terça-feira, 8 de julho de 2014

O VISCONDE DE SEABRA, A BIBLIOTECA DO MOSTEIRO E O FURTO DOS CÓDICES ALCOBACENSES DA BIBLIOTECA NACIONAL











O VISCONDE DE SEABRA,
A BIBLIOTECA DO MOSTEIRO E
O FURTO DOS CÓDICES ALCOBACENSES DA BIBLIOTECA NACIONAL


FLEMING DE OLIVEIRA

Ao tomarem a defesa do absolutismo, os Monges de Alcobaça foram atingidos, pela queda de D. Miguel.
Aliás, já estavam condenados.
Com o século XVII, e especial incidência no que se segue, acentuara-se a decadência moral e religiosa das Ordens, as quais faltou uma reforma eficaz, e não obstante continuarem a alegar o culto da virtude, da piedade ou assumir mesmo funções de benemerência social, ainda mais que supletivamente, caminhavam inexoravelmente para o fim.
No dia 5 de Agosto de 1830, D. Miguel empreendeu, uma visita de vários dias ao Oeste, objetivando os Coutos de Alcobaça, lugar simbólico da aliança entre a Monarquia e a Igreja. Não se conhece qual foi, propriamente, a razão desta visita, mas não é de afastar que tenha tido interesse em conhecer a História do País e aproveitar para fazer apologia da Causa ([1]).
No dia 8 de Agosto, o Rei e comitiva partiram de Caldas da Rainha para Alcobaça, depois de terem passado por S. Martinho do Porto, num caminho mandado aprontar pelo Corregedor da Comarca. O quarto de dormir do Rei e sala contígua foram forrados a damasco e atapetados, tal como os dois quartos destinado aos Secretários. No dia seguinte, a comitiva rumou à Nazaré, com paragens em Aljubarrota, Batalha e Marinha Grande (terra de engenhos de vidro), sendo que, no dia 10 regressou a Caldas da Rainha.
Nesse Domingo, por volta das 14 horas, o Rei chegou a Alcobaça, na companhia dos Marqueses de Belas e Tancos, encontrando-se já à espera o Marquês d’Alvito, Estribeiro-Mor. A restante comitiva, Capelão, Secretário do Gabinete, Marqueses, criados particulares do Rei e outros, que tinha partido antes, também já se encontrava à espera. Em Alcobaça, as janelas encontravam-se decoradas com  cobertas de damasco e outras sedas, as casas e muros caiados, enquanto se ouvia um vibrante repicar dos sinos, estralejar de foguetes e vivas da populaça que viera das redondezas. Tempos depois, possivelmente muitos destes populares, estavam a assaltar e pilhar o Mosteiro, dar Morte a D. Miguel e Vivas ao Liberalismo.
O Rei apeou à escada do patim da Igreja, onde se encontrava o Abade Geral de Cister. Quem o recebeu com honrarias, foram também os dignitários locais, como o Juiz de Fora, o Corregedor da Comarca, o Provedor e o indefetível Frei Fortunato de S. Boaventura. Debaixo do pálio, à porta da Igreja, D. Miguel beijou a cruz, ajoelhou numa almofada de veludo, recebeu Água-benta e incenso e, ao som do Te Deum Laudamus, dirigiu-se ao Altar-Mor, para Abertura do Sacrário e Tantum Ergo. Acabada a cerimónia, o Rei recolheu ao quarto e prometeu um Beija-mão, numa improvisada Sala do Dossel. Mandou ainda libertar os presos, depois de se assegurar, pelo Juiz de Fora, que não havia nenhum por crime de rebelião ([2]).
Frei Fortunato de S. Boaventura, foi personagem intelectualmente notável e, assumidamente, polémica. Combateu Junot e a I Invasão Francesa com as armas mas, principalmente, com a pena. Cronista da Ordem, aliás o último, concluiu a obra iniciada por Frei Manuel dos Santos, não se limitando à tarefa, erudita e paciente, de recuperar os codices. Defensor do absolutismo, conservou-se silencioso durante o Governo saído de 1820, mas logo que triunfou a reação, em 1823, assumiu-se como vigoroso polemista.
D. Miguel não deixou de compensar a fidelidade e, em 1829, Frei Fortunato instalou-se em Lisboa. Com o Pe. José Agostinho de Macedo, formou uma dupla temível no combate aos liberais. No entanto, era unânime a reputação de Frei Fortunato como pessoa de vida morigerada, virtude pouco reconhecida no Pe. J. Agostinho de Macedo. Em 1832, foi nomeado Arcebispo Metropolitano de Évora, mas as simpatias políticas vieram a estar na origem de irredutíveis conflitos com o Cabido. O governo efetivo na Arquidiocese de Évora, durou apenas dois anos, pois a marcha triunfal de Terceira, do Algarve até Lisboa, obrigou-o a renunciar e a assumir o exílio em Roma, de onde não voltou, vindo a falecer em 1844, sem direito a epitáfio, reclamando-se, sempre, como o legítimo Arcebispo de Évora ([3]).
Camilo Castelo Branco colocou na boca d’O Remexido, a afirmação que com uns tantos mais como Frei Fortunato, a causa de D. Miguel sairia vitoriosa.
Sobre Frei Fortunato de S. Boaventura, o Marquês de Fronteira e Alorna nas   Memórias… diz que apesar do grande talento e vasta instrução que mostrava ter, denunciava o seu ultramontanismo realista a tudo quanto era liberal.
O guia de D. Miguel, Frei Fortunato de S. Boaventura, levou-o à Sala dos Túmulos, ao Claustro, à Sala do Capítulo, ao Refeitório, aos Caldeiros de Aljubarrota, à Livraria e Cartório, onde vio com curiosidade os mano screptos e Biblias, que m.m. gostou de ver, e no quarto dos proibidos mostrandolhe od. o P. e Mestre de Pavia, e dizendo lhe que era a nossa ruina e que na Alemanha estavão proibidos também ca hade suceder o m.mo ([4]).
Frei Fortunato de S. Boaventura bem conhecia o que havia na Livraria e Cartório, pois realizou o inventário Commentariorum de Alcobacensi Manuscriptorum Bibliotheca Libri Tres.  Para D. Miguel, Frei Fortunato, Abade e outros, existiam na Livraria, sem que tal lhes suscitasse reservas ou pruridos, livros interditos a bárbaros sórdidos, os hunos de todo o sempre que se aquecem ao lume das fogueiras de livros, a mãos profanas sobre os Livros Dourados e a ferros que poderia arrombar o Caixão das Três Chaves ([5]). Este, em Alcobaça, era uma arca coberta por uma capa de setim verde, munida de três fechaduras, na qual se encontravam recolhidos livros e documentos, especialmente relevantes, não acessíveis a todos. O Abade tinha uma chave, outra Frei Fortunato e a outra o monge mais idoso da congregação. A arca só podia ser aberta estando presentes os três, munidos das respetivas chaves. 
Manuel Vieira Natividade, confirma que ao lado esquerdo da livraria, fazendo a frente para leste, existem uns quartos bastante espaçosos que eram destinados a encerrar os livros proibidos ([6]).
