “promessa” estabelecida num dificil momento de provação ou dor, cimentando uma ligação ao “protetor” (celeste). A intensidade desta “ligação”, encena-se tanto ao longo do caminho para o santuário, como à volta do “protetor”, no momento em que é dado cumprimento à prestação. A  encenação encontra sempre público ávido de uma emoção forte. Veja-se o que acontece em Fátima, que mobiliza a atenção/emoção dos circunstantes e que a comunicação social não regeita aproveitar, por vezes com despudor.
(continua)































Pagador de Promessas (II)
Uma relação de troca
FLeming de OLiveira
·        (continuação)
O clero poucas vezes é consultado  e, mesmo assim, a sua opinião nem sempre tem relevãncia. Aliás, quase não participa ou não participa mesmo, nesta prestação “necessariamente” dolorosa, além de que tenta travá-la em benefício de outras mais discretas, menos suscitáveis de criar uma “inútil” agitação emocional, ou diretamente relacionadas com atos sacramentais, para os quais a sua intervenção é indispensável, senão mais rendível.  Em princípio, as ofertas pecuniárias destinar-se-iam ao “protetor”, embora necssariamente colocadas à disposição do grupo organizador, Igreja, confrades, ou comissão, para manter o culto. Em geral, pouco importa ao “pagador” a aplicação concreta da prestação, dado que não pensa ter direito de vigiar a utilização do que é para ele foi o “preço do sangue”. Não, não tem preferência por uma ou outra aplicação, seja em trabalhos de conservação, embelezamento do santuário ou na compra de objetos de culto.
“Para mim a melhor prova de que estas penitências de pouco ou nada servem é eu nunca vi um padre faze-las. Eles bem sabem o que é útil, se não as fazem…”.
Assim, sob pressão do clero esclarecido, vão sendo abandonadas as promessas mais espetaculares ou, pelo menos, atenua-se o seu caráter, em proveito de uma religião que se quer mais racional.
A “promessa”, para além do significado que tem para os que a  praticam, é suscetivel de análises diferentes. Desde logo podemos encontrar a estrutura de troca a que já referi,  regulada pelo costume e suscetivel de conhecer manifestações espontâneas que poderão encaminhá-la para a magia, feita de gestos simbólicos, mas com  significado para os iniciados, destinados a  superar a angústia existencial, pelo que estes gestos têm tendência a estabelecer-se nos escaninhos da condição humana e a encenar situações em que esta se revela dramática. Por este mesmo facto, suscitam a angústia para poderem assumi-la. Ao mesmo tempo, esta relação cria e reforça os laços da comunidade, fonte de segurança psicológica, de vitalidade física e de energia moral, enfim privilegiando a coesão. Assumem, assim, as “promessas” a qualidade de quase ritos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Fleming de Oliveira no Clube de Comunicação Social de Coimbra


Comício em Alcobaça de Campanha Presidencial de Freitas de Amaral (1986)


Comício AD - Aliança Democrática em Novembro de 1980 em Alcobaça


"In memoriam" de Miguel Guerra (Fleming de Oliveira)


 Câmara Municipal eleita em Dezembro de 1976


“IN MEMORIAM” 
MIGUEL GUERRA

Em Dezembro de 1976, nas primeiras eleições autárquicas realizadas em Democracia e Alcobaça, concorreram pelo Partido Socialista Miguel Guerra, pelo PPD Fleming de Oliveira, pelo CDS Manuel Ferreira Castelhano e pelo PCP Timóteo de Matos. O PS foi o partido mais votado, embora sem maioria absoluta, com uma diferença de pouco mais de 1000 votos relativamente ao PPD. Assim Miguel Guerra foi o primeiro Presidente da CMA em democracia e mais não fosse por outra razão, passou a História da nossa Terra. Já tinha sido Presidente da C.A. da CMA (antes destas eleições e após o “Verão Quente”), e a seguir a Rui Coelho (para quem havia perdido), voltou a ser Presidente da CMA, até ser derrotado e substituido por Gonçalves Sapinho, abandonando a política. Conheci bem e trabalhei na CMA com Miguel Guerra, como seu vice-presidente e jurista. Não terá sido até hoje o melhor Presidente que passou pela CMA, mas deixou uma marca.
Foi uma pessoa correta, bom amigo, tolerante e pessoa que apreciava a vida, valores pessoais não dispiciendos. Passou os últimos anos bastante doente e num retiro discreto da Benedita, sem que lhe tenha sido prestado em vida, o reconhecimento que merecia.
FLeming de OLiveira

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Fleming de Oliveira - Crónica dos dias de ontem e dos que correm





CRÓNICA DOS DIAS DE ONTEM E DOS QUE CORREM
 FLeming de OLiveira

UM MODELO DE CASAMENTO (I)
A evolução do casamento constituiu um importante sinal da transformação da realidade familiar.
De certo modo, até meados do século passado, à II Guerra, pelo menos aquem Pirinéus, casar era fundar um lar, lançar as bases de uma realidade social, a família, perfeitamente definida e claramente legível no quadro da coletividade e do Estado Novo. Por essa altura, a profissão e a situação material, bem como, as qualidades morais dos futuros cônjuges, pareciam mais interessantes que disposições estéticas ou psicológicas, para decidir avançar para uma união. As pessoas casavam-se para se ajudarem e apoiarem ao longo de uma vida, que se anunciava muito dura e que o era ainda mais para os solteiros, para ter filhos, aumentar o património, legá-lo um dia, ajudá-los a ter êxito e, claro, a ter também êxito. Sendo os valores familiares pilares centrais nesta sociedade, julgavam-se as pessoas  em função do êxito da sua família e da sua contribuição para ele. Este projeto que implicava uma “estrutura jurídica” forte, ainda que sem a participação de notário, constituía um contrato duradouro, que só poderia ser rompido, por razões especialmente graves, imputadas a um dos cônjuges. Os divórcios eram relativamente raros, muitas vezes pedidos pela mulher quando, por exemplo, o marido alcoólico não se contentava em a enganar, bater, ser incapaz de prover às necessidades da casa, mas ainda se tornava um peso, muito “pesado”. As deceções sentimentais pesavam, pois, menos do que as contrariedades materiais.
Todavia, nunca soube aferir, seguramente por inexperiência, tendo em conta esta conceção que ainda conheci, o papel dos sentimentos no contexto deste modelo de casamento.
Não me parece arriscado defender que se pode dizer que a sociedade portuguesa de antanho não fazia do amor, nem uma condição do casamento, nem um critério para aferir o seu sucesso. Para casar, um homem e uma mulher deveriam agradar um ao outro, ter o desejo de se puderem compreender, apreciar, estimar, em suma, estarem bem um para o outro. Isto não excluía, que eles se não amassem desde logo, mas também não garantia que se viessem a amar um dia.
A valorização dos aspetos institucionais do casamento encobria, por isso, inúmeras realidades afetivas. Quanto aos aspetos “físicos”, por pudor não se dizia ainda “sexuais”, apesar de serem naturalmente importantes, vêm após a fidelidade, as qualidades de espírito, a partilha da autoridade e sobretudo, a partilha das preocupações e tarefas. Casar era, antes de mais, formar uma equipa.
(continua)

UM MODELO DE CASAMENTO (II)
Se ainda ontem se mantinha secreto, pelo menos muito reservado, a, eventual fogueira da paixão entre os cônjuges, hoje já não se dissimula a sua atenuação, ou mesmo o apagamento nas vidas conjugais de longa duração, que o prolongamento da esperança de vida, felizmente, acarreta. Se existem segredos que os casais guardam cautelosamente, que se sabe daquilo que cada um esconde mesmo do outro ou dos filhos?
Nada se sabe, bem entendido, o que é contraditório com a desejada transparência das relações interpessoais/cojugais/familiares. Antigamente, as pessoas acomodavam-se ao enigma da identidade do outro, na condição de ele assumir a sua função sócio-familiar. Recordo-me de ouvir contar em Casa de Meus Pais, de que aqui já tenho falado, a história desse parente que na véspera da celebração das bodas de ouro, perguntou à nora: “Que presente poderei oferecer à sua sogra? Além de não ter geito para compras, não conheço bem os gostos dela”…
O que é que une ou simplesmente reúne o casal em que um dos membros vive por um projeto e outro por retrospeção? Que se passa na alcova conjugal, onde já não se dá a luz, onde já não se comunica? Suceder-se-ão nela os tempos da paixão, do imaginário, da continência imposta pelo hábito, das trocas amistosas, do silêncio, quando ela é trocada por camas separadas, por quartos individuais?
Chegada a velhice, como funciona o mecanismo da memória comum? Aquilo que um memoriza, como uma impressão mesmo forte, terá sido esquecido pelo outro. Mesmo vestígios, pretensamente objetivos, como cartas, fotografias, ”bibelots” suscitam leituras diferenciadas, como se se tratassem de temas diferentes. Casais que viveram durante décadas, adiaram “prudentemente” certas perguntas, observações ou comportamentos. Não, não estou caros leitores, a pensar nos óbvios  “segredos utilitários”, como uma relação extra conjugal ou dinheiro apartado, mas em considerações tão terra a terra como a irritação provocada pelo ressonar, pelo não gosto de certo tipo de cozinha, pela gesticulação ou repetição, cem vezes seguida e entre risdas, de uma história antiga, sem graça alguma.
O passado supostamente erradicado pelo esquecimento, está presente em cada instante da vida do casal, mas os que partilharam a mesma existência são detentores de uma autobiografia potencial, que o outro não partilha, mas permanece por inteiro o segredo da mecânica do desejo e das suas avarias.   
Terá a Igreja, em Portugal, “secado”? É verdade que ela sofreu uma redução quantitativa em relação ao que já foi, mas os “filhos” que lhe restam, não ficaram por acaso ou interesse. O amor a Cristo, passa pelo amor ao outro, ao próximo e a sociedade de consumo convida ao hedonistmo. Mandam-nos ser cada vez mais belos, ficar jovens, investir o dinheiro na conservação, o mais longa possível, de uma aparência própria de um corpo de Narciso ou de Vénus.
A acumulação de coisas e a “libertação sexual”, dão um sentido à vida? Entendo que não, a descristianização não é uma libertação, esta última, está ligada à justiça e à fraternidade. Desde a ressurreição de Cristo, a morte não é um evento que desemboca no nada, pois entrou misteriosamente na vida. Aquele que crê em Deus, pode falar assim. Enquanto que, o que não crê, acontece-lhe trabalhar pela libertação do homem com tanto fervor e eficácia como o crente. Que o digam certos prosélitos.

UM MODELO COMPLEXO
Poderemos falar da relevante influência de um modelo/conceito de vida estrangeiro, nomeadamente alemão (ou o americano, embora este com mais alguns anos), sobre o “modo de ser português”, nos dias que correm? A vida do dia-a-dia, leva-nos a uma resposta afirmativa, quer se trate do uso masculino ou feminino das calças de ganga (jeans), do “fastfood”, dos blusões com siglas de universidades, mais ou menos reiais ou imaginárias, da música ouvida nos “walkman”, da passagem pela Alemanha ou “States” do estudante ou professor que queira adquirir um dererminado estatuto, quer se trate do consumo de filmes, folhetins ou policiais “made in USA”.
Ao nível da vida do dia-a-dia pode-se falar, já não de hoje propriamente, mas há mais de meio século, da americanização de Portugal, já que os USA, como potência dominante, tendem a impor os seus padrões culturais, societários.
Construíram-se pela Europa de outrora, réplicas de Versalhes e não faltava quem tentasse reproduzir certos fastos. Existem na Europa de hoje, normalmente em escala reduzida ou desfocada, grandes símbolos do “american way of life”.
Um célebre pensador, afirmou que “as raízes do passado estão no futuro”. Estou de acordo que a compreensão da história vivida,  perpassa pela ideia que os homens da época faziam do seu futuro. Mas as raízes do passado estão, igualmente, no passado. Continuamos à espera de uma história da memória coletiva o que, de certo modo incipientemente, tento fazer em Alcobaça com a minha escrita. Confrontados com essa lacuna, recordemos que sendo as pessoas produto de uma tripla história, nacional (local), familiar e individual, o estrangeiro (agora o alemão) e o português, não são irmãos, quando muito primos distantes.
É próprio dos vencidos, quer se trate de indivíduos ou de grupos, elaborar estratégias de compensação, cuja argumentação crispa nos fastos do passado e na negação daquilo que, no presente, incomoda. Como não podemos contestar a superioridade técnica e material dos alemães da Senhora Merkel, agora a substituírem os americanos como modelo, responsabilizando-nos pela incapacidade de conceber um modelo societário-económico auto sustentável, o português vinga-se contestando a sua arte de viver. Um amigo um dia destes, chamou-me a atenção que, nós portugueses, padecemos do “Complexo de Atenas”, pretendendo com isso dizer, que nos identificamos com os atenienses e assimilamos os alemães aos romanos. Este complexo, assenta na suposição que o vencido é superior ao vencedor, que este se alimenta do espirito do vencido. Os americanos (agora os alemães) têm a quantidade, mas nós temos a qualidade, eles têm o poder, mas nós temos o requinte, brandos costumes (!!!). Eles (americanos) têm a riqueza, nós temos a cultura. Eles têm o futuro, mas não têm o passado. São estes alguns dos temas que um nacionalismo feroz e complexado repisa, para aliviar a alma.

A “IDENTIDADE” UNISEXUAL
Penso que uma das grandes características dos dias que correm, que aliás não é nova, mas se vem sucessivamente acentuando, reside naafirmação” de uma sociedade unissexo.
Os papéis são intermutáveis, tanto os do pai como os da mãe, bem ainda o dos parceiros sexuais. Todavia, o modelo que na Família reputamos preferido continua a ser o “viril”. A silhueta da mulher, especialmente a jovem, tem-se aproximado da dos rapazes, perdendo algumas daquelas formas que os artistas europeus apreciavam e valorizavam tanto, aliás como eu mesmo.
Será mesmo assim ou uma interpretação distorcida? Num tempo antigo que ainda foi meu, havia espaços absolutamente “unissexuais” vedados às senhoras (por exemplo a taverna ou o clube), onde os homens se reuniam e as mulheres presentes eram as de “má vida”. Recordamo-nos, por outro lado, dos salões de cabeleireiro e os lavadouros das aldeias, vedados aos homens, pois ali muitas confidências femininas se podiam trocar. Esta segregação encontra-se praticamente superada, e profissões consideradas essencialmente masculinas, bem como as grandes Escolas, escancararam-se definitivamente às mulheres. Por seu lado, o homem introduziu-se no universo tradicionalmente reservado ao feminino, o ginecologista substitui a parteira, o marido muda as fraldas ao bebé, cozinha e lava a louça. O vestuário frequentemente semelhante (jeans), exprime o ajustamento da forma feminina à masculina. A sexualidade precoce tende a esbater fronteiras. Ouvi recentemente “ainda” defender a tese, contra corrente, que o futuro da humanidade reside na separação entre sexos, que os homens e as mulheres têm de seguir vias distintas para se reencontrar o “equilíbrio” necessário. Os tempos têm demonstrado o contrário mas, se reparamos bem, tarefas masculinas e femininas continuam a repartir-se segundo normas tradicionais.
Gostaria de saber se os meus leitores alcobacenses entendem que nas últimas décadas, não desapareceram ou, pelo menos, se transformaram valores como a amizade, sentimento mal conhecido, difícil de viver e manter, morto talvez no limite, pelo culto do casal que a tende a excluir por inúmeras razões, a menor das quais não será a de ela ter sido testemunha do passado. Hoje, parece-me que este sentimento é absorvido pela família. Outrora, esta não tinha esse monopólio, pelo que a amizade desempenhava papel relevante. Esse sentimento ligava os homens, alimentava numerosas relações de serviço, hoje substituídas pelo contrato. A vida social era organizada a partir de laços pessoais, de dependência e de entreajuda. As relações de serviço e as de trabalho eram relações de homem para homem, evoluindo da amizade ou confiança, até à exploração ou mesmo ao ódio.
O amor, tornou-se a condição de sucesso do casamento. Os cônjuges devem comunicar entre si? Apaziguadas as refregas do desejo, estabelece-se uma “espécie” de amizade. É o casamento a duas velocidades ou o divórcio. As relações familiares são cada vez mais íntimas, mesmo entre gerações. Estudo/inquéritos demonstram que pais e filhos nunca estiveram tão “próximos”, embora a mãe seja normalmente a confidente preferida. Na sociedade de ontem, a diferenciação dos estatutos das funções e papéis era muito nítida, não só entre sexos, mas entre pais e filhos. A relativa homogeneização que se vive atualmente, torna as fronteiras mais permeáveis, e os “quarentões” são intimados a permanecer jovens, isto é, a ser capazes de praticar os mesmos desportos que os filhos, a ser os seus melhores companheiros. Aliás, “companheiro” etimologicamente é aquele com quem se partilha o pão e assim, o passou a entender a geração saída nos anos sessenta ou setenta, como a dos meus filhos.
Entre as mulheres, às rivalidades que procedem nas estratégias de sedução, juntam-se as rivalidades de carreira? Os homens afirmam-no para se “tranquilizarem” e tirarem proveito das discórdias, embora não seja ”democrático” excluir que entre as mulheres não se estabeleça o pacto decisivo que superando as ninharias em que as armadilhas grosseiras do macho as confinam, lhes permitira no futuro deixar de ser definitivamente o repouso do guerreiro.

UM MODELO DE OMNIPRESÊNCIA
Onde está o dinheiro?
A resposta parece-me ser bem simples, está em toda a parte. Mas enquanto, os textos e os discursos, por exemplo, sobre a sexualidade economia ou a crise são inúmeros, os que tratam “tout court” do dinheiro, evocam-no, mais do que o nomeiam. O dinheiro, omnipresente, omnipotente, transcendendo o tempo e o espaço, é tido para alguns como uma forma algo fetichizada de Deus, enquanto outros entenderam Deus, como o símbolo do dinheiro.
Dinheiro escondido, dinheiro exibido, ele está pois em todo o lado onde se espera que esteja e também onde se não espera tal. Com ele nos deparamos em todas as etapas e momentos da vida. Quando nasce o primeiro filho, eis que aparece o natural herdeiro do património. Quando florescem os primeiros amores, eis que o dinheiro se intromete discretamente entre os lábios dos jovens namorados. Os miúdos vão casar-se? O equilíbrio dos patrimónios, mesmo que não se contabilize diante do notário, não esquece os mecanismos sociais que alimentam a confusão entre a necessidade e o acaso. E a morte? A coberto das lágrimas, lá estão presentes os herdeiros, cujas mãos se agarram as pegas do caixão. São frequentemente as mortes que revelam a articulação entre o dinheiro e a família, forçando-a a recorrer à personagem pública e imparcial que é o juiz. Conheci o caso de um senhor de idade e muito rico, viúvo e sem filhos, que deixou a significativa fortuna a uma pessoa desconhecida dos irmãos e sobrinhos. Estes entenderam não ter outro recurso que não provar que o testamento foi redigido, quando o “velhote” não sabia o que fazia. Mas, por acaso, parderam o litígio. E os espetáculos político-mediáticos? Mostram-se os ricos aos pobres, para que estes tenham paciência, uma paciência que durará toda uma vida, em prol da política.
É a partir do dinheiro que eu construo a “minha” identidade, o “meu” automóvel, o “meu” apartamento, a “minha” residência secundária, as” minhas” férias, o “meu” gosto pelos vinhos de marca. Afinal, o bom gosto alia-se ao enigma das contas bancárias.
Para certos pensadores do século XVIII, o problema radicava no acesso dos pobres à propriedade. Mais tarde veio Marx, mas a história deu-lhes razão.
Uma grande maioria dos casais portugueses, são proprietários da sua residência principal, embora devam o respetivo valor ao banco. Uma grande maioria possui pelo menos um automóvel. Salvo raríssimas exceções, toda a gente tem um aparelho de televisão. Estes pilares, ditos da modernidade, preservam um certo tipo de paz social, que a crise que vivemos ainda não afetou de todo. Se perguntarmos a um jovem português, rapaz ou rapariga, o que reputa mais importante, precioso, na vida, alguns talvez digam que é o amor, mas muitos mais, dirão aliás, nada cinica, mas muito pragmaticamente, que é o dinheiro.

ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE (I)
A revolução permanente, é uma utopia. A guerra permanente, uma realidade.
Nos tempos recentes, foi a I Guerra, depois veio a Guerra de Espanha, a II Guerra, as Guerras da Coreia, do Vietname, do Ultramar e, até, a “guerra-fria”. A guerra esteve sempre presente no pensamento e na ação do homem, através de recordações heróicas, vergonhosas, reconstruidas, momentos abominados ou privilegiados, em que tudo era passível de ser permitido ou ordenado.
Nos livros de história fala-se dos horrores, dos sentimentos, das vítimas da guerra, mas jamais, pois não é politicamente correto, dos seus prazeres, do gosto de pilhar, matar, violar ou humilhar. A guerra pertence, obviamente, à vida pública, mas também idelevelmente, por quem lá passou, à vida privada, alternando entre o que se pode dar ou receber imprevisivelmente. Esss mortos, cuja lista memorial, cobre dezenas de milhares de monumentos erigidos em Portugal (entre nós, parece haver uma certa reserva), e em toda a Europa, quantos homens terão também eles morto, à distância ou a corpo a corpo, antes de sucumbir?
Morreram pela Pátria, mataram pela Pátria. Isto é valorizado, aquilo silenciado. A morte recebida, transforma um homem em cadáver, mas a morte dada transforma o homem num outro homem. Este desejo, esta paixão de destruição são tão fortes que podemos-nos perguntar, se a paz não é a continuação da guerra por outros meios.
O vocabulário bélico, invade a política (batalha eleitoral), o desporto (A… capitulou finalmente ao terceiro “set”, B… sucumbiu ao combate desigual) e mesmo a vida privada (na sala do tribunal decorreu uma prova de força entre o casal desavindo pela custódia dos filhos ou pela partilha dos bens).
(continua)

ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE (II)
Cada vez que vou a França, reconheço que temos uma enorme divida de gratidão para com eles, os americanos, canadianos, britanicos, australianos, neozelandeses e mesmo russos, e mais homens e mulheres de muitas outras nações que estiveram unidos por uma causa nobre.
Serviram como soldados, marinheiros, pilotos e enfermeiros na II Guerra, milhares deles não mais voltaram aos países que deixaram para vir combater e libertar a Europa, onde ficaram enterrados no mar ou em grandes cemitérios, ainda hoje muito bem e respeitosamente respeitados nas suas cruzes brancas.
Há uma data que simboliza o ponto de viragem na guerra travada pelos Aliados, 6 de Junho de 1944. O Dia D, como ficou conhecido, foi uma resposta especial para responder à nuvem suástica que pairava sobre o nosso continente.
Passaram várias décadas.
Muito poucos dos que estiveram na Normandia, ainda se encontram vivos, mas quando na Páscoa passada estive em Omaha Beach (Omaha a “sangrenta”) senti, sem nunca ter vivido esses tempos, aliás ainda nem era nascido, uma pequena contração no estômag
Sabendo que cada dia perdemos os poucos que ainda restam desses heróis, quero ter a certeza que esses e a sua memória nunca mais serão esquecidos pelo que fizeram, mesmo por nós portugueses.
As histórias sobre esse 6 de Junho de 1944 continuam a fascinar-me.
Olhar sobre o mar e o céu da Normandia, hoje tão calmos que nos permitem passear na areia e molhar os pés, e com tão poucos vestígios do drama que ali se desenrolou, e pensar no que foi a saga de dor, angústia, exaltação ou morte, vivida por aqueles que fizeram e protegeram o desembarque das tropas Aliadas, não deve esquecer o sacrifício dos que lutaram e morreram nas praias de Omaha e Utah, e que sirva para homenagear o sacrifício dos soldados que, independentemente da nacionalidade e do lugar onde combateram e tombaram numa guerra cruel.
A minha digressão pela Normandia, fez-me compreender o que nunca resultara da leitura de qualquer romance histórico ou visionamento de um filme.
Pode aquela ter sido, uma guerra global, mas o universo de um soldado termina a poucos metros de si próprio, talvez mesmo ao lado de um companheiro ou nas balas que assobiam sobre si ou nas explosões que rebentam a seus pés.
Passei por Africa, pela Guiné como quase um milhão de rapazes da minha geração, mas não tenho a pretenção de fazer comparações com a II Guerra aonde o bem e o mal, estiveram perfeitamente definidos.
Deixemos homenagear os rapazes que entre 1961 e 1974 passaram pelos 3 teatros de operações de Africa, lançando daqui uma ingénua e muito utópica proposta, para que nunca mais seja dada a oportunidade de pôr o mundo em perigo.
UM MODELO DE ALIMENTAÇÃO (I)
O que é que comemos?
Sem dúvida, muitas vezes nos confrontamos com o segredo. Estes frutos são bonitos, apetitosos? Contêm produtos e… são insípidos. Aqueles vinhos têm aroma e uma cor mesmo bonita? Não nos dizem, mas são feitos no “laboratório”. E este frango prontinho a entrar na panela lá de casa? É necessário não olhar a colher que leva à boca a canja descorada e esquecer a branca carne flácida. Gostamos de ler, normalmente em letras minúsculas, o “acondicionamento” do que comemos. É um “reino” de hormonas, conservantes, corantes, excipientes, mais ou menos dissimulados. Já não se mais embalam produtos, calibram-se (lembram-se quando isso começou no MERCOALCOBAÇA, a ser praticado com a fruta?) para “encher o olho”, satisfazer as exigências da mais fácil comercialização e da clientela, nas grandes superfícies. O segredo de fabrico, que nada tem a ver com a inesquecível, perfumada e saborosa, receita da avó, escapa ao consumidor.
É sabido que as crianças escolhem preferencialmente o alimento mais açucarado, mesmo quando se lhe juntou um produto salinizado ou amargo para impedir a perceção do açúcar. Ciente, dessa apetência, a indústria alimentar até nos passou a propor produtos amargos, salgados, apimentados que, todavia, não dispensam açúcar. O “comedor” moderno não sabe bem o que come e o alimento tornou-se, frequentemente, um objeto sem história conhecida.
Dessa ignorância nasceu o medo, as autoridades médico-laboratoriais potenciam inquietações, dando a conhecer novos modos de alimentação das aves e do gado de abate. Os jornalistas, néscios ou “vendidos”, publicam artigos sobre o consumo, que desencadeiam pânicos e fazem baixar as vendas de certos produtos, em proveito de outros. A carne de vaca e das aves ressentiu-se disso, não há muitos anos, embora se possa agora comer carne, mas com “riscos e perigos”, sobretudo, se se suportam mal os antibióticos, as enzimas, os tranquilizantes ou os estrogénios. Misturas muito perigosas!!!, ao que dizem.
Sabendo-se que o tabaco é cancerisno, pode-se deixar de fumar. Mas se o frango, a carne de vaca ou de porco, os frutos e a salada também o são, o que nos resta? A alguns vêm as lágrimas aos olhos ao recordar os festins de outrora. Comparam-se as taxas do colesterol e, mal deixada a mesa, há quem corra ao laboratório de análises para verificar a normalidade do metabolismo. O médico, sendo magro, é um acusador implacável, sentenciando, sem apelo, nem agravo: “Você come demais”.
As revistas do “socialite”, do cor-de-rosa, usam e abusam do tema  “magreza”, alertando que é imperioso ser magro, emagrecer para permanecer jovem, esbelto e desejável. Para isso publicam, com sucesso, fichas de cozinha, bem elaboradas e destacáveis. Em Portugal, continua a comer-se bem, embora nalguns casos com medo e vergonha de o dizer.
(continua)

UM MODELO DE ALIMENTAÇÃO (II)
Antigamente, utilizava-se entre nós a expressão “Diz-me o que comes e eu digo-te quem és”.
Hoje isto suscita as maiores reservas, pois por vezes é difícil saber o que estamos realmente a comer,  ao invés do que acontecia nos “bons velhos tempos” em que nos alimentávamos apenas da hortas da casa ou da avó.
Nos dias que passam, companhias multinacionais com linhas de produção sofisticadas, alegadamente evoluídas, distribuem a comida que chega até nós, seja no restaurante ou a casa, através do supermercado.
Se é verdade que processos novos diminuem o custo da alimentação e até podem promover o aumento da produção, também acarretam novos riscos.
O franguinho comido na canja ou no churrasco pode conter salmonela.
O bife de vaca mal passado, que tanto apreciamos apenas com uma pitadinha de sal, pode estar infetado.
Mesmo os vegetarianos, não estão a salvo destas ameaças e alguns governos (escrupulosos?), já avisaram que rebentos de vegetais, só devem ser ingeridos após cozidos.
Os produtores de carne, muitas vezes, dão antibióticos aos animais, por vezes os mesmos que se usam nos humanos, tal como me confidenciou um veterinário alcobacense. Os animais ficam mais gordos, crescem mais depressa e mais depressa chegam aos consumidores. Mas será que resistimos a todos estes antibióticos que, indiretamente, assim consumimos?
Os engenheiros genéticos, fazem parte desta cadeia e novos métodos de tratar as colheitas suportam a esperança de se erradicar a fome, poder alimentar um dia todo o Mundo….
Cada vez mais alimentos geneticamente modificados/manipulados, entram no mercado e na nossa alimentação, pelo se coloca a questão de se saber como ou se essa mudança, vai afetar o ambiente e se refletir na modificação dos seres humanos.
Mas até lá vamos comendo se possível um bom bifinho a saber mesmo a bife.
Se quiseram, posso indicar alguns locais aqui perto de Alcobaça onde se “come bem”.

CADA VEZ SOMOS MAIS BELOS E SAUDÁVEIS!!!
Os portugueses, destes dias que correm, não são apenas mais belos, felizmente são vaidosos, como mais saudáveis.
Sabe-se que, entre as duas Guerras, um décimo da população portuguesa sofria de sífilis que todos os anos vitimava muita gente. A blenorragia, no meu tempo de estudante coimbrão, ainda fazia bastantes estragos, fundamentalmente por falta de prevenção e terapêutica eficazes, sem esquecer um suposto machismo. Por sua vez, a tuberculose revestia uma tal amplitude, que o Estado intervindo na vida privada, chegou a impor a sua declaração e multiplicou pelo País os dispensários e sanatórios. Muita gente morria todos os anos do que, numa expressão vaga, se chamava “doenças malditas”, “doenças infeciosas” ou “gripes malignas”.
A ação dos poderes públicos não se revelou nada inútil, pois a partir de certa altura (cerca dos anos 30), deixou de se verificar epidemia de tifo e o sarampo passou a ficar sob controlo (mesmo assim ainda tive sarampo, o que me permitiu faltar às aulas do liceu, durante cerca de uma semana).


A multiplicação dos sanatórios (hoje em dia salvo raras exceções encerrados), fez recuar fortemente a tuberculose, sem no entanto a erradicar definitivamente. As doenças eram tanto mais dissimuladas, envergonhadas, quanto mais largamente espalhadas. A sífilis, por exemplo, pertencia ao mundo do segredo e a ida para o sanatório era o que revelava, publicamente, o estado de tuberculose.
A dor física, que fazia parte da vida quotidiana, não era entendida como um fracasso da medicina, outrossim uma fatalidade. Consumiam-se menos analgésicos e os portugueses acomodavam-se, melhor ou pior, à insónia, sem recorrer aos soníferos. Há quem defenda que a I Guerra não teria sido tão (ainda que mesmo assim mal…) aceite pelos portugueses, se os combatentes do C.E.P. não estivessem tão habituados à dor, como se dizia na minha família relativamente a um bisavô gaseado que esteve na Flandres.