quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

GENEOLOGIA FLEMING DE OLIVEIRA

Ramo de Miramar


“FLEMING DE OLIVEIRA”
O apelido “Fleming” comum a numerosas famílias, na Grã-Bretanha e Irlanda, bem como nas antigas colónias britânicas e, um pouco por toda a parte é, também, o de uma das mais tradicionais e poderosas famílias da Escócia do Norte.
Robert Fleming, em finais do sec.XIII, era um dos homens fortes da Escócia, ao tempo em que Robert “The Bruce “ocupava o trono daquele reino.
Um feito seu, e uma frase que então proferiu, levou os seus descendentes a adoptarem por lema do seu brazão, “LET THE DEED SHAW”.
Esse feito, de mérito muito discutível, conta-se em poucas palavras. Em 10 de Fevereiro de 1305, Robert “The Bruce” acompanhado por alguns cavaleiros, entre os quais Robert Fleming, entrou de rompante na igreja do Convento de Minoriti e ali apunhalou Sir John Comyn, partidário de Edward I. Estando Sir John já prostrado sobre o lajedo, a esvair-se em sangue, Robert Fleming precipitou-se sobre ele e decepou-lhe a cabeça.
Conta a História que, perguntando o Rei se Comyn estava morto, Robert Fleming apresentou-lhe a cabeça da vítima, proferindo aquela expressão que os seus descendentes viriam a adoptar como lema.
Em Portugal, o primeiro “Fleming”, foi Alexander Miller Fleming, filho de George Fleming e de sua mulher Christiane Miller, baptizado a 8 de Março de 1826 pelo Pároco de Glasgow (City), Condado de Lanark.
Ignora-se a data precisa em que veio para Portugal fixar-se na cidade do Porto, onde já existiam parentes seus. É de presumir que tenha vindo antes de 1850 pois que, em 1855, foi baptizado o único filho do seu casamento, em primeiras núpcias, com D. Júlia Amélia Rodrigues. Faleceu na cidade do Porto, a 22 de Julho de 1870, com 47 anos, e encontra-se sepultado no cemitério inglês, junto da British Church of St. James.
Era colaborador do seu tio materno Alexander Miller, no comércio de exportações para Inglaterra.



Fernando Augusto Fleming de Oliveira
in “Parentes Meus”, Miramar 1992.








O apelido Fleming de Oliveira surge, no Porto e em Portugal, do casamento de Lícia Pereira de Vasconcelos Fleming, com Augusto Johnston de Oliveira, 23.5.1881-19.12.1961.
Deste casamento, realizado (catolicamente) a 8.11.1916, na Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, houve dois filhos:
(1)-FERNANDO AUGUSTO FLEMING DE OLIVEIRA, 20.9.1918-17.12.1994, casado a 13.5.1944, com D. Maria Cândida da Costa Carneiro Ferreira Fleming de Oliveira, nasc. a 26.07.1924-21.12.2006, e
(2)-MÁRIO AUGUSTO FLEMING DE OLIVEIRA, nasc. a 24.02.1922, casado a 17.12.1942, com D. Maria Cândida Machado Pinto Henriques Fleming de Oliveira, nasc. a 09.07.1922.

A Família Fleming de Oliveira (Ramo de Miramar), tem a seguinte composição:
DESCENDENTES DE
(I)-FERNANDO AUGUSTO FLEMING DE OLIVEIRA
(A)-Fernando José Ferreira Fleming de Oliveira, nasc. a 22.02.1945, casado em 21.02.1970, com D. Ana Maria Salgueiro Pereira de Magalhães Fleming de Oliveira, nasc. a 26.09.1946.
Tem:
(1)-Maria Raquel de Magalhães Fleming de Oliveira (Gaspar), nasc. a 24.12.1970, casada em 11.02.1995, com Dr. Luís Nuno Ferreira Pessoa Gaspar, nasc. a 30.06.1971.
Tem:
a)-Maria Teresa de Magalhães Fleming Pessoa Gaspar, nasc. a 24.07.1995.
b)-Luís Nuno de Magalhães Fleming Pessoa Gaspar, nasc. a 26.11.2003.
(2)-Paula Alexandra de Magalhães Fleming de Oliveira , nasc. a 26.02.1972.
(3)-Miguel Pereira de Magalhães Fleming de Oliveira, nasc. a 02.09.1973.
Tem:
a)-Diogo Miguel Vilaça Fleming de Oliveira , nasc. a 2.10.2003.
b)-Francisco Vilaça Fleming de Oliveira, nasc. a 21.09.2010-
(B)-Maria Cândida Ferreira Fleming de Oliveira (Náná), nasc. a 15.04.1946.
(C)-Maria Antónia Ferreira Fleming de Oliveira (Núnú), nasc. a 16.02.1948-03.8.2011.
(D)-Maria Clara Ferreira Fleming de Oliveira (Almeida), nasc. a 31.12.1949 casada a 19.02.1972, com Engº Manuel Mário Correia de Almeida, nasc. a 09.02.1948.
Tem:
(1)-João Fleming de Oliveira Correia de Almeida, nasc. a 05.05.1973, casado em 28.04.2001, com D. Marta Sofia de Oliveira Paiva, nasc. a 26.10.1975.
Tem:
a)-Beatriz Paiva Fleming de Almeida , nasc. a 04.10.2002.
b)-Mariana Paiva Fleming de Almeida, nasc. a 20.09.2008-
(2)-Gonçalo Fleming de Oliveira Correia de Almeida, nasc. a 09.09.1974.
Tem:
a)-Carolina Rio Espinheira Fleming de Almeida, nasc. a 30.11.05.
(3)-Francisca Fleming de Oliveira Correia de Almeida, nasc. a 19.10.1975, casada a 16.10.04, com Dr. Gonçalo Xavier de Araújo, nasc. a 28.05.75.
Tem:
Diogo Fleming Almeida de Araújo, nasc. a 11-07-2007.
(E)-Maria de Fátima Ferreira Fleming de Oliveira (Araújo Lima) (Xica), nasc. a 7.11.1951, casada a 26.07.1975, com António Rui de Meireles Sampaio de Araújo Lima, nasc. a 24.05.1948.
Tem:
(1)-Mafalda Fleming de Oliveira Araújo Lima (e Silva), nasc a 23.04.1976, casada a 25.09.04, com Luís Miguel Ferreira da Silva , nasc. a 11.09.73.
Tem:
a)-Matilde Araújo Lima Ferreira da Silva, nasc. 31.08.05.
b)-Madalena Araújo Lima Ferreira da Silva, nasc. 14.04.2009.
(2)-Rodrigo Fleming de Oliveira Araújo Lima , nasc. a 22.07.1980.
(F)-Nuno Emanuel Ferreira Fleming de Oliveira, nasc. a 09.08.1953;
(G)-Maria Ana Ferreira Fleming de Oliveira (Peixoto) (Biquica), nasc. a 05.03.1956, casada a 26.07.1989-Miramar e 31.10.89-Ponta Delgada, com Dr. Domingos Soares Peixoto, nasc. a 02.07.1945.
Tem:
(1)-Teresa Fleming de Oliveira Peixoto, nasc. a 29.04.1990;
(2)-Leonor Fleming de Oliveira Peixoto , nasc. a 16.11.1993.
(H)-Maria Inês Ferreira Fleming de Oliveira (Sousa), nasc. a 30.04.1958, casada a 10.11.1978, com Antero Paulo de Oliveira e Sousa, nasc. a 26.07.1949.
Tem:
(1)-Gustavo Fleming de Oliveira de Sousa, nasc. a 06.09.1978, casado a 25.09.2010 com Cristina Manuel Correia de Pinho Alves da Silva e Fleming, nasc. 22.02.1980.
Tem:
Francisco Correia Alves da Silva e Fleming, nasc. 18.02.2010.
(2)-Benedita Fleming de Oliveira de Sousa (Granja), nasc a 22.04.1980 casada a 30.06.07 com Eduardo Alberto Ferreira Osório Granja, nasc. a 19.10.1977;
Tem:
a)-Maria Fleming de Sousa Osório Granja, nasc. a 14.01.2009.
b)-Eduardo Fleming de Sousa Osório Granja, nasc. 20.01.2011.
(3)-Juliana Fleming de Oliveira de Sousa, nasc. a 22.08.1984.
(4)-Duarte Fleming de Oliveira de Sousa, nasc. a 28.11.1992.



Alcobaça, 31 de Dezembro de 2011.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

COMEMORAÇÕES INESIANAS 2011

650 anos da Transladação de Inês de Castro para Alcobaça.


PALESTRA NA USALCOA, 18 de Novembro de 2011









segunda-feira, 21 de novembro de 2011

VINHO


-UM BOM COPO (de vinho) EM
ALCOBAÇA?
-O FRANGO NA PÚCARA (fraco sucedâneo)
da Perdiz na Púcara
-HISTÓRIAS DO VINHO

FLEMING DE OLIVEIRA

Nos tempos que correm, não se faz mais bom vinho em Alcobaça (nem tinto nem branco, perdoem-me alguns esforçados produtores) e o prato apontado ao turista como típico da terra, o Frango na Púcara, é um triste sucedâneo de uma antiga Perdiz na Púcara.
Gosto de um bom copo, e de histórias relacionadas com o vinho que vou contar.
Uma lenda grega, como bonita é também esta lenda !!!, atribui a descoberta da videira a um pastor, de nome Estáfilo que ao procurar uma cabra tresmalhada a foi encontrar a comer parras. Colhendo os frutos da planta, até então desconhecida, levou-os ao patrão Oinos, que deles extraiu um sumo cujo sabor foi melhorando com o decurso do tempo. Assim, em grego, uma videira designa-se por Staphyle e o vinho por Oinos.
A mitologia romana, atribui a Saturno a introdução das primeiras videiras no Mundo.
Na Península Ibérica, é imputada a Hércules e terá sido inicialmente cultivada nos vales do Tejo e do Sado, cerca de 2000 anos a.C., funcionando como moeda de troca no comércio de metais. Mais tarde, ao fundar Lisboa, Ulisses terá usado o costume das suas viagens, oferecendo vinho, para assinalar as boas vindas.
Mas noutras regiões do Mediterrâneo, a origem do vinho encontra-se em muitas lendas e, desde tempos remotos, o vinho tem desempenhado papel de relevo em quase todas as civilizações. Fruto da videira e do trabalho (suor e sangue…) do Homem, não é ultrapassado por nenhum outro produto da terra. Repleto de simbologia, impregnado de religiosidade e misticismo, o vinho surge cedo na vida da Humanidade, tornando-se fonte de Lendas e Mitos. Expressões tão interessantes como
Dádiva dos Deuses, Sangue de Cristo, Essência da Vida, In Vino Veritas, Bonum Vinum Laetificat Cor Hominis. explicam a sua importância na Cultura Ocidental, no Direito, no Cristianismo e na Literatura, onde ocupou um lugar de destaque ao longo das eras. O interesse de expressões como aquelas, para a história da gastronomia, é, por demais. evidente. Mostram-nos a dicotomia existente no mundo romano entre o exagero, a extravagância e a imoderação de banquetes com orgias e os apelos à temperança e à racionalidade de pensadores como Séneca non facit ebrietas vitia sede protahit (isto é, a embriaguês não faz vícios apenas os evidencia), um estóico como Cícero optimum cibi condimentum fames (isto é, o melhor condimento é a fome) ou um Quintilhano.
O mesmo podemos dizer da Idade Média, aonde encontramos a alternância entre ascéticos conselhos médicos e os apelos à libertinagem.
Procura ser feliz ainda hoje, pois não sabes o que te espera no dia de amanhã. Toma uma taça cheia de vinho, senta-te ao clarão do luar e monologa: Talvez amanhã a lua me procure em vão.
O vinho pode ser encarado sob as mais diversas facetas, como um produto comercial, como uma mera bebida alcoólica que se bebe para esquecer, como símbolo de status e sofisticação ou como fonte inesgotável de prazer.
Não faço a apologia da bebida, muito menos dos excessos, nem me abalanço a falar deste tema numa perspectiva de enólogo ou de técnico, mas de um pequeno filósofo de horas vagas, leigo que chegou tarde, seguindo o conselho alguns bem mais competentes, como a minha Mulher. Um leigo que não tem pretensões de deixar de ser leigo, mas ainda obter algum estilo, embora correndo o risco de uma vez por outra, quando a Aninhas não está a ver, ficar emocionado. Gostaria de ser um virtuoso na arte de beber de vez em quando um Sirah, Esporão, ou um barca Velha!!!, percebendo os seus gostos, aromas e compartilhando alegrias com alguns amigos.
Pensamos, sonhamos e agimos de acordo com o que bebemos e comemos, escreveu Marinetti.
In Vino Veritas, é uma expressão antiga associada a mais uma lenda curiosa. É bastante conhecida, podendo entender-se que sob a acção do vinho prevalece a verdade e nesse caso o que se diz é mesmo sincero e espontâneo.
Um agreste povoado italiano vinha preocupando sobremodo as autoridades romanas que resolveram designar para assumir a paróquia, promissores padres da nova geração. Esperava-se assim conseguir mudar o sentimento dessa localidade, cujos habitantes se mostravam indiferentes aos assuntos religiosos. Indicado para fazer uma visita pastoral, o bispo da diocese verificou que o jovem padre era tímido nos sermões, actuando de forma acanhada e inibida. À guisa de resolver esse impasse, aconselhou o sacerdote que, antes de subir ao púlpito tomasse alguns cálices de vinho. O jovem padre seguiu de bom grado tão agradável sugestão, e bebendo uns copos, passou mesmo os limites da moderação. No término do seu inflamado sermão, recebeu efusivas felicitações, acompanhadas de admiração e pasmo por tão radical transformação de pregador. Tinha superado as expectativas e havia sido até demasiado veemente nas suas exortações, não havendo necessidade de clamar cinco vezes pelas profundas do inferno! É fora de qualquer dúvida que os eflúvios catalizadores do vinho tiveram o condão de romper as cadeias que prendiam os arroubos e impulsos do seu talento.

O Dr. Amílcar Magalhães, há bastantes anos, mas depois do 25 de Abril, quando certo tipo de vinho já se encontrava em declínio, resolveu engarrafonar para escoar mais fácil, rápida e a melhor preço, a sua produção de mais de cem pipas de vinho tinto dos Montes, tido por muito bom conforme as castas tradicionais. A esse vinho foi atribuído o nome de Vinho Montês e no bonito rótulo que se mandou desenhar, além de uns cachos de uvas vermelhinhas, aparecia o aforismo latino Bonum vinum laetificat cor hominis, o que traduzido para português significa que o bom vinho alegra o coração do homem. Nessa altura há mais de 25 anos,o vinho estava já numa fase de irreversível transição em termos de exigências dos consumidores, o vinho em garrafão ainda se vendia, embora cada vez menos, pelo que esta experiência não se revelou de grande sucesso, e que não durou muito tempo, em breve sendo abandonada.


FLEMING DE OLIVEIRA

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

TRADIÇÕES DE NATAL

-O PRESÉPIO
-VAMOS CANTAR AS JANEIRAS
-O DIA DE REIS


Fleming de Oliveira



(I)
A palavra presépio significa, etimologicamente, um lugar onde se recolhe o gado, curral, estábulo.
Contudo, esta é também a designação dada à representação artística do nascimento do Menino Jesus, acompanhado pela Virgem, S. José, a vaca e o jumento. Por vezes, acrescentam-se, decorativamente, pastores, ovelhas, anjos ou Reis Magos.
Os primeiros presépios surgiram com vista adois tipos de representações da Natividade, a plástica e a teatral. A representação plástica, surge no final do século IV, com Santa Helena, mãe do Imperador(Romano) Constantino. A teatral, com Francisco de Assis, como veremos, que fez uma mistura de personagens reais e imagens. Embora seja indubitável a importância destas representações da Natividade para o aparecimento dos presépios, elas não constituem ainda verdadeiros presépios.
O nascimento de Jesus começou a ser celebrado desde o século III, data das primeiras peregrinações a Belém, para visitar o local do nascimento.
No século IV, começaram a surgir representações do nascimento de Jesus em telas, relevos ou frescos.
Passados séculos, mais precisamente no ano de 1223, S. Francisco de Assis decidiu celebrar a Missa da Véspera de Natal, de forma diferente, quiçá mais apelativa. Assim, esta Missa, em vez de celebrada no interior de uma igreja, foi-o numa gruta situada na floresta de Greccio, perto da cidade. S. Francisco transportou para lá um boi, um burro e feno, e colocou imagens em argila do Menino Jesus, da Virgem e de S. José.
Este acontecimento faz com que posteriormente S. Francisco passasse a ser visto como o criador dos presépios. Todavia, os presépios tal como os conhecemos hoje, só surgiram muito mais tarde.
No século XV, surgiram algumas representações do nascimento de Cristo. Contudo, estas representações não eram modificáveis, outrossim estáticas.
É, nos finais do século XV, graças ao desejo crescente de fazer reconstruções plásticas da Natividade mais sofisticadas, que as figuras de Natal se libertam das paredes das igrejas ou das telas, surgindo em figuras nas próprias igrejas ou noutros espaços. Estas figuras, dada a plasticidade, podem ser observadas de todos os ângulos e sendo soltas, permite criar cenas diferentes e inovadoras. Surgem, assim, os presépios.
A característica mais importante de um presépio e a que mais facilmente permite distingui-lo das restantes representações da Natividade, é a sua mobilidade. O presépio é modificável pois com as mesmas peças pode-se recriar diferentes episódios, que marcam a época natalícia.
No século XVIII, a recriação da cena do nascimento de Jesus estava completamente inserida nas tradições de Nápoles e da Península Ibérica, incluindo Portugal.
De entre os presépios mais conhecidos, é de salientar os presépios napolitanos, surgidos no século XVIII. Nestes podem observar-se várias cenas do quotidiano, mas o mais importante é a qualidade das figuras. Por exemplo, os Reis Magos eram vestidos com sedas ricamente bordadas e usavam jóias muito trabalhadas.
No que se refere a Portugal, não é exagero dizer que aqui foram feitos alguns dos mais belos presépios do mundo, com destaque para os dos escultores e barristas Machado de Castro e António Ferreira, no século XVIII.
Atualmente, ainda é costume de armar o presépio, tanto em locais públicos como particulares. Contudo, com o surgimento da árvore de Natal, os presépios, cada vez mais, ocuparam um lugar secundário nas tradições natalícias.
(CONTINUA)







(II)
-O PRESÉPIO
-VAMOS CANTAR AS JANEIRAS
-O DIA DE REIS

I
Fleming de Oliveira
Cantar as janeiras é uma tradição bem antiga, imemorial, nomeadamente no Norte de Portugal, que todavia está a perder-se, e consiste no cantar, de forma um pouco esganiçada (cana rachada), de músicas por grupos que à noite vão pela rua, pelas casas, anunciar o nascimento de Jesus, desejando um Feliz e Próspero Ano Novo. Esses grupos iam alegremente de porta em porta, pedindo aos residentes algumas sobras das festas natalícias, que se traduziam, preferencialmente, em dinheiro. Mas também em doces e até vinho…
Inicialmente, ocorreriam apenas em Janeiro, começando no dia 1 e estendendo-se até dia 6, Dia de Reis. Nos meus tempos de rapaz, muitos grupos de janeiras que iam a casa de meus Pais, começavam mesmo por alturas do Natal, estivesse frio, chuva ou vento.
A tradição geral, é a de grupos de amigos ou vizinhos (homens) que se organizavam, com instrumentos, pandeireta, bombo ou viola. Feito o grupo, distribuidas as letras e os instrumentos, iniciavam o cantar de porta em porta da vizinhança.
Terminada a canção numa casa, esperava-se naturalmente que os donos tragam as janeiras, de preferência alguns trocos, no nosso caso já preparados para o efeito.
No fim da função, o grupo reúne-se e divide o resultado, ou comem juntos o que receberam.
As músicas utilizadas são, por norma, muito populares, simples, habitualmente à volta de quadras que louvam o Menino Jesus, Nossa Senhora, São José e, claro, os moradores que contribuíram. Também era usual algumas quadras pouco lisonjeiras, reservadas aos moradores que não davam as janeiras.
Hoje em dia as janeiras são cantadas de forma muito memorialista ou folclórica. Efeito dos tempos…
(CONTINUA)






(III)

-O PRESÉPIO
-VAMOS CANTAR AS JANEIRAS
-O DIA DE REIS

Fleming de Oliveira


Tornou-se costume em várias culturas montar um Presépio quando é chegada a época de Natal. Variam em tamanho, alguns em miniatura, outros em tamanho real.
Em Portugal, o presépio tem tradições muito antigas e enraizadas nos costumes populares. Em Casa de meus Pais, era montado no início do Advento, ainda sem a figura do Menino Jesus que só era colocada na noite de Natal, após todos irem à Missa do Galo. Quando regressávamos era perto do presépio que estavam colocados os presentes, embora só distribuídos depois de se colocar a imagem do Menino Jesus sobre uma manjedoura de palhinhas. O Presépio a seguir ao Dia de Reis era desmontado pelos filhos em benévola disputa, com a minha Mãe à cautela sempre por perto.
O nosso Presépio era formado por figuras tão diversas, que não correspondiam exactamente à época que deveriam representar. Mas isso para nós era irrelevante. À exceção das figuras de S. José, Virgem Maria e Menino Jesus, dos pastores e dos Três Reis Magos, todas as restantes figuras do nosso Presépio eram adicionadas com vista a dar uma representação mais nortenha à história da Natividade. Assim, podiamos encontrar figuras como um moleiro, uma lavadeira, ou uma mulher com um cântaro na cabeça. A origem destas peças era normalmente de Barcelos, onde os meus Pais tinham amigos e parentes. A Estrela de Belém nunca podia faltar. Foi ela que guiou os Reis Magos.
Durante o Estado Novo, os bonecos de Estremoz tiveram boa procura e após uma deslocação de meus Pais ao Alentejo, o nosso Presépio desse ano teve uma nova encenação, não necessariamente mais apreciada.
Belchior ( é, o que vai inspecionar), Baltasar (é, Deus manifesta o Rei) e Gaspar (é, o meu rei é luz), não seriam reis, nem necessariamente três, mas, talvez, sacerdotes da religião zoroástrica persa ou conselheiros. Como nenhum documento diz quantos eram, presume-se serem três, pelo número e tipo de presentes oferecidos.
Talvez fossem astrólogos ou astrónomos, pois, segundo consta a tradição, viram uma estrela e foram assim guiados, até ao local onde nascera Jesus. Os Magos sabendo que se tratava do nascimento real, foram previamente ao palácio de Herodes, a quem perguntaram sobre a criança. Herodes alarmou-se, sentiu-se ameaçado, pelo que pediu aos Magos que, se o encontrassem, o avisassem de pronto, pois iria adorá-lo. A sua intenção era, obviamente, a de o matar. Até os Magos chegarem ao local onde estava o Menino, já havia decorrido algum tempo, pelo que a tradição atribuiu à visita dos Magos, o dia 6 de Janeiro.
A Estrela que os precedia, segundo o Evangelho, parou por sobre onde se encontrava o Menino Jesus. E vendo a estrela, alegraram-se eles com grande e intenso júbilo. Os Magos ofereceram três presentes ao Menino, ouro, incenso e mirra, cujo significado e simbolismo espiritual é, juntamente com a própria visita um resumo do Evangelho e da Fé Cristã, embora exista especulação a respeito do significado das dádivas. O ouro pode representar a Realeza (era presente real), o incenso a Fé ou a Divindade (o incenso usado nos templos, simboliza a oração que chega a Deus, assim como a fumaça sobe ao céu) enquanto que a mirra, resina usada em embalsamamentos desde o Egito (visava assegurar a imortalidade), remete-nos ao mesmo tempo para o género da morte de Jesus, o Martírio (a sua humanidade). Um composto de mirra e aloés foi, aliás, usado no embalsamamento de Jesus
Entrando na casa, viram o menino (Jesus), com Maria sua mãe. Prostando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra.
Sendo por divina advertência prevenidos em sonho a não voltarem à presença de Herodes, regressaram por outro caminho a sua terra .
Nada mais a Escritura nos diz sobre essa história cheia de poesia, não havendo outros documentos históricos sobre eles.
A mais pormenorizada descrição dos Reis Magos deve-se a S. Beda, o Venerável (673-735), no seu tratado Excerpta et Colletanea: Melquior era velho de setenta anos, de cabelos e barbas brancas, tendo partido de Ur, terra dos Caldeus. Gaspar era moço, de vinte anos, robusto e partira de uma distante região montanhosa, perto do Mar Cáspio. E Baltasar era mouro, de barba cerrada e com quarenta anos, partira do Golfo Pérsico, na Arábia Feliz.
Assim se pretendia dizer que representavam os reis de todo o mundo, as três raças humanas conhecidas, em idades diferentes. Melquior entregou-Lhe ouro em reconhecimento da realeza, Gaspar, incenso em reconhecimento da divindade e Baltasar, mirra em reconhecimento da humanidade.
A exegese vê na chegada dos reis magos o cumprimento a profecia contida no livro dos Salmos: Os reis de toda a terra hão de adorá-Lo.
Durante a Idade Média começou a devoção dos Reis Magos, tendo as suas relíquias sido transladadas no séc. VI de Constantinopla para Milão. Em 1164, com os três já a serem venerados como santos, foram levadas para a Catedral de Colónia (Alemanha).
Há diferentes opiniões quanto à visita do Menino Jesus pelos Magos
A crença tradicional que Jesus foi visitado aquando do seu nascimento, não é consensual. Há pessoas que acreditam que Jesus já possuia uma certa idade, pois há vários indícios nesse sentodo, como traduções respeitáveis do texto de Mat. 2.11 que usa a expressão uma criancinha, um menino, e não um recem nascido. Mat. 2.11 também cita que quando Jesus foi encontrado estava em uma casa e não em uma manjedoura. O facto de Herodes mandar matar as crianças até dois anos e, por último, o facto de Maria ter dado apenas dois pássaros no templo como contribuição pelo nascimento do menino, o que a identificava como muito pobre, já que na visita ela, através de seu filho, recebeu ouro e outros bens valiosos.
Devemos aos Magos a tradição portuguesa de trocar presentes no Natal. Dos presentes dos Magos surgiu essa tradição em celebração do nascimento de Jesus. Em diversos países, como por exemplo os de língua espanhola, a principal troca de presentes é feita não no Natal, mas no dia 6 de Janeiro.
Em Casa de meus Pais, no Dia de Reis desmontava-se carinhosamente o Presépio e a Árvore de Natal e comia-se ao jantar ao última fatia de Bolo Rei, da Cunha (considerado o melhor do Porto) e a minha Mãe bebia excepcionalmente um golo de Vinho do Porto, de um conjunto de garrafas mais antigas que qualquer dos 8 filhos, que tinha vindo de S. João da Pesqueira.
Até ao Ano!






FLEMING DE OLIVEIRA

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

-COMEMORAÇÕES INESIANAS EM ALCOBAÇA -650 ANOS DA TRANSLADAÇÃO DE INÊS DE CASTRO PARA ALCOBAÇA -UM JANTAR “MEDIEVAL”



Realizou-se no dia 21 de Outubro de 2011, inserido nas Comemorações Inesianas um jantar com uma ementa no estilo medieval.
As inscrições para o mesmo jantar foram limitadas a 30 pessoas.
Antes do jantar, Filomena Fadigas fez uma pequena intervenção, que a seguir se reproduz, de modo a fazer compreender o sentido desta iniciativa.
Também se juntam algumas fotografias de presentes no mesmo jantar.

Boa noite a todos

Em primeiro lugar, quero agradecer a todos a vossa presença. O principal objetivo deste convívio à volta da mesa e jantar com Inês de Castro é, além de recordar os 650 anos da transladação dos seus restos mortais para o nosso Mosteiro, recriar um pouco do ambiente e da gastronomia de uma refeição da época em que ela viveu. E mesmo sem ela fisicamente presente, se espiritualmente nos estiver a ver, decerto estará feliz por esta iniciativa e quiçá até um pouco saudosa por não poder relembrar os sabores de outros tempos.
Levantando um pouco o véu do que foi a gastronomia no século 14, época em que Inês viveu, vamos poder deliciar-nos com algumas das iguarias que então estariam presentes à mesa de uma família de classe média.
Já o francês François Rabelais, médico, escritor e monge quinhentista dizia e muito bem,…a gastronomia é uma arte complicada, da qual o estômago é o pai. É também um dos melhores reflexos dos hábitos e costumes de uma época… Cozinhar não é apenas confecionar alimentos, cozê-los, prepará-los e comê-los! Cozinhar, para quem gosta de o fazer, é uma arte e para que resulte na perfeição, como qualquer outro tipo de arte, como pintar, escrever, esculpir…tem que ser feita com paixão, com imaginação, com gosto e paciência. É um estado de alma! Pouco se sabe da etiqueta à mesa naquele tempo, principalmente na classe média e baixa. A nobreza exibia luxos, grandezas e exageros. Era uma época em que a fome era comum, o alimento era um importante indicador do estatuto social. Normas sociais impunham que o alimento da classe média fosse menos refinado, já que se acreditava que havia uma semelhança divina ou natural entre o trabalho e os alimentos das pessoas. Assim, o trabalho manual requeria alimentos mais vulgares e mais baratos. De uma maneira geral, a alimentação medieval era pobre comparando-a com os padrões atuais. A quantidade superava a qualidade.
A arte de cozinhar estava ainda numa fase rudimentar, bastante primária, uma vez que as conquistas da cozinha romana se tinham perdido com a queda do império romano.
Imaginemo-nos então no século 14, à volta de uma mesa, e vamos cear, já que nessa época o jantar teria sido por volta das 10 horas da manhã. A ceia era entre as 6 e as 7 horas da tarde, e já estamos um pouco atrasados na hora!
Temos a mesa posta com as malgas, os pucarinhos, os pratos. Estes não se usavam ainda. A carne e o peixe eram servidos em tábuas de madeira ou sobre fatias de pão duro. Temos facas, colheres e garfos, mas no século 14 estes ainda eram pouco conhecidos na Europa. Comia-se à mão, com os dedos, e hoje não o iremos fazer por questões óbvias. Além do mais, seria um incómodo muito grande para quem nos está a servir, ter que trazer à mesa as bacias com água de rosas para lavarmos as mãos com frequência!
Mas como ninguém aqui veio para me ouvir falar e muito menos tenho a pretensão de vos dar uma aula de gastronomia, jantemos, convivamos e disfrutemos da companhia dos amigos, partilhando a boa disposição e a alegria de momentos únicos.

Bom apetite e até um novo encontro…quem sabe!


Filomena Fadigas












terça-feira, 25 de outubro de 2011

O CÉU NÃO PODE ESPERAR


Fleming de OLiveira
É comum pessoas falharem objetivos, pois ao atingirem determinado ponto, acreditam que chegaram ao limite.
Em relação a minha situação anterior, estou muito bem, cheguei onde queria.
Esta conclusão é processada no subconsciente, quando se atingem posições melhores do que o esperado.
Devido a esse tipo de pensamento, muitas pessoas deixam de ganhar o mundo. A capacidade do ser humano é infinita e encontramos essa prova em muitas pessoas insuspeitas. Quantos começaram a vida partir do nada e chegaram aos cargos mais cobiçados. Esses podem ter como especial, apenas o fato de acreditarem, sempre, poder ir mais longe.
Lamentavelmente, há os que pensando o céu como limite, são de má índole, visam atingir o máximo de poder para se sentirem superiores aos demais. Dessa forma, querem potencializar sua capacidade, não por um sonho, mas por pura vaidade.
A acomodação é um fator que leva as pessoas a deixarem de progredir, o que pode acarretar um arrependimento posterior (mas já nada ha a sanar), tanto mais que o mercado exige um estudo constante e persistente. Pois, enquanto muitos se estão a preparar, outros continuam acomodados. Num futuro não muito distante, os acomodados serão definitivamente os desempregados (hoje ainda não é assim…), enquanto os que estão em constante preparo, dominarão o mundo.
Por isso acredite, caro leitor, que tem capacidade para ir mais longe do que lhe vaticinaram. Todos tem um potencial infinito, pelo que não devem que coisas pequenas inutilizem as capacidades maiores. O progresso é a melhor maneira de alguém se manter vivo e com vontade de viver.
Pensando bem, talvez não seja tão maravilhoso pertencer à espécie humana.*
Todos os dias milhares de crianças morrem de causas evitáveis, como a fome. Governos dispendem milhões em armas de destruição. Aliás, é até possível que a espécie humana se venha auto-destruir, um dia. Somos atingidos por novas doenças mortais, doenças que afetam a qualidade de vida, pelo que não obstante a Ciência todos, inevitávelmente, vamos envelhecer e morrer. No fundo, talvez não sejamos tão bons, como pensamos merecer ser.
Acredito que é possível melhorar a vida e a sociedade em vez de rezar, que a evolução individual e da humanidade vista como um todo, se vai basear cada vez mais na tecnologia, um auto-aperfeiçoamento e uma evolução através de uma utilização racional que a Ciência oferece. Acredito e desejo na evolução coletiva ou individual através de meios tecnológicos, ainda que conjunturalmente em direcão desconhecida ou até temida. Enfim, um processo de utilização racional, sensata e inteligente da tecnologia para proveito próprio.
Imagine, caro leitor, o que seria deixar de envelhecer, ter o dobro da inteligência e memória!
Imagine, caro leitor, o que seria viver num mundo, não constantemente devastado por doenças ou guerras!
Estes objectivos são inatingíveis no futuro?
Quando me refiro a futuro, estou a pensar naquele que muitos de nós, ou nossos netos, ainda vão viver. Não tendo sido criado, nem educado, para compreender e coabitar com certas tecnologias e a melhor forma de as utilizar, tenho dificuldade acrescida em antecipar e compreender as grandes revoluções tecnológicas das próximas décadas, de forma a permitir uma utilização racional que as leve ao progresso da Humanidade.
Neste sentido, sinto-me inepto para prever até que ponto uma tecnologia vai ser útil ou destruidora. Mas assim que ela se desenvolve, bem sei que não pode mais ser esquecida ou apagada. Pelo contrário, destacados ambientalistas, teólogos, filósofos, cientistas ou investidores, defendem que compreender os avanços tecnológicos é melhor do que tentar destruí-los.
A minha conceção de futuro começa com uma melhoria individual que, consequentemente, leva a uma melhoria da Humanidade como um todo. Algumas pessoas poderão querer apenas deixar de envelhecer, enquanto outras pretendem também aumentar a inteligência.
A liberdade individual é um dos princípios éticos em que a generalidade dos ocidentais (europeus) concordam. Se houver pessoas que não querem usufruir das tecnologias, ninguém as pode contrariar. Se pretenderem libertar-se das correntes que limitam o ser humano, não podem outrossim obrigar alguém a esse progresso.
Sei quem defenda princípios de economia e política ultra-liberal, sob a forma de uma ordem espontânea, na qual a humanidade evolui melhor, sem um planeamento centralizado ou ordens constantes. Mas acresecento que não concordo com o princípio de ordem espontânea, apesar de ser um defensor da liberdade individual.
Uma pessoa tem de procurar novos objetivos e novas fronteiras. Devemos tentar ser melhores do que somos, remodelar as nossas capacidades. A evolução da espécie humana já não é, nem pode ser casa vez mais, um processo natural.
A civilização é um protesto contra a natureza; o progresso exige que nós assumamos o controle da evolução. Por isso é que o céu é o limite.
Uma espécie que, como a nossa, pode conquistar o céu, não se pode contentar com a Terra.
*

Fleming de Oliveira

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

S. MARTINHO, TODOS OS SANTOS, PÃO POR DEUS E FIÉIS DEFUNTOS




Fleming de OLiveira
Ti’ Zé das Tojeiras lembra-se bem do S. Martinho, quando de verruma em punho ia abrir um orifício na madeira do pipo, de onde sairia, de certeza certa, um belo vinho. Bebido o copo, com sincera reverência, tapava o buraco com um olhar embevecido, pois ele bem sabia que ali estava o produto da sua lavra de um ano, com aroma e paladar inconfundíveis em qualquer parte do Mundo. Vinho não há melhor de que o das encostas da Castanheira ou dos Montes, terra de muito vinho e poucas fontes. E disso lá ele percebia.
Antes do S. Martinho, há um momento especialmente relevante no nosso sentimento popular. Todos os anos, no dia 2 de Novembro multidões, como que procissões, visitavam o cemitério, as campas dos seus mortos. Ao final do dia, já se encontravam muitas velas a arder. Aquela data não foi escolhida ao acaso. A Igreja Católica celebra no dia 1, Todos os Santos, e no dia 2, os Fiéis Defuntos. O culto dos mortos, no dia que lhes é dedicado, traduz-se em ritos nem sempre iguais, embora com o comum da romagem ao cemitério, a colocação de flores e velas sobre as campas. Esta é uma prática corrente, tais celebrações, costumes e crenças existem em todos os países da Europa, onde se acredita, embora com variantes, que no dia consagrado aos mortos as suas almas, isoladas ou em grupo, visitam na terra os lugares que habitaram em vida. O sociólogo Moisés Espírito Santo, escreveu entre nós que desde os tempos mais arcaicos, anteriores ao cristianismo, que os mortos eram celebrados no princípio do inverno. O frio, a chuva, as sombras, tudo isto contribui para a relação entre o inverno e a morte, época dos frutos secos (figos, nozes, uvas passas, castanhas). O fruto seco é um fruto morto. É a morte da terra que tmbém tem como simbolismo a morte das pessoas. O culto dos mortos e os seus rituais também têm o efeito de acalmar. São uma recompensa por todas as injustiças que lhes possam ter sido feitas em vida. Apaziguar a memória, o espírito dos mortos é próprio de todas as sociedades.
Crentes e não-crentes recordam, sem sentimento mórbido ou de luto, os que já partiram em gestos traduzidos por um simples ramo de crisântemos, uma oração ou mesmo pelo simples recolhimento, frente à sepultura. Basta um ramo de flores, não é preciso um braçado. Ramos e vasos de flores, das mais variadas qualidades, cores e tamanhos. Velas grandes, pequenas, brancas, vermelhas, amarelas, lamparinas, castiçais ou pequenas taças de cera. Tudo isto e, muito mais, é colocado ao dispor das pessoas, nas semanas que antecedem o um ou dois de Novembro. O momento é de comprar velas, encomendar flores, porque o que importa é deixar as campas das familiares (é a voz do sangue, sabe-se que estão ali pessoas muito queridas) devidamente ornamentadas para o grande dia. Gestos que marcam a saudade dos que já não pertencem ao número dos vivos, do resto da família desaparecido... e dos amigos. Em cada recanto depara-se com a fotografia de um conhecido que traz à memória recordações, algumas longínquas outras bem mais próximas...uma lágrima teimosa que não consigue reter.
A visita ao cemitério não significa, pois, sacrifício para cada um que lá vai. Antes, revela a sensibilidade humana, muito portuguesa, perante o mistério da morte, a condição mortal do homem.
A comemoração dos defuntos está de há muito na sequência da solenidade de Todos os Santos. Nesta festa, põe-se em relevo o exemplo de um sem-número de cristãos, cujo nome desconhecemos, mas que procuraram, na existência terrena, a santidade. Gente de carne e osso que levou uma vida normal, no meio de angústias, desilusões, traições, alegrias, sofrimentos e privações. E, para quem a morte foi, apenas, a passagem para uma outra vida sem fim. O dia dos defuntos, obriga ainda que de forma fugaz, a olhar para o que é cada um. Questiona sobre a brevidade dos dias que que se vivem. E a considerar que se torna urgente dar um verdadeiro sentido à vida incerta. Não por medo, mas por uma fidelidade às convicções de consciência. O Dia dos Fiéis Defuntos, no campo ou na cidade, é uma momento importante no sentimento português.
Coincidente com Os Santos, é o Pão por Deus, que tinha tradicionalmente nesse dia o seu ponto alto, como recorda Ti’ Zé das Tojeiras.
Eram os tempos difíceis do pós II Guerra e, em particular, da austeridade do Estado Novo. Cada dia do calendário litúrgico era respeitado com atenção. Os sinos da igreja tocavam as Avé Marias e havia procissões nos Ramos, na Quinta-Feira da Ascensão e, nas festas da terra (Stª Marta ou S. Vicente). Os sinos ouviam-se cedo porque o Padre chamava os fiéis à missa da manhã e, ao Domingo, a ida aos principais actos religiosos, era uma espécie de obrigação de que se gostava e não dispensava.
-Ó Ti’ Zé dá um bolinho?
Esta será, provavelmente, uma das tradições antigas e arreigadas, dos distritos de Coimbra e Leiria (Concelho de Alcobaça, obviamente), que se estende pelo litoral até perto de Lisboa e que mais se aguentou nos nossos dias. Dada a sua especial ligação às crianças e o seu simbolismo afetivo e etnográfico, continua a conquistar a adesão das populações rurais.
Broas, rebuçados, frutos secos ou mesmo uma moedinha, iam enchendo a saca, normalmente de pano, usada a tiracolo. Mas, mais do que essas oferendas, era importante o convívio da pequenada, a diversão e o acolhimento afável dos adultos. Muitos pais acompanhavam os mais novos, meninos e meninas, e também eles acabavam contagiados pelo divertimento. Era um dia diferente, todos estavam prontos para partilhar uma guloseima, um acolhimento, deixar um sorriso a cada pedinte. Dia alegre, solidário, pacífico, entregue ao ritmo irrequieto, saltitante e alegre dos bandos de criançada a ver quem conseguia encher mais rapidamente o saco.

A VIDA NOS TEUS BRAÇOS…


FLEMING DE OLIVEIRA
Algumas pessoas veem a vida passar tão rapidamente que só se dão conta disso muito tempo depois. Se temos medo que isso possa acontecer com a nossa vida, é porque talvez não estejamos a realizar o que desejaríamos. Muitas pessoas arredam-se de viagens que poderiam ser inesquecíveis, festas a que os amigos foram, comemorações que marcaram uma época, entre outros momentos que dariam boas historias para um dia contar aos netos.
Na maior parte das vezes que isso ocorre, é porque a pessoa não sabe aproveitar o lado bom da vida, com sabedoria. Ninguém nasce sabido e ninguém sabe de tudo, pelo que não deve deixar para amanhã aquilo que pode ser realizado no momento.
Muitas pessoas ficam a trabalhar até tarde, estudar todo o dia, sendo que esquecem que, para além destes nobres afazeres, é preciso perceber que viver é mais que isso.
Claro não se deve abandonar o estudo ou mandriar apenas pelo facto de ser cansativo. Esquecendo, se possível, a Crise que nos leva para caminhos incertos, eu diria que é preciso organizar-se e levar uma vida equilibrada, não só financeiramente falando, mas ainda uma boa vida amorosa, familiar e espiritual.
O importante é não ter atitudes de que se possa se arrepender grandemente no futuro.
Pense duas vezes antes de atuar e seja feliz!

Para muitos portugueses medianos, cada vez mais vive-se a vida, cada dia após cada dia. Procura-se, perdem-se os sentidos desejados, perde-se amor, sonha-se, pouco, sonha-se em tons de cinzento, sonha-se com nada, sobre nada.
E assim vamos morrendo pouco a pouco, como se uma larva nos comesse por dentro até à Alma. Sim, morre-se tanto ou mais pela alma que pelo coração. Morre-se por não se viver, por não se arriscar em tonalidades cromáticas e dissonantes, vive-se num estado de morte vegetativa, bem lenta.
As lágrimas correm pela tristeza de não sermos o que desejámos ser, pela melancolia dos sonhos de criança continuarem a ser sonhos de criança, agora virados nós adultos, pela incapacidade de nos abraçarmos, de nos entendermos por dentro, no mínimo.
E assim se vive sem sabor a pimenta ou sal, sem entender que cada por-do-sol é diferente entre si, que estes podem ser como sorrisos. Sim estamos com os olhos cheios de cegueira, de medo de ver as cores, de viver por nós, para nós.
E por isso sujeitamo-nos à mediocridade, a um sentir leve, a um viver morno.
E assim vivemos uma vida não destinada à vida.
Por isso te agarro e te beijo com beijos de fogo, por isso te sussurro poesias com pimenta e algum sal para te temperar a alma, por isso te consumo, porque me consumo, para que os teus olhos possam sorrir nos meus.
Por isso te amo hoje, embora o amor seja sempre ou nunca, por isso me encarno e me ressuscito em ti, pois só morrendo algumas vezes é que deixamos de ter medo de viver a vida que nos sobra.
E assim me leva a vida nos teus braços, morre-se nos braços de quem se quer, porque a morte é o pequeno momento de todos os que ressuscitei em ti.


FLEMING DE OLIVEIRA

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

À VOLTA (do prazer)DA GULA


Fleming de OLiveira
Creio que nem mesmo a nossa Igreja Católica, classificando-a como um dos sete pecados capitais, se preocupa com as razões que levam os fiéis a comer por vezes sem prazer, sem conseguir saciar aquilo que o pobre pecador apelida de fome.
Na verdade, o guloso nem tem consciência de que aquilo que para ele nem sempre é um problema, está selado desde suas primeiras horas de vida. Qualquer criança começa a conhecer o mundo através da boca.
Uma criança nasce, cresce e chora. Está com fome, com frio, um dorzinha, não consegue entender o que está a acontecer à sua voltaa. Fica assustada e confusa. Em qualquer uma dessas situações, a mãe pega-lhe, leva-a ao seio e ela acalma, sente-se bem de novo.
Quando o bébé chora, a mãe associa o choro à fome e mesmo que esteja saciado oferece-lhe mais uma vez o peito que é aceite de imediato como forma de carinho e aconchego caloroso.
E nós adultos, o que fazemos?
Sentimos fome, vamos `dispensa. Sentimos calor, vamos ao frigorífico. Estamos sozinhos, entediados, vamos buscar uma faca e um garfo. Não gostamos do noticiário da TV, vamos à geladeira.
Na realidade, para cada situação de insatisfação, solidão, depressão, buscamos a comida...
E quanto mais se come, mais se perde o controle, desencadeando um sentimento de frustração, ansiedade e culpa, gerando assim uma grande insatisfação pessoal e também com o mundo.
A gula pode ser encarada como um comportamento, excessivo, que se manifesta em planos como o emocional, sexual, social, ou financeiro.
A gula é, pois, um impercetível, mas muito importante monitorizador do viver de cada um, sugerindo o que precisa ser transformado, mudado ou substituído.
Sintetizando, caro leitor, a gula é um comportamento que co-existe com uma insatisfação total e irrestrita consigo próprio e a tentativa de encontrar um remédio para essa angústia, que desencadeia sentimentos de frustração e ansiedade que só se aplacam com o avassalador ataque ao seu objeto do prazer.
A característica da gula é engolir e não digerir.
Quantas vezes não digerimos o que nos acontece e, simplesmente, engolimos?
Vulgarmente está associada à comida e à bebida, mas também pode ser entendida como gula intelectual. O sentimento que está por de trás da gula é o de laborar abaixo das possibilidades, buscando uma compensação pelo que se acredita não ter. A sensação é a de não estar a fazer tudo o que o potencial permite, vivendo sem atender expectativas.
A atitude mental básica deste guloso consiste supor ter necessidade de aprender tudo.
Essa característica pode levar à ânsia de monopolizar, desejando um poder cada vez mais autocrático.
Qual será mais danosa?

Fleming de Oliveira

“Errar é humano, perdoar é divino”



FLEMING DE OLIVEIRA
Errar é humano, perdoar é divino.
Esta é uma velha máxima, utilizada como desculpa por muitos e praticada, verdadeiramente, por poucos.
O facto é que estamos, neste tempo de incerteza que nos consome lentamente, cada vez mais individualistas, direi mesmo mais egoístas, enfim menos solidários. Utilizamos o argumento da azáfama e a defesa dos interesses de sobrevivência, para atropelarmos a boa educação, que tão bem nos foi ensinada em Casa, os sentimentos profundos e os dos nossos semelhantes, para abusar da boa vontade alheia.
Boa vontade esta, que é um produto cada vez mais escasso no mercado das emoções e atitudes neste salve-se quem puder ! E cada vez menos nos detemos para dizer um obrigado, pedir desculpa, ou até mesmo nos interessar verdadeiramente pelo que o outro está a sentir, invocando um abafado olá, como vai isso amigo? ou um bom dia, oco de sentido.

Convenhamos, caro leitor, quando foi a última vez que teve disposição para se interessar realmente pelo que aquele amigo está a passar?
E assim a vida continua, em ritmo frenético (mesmo nesta Alcobaça onde nada acontece, salvo o comércio e indústria a encerrarem…, o centro a desertificar), arredando sentimentos e momentos que poderiam ser vividos, se se tivesse aguardado um nadinha mais.
O mesmo acontece com as mágoas, desamores ou raivas. Os sentimentos ruins ficam escondidos, pesando no estômago aonde criam azia, endurecendo o coração, sem que percebamos bem porquê do que está a acontecer.
Afinal, porque perder tempo com essas coisas tão subjetivas e nada mensuráveis? Acontece que um dia estes conflitos mal resolvidos ressurgem, sem o menor aviso, impondo um desfecho por vezes ácido. Afinal não se podem guardar para sempre, pois não?

É mais ou menos como decidir arrumar aquele monte de papéis amontoados à balda na gaveta, sem coragem de os enfrentar. Mas em certa altura é preciso olhar um por um e decidir os que vão definitivamente e sem piedade para o lixo.

Perdoar requer, de certo modo, um processo parecido.
Perdoar pede tempo, um tempo de esquecimento do sentimento que foi jogado para a gaveta. E quando chega o momento em que se revela, há que o encarar.
Reconheçamos que na maioria das vezes não é nada fácil e há a volúvel tentação de o esconder, ainda mais fundo nessa gaveta, para não o voltar a encontrar. Mas o interessante é a que algumas vezes, o meu caro leitor fica surpreendido pela facilidade, e alivio, com que percebe que chegou a hora de perdoar, jogar fora definitivamente essa mágoa que por tanto tempo lhe fez mal, mesmo que não assumisse ou o reconhecesse. Antes receava encarar tal mágoa, pois seria como atingido por um furacão emocional, que não perdoaria, que faria o responsável sentir o que passou, e agora percebe que não quer nada disso, que com um sorriso e uns momentos de conversa, tudo aquilo já não faz sentido. Perdoa o outro e a si próprio, por se ter feito mal por tanto tempo e até é capaz de desejar, doravante o melhor para essa pessoa, do fundo de seu coração.
A mágoa é substituída por uma sensação de leveza. Sim, a alma fica mais leve e agradecida, por aquele peso morto, finalmente jogado fora, a digestão passa a fazer-se, sem azia.
Enfim é capaz de sorrir, com vontade de chorar.

Claro que na gaveta ainda ficaram papéis que precisarão de ser guardados por mais tempo, até que se vença o prazo de validade e tenha que novamente ver se pode ou não jogá-los fora.
Como escrevi no inicio destes apontamentos, errar é humano, e perdoar é divino.
Mas, perdoem-me a petulância. talvez nos aproximemos um pouquinho mais de Deus, se houver capacidade de perdoar verdadeiramente.
E então, caro leitor, já fez ou quando vai fazer um arrumo naquela gaveta?



FLEMING DE OLIVEIRA

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

SER REPUBLICANO


-AINDA A REPÚBLICA
-ALCOBAÇA REPUBLICANA?

FLEMING DE OLIVEIRA

Sou Republicano, mais por convicção, que não por tradição.
Em casa de meus Pais, nunca houve grande interesse pela política em si. Muito menos intervenção. Verdade seja dita, nunca conheci ao meu Pai qualquer opinião ou manifestação de claro teor político. Creio que era de uma direita liberal, não comprometido cívica ou politicamente.
A República, entendo-a não por força de uma imposição ou tradição familiares, mas pela convicção que é, apesar de tudo, melhor que a Monarquia.
Acho curioso ver a Rainha de Inglaterra ou o Rei de Espanha, nas suas aventuras e desventuras familiares, postas a nú, nas revistas cor-de-rosa. No mais não acho relevantes as suas vidas privadas.
Numa perspectiva elaborada, talvez mais teórica que prática, a República representa, para mim, o lugar da coisa pública, dos interesses comuns, da utilidade social e geral sobrepondo-se às paixões privadas, às restrições das classes e à visão genética da linhagem. A Monarquia, em abstrato, acentua o sentido do poder conduzido por direito próprio e isolado, o que me custa a digerir.
Claro que, mais que emitir princípios filosóficos ou doutrinais, cumpre viver o dia a dia democrático, seja em Portugal ou Espanha. Não creio que em Espanha haja muitos monárquicos, mais que republicanos, como não havia em Portugal no tempo em que o regime era esse, como diria o nosso D. Carlos. Por isso, não me revendo em nenhum princípio monárquico, entendo que o importante é aperfeiçoar o regime democrático, julgando-o pelo que faz e deixa fazer, apreciando os seus agentes, onde se pode incluir o Rei nos seus atos e omissões.

Centrando-me a Alcobaça e socorrendo-me de estudos e conversas, entendo que esta foi sempre uma terra algo conservadora, sem repudiar a República. Algumas manifestações de regozijo pela implantação da República foram notórias e o ardor republicano ficara devidamente registado, numa fotografia de 1908, a propósito da visita de Bernardino Machado, futuro Presidente da República.
Quando se deu a queda da Monarquia, foi a notícia bem recebida por uma parte da elite local, com destaque para José Eduardo Raposo de Magalhães, nomeado Governador Civil de Leiria, pelo Ministro do Interior, António José de Almeida. O tempo de Raposo de Magalhães como Governador Civil, foi curto pois que, em Junho de 1911, apresentou o pedido de demissão, recolhendo nesse mesmo dia a casa. A decisão foi consequência das divisões politicas entre os correligionários, o que foi uma constante durante a I República e pela qual esta pagou um elevado preço. Além de Raposo de Magalhães, outros assumiram posições de destaque na defesa dos novos ideais, como Américo de Oliveira, que pertenceu à Carbonária.
Após a implantação da República, Leão Azedo, pessoa próxima do Ministro do Interior veio a candidatar-se nas eleições de 28 de Maio de 1911 para a Assembleia Constituinte, pelo círculo de Alcobaça, que nessa altura incluía os concelhos de Óbidos, Peniche, Caldas da Rainha, Nazaré e Pombal.
São escassas as informações fidedignas sobre este período, nomeadamente sobre a Carbonária, no Distrito de Leiria, com a exceção referida de Américo de Oliveira, de Alcobaça, que combateu em Lisboa pela Revolução. A maioria dos membros da Carbonária pertencia ao Partido Republicano, de Afonso Costa. A Carbonária foi uma sociedade secreta, interclassista em contraposição com a Maçonaria, de carácter elitista. Passados mais de cem anos após a queda da monarquia, a Carbonária é tida como a alavanca da Revolução Republicana. António Maria da Silva, Luz de Almeida e o Comandante Machado Santos que constituíam a Alta Venda da Carbonária tiveram papel fundamental no derrube do regime.


FLEMING DE OLIVEIRA

-Uma tragédia no Iraque -Todos (mesmo os maus) têm direito a um advogado de defesa -NUREMBERGA


FLEMING DE OLÍVEIRA

(I)

S
addam Hussein, foi condenado à morte por enforcamento, pelo Alto Tribunal Penal que o julgou no Iraque, muito concretamente num processo em que se apreciou a morte de uns quantos xiitas do sul do Iraque. O encerramento deste caso, não retira Saddam Husseein do banco dos réus, pois tem outros processos pendentes em que é acusado de Crimes contra a Humanidade, como a limpeza étnica, pelos quais deverá responder, se entretanto esta sentença, da qual foi interposto recurso, não for cumprida.
Fez-se justiça ao tentar punir por lei, o horror praticado no exercício do poder absoluto?
Saddam, que na prisão escreve poesia, estava condenado à partida, com ou sem manipulação de provas por parte dos vencedores, sedentos de justiça?
O julgamento de Saddam Hussein correu seus termos num Tribunal Penal Especial Iraquiano. Foi acusado de violação de direitos humanos durante o seu governo, em especial no desenvolvimento da uma tentativa de assassinato, em 1982. Hussein também pode vir a ser condenado por eventos que ocorreram no decurso da sanguinolenta Guerra Irão-Iraque e da Guerra do Golfo, onde se praticaram enormes atrocidades, Crimes de Guerra, Crimes contra a Humanidade e Genocídio. Aí pode também ser condenado à pena capital. Admito que, com o tipo de acusações deduzidas contra este criminoso, ex-aliado dos EUA, deveria ter sido ele encaminhado para um Tribunal Internacional de Justiça, não um tribunal local, onde a vingança e o ódio se entrelaçam indissoluvelmente com a verdade. Ou seja, um tribunal tão imparcial como eventualmente o de Haia, que se preparava para decidir da sorte de Milosevic, não fora este ter morrido antes de ser julgado. Tendo as Nações Unidas tribunais especializados para crimes desta natureza, semelhantes aos de Hitler e outros inimigos da Humanidade, parece pois que seria justificável julgar Saddam num tribunal independente, que não no Iraque.
Em 30 de Junho de 2004, Saddam foi capturado em Bagdad pelas forças dos EUA, juntamente com 11 oficiais e entregue ao governo interino do Iraque, a fim de aguardar julgamento, longe dos meios de comunicação social. Sempre afirmou, continuar a ser o Presidente do Iraque e, assim, exige a restituição dos seus direitos. No início do julgamento, o líder deposto, parecia confiante, provocador e em boa forma nos seus 68 anos e questionou a legitimidade do tribunal, que imputou ter sido instituído exclusivamente para o condenar. Também insultou o Juiz e mandou-o ir para o inferno, ao mesmo tempo que classificou o tribunal como peça de teatro armada por George W. Bush para ganhar as eleições de 2004. Rejeitou enfática, liminar e absolutamente as acusações, pois é tudo um teatro, o criminoso é Bush!!!. Quando o juiz, no início da sessão, lhe pediu que se identificasse, respondeu que você é iraquiano e sabe muito bem quem sou eu, ainda o Presidente da República e a ocupação americana não me pode tirar isso.
Em 5 de Novembro de 2006, um ano e 15 dias após o início do julgamento, Saddam Hussein foi condenado à forca por crimes cometidos durante o regime que comandou durante 24 anos. O ditador foi considerado responsável pelo massacre, em 1982, de 148 xiitas no sul do Iraque, onde sofrera uma suposta, mas nunca realmente comprovada, tentativa de assassinato. Antes da condenação à morte, Saddam havia declarado que a se-lo, preferiria o pelotão de fuzilamento para morrer como militar e não como um criminoso de direito comum, na forca. Para além deste processo, também será julgado, entre o mais, pelo massacre de milhares de curdos no fim dos anos 80, se entretanto não for enforcado.
A sentença, anunciada por um colectivo de 5 juízes, pôs termo a um julgamento marcado pelo assassinato de 3 advogados de defesa, a substituição do juiz presidente, bem como variados adiamentos e interrupções. Vida longa ao nosso povo! Vida longa à Nação Árabe! Morte aos nossos inimigos! Abaixo os espiões!, declarou Saddam que terminou com o dedo em riste proclamando que Deus é grande. Com Saddam foram também condenados à morte pelo mesmo tribunal, o seu meio-irmão e chefe da Polícia Secreta, um alto dignitário que dirigia o Tribunal Revolucionário Iraquiano, a quem competia apreciar e decidir pela execução as pretensas infracções ao regime. O Vice-Presidente de Saddam recebeu a prisão perpétua, três altos dirigentes do partido único, 15 anos de prisão, enquanto que, um outro foi absolvido.
Julgamentos de Criminosos de Guerra, de Crimes contra a Humanidade ou de Genocídio, não são de todo ainda vulgares e decorrem sempre rodeados de emoção e controvérsia. Até que ponto se pode esperar imparcialidade na justiça dos vencedores?


CONTINUA



























Uma tragédia no Iraque
-Todos (mesmo os maus) têm direito a um
advogado de defesa
-NUREMBERGA E TÓQUIO

FLEMING DE OLÍVEIRA

(II)
O primeiro grande julgamento deste tipo de crimes ocorreu no Tribunal de Nuremberga, após a capitulação da Alemanha nazi. Na minha crónica do tempo que passa, referente ao ano de 2004 e na sequência da estadia de 15 dias na Alemanha, já abordei de alguma forma esta questão. Nunca tendo sido, fundamentalmente, um advogado penalista, a verdade é que estes assuntos me interessam, não tanto na sua componente de direito penal, mas na sua vertente histórica, cultural e até dramática.
Após a capitulação dos alemães, a 8 de Maio de 1945 e o conhecimento progressivo dos crimes cometidos, os Aliados decidiram concretizar um projecto que vinha amadurecendo, acordando em Agosto de 1945 julgar os principais responsáveis nazis. Assim, em 20 de Novembro de 1945, 24 réus apresentaram-se no Palácio de Justiça de Nuremberga dando início a uma série de julgamentos. O momento foi histórico pois, pela primeira vez, iriam ser julgados, como Criminosos de Guerra, altas individualidades de um país. Este tribunal, foi composto por juízes que representavam as quatro potências vitoriosas, a França, a Grã-Bretanha, os EUA e a URSS. A acusação tinha sido esquematizada durante a guerra, visando essencialmente cobrir os Crimes contra a Paz e Conspiração, muito num enfoque anglo-americano. Os Crimes de Guerra encontravam-se definidos por Leis Internacionais anteriores à Guerra, como a Convenção de Genebra, enquanto que, não existia tipificado em termos de direito internacional, o Crime contra a Humanidade. O Crime conta a Humanidade, preenche-se pela existência de um plano concebido e orientado com a finalidade de liminar um grupo de indivíduos e concretiza-se pela deportação, execução maciça, raptos, desaparecimentos e tortura, contra uma população civil, por razões de ordem ideológica, racial ou política. O Crime contra a Humanidade só lentamente e a partir daí foi introduzido nas leis nacionais.
Os réus de Nuremberga eram simples executantes? Pelo menos, salvo a excepção de Albert Speer, o arquitecto do Reich e o Ministro da Indústria de Guerra, foi assim que se apresentaram, declarando-se não culpados. Para muitos juristas de nomeada, este foi um progresso do Direito Internacional. Para outros, ao invés, a negação de postulados elementares do direito penal tradicional, como o princípio da legalidade com o efeito retroactivo a um plano de julgamento para incriminação de factos pretéritos, não considerados crimes no momento da sua prática. Entre os réus presentes, destacavam-se o Marechal Hermann Göring, (o mais alto responsável nazi vivo, a segunda personalidade do regime que se encontrava ao corrente de todas as questões de ordem militar e políticas importantes, Reichmarschall, Comandante em Chefe da Luftwaffe, plenipotenciário para o Plano dos quatro anos, promotor dos planos de guerra, da política de agressão e de bombardeamentos aéreos arrasadores de cidades inteiras para tentar submeter os seus habitantes), Rudolf Hess (outrora braço direito de Hitler, que no início da guerra fez o voo solitário pretensamente de paz para a Grã Bretanha, aonde ficou imediatamente preso), Joachim von Ribbentrop (Ministro dos Estrangeiros), Gustav Krupp (industrial do aço), os generais Wilhelm Keitel e Alfred Jodl (da Wermacht), os Almirantes Karl Dönitz (sucessor de Hitler, por dias, até à capitulação) e Eric Raeder, Albert Speer e Fritz Sauckel que controlavam a indústria de guerra e armamento e foram os principais responsáveis pela deportação de trabalhadores e mão-de-obra escrava ao seu serviço. De Novembro de 1945 a Fevereiro de 1946, sucederem-se em Nuremberga as testemunhas de acusação e poucas as de defesa. A partir de Março, a defesa começou a apresentar, as suas testemunhas. Göring, o herdeiro de Hitler, aproveitou sempre a ocasião para glorificar o regime nazi, sendo o único réu a reconhecer as suas responsabilidades, mas a não renegar, nem condenar os crimes




pois, o vencedor será sempre o juiz e o derrotado o acusado. Os demais réus negaram a sua responsabilidade directa, invocaram o dever de obediência ao Führer e, muito concretamente os militares, o de apenas executarem ordens, argumento repudiado pelo tribunal nas palavras do juiz Biddle, os indivíduos têm deveres internacionais a cumprir acima dos deveres nacionais que um Estado particular possa impor. A questão da responsabilidade penal foi colocada em termos novos e delicados, quando se tratou não de julgar pessoas, mas organizações como as SS, a Gestapo ou as Forças Armadas. Os quatro procuradores, representantes das potências aliadas, revelaram em breve divergências e algum mal estar recíproco na apreciação das situações. Enquanto os franceses e soviéticos insistem nos Crimes contra a Humanidade, por não esquecerem os vários anos de ocupação e atrocidades, os britânicos e americanos relevavam os Crimes contra a Paz, os Crimes de Guerra e a Guerra de Agressão. O tribunal tentou iludir ou ultrapassar problemas decorrentes da presença da URSS como parte acusadora e culpada de Crimes contra a Humanidade. A memória de bombardeamentos maciços de populações e instalações civis, por parte de aviões britânicos e americanos, foi evocada pela defesa para questionar a capacidade do tribunal para julgar os alemães por crimes que os acusadores também praticaram. Analisando a questão numa perspectiva puramente jurídica, tendo em conta a originalidade do processo, houve dificuldade em distinguir os Crimes de Guerra, dos Crimes contra a Humanidade, não obstante a projecção de filmes sobre os campos de concentração e de extermínio. Quando o julgamento terminou a 1 de Outubro de 1946, os réus foram processados por crimes cometidos após 1937, não se considerando, portanto, o período anterior às anexações e à Guerra de Agressão. Nesse dia, sem apelo nem agravo, foram condenados à morte 12 dos acusados, 3 a prisão perpétua, vários a penas que oscilaram entre 10 e 20 anos de prisão e até alguns absolvidos. Hermann Göring, o Tribunal Militar Interaliado, aqui reunido em Nuremberg, vos condena à pena de morte por enforcamento. A pena não chegou a ser executada, pois Göring suicidou-se na prisão com uma cápsula de cianeto de potássio na noite de 15 para 16 de



Outubro de 1946. Von Ribbentrop foi o primeiro a subir os treze degraus do patíbulo e imediatamente antes do alçapão se abrir declarou que Deus salve a Alemanha. Faço votos para que o Leste e o Oeste se irmanem e que a paz possa reinar no mundo. Seguidamente todos os demais condenados foram enforcados. Mesmo morto algumas horas antes, o cadáver de Göring ainda chegou a ser colocado na forca, num assomo de justiça medieval... Os corpos dos condenados foram cremados nos fornos onde milhões de judeus pereceram e as cinzas lançadas ao rio Isar. O julgamento de Nuremberga, que apaixonou a opinião pública e constituiu um marco que ainda perdura (este ano a RTP 2 exibiu uma magnífica série), terminou deixando uma impressão algo amarga ou incómoda. O mundo esperava ver comparecer na barra impiedosos assassinos. Mas a decepção, especialmente em França e na URSS, foi proporcional à expectativa criada. No tribunal, apareceram políticos, quais funcionários zelosos e cobardes, que se refugiaram em geral atrás de noções primárias de obediência e dever, sem assumirem responsabilidades. Ainda hoje, tal como na altura, não é possível compreender as razões que levaram a certo tipo de comportamentos, com horrores nunca vistos, num país que se reclama de uma civilização requintada. O promotor americano, Robert Jackson, apontando para os acusados disse que é difícil imaginar nestes homens encarcerados, o poder que tiveram como chefes nazis, como o qual dominaram e aterrorizaram grande parte do mundo. São eles o símbolo de um nacionalismo e de militarismo ferozes, de intrigas e de guerra que levaram a confusão à Europa, geração após geração, esmagando s seus homens, destruindo os lares e empobrecendo as vidas.(…) Mesmo os povos mais belicosos souberam colocar, em nome da Humanidade, um limite à ferocidade da guerra. (…) Os acusados parecem admirados que exista uma coisa chamada Direito. Quando eram poderosos, não se baseavam em nenhum procedimento jurídico, o seu programa ignorava e desafiava as leis humanas. Direito internacional, direito natural, direito alemão, qualquer que fosse ele, era apenas um meio de propaganda sempre ignorado quando se opunha aos seus desígnios.
O julgamento de Nuremberga foi mesmo superado pelo de Tóquio, que se iniciou a 3 de Maio de 1946 e terminou a 12 de Novembro de 1948, onde dos 28 acusados japoneses, sete foram condenados à morte, e os restantes com excepção de dois, a prisão perpétua.
Ouço muitas vezes, alguns inocentes bem intencionados, perguntar como é possível um advogado honesto defender certos acusados de crimes horrendos. Seguramente nunca seriam capazes de compreender quanto foi dolorosa para os advogados alemães a defesa dos acusados perante o Tribunal de Nuremberga de gravísssimos e inauditos crimes de guerra e contra a humanidade. Advogar perante o tribunal dos vencedores ao lado dos vencidos, constituiu uma tarefa de gigantes, pois a Alemanha estava de joelhos face aos aliados, que instituíram o Tribunal de Nuremberga.
O promotor norte-americano Robert Jackson iniciou a acusação contra os réus, juntando uma avalancha de documentos altamente comprometedores e fazendo uma violenta denúncia da tirania nazi, proclamando que a civilização esperava que a acção dos juízes do Tribunal colocasse as forças do direito internacional, seus preceitos e, acima de tudo, as sanções ao lado da paz, para que homens e mulheres de boa vontade, em todos os países, pudessem ter a liberdade de viver, sem depender da permissão de ninguém, sob a protecção da lei.
Depois da entrega das acusações aos réus, a reacção de cada um foi diversa.
Goering como vimos declarou que o vencedor será sempre o juiz e o derrotado o acusado.
Para Streicher, o julgamento foi um triunfo do sionismo internacional.
Frick afirmou que toda a acusação se baseava na suposição de uma conspiração fictícia.
A. Speer foi complacente com a acusação pois o julgamento é necessário. Há uma responsabilidade comum por crimes tão horríveis, mesmo num sistema autoritário.
Frank também declarou que considero o julgamento como um Tribunal determinado por Deus, destinado a examinar e a pôr fim à terrível era de sofrimento sob o domínio de Hitler.
Jodl lamentou a mistura de acusações justificadas com propaganda política.
Keitel disse que para um soldado, ordens são ordens, enquanto Funk que se sou considerado culpado por erro ou ignorância, então minha culpa é uma tragédia, não um crime.
Bradley Smith registou que nenhuma defesa seria capaz de anular o feito da acometida inicial do Promotor norte-americano, mas, nesse particular, a posição dos advogados alemães era ainda pior que qualquer outra, e tudo o que podiam fazer não passava de uma resistência simbólica.
As autoridades aliadas não haviam tentado encontrar advogados de talento excecional para os réus, o que conseguiram foi tão só um grupo de advogados aprovados pelo Tribunal. Um réu podia escolher um entre esses advogados ou solicitar aprovação do Tribunal para um nome que ele próprio lembrasse.
Escolhidos, por terem sentimentos antinazis ou se haverem comportado se não com oposição pelo menos sem colaboração em relação ao regime, os advogados de defesa, dispunham de pouca autoridade e não tinham recursos para recolher provas num país em escombros. Também não lhes fora dado tempo razoável para preparar a defesa e, vez por outra, ficavam surpresos com as expeditas inovações processuais utilizadas pelo Tribunal. A defesa foi prejudicada pela prevalência da prova documental face à testemunhal, pois que as provas documentais carreadas pelos aliados eram muitas e importantes.
Logo no início do julgamento, os advogados de defesa aprovaram um declaração segundo a qual o Tribunal violava o antigo princípio de que não pode ser considerado crime, e por ele ninguém punido, a prática de qualquer acto que não tenha sido declarado criminoso por lei já existente aquando de sua realização, na linha da terminologia romana nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege.
A defesa tentou ainda tirar partido de um outro princípio de um estado de direito, tu quoque (isto é, você é outro), considerando que, dentre os crimes denunciados, havia também alguns cometidos pelos aliados (especialmente pelos soviéticos).
Questão importante para os advogados, foi a defesa por parte dos acusados no cumprimento de ordens superiores, e assim, na maioria dos casos, estes poderiam escudar-se (e assim aconteceu) no argumento de que suas ordens obedeciam as directrizes de Hitler, senhor todo poderoso.
Iniciados os depoimentos orais, os advogados alemães sentiram grandes dificuldades no que referente à assimilação das técnicas do contraditório preconizadas pelo Tribunal.
Estavam acostumados a um sistema fundado em maior entendimento entre a defesa, a acusação pública e os juízes. Em Nuremberga, a defesa e os promotores eram inimigos mortais e os advogados alemães não logravam fugir à impressão de que os outros os tinham na conta de auxiliadores de bandidos.
Alguns promotores encaravam com hostilidade não apenas os réus, mas os alemães em geral.
Aos advogados de defesa era recordado implicitamente pelo Tribunal que não eram cidadãos de primeira classe tal como os acusados. Esse sentimento, por outro lado, deve te-los encorajado a identificarem-se mais de perto com acusados.
Nos primeiros dias de funcionamento do Tribunal de Nuremberga, a atmosfera que se abateu sobre os advogados alemães era portanto muito hostil. A defesa iniciou os seus trabalhos, com a do processo contra Hermamm Göring, cujo advogado foi Otto Stahmer.
O clima de animosidade contra os advogados havia melhorado aos poucos pelo que passaram descrer menos do Tribunal, que nos primeiros meses, dera sinais de não ser minimamente imparcial.
Três dias antes de Stahmer tomar a palavra, o ânimo de todos os advogados de defesa fora revigorado, pois o Tribunal repreendera as autoridades de ocupação por permitirem ataques da imprensa aos advogados.
Além disso, o Tribunal elogiara os serviços prestados pelos advogados em condições que os juízes entendiam ser extremamente difíceis e notificara, oficialmente, o Comando Militar Aliado na Alemanha de que os advogados de defesa se encontravam sob a protecção do Tribunal e que a Corte não toleraria quaisquer outros ataques públicos ou pela imprensa que lhes fossem dirigidos.
A estrutura da defesa dos advogados alemães consistiu ainda em adoptar uma posição que protegesse a honra do alemão comum e defendesse a reputação do país.
Frustados por não poderem basear-se em argumentos essencialmente jurídicos, em detrimento dos políticos, lutaram por expurgar a Alemanha da mácula da culpa coletiva, no que despenderam, com louvor e admiração pública, um enorme e meritório esforço.
Lorde Kilmuir escreveu nas suas memórias que dois dos advogados, o mais velho e o mais jovem, Dr. Roudolf Dix, que defendeu Schacht, e Dr. Otto Kranzbuhler, o almirante Dönitz, eram os melhores que se poderia encontrar em qualquer Tribunal de um país democrático, enquanto os demais estavam à altura da melhor tradição da profissão, em circunstâncias que devem ter sido extremamente penosas.
Pelos violentes ataques de que foram alvo, pela pressão que sofreram, pelas imprevistas práticas processuais impostas pelo Tribunal, pela discriminação decorrente da nacionalidade alemã e pela gravidade dos crimes imputados aos réus que defendiam, os advogados alemães no Tribunal de Nuremberga assumiram, com fidelidade, realismo, dignidade e destemor que se exige de um honrado advogado, mesmo assim a defesa de acusados pelos crimes mais abomináveis de que há registo.

CONTINUA



















Uma tragédia no Iraque
-Todos (mesmo os maus) têm direito a um
advogado de defesa
-NUREMBERGA E TÓQUIO

FLEMING DE OLÍVEIRA


(III)

A condenação de Saddam à morte na forca foi validada sem nada acrescentar ou retirar à de 5 de Novembro, por um Tribunal de Apelo Iraquiano, a qual deverá ser executada no prazo máximo de 30 dias, em dia e local desconhecidos, por razões de segurança. Com o Iraque mergulhado num cenário de violência semelhante a guerra civil, a execução de Saddam poderá acarretar consequências, de momento, impossíveis de prever, entre os que lhe são favoráveis
(morte com morte se paga, como ditava a sua prática política) ou opositores (ele foi um herói ou nada justifica este tipo e pena). Saddam Hussein Al-Majid Al-Tikriti acabou por ser enforcado à pressa, na madrugada do último sábado do ano, no meio de indecoroso apupos de carrascos e convidados, numa prisão de Bagdad, onde ele próprio no tempo em que foi presidente (cerca de três décadas) fizera executar, humilhar ou torturar centenas de pessoas, que nem julgamento tiveram. A exibição de Saddam, com a corda no pescoço, que correu mundo via net, é o melhor retrato do Iraque de hoje que parece ser uma sociedade medieval. George W. Bush considerou-a um marco para a democracia no Iraque, a Ministra dos Estrangeiros britânica disse que embora o seu governo fosse contra a pena de morte, respeitava as leis dos outros países. O Vaticano condenou a execução, sem rodeios, por razões de princípio, enquanto a Rússia discordou dela por a achar politicamente inoportuna. A China manteve-se bastante discreta.
Muitos comentários foram desenvolvidos em Portugal sobre este assunto. A maior parte vieram de pessoas que se declaram contra a pena capital, mas que aduzem argumentos que pretendem justificar o enforcamento de Saddam, que ele era inevitável em função da gravidade dos crimes e do contexto em que o julgamento decorreu. Isto é, há pessoas que se declaram contra a pena de morte, mas que aceitam, compreendem que, no caso concreto, tenha sido aplicada.
Para mim, o ato além de injustificado, errado, é bárbaro. Diria o mesmo se se tratasse de Stalin, Fidel Castro, ou Pinochet, pois considero a pena de morte, a fronteira entre a civilização e a barbárie.

FLEMING DE OLIVEIRA

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Fleming de OLiveira



(I)
Opinião Pública, é o que geralmente se atribui como sendo a opinião geral de uma sociedade.
Quando se diz, por exemplo, que a opinião pública está a pressionar o governo, significa que a sociedade, dita civil, geralmente através dos meios comuns de comunicação, expressa uma posição de pressão ao governo.
Mas o que é a Opinião Pública?
Desde logo, e sem preconceitos sociológicos ou de apurada politologia, é uma realidade não coincidente, embora relacionada é certo, com a opinião política, já que