Depois do jantar, o Abade de Alcobaça, aproveitou para dizer ao Rei que os povos dos coutos, principalmente os de Aljubarrota, aproveitando-se da rebelião que as Cortes causaram, tinham arruinado o Arco Memória, onde fez voto o Sr. D. Afonso I, e que pedia a S.M. o mandasse reedificar. D. Miguel concordou com a sugestão, propondo que no Arco se fizesse uma inscrição que, doravante, o ligaria física e simbolicamente, a D. Afonso Henriques: El Rei D. Afonso I o mandou fazer e D. Miguel I reedificar ([7]).
Afinal, que segredos terríveis eram esses que os livros continham, só acessíveis a uns quantos monges velhinhos, incorruptíveis, de maior confiança? Quais as escritas que podiam perturbar muita gente e especialmente o Poder?
A comunidade de Alcobaça, nos últimos anos do século XVIII, vivia com mais simplicidade do que, frequentemente, se julga ([8]).
O acento tónico da sua espiritualidade era, alegadamente, dado pelos textos tradicionais. Na Biblioteca pontificavam as obras úteis à Lectio Divina, ou Leitura Orante, à exegese escriturística e à formação litúrgica geral.
A Igreja Católica sempre foi ciosa quanto à difusão de ideias que alterassem os equilíbrios ancestrais, bem como os princípios, supostamente, basilares e, como tal, imutáveis. O Index Librorum Prohibitorum, que teve como objetivo inicial reagir contra o avanço do Protestantismo, encontrava-se sob a alçada da Inquisição, abrangia os livros ou obras que se opusessem a doutrina oficial da Igreja de Roma.
A censura foi, de certo modo, uma constante da vida portuguesa. Não se sabe, quanto tempo a cultura portuguesa pôde viver livre da implacável repressão de censores encartados, seus mandantes e sicários, religiosos ou laicos.
Ao longo dos tempos, difundiu-se a ideia que, no seu conjunto, os Monges de Alcobaça, gordos e ociosos, eram néscios e boçais, constituíam uma plêiade reacionária, vendo no progresso social, científico, técnico ou filosófico, uma corrida rumo ao abismo. Mas não será rigorosamente assim. Refiram-se os exemplos dos autores da Monarchia Lusitana.
O Marquês de Fronteira confessa que, eu tinha ouvido desde a primeira infância, que o espírito e o talento eram muito raros no famoso mosteiro da Ordem de Cister.
Como era a Biblioteca de Alcobaça, quando o Marquês de Fronteira visitou o Mosteiro? Passamos à Biblioteca que era a primeira que via tanto em número de volumes como em grandeza de edifício; quando vi a de Santa Cruz, Santo Tirso e outras muitas, nada admirei porque achei todas muito inferiores à de Alcobaça. Nada posso dizer do merecimento, porque nunca me julguei nem julgo, no caso de a apreciar ([9]).
No desenvolvimento daquela viagem, aparentemente bem sucedida, a Câmara Municipal de Alcobaça reuniu a 9 de Novembro de 1831 em Sessão Extraordinária, presidida pelo Corregedor da Comarca, com a presença das mais conpíscuas pessoas, Militares, Clero Regular e Secular, Civis, Nobreza e Povo. Depois de lido o Assento dos Três Estados do Reino, reunidos em Lisboa, para não se suscitarem dúvidas sobre o significado de uma conduta silenciosa e indecisa, fundamento para facciosos, patricidas, traidores e aos inimigos da estabilidade do Trono do nosso legítimo e adorado Monarca o Senhor Dom Miguel Primeiro (…), nem dos sentimentos de lealdade e adesão ao Legítimo Governo do mesmo Augusto Senhor, por parte de todos os habitantes desta Vila, seu Termo e Comarca (…), decidiu-se ser conveniente prestar um formal e inequívoco Preito de Fidelidade e Vassalagem ([10]).
No Fundão e Covilhã, Beira Baixa em geral, a causa miguelista tinha muitos e ativos apoios nas famílias e oficiais de corpos militares regulares, bem como no Corpo de Voluntários Realistas que tomou parte na Guerra Civil, quando os confrontos se generalizaram, e fez-se representar em Alcobaça no Preito de Fidelidade e Vassalagem. Do Fundão e Covilhã, vieram ainda militares de corpos regulares do Exército, obviamente os afetos aos miguelistas, e acompanhantes, munidos de estandartes e fanfarras ([11]).
Terminada a guerra, logo se desenvolveram divisões entre os liberais. Apesar de derrotado militarmente, D. Miguel continuava a contar com uma ampla base de apoio social, em certas zonas do País.
O novo regime haveria de pagar a fatura dos amigos, novos e velhos. Ao criar nova clientela, haveria de considerar a aristocracia liberal, através da concessão de títulos, pela venda de bens nacionais, confisco aos adeptos de D. Miguel ou pertencentes às Ordens. A antiga nobreza, estava arruinada, exangue. Foi por essa altura que nasceu a expressão comer à mesa do orçamento, com origem, ao que se diz, numa declaração de Rodrigo da Fonseca Magalhães, referindo-se aos que, outrora, adversários políticos postos todos a comer à mesma mesa depressa passariam de convivas satisfeitos a amigos dedicados. A política à mesa do orçamento foi glosada na célebre tirada de Almeida Garrett:
Foge, cão, que te fazem barão.
Para onde? Para onde? Se me fazem visconde….
E o devorismo?
Devorismo foi a designação, de conteúdo de certo modo pejorativo, dada ao grupo político que ocupou o poder nos anos imediatos à vitória liberal, em especial entre 24 de Setembro de 1834 e 9 de Setembro de 1836, Revolução de Setembro. De acordo com Oliveira Martins, o termo devorismo decorre de uma Carta de Lei, datada de 15 de Abril de 1835, em que se colocavam à venda em hasta pública os bens nacionais, facilitando o acesso aos chefes liberais vitoriosos.
Significativos também foram, por esta altura, os versos do Brás Tisana:
Uma nação de empregados
É Portugal? Certamente!
Até D. Miguel, do trono
De Maria… é pretendente.
A partir do constitucionalismo, surgiu a Família dos Políticos. A família dos políticos, que entre si jogam a sorte do país, como os soldados jogavam a túnica de Cristo. E essa família dos políticos é o apanágio indispensável do sistema constitucional em todos os países como o nosso, atrasados, pobres e fracos. A política é um modo de vida de alguns; não é uma parcela da vida de todos... No seio do constitucionalismo via-se exatamente o mesmo que a Idade Média, com o seu feudalismo, apresentara. A sociedade dividida em bandos rivais e inimigos unidos em volta de um chefe, existia à mercê dos pactos, alianças e rivalidades dos barões. Contra o feliz, vencedor temporário, eram todos aliados, para se formarem combinações novas, assim que o ramo da vitória passasse a mãos diversas Nos séculos passados, contudo, não havia as mais das vezes por motivo declarado senão a ambição pessoal, ainda que não fosse raro ver-se, como agora, servirem "princípios" de capa aos despeitos e interesses. Nos séculos passados, os debates eram campanhas, e agora pretendia-se que fossem comícios e discussões e votos; mas como isso não bastava muitas vezes, logo se apelava para a "ultima ratio", a revolta ([12]).
Embora poucos, desconhecemos, na verdade, dados concretos, houve seguramente  em alguns Mosteiros do Norte, pelo menos, religiosos alinhados com os liberais, como o famoso Frei Simão de Vasconcelos, monge de Alcobaça, nascido em 1788 na Quinta do Outeiro, perto de Oliveira de Azeméis, que integrou o Corpo de Voluntários Nacionais. Tendo criado uma especial animosidade, acabou capturado e fuzilado em Viseu, em 1832.
O Marquês de Fronteira, cita o padre que, inflamado pelas novas ideias, era indiferentista em matéria de religião, o pouquíssimo tempo que demoravam os sermões em Roma para não cansar a audiência, e ainda o frade franciscano de Alcoentre, que se dizia liberal, mas não queria Parlamento ([13]).
Classe maldita era a dos religiosos, pelo que os frades foram das primeiras e grandes vítimas de um tempo de profundos conflitos.
Apesar dos subsídios atribuídos aos não comprometidos com o miguelismo, múltiplos testemunhos da época dão conta da situação de miséria em que acabaram por tombar muitos egressos. 
Ao longo de cerca de 2000 páginas, o Marquês de Fronteira relata nas suas Memórias…episódios marcantes, positiva ou negativamente. Alojado em Portalegre numa hospedaria ao lado de um convento de freiras bernardas, o meu Coronel, segundo um costume da época, estabeleceu logo um tratamento com a mais bela das freiras, chamando-lhe a minha quezília. (…) Tivemos belos bailes na grade, tocando um piano e dançando as freiras de dentro e nós, de fora. Muitas vezes vi o meu jovem Coronel valsar com o Padre capelão ([14]).
Em 1846, Almeida Garrett, numa altura em que a situação política andava de novo agitada, escreveu, que ora eu, que sou ministerial do Progresso, antes queria a oposição dos frades que a dos barões. O caso estava em a saber conter e aproveitar. O Progresso e a Liberdade perdeu, não ganhou. Quando me lembra tudo isto, quando vejo os conventos em ruínas, os egressos a pedir esmola e os barões de berlinda, tenho saudades dos frades-não dos frades que foram, mas dos frades que podiam ser. (…) Não senhor: o frade, que é patriota e liberal na Irlanda, na Polónia, no Brasil, podia e devia sê-lo entre nós, e nós ficávamos muito melhor do que estamos com meia dizia de clérigos de requiem para nos dizer missa, e com duas grosas de barões, não para a tal oposição salutar, mas para exercer toda a influência moral e intelectual-porque não há de outra cá ([15]).  
O que pretenderia dizer Garrett, quais as saudades, não dos frades que foram, mas dos frades que poderiam ser?
Dos frades que tinham sido, rejeitava a sua oposição ao liberalismo, pelo qual se batera pessoalmente e o levara para o exílio. Censurava-os por não terem compreendido os tempos, as ideias e a nova geração, que a liberdade seria sua aliada, ainda que necessariamente os reformasse.
Aliás, escrevera pouco atrás, repartindo culpas que ora o frade foi quem errou primeiro em nos não compreender, a nós, ao nosso século, às nossas aspirações; com o que falsificou a sua posição, isolou-se da vida social, fez da sua morte uma necessidade, uma coisa infalível e sem remédio. Assustou-se com a liberdade que era sua amiga, mas que o havia de reformar, e uniu-se ao despotismo que o não amava senão relaxado e vicioso, porque de outro modo lhe não servia nem o servia. Nós também erramos em não entender o desculpável erro do frade, em lhe não dar outra direcção social, e evitar assim os barões, que é muito mais daninho bicho e mais roedor ([16]).
Garrett, conheceu frades e monges que teriam, preferido a liberdade político-liberal para continuar e melhorar a vida religiosa. Não queria os frades de 1834, em geral, mas os que podiam ser.
Era destes que tinha saudades, mesmo de saudades futuras…
Mas agora faltavam frades, como atores e intérpretes da vida portuguesa. Garrett lamentava a sua falta, ou a falta que fariam, pelo menos, como os desejava.
Em 1842, Alexandre Herculano, seu companheiro de exílio e luta pelo liberalismo, pedira compaixão e socorro para os egressos de 1834, que sofriam penúrias. E fizera-o em termos bastante veementes: Pão para a velhice desgraçada! Pão para metade dos nossos sábios, dos nossos homens virtuosos, do nosso sacerdócio! Pão para os que foram vítimas das crenças, minhas, vossas, do século, e que morrem de fome e de frio! ([17]).
Expulsos dos mosteiros, expoliados das condições de sustento, muitos já idosos, os egressos tentaram desesperadamente subsistir. O clero, em geral, alinhou com D. Miguel, pelo que se poderiam referir incomensuráveis casos ou nomes. Destacaremos o caso de Frei José da Sacra Família, da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, doutor em Teologia, disciplina de que foi regente na Universidade de Coimbra, miguelista convicto, que se exilou em França depois da vitória liberal, onde dirigiu um colégio por onde passaram alguns dos mais distintos intelectuais portugueses das décadas seguintes. Depois de ter sido secretário particular de D. Miguel I no exílio, acabou como missionário católico em Inglaterra, onde faleceu.
O furto de livros, manuscritos, e algumas peças numismáticas, da Biblioteca Nacional de Lisboa, realizado pelo Dr. Arnaldo Faria de Ataíde e Melo, que desempenhava as funções de Chefe da Seção de Manuscritos e da Seção dos Reservados, está praticamente esquecido. 
Em fins de Setembro, de 1948, o Governo do Estado Português da Índia, precisando de elementos para a elaboração de um estudo monográfico sobre o território, enviou um ofício à Biblioteca Nacional para lhe serem facultadas cópias de certos documentos da Coleção Pombalina e de alguns Codices Alcobacenses. Constatou-se, então, que faltava o Codice nº 132, que descrevia o itinerário por terra do franciscano goês Frei Tristão da Cunha, até Portugal bem como, pelo menos, 25 Codices Alcobacenses, além de Iluminuras, Manuscritos, Incunábulos, Livros de Horas, de Música e de Missa, e ainda gravuras.
O Cor. Augusto Botelho da Costa Veiga, Diretor da Biblioteca Nacional, participou o caso à Polícia Judiciária, tendo as investigações começado de imediato, sob a orientação do Inspector Dr. Bordalo Soares, acompanhado pelo Chefe de Brigada, Antunes Claro, e pelos Agentes Magro e Ciríaco. Ouvidos, os que trabalhavam na Biblioteca Nacional, passou-se uma busca ao gabinete do Dr. Arnaldo de Ataíde e Melo, então acamado em casa.
Para surpresa dos investigadores, foram descobertos na sua secretária, partes de livros e de pergaminhos, ainda com os carimbos da Biblioteca Nacional de Lisboa, bem como folhas de livros, iluminuras, algumas rasgadas com os desenhos e frontiscípios cortados, nos locais onde as obras são carimbadas. Foi ainda encontrada correspondência de pessoas com quem o Dr. Ataíde e Melo transacionava, como a carta de uma que lhe participava ter oferecido obras a um antiquário londrino, que as não comprou por ter suspeitado da proveniência ([18]).
Quando soube do caso, o Dr. Salazar, ficou irritado, tendo mandado chamar a S. Bento o Ministro da Justiça, ordenando-lhe que diligenciasse junto da Polícia Judiciária, com vista a um pronto e cabal esclarecimento.
A Polícia Judiciária ao fim de pouco tempo, conseguiu recuperar obras em alfarrabistas do Chiado e em casa particulares. Soube-se que Ataíde e Melo, vendeu folhas avulsas a preços entre 3$00 e 5$00. Foi detido o alfarrabista Salvador Romana, proprietário da Livraria Barateira, da Rua Nova do Almada, bem como Alice Bastos, que funcionava como intermediária e comissionista ([19]).
Ataíde e Melo na Introdução ao Inventário dos Códices Alcobacenses, lastimou o desaparecimento de raridades bibliográficas da Livraria do Mosteiro de Alcobaça, como no tempo dos filipes, das invasões francesas, e depois, da extinção das Ordens Religiosas, até darem entrada na Biblioteca Nacional ou Torre do Tombo ([20]).
Quem imaginava a Secção de Manuscritos ou a dos Reservados, como uma espécie de Templo destinado a iniciados, onde se guardava a sete chaves uma parte considerável das nossas história, cultura e língua, estava bem fora da realidade!
Pressionada pelo escândalo, a Ordem dos Advogados, transmitiu ao País a surpresa pelo facto de uma pessoa com o passado do Dr. Ataíde e Melo, estar a desempenhar funções com este tipo de responsabilidade, ele que fora expulso da OA e condenado na restituição aos queixosos de diversas quantias.
A Polícia Judiciária foi deter Ataíde e Melo em casa, levando-o para a enfermaria da Cadeia do Limoeiro. Porém, não chegou a comparecer a julgamento no Tribunal da Boa-Hora em fins de 1953, por ter falecido ([21]).
Ataíde e Melo ficou  ao que se fez constar abatido, mas não surpreendido com a prisão, passando a colaborar com a Polícia Judiciária, o que permitiu a recuperação de algumas obras ainda em Portugal, mas não de outras, saídas para a Inglaterra, Bélgica e França. Mais tarde, foram referenciadas na Holanda, obras pertencentes à Biblioteca Nacional de Lisboa.
Os Códices Alcobacenses, eram vendidos por Ataíde e Melo a mil ou dois mil escudos, conforme tivessem ou não iluminuras. Segundo alfarrabistas do Chiado, ouvidos ao tempo, os Codices se fossem postos legalmente à venda, valeriam nunca menos de três mil contos cada.
Com o tempo vieram ao conhecimento da Polícia Judiciária algumas situações marginais e mesmo caricatas.
Foi o caso de um lisboeta, das Avenidas Novas, que tendo comprado uma iluminura, achou o boneco mais apropriado para o colar num abat-jour. E o da aquisição de um exemplar de um foral quinhentista, por um Habsburg, que passou de avião por Lisboa. E ainda que Ataíde e Melo se apropriou de obras não catalogadas, vendendo-as a particulares ou à própria Biblioteca Nacional ([22]).
Qual a razão de Ataíde e Melo para mutilar as obras que desviara?
A verdade é que não havia reagente químico que fizesse desaparecer o carimbo da Biblioteca Nacional de Lisboa ou de outros locais por onde haviam passado ([23]).
Em 1833, no espaço fronteiro ao Mosteiro de Alcobaça, ocorreram disputas entre liberais e o Corpo de Voluntários Realistas dos Coutos de Alcobaça. Este corpo militar participará, aliás, em 1834, no confronto decisivo da Asseiceira, cujas partes tiveram talvez a perceção da importância. Os Monges de Alcobaça, como a Igreja em geral, encontravam-se ao lado dos miguelistas, tendo aqueles criado e municiado, um Corpo de Voluntários Realistas.
Quando os monges alcobacenses perceberam, finalmente, que os liberais iriam a ganhar a guerra, evacuaram apressadamente o Mosteiro. A 16 de Outubro de 1833, populares, nomeadamente das granjas e rendeiros, antes oprimidos mas, não obstante, apoiantes de D. Miguel, entraram no edifício conventual e saquearam-no durante dez ou onze dias, durante o qual desapareceram incontáveis objetos utilitários, de culto, de arte e uma parte do acervo da Biblioteca. Durante estes tumultos, desapareceram também um dos caldeiros de Aljubarrota, o que permitiu que Seabra fosse chamuscado, e alguns recipientes de cobre em forma de tacho, que D. João I oferecera ao Mosteiro.
O Governador da Praça Militar de Peniche, perante estes acontecimentos, entendeu necessário nomear um oficial para o comando da Praça de Alcobaça, armar a população e procurar por todos os meios restabelecer o socego e a ordem entre aqueles povos até então oprimidos pelo governo usurpador.
O Mosteiro de Alcobaça ficou entregue a si próprio.
Os monges bernardos, desapareceram e acabaram os cistercienses em Portugal.
O muro, que separava os terrenos de agricultura a norte do Mosteiro do átrio ocidental do mesmo, foi prontamente demolido em 1839. Os edifícios sofreram atos de vandalismo e de roubo. Na ala sul do Mosteiro foram instaladas habitações de particulares e a parte norte passou a ser utilizada por serviços públicos, como o Tribunal e Finanças, até ao terceiro quartel do século XX, e ainda comércio. A Câmara Municipal de Alcobaça concedeu, por várias vezes, autorização para particulares retirarem as lajes necsssárias para construirem ou reconstruirem passeios defronte das respetivas casas, as quais sairam do Claustro. O Refeitório, foi transformado numa sala de teatro em 1840, que se manteve até 1929. No Claustro da Biblioteca, chegou a estar instalada uma arena de touradas, durante um ano ou dois.
As partes orientais da Abadia, vieram a ser utilizadas pelo Exército, seguidamente pelo Asilo de Mendicidade de Lisboa, depois chamado Lar Residencial de Alcobaça até aos nossos dias e ora extinto ([24]).
No final do século XIX, alguns alcobacenses consciencializaram-se da importância do edifício do Mosteiro, com a exceção da Igreja abandonado há dezenas de anos e, em alguns locais, a ameaçar ruina ([25]).
A Câmara em 1 de Maio de 1901 fez uma petição ao Governo para a reparação e a limpeza da fachada do Mosteiro, que se encontrava cheia de silvas, que além de apresentarem um aspecto pouco agradável, ameaçavam desconjuntar as pedras ([26]). Em 1907, o Governo publicou um decreto que protegia partes do Mosteiro. A partir de 1929, o Estado, através dos Monumentos Nacionais, começou a reparar a Igreja e o Mosteiro, alegadamente pretendendo restituir-lhes o aspeto original, destruindo sem piedade, entre o mais, o Altar Mor e o Órgão Monumental, inestético e inútil, na douta opinião da DGEMN.
Segundo reza a História, por demais sabida, na sequência da vitória na Batalha de Aljubarrota, o Mestre de Aviz ofereceu ao Mosteiro de Alcobaça, três caldeiros de cobre onde os castelhanos faziam comida para a tropa.
O Marquês de Fronteira, informou que, quando visitou o Mosteiro, ainda viu um enorme caldeiro, sob a grande chaminé da cozinha ([27]).
O mais provável é que entre a fuga dos monges e a vinda de Seabra, tenha ocorrido o desaparecimento do caldeiro maior. Todavia, andou em voga, a seguinte quadra maliciosa:
NO ANO DE TRINTA E QUATRO
LÁ SE FOI O CALDEIRÃO!
SÓ NOS FICOU POR MEMÓRIA,
UM VISCONDE... E A INSCRIÇÃO! ([28]).
Conceituados burgueses de Alcobaça, defenderam em 1869, em abono de Seabra arrogando-se testemunhas oculares que houve uma caldeira de destillação, que erradamente se tem confundido com o caldeirão tomado aos hespanhoes na batalha d’Aljubarrota. Este existe ainda na Casa dos Reis, aquella foi subtrahida, despedaçada e vendida por indivíduos d’aqui e das povoações vizinhas, parte dos quaes vivem ainda; mas nem João de Deus, nem António Luis de Seabra poderiam evitar, por maior que fosse o seu zelo, estes e outros extravios, que a grandeza do mosteiro e suas dependencias, a variedade dos predios, a multiplicidade d’entradas e o facil acesso a todos elles, tornaram d’uma execução pouco difícil ([29]).
A vida do Dr. Seabra está ligada a Alcobaça, o que é frequentemente ignorado, por alguns respeitáveis biógrafos e historiadores. Nem o médico portuense Dr. Estevão Samagaio, seu trisneto, com quem nos correspondemos há anos, refere a sua passagem por Alcobaça ([30]).
Em 1833, Seabra foi nomeado Procurador Régio, junto da Relação de Castelo Branco e em fins de Outubro, chamado à Secretaria/Ministério de Estado da Justiça e dos Negócios Eclesiásticos, cujo titular era José da Silva Carvalho. A Seabra apareceu o ainda jovem Rodrigo da Fonseca Magalhães que lhe disse, que o Ministro está com o expediente e não lhe pode falar e me encarrega de dizer-lhe que tem presente o seu requerimento em que pede ser despachado Procurador Régio da Relação de Castelo Branco. O Ministro quer despachá-lo para esse lugar, mas põe-lhe a condição de ir servir interinamente de Corregedor de Alcobaça, para onde deve ir incessantemente ([31]).
Corregedor, era a designação para o magistrado administrativo e judicial que representava a Coroa nas comarcas de Portugal, durante o Antigo Regime. Competia-lhe fiscalizar a aplicação da justiça e a administração dos diversos concelhos da sua comarca. A sua ação era conhecida por correição, termo que, por extensão também se aplicava às próprias comarcas. A Comarca de Lisboa tinha dois corregedores, um do crime e o outro do civel. Antigamente, eram designados por meirinhos ou adiantados. Todavia, a designação ao tempo era a de Corregedor. A instituição dos corregedores deu nova feição à administração local do país e foi, não como magistrado judicial, entendido segundo a expressão que hoje conhecemos, que Seabra foi nomeado interinamente  Corregedor de Alcobaça.
O Ministro, tinha Sebra em elevado apreço pois, embora não fosse maçon, era destemido, homem de ética e convicções. Quando a guerrilha miguelista ocupava Santarém e Leiria e fazia incursões pelas redondezas, tentou a 6 de Janeiro de 1834 atacar Alcobaça na expectativa de encontrar apoio poular, conventual ou mesmo saquear, Seabra juntou-se às forças lealistas, apresentando-se como soldado (…), contra a guerrilha do Manuel Vaza. O alcunha de Vaza decorre de em rapaz ter ficado com um olho vazado numa briga por causa de águas de regadio. O Vaza era, segundo soava, filho de um capador de Carris de Évora, onde nasceu por alturas de 1800. Também se diz, terá mais tarde, participado no combate de Chão da Feira, em 28 de Agosto de 1838, aquando da Revolta dos Marechais, do lado dos setembristas. Também estava ativa a guerrilha do Salgueiral, com ações na zona do Juncal, Aljubarrota, Alpedriz e Pataias. Seabra deu apoio em géneros alimentícios, ao Corpo de Voluntários de Alcobaça, que desembarcou na Praia da Pederneira e ao comandado por José de Vasconcelos, mais tarde Visconde de Leiria .
Quando tomou posse, Seabra achou o Mosteiro saqueado, no que caracterizou de vandalismo inaudito pelo que tratou de pôr a sequestro com honra e actividade, os bens que haviam escapado à pilhagem recente, bem como as de Agosto, Setembro e Outubro, pelo que removeu para as Casas da Livraria, supostamente as mais seguras do edifício, os móveis, livros, paramentos e alfaias espalhados pelo convento .
Assim, mandou fazer um Auto de Exame à Livraria do Mosteiro no que se achou que a porta principal estava aberta e livre o acesso da mesma Livraria a todas as pessoas que nela quisessem entrar (…). Admitimos que mesmo antes de extintos os conventos, um ou outro monge mais necessitado, escondesse nas pregas do hábito um pergaminho valioso, um manuscrito repleto de iluminuras, indo vende-lo a colecionadores ou alfarrabistas.
Ao tempo da vinda de Seabra para Alcobaça, o Presidente da Câmara Municipal António José Chaves encontrava-se encarregado do municiamento da tropa estacionada na Vila, incluido um Corpo de Voluntários Nacionais, pelo que lhe requesitou azeite da Quinta do Referteleiro que, além de pouco, era de péssima qualidade, borras no fundo de uns pequenos oito a dez potes de latão.
A Seabra deve-se o fornecimento de trinta mil e tantas rações de pão, carne e vinho com que foram municiadas, por mais de um mês, as tropas constitucionais. Afinal era sempre o Mosteiro, para um lado ou outro .
Mandou medir e guardar por pessoa idónia, os frutos e géneros, que havia nos celeiros e adegas, bem como nas Quintas do Cidral e do Vimeiro .
Por essa altura, enviou pessoal a Peniche, Caldas da Rainha e outros locais referenciados, para recuperar livros e arquivos da antiga Biblioteca do Mosteiro que os franceses haviam pilhado e vendido .
As medidas que Seabra adotou, acarretaram aceradas e prolongadas polémicas, que culminaram em calúnias, injúrias e processos judiciais, matéria que levou ao conhecimento da Câmara de Deputados e fez a defesa. Leia-se, com interesse,  OBSERVAÇÕES DO EX-CORREGEDOR DE ALCOBAÇA ANTÓNIO LUIS SEABRA SOBRE UM PAPEL ENVIADO Á CÂMARA DOS SENHORES DEPUTADOS, À CERCA DA ARRECADAÇÃO DE BENS DO MOSTEIRO DAQUELLA VILLA, que temos citado e seguido de perto.
A Seabra era imputado pelos opositores, principalmente por um declarado inimigo, o Pe. Antunes Pinto, ter facilitado o extravio de inumeros bens conventuais.
De que era A. de Seabra acusado pelo Pe João de Deus Antunes Pinto, delegado da Junta do Melhoramento e da Reforma Ecleseástica, que intentou a sua remoção de Corregedor de Alcobaça ou, se possível, a prisão para que ele não fuja com o dinheiro dos objetos vendidos ?
Esclareça-se que Seabra não reconhecia à Junta poder sobre as temporalidades dos Conventos. Segundo o Pe. Antunes Pinto, também vigário da Matriz de Oleiros, governador do Bispado de Leiria, Cónego da Sé Patriarcal de Lisboa, Desembargador da Relação e Cúria Patriarcal e advogado da Casa Real, a causa principal dos extravios dos bens do Mosteiro fora o ex-Corregedor de Alcobaça, por desleixo, pouca atividade ou mesmo para se apropriar deles!!!
Eis os roubos maiores e mais importantes, que há referência nas imputações diretas ou indiretas, de que foi alvo e que muito o incomodaram:
-O roubo de louça da Índia, em cobre e outros objetos, escondidos numa mina, depois atribuído a José Taranta e Joaquim Tomás;
-Grande soma de dinheiro, depois reconhecido ter sido achado por Joaquim Cuco, junto ao forno do Mosteiro;
-Várias vacas, depois reconhecido como sonegadas em proveito próprio, por José Mendes Ricardo, do Casal do Gaio;
-Porcos da Quinta do Vimeiro, confiscados pelos Voluntários Realistas de Évora de Alcobaça, para consumo imediato e próprio.
Seabra, ainda foi acusado pelo Braz Tisana que levou a julgamento por calúnia, de ter deixado que fosse profanada a Igreja do Mosteiro, sem que se poupasse o túmulo de D. Inês, de não ter tomado providências para se evitarem roubos, consentindo que quase à sua vista, se vendessem livros e alfaias, de ter ele sido o maior delapidador dos bens do mosteiro, dando cavalos a quem quis, vendendo outros por preço ínfimo, arrendando quintas a pessoas da sua parcialidade, dissipando vinho e outros géneros, como odres de azeite da Quinta do Referteleiro, alqueires de milho ou carradas de palha.
Vejamos algumas diligências desenvolvidas por Seabra, nos termos em que  oficiou ao Secretário dos Negócios da Justiça, Silva Carvalho:
(a)-No dia 7 de novembro de 1833, a Portaria em que V. Ex. me ordena em nome do Regente, que vigie pela conservação da Biblioteca do Real Mosteiro desta Villa, e pela arrecadação dos livros que dali tinham sido roubados. Chegando a esta Comarca, foi esse um dos primeiros cuidados que tive, e me lisongeio de ter vindo ainda a tempo de obstar à sua total ruína; por quanto as portas da livrarias e achavam arrombadas e a sua entrada livre a todo o mundo. Pelo que toca aos livros roubados, tenho já feito arrecadar para cima de 200 volumes e trabalho por haver o resto. A maior parte porém foram levados para Peniche (antes da minha chegada) e me consta que o Governador tem tratado de os recolher. Alguns há também nas Caldas, e que ali foram vendidos por soldados franceses ou se acham em poder dos Voluntários (realistas) comandados por um certo Vasa, que não pouco concorreram aqui para os estragos deploráveis feitos no Mosteiro. Devo contudo acrescentar que os Monges levaram consigo ou puseram em recado, em sítio que ainda se ignora, e mesmo não convirá por ora descobrir, os manuscritos da Biblioteca que faziam a sua principal riqueza, e a maior parte dos livros que eles chamavam proibidos, cujo gabinete está vazio. Os Frades acautelaram o precioso do seu Cartório, e levaram os seus Livros Dourados; entretanto eu pude descobrir um mapa circunstanciado de todas as rendas do Mosteiro, extraído por cópia do cofre das três chaves, que eu remeterei no seguinte correio a V. Ex. pela Repartição da Fazenda, e que lhe fará ver de um golpe de vista tudo quanto desejar saber a este respeito.  Dos géneros recebidos e gados existentes se tem fornecido e fornece a tropa; pelo que toca aos frutos pendentes, como azeitona, tem sido posta em praça para que não se perca em abandono. O mesmo tenho feito com as terras que exigem imediato amanho, com os lagares de azeite que devem abrir-se, e com os moinhos que trabalham constantemente. 
(ofício de 9 de Novembro de 1833)
(b)-Já participei a V.Ex., mais de uma vez, como os Monges de S. Bernardo tinham abandonado o Mosteiro e todas as suas casas e propriedades desta Comarca para seguir os rebeldes; as providências que tenho dado para obstar à continuação dos roubos e estragos feitos e para evitar que se perdessem os frutos pendentes e o rendimento dos lagares e moinhos: mas que devo fazer das quintas e terras do Mosteiro que exigem contínuos e imediatos cuidados de lavoura? 
(ofício de 17 de Novembro de 1833)
(c)-Dando parte da descoberta dos manuscritos e da sua remessa para S. Martinho (depois enviados por mar para Lisboa), para evitar o perigo a que estavam expostos em quanto a linha do exército (liberal) não avançasse mais. 
(ofício de 23 de Novembro de 1833)
(d)-Tenho a honra de participar a V. Ex., que hoje se me apresentou nesta vila um ecleseástico, munido de uma provizão da Junta do Melhoramento e Reforma Ecleseástica, pela qual é autorizado a proceder ao inventário e arrecadação dos bens de Real Mosteiro desta vila, conjuntamente com um Secretário, diferentes empregados, e um outro indivíduo que se diz Procurador Fiscal; requerendo-me fizesse imediatamente entrega de todos os autos de sequestro e arrecadação a que tivesse procedido, bem como todos os géneros, moveis ou quaisquer outras coisas que por este Juízo se achassem em depósito. Duvidei faze-lo sem decisão de V. Ex., primeiramente porque não posso entender, pelos princípios gerais da jurisprudência que aprendi, um Juiz Comissário Eclezeástico intrometido em meras temporalidades; e revestido de poderes activos e coativos como são os de inventariar, arrematar, cobrar dívidas, coisas estas, que por nenhum modo se podem fazer sem jurisdição:
2º- porque a Portaria da Junta de Melhoramento, manifestamente expedida sem conhecimento de V. Ex. de modo nenhum pode suspender o processo de requestro, que me incumbe neste caso especial deste Convento, por força do Decreto de 31 de Agosto do corrente ano: 3º-pelas ordens positivas que V. Ex. me tem expedido, em data de 26 de Outubro de 8 e 18 de Novembro, que me tem encarregado esta arrecadação, e arrematação das rendas dos prédios rústicos &c. que não podem ser derrogadas por ordem que não provenha da mesma Secretaria. V. Ex. me fará saber a sua decisão e permita-me que lhe diga que todo este aparato só pode redundar em menoscabo da Lei e prejuízo da Fazenda, que neste Distrito ouso dize-lo que não precisa de tais defensores. No entanto, acredite V.Ex. que eu me veria com prazer exonerado desta responsabilidade, de que não tiro outra recompensa mais que a satisfação de ter feito o meu dever, se esta interrupção extraordinária não desse azo a interpretações que de modo nenhum me convém. 
(ofício de 11 de Dezembro de 1833)
(e)-Pedindo autorização para a venda dos vinhos que restavam, que poderão produzir o melhor de dois contos de reis e correm o risco de perder-se.
(ofício de 18 de Dezembro de 1833)
Num opúsculo de desagravo, contendo peças de um processo judicial que Seabra veio intentar contra o Braz Tisana, que ao longo de vários anos e artigos o ofendeu, por razões políticas, transcreve-se a carta que o alcobacense Dr. António Lúcio Tavares Crespo, escreveu a um amigo referindo que o caldeiro foi roubado em Janeiro de 1834, ante da entrega das pertenças do Mosteiro à Junta de Melhoramento Temporal e quem terão sido os autores .
Vieram ainda em defesa de Seabra, a Câmara Municipal de Alcobaça, e outros autarcas na área dos antigos Coutos .
O Conselheiro Francisco Botto Pimentel, que sucedeu a Seabra no cargo de Corregedor de Alcobaça, em 1867 certificou que, algum tempo depois de eu ter chegado a Alcobaça, o Governo mandou que informasse sobre a arrecadação dos bens do Mosteiro (…). E que o grande caldeirão foi roubado já depois de Vossa Excellencia ter sido demitido (32).
O Mosteiro de Alcobaça, segundo o entendimento, defendido com argúcia e sucesso por A. Seabra, não se encontrava em situação jurídica semelhante à de outros do País, cujas ordens religiosas foram extintas, pois em 1833, era um mosteiro abandonado, cujos bens pertenceram originalmente à Coroa e a quem deveriam reverter, de acordo com a cláusula de doação de D. Afonso Henriques. Seabra defendia que as autoridades eclesiásticas não deveriam beneficiar com os despojos das Ordens Religiosas, ao invés do entendimento da Junta de Melhoramento e do Pe. Antunes Pinto, pois D. Afonso Henriques teria pretendido evitar que os Monges de Alcobaça, abandonassem o mosteiro, como acontecera em S. Pedro de Mouraz, de efémera duração, cujos monges se retiraram, sem previamente o avisar, e que por isso ficou altamente descontente. Apesar dos maus tratos, que não foram de somenos importância, este entendimento salvou o edifício, que não se transformou numa ruína, lixeira ou local de extração de pedra. O Mosteiro de Alcobaça, segundo o entendimento, defendido com argúcia e sucesso por A. Seabra, não se encontrava em situação jurídica semelhante à de outros Mosteiros do País, cujas ordens religiosas foram extintas pelo Decreto de 1834, auctoritate apostolica qua fungor.
Alcobaça, em 1833, era um mosteiro abandonado, cujos bens pertenceram originalmente à Coroa e a quem deveriam reverter, de acordo com a cláusula de doação de D. Afonso Henriques. Seabra defendia que as autoridades eclesiásticas não deveriam beneficiar com os despojos das Ordens Religiosas, ao invés do entendimento da Junta de Melhoramento, pois D. Afonso Henriques teria pretendido evitar que os Monges de Alcobaça, abandonassem o mosteiro, como outrossim acontecera em S. Pedro de Mouraz, de efémera duração, cujos monges se retiraram, sem previamente o avisar, e que, por isso, ficou altamente descontente.
Na Sacristia e no Mosteiro em geral, guardavam-se preciosidades únicas, como vasos sagrados, alfaias, ferramentas que se extraviaram, enquanto algumas foram a tempo de constituir coleções de arte ornamental, no Museu Nacional de Belas Artes.
Mas emblemática, emblemática, era a Biblioteca, notável pelo número e qualidade das obras, que iam desde o século XII ao século XVIII. O período filipino, as invasões francesas e o saque de 1833, foram os grandes responsáveis por perdas inestimáveis (33). 





[1] . Lousada, Maria Alexandre e Melo Ferreira, Maria de Fátima, D. Miguel (Círculo de Leitores).

[2] . Ibidem.
[3] . Fernandes, Joaquim, O Grande Livro dos Portugueses Esquecidos (Círculo de Leitores).
[4] . Saraiva, José da Cunha “Relação da vinda de El-Rey o S. Dom Miguel a este Real Mosteiro de Alcobaça”., Lisboa  1831

[5] . Ibidem.
[6] . Vieira Natividade, Manuel, “Mosteiro de Alcobaça” - Impr. Progresso, Alcobaça 1885.
[7] . Lousada, Maria Alexandre e Melo Ferreira, Maria de Fátima, D. Miguel, ed. Círculo de Leitores).
[8] . Cocheril, D. Maur, “Beckford et la Cuisine de Alcobaça”, Porto 1961.

[9] . Barreto, D. José Trazimundo Mascarenhas, “Memórias do Marquês de Fronteira e Alorna, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861” - Coimbra : Impr. da Universidade,  2003.
[10] . “Lisboa na Imprensa Régia -1832, Com Licença”, Preito de Fidelidade e Vassalagem , 1832 (texto facultado por Vieira Rasquilho).
[11] . Ibidem.
[12] . Oliveira Martins, “História de Portugal” - Lisboa : Viúva Bertrand, 1882.
[13] . Barreto, D. José Trazimundo Mascarenhas, “Memórias do Marquês de Fronteira e Alorna, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861, Coimbra : Impr. da Universidade, 2003.
[14] . Ibidem.

[15] . Almeida Garret, “Viagens na minha Terra” – Editora  Figueirinhas, Porto.

[16] . Ibidem.

[17] . Alexandre Herculano, “Opúsculos I - Os Egressos” (1842), Lisboa : Livraria  Viúva Bertrand, 1873-1908.

[18] . Diário de Notícias, entre 1948 e 1953.
[19] . Ibidem.

[20] . Faria e Melo, Arnaldo, “Inventário dos Códices Alcobacenses” - Biblioteca Nacional de Lisboa, 1930.

[21] . Diário de Notícias, entre 1948 e 1953.

[22] . Ibidem.
[23] . Arquivo da Biblioteca Nacional de Portugal, Secção dos Reservados.
[24] . Vilanova, Bernardo Henriques, “Alcobaça no Arquivo da CMA” Ed. CMA, 1940.
[25] . Ibidem.
[26] . Ibidem.
[27] . Barreto, D. José Trazimundo Mascarenhas, “Memórias do Marquês de Fronteira e Alorna, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861 -  Impr. da Universidade de Coimbra, 2003.

[28] . Pinho Leal, “Portugal Antigo e Moderno” - Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia. Lisboa. 1873-1890.
[29] . Seabra, António Luís,
-Resposta do Visconde de Seabra aos seus calummiadores, Coimbra, Imprensa da Universidade - 1871,
Observações do Ex Corregedor de Alcobaça, António Luís de Seabra sobre um papel enviado à Câmara dos Senhores Deputados, à cerca da Arrecadação de bens do Mosteiro daquela Villa, Lisboa: 1835, Typografia de Eugenio Augusto, Rua da Cruz de Páo, nº12 a Santa Catharina.

[30] . Arquivo Particular do Autor e correspondência particular.

[31] . Seabra, António Luís,
-Resposta do Visconde de Seabra aos seus calummiadores – Coimbra Imprensa da Universidade - 1871,
-Observações do Ex Corregedor de Alcobaça, António Luís de Seabra sobre um papel enviado à Câmara dos Senhores Deputados, à cerca da Arrecadação de bens do Mosteiro daquela Villa – Lisboa: 1835 – Typografia de Eugenio Augusto, Rua da Cruz de Páo, nº12 a Santa Catharina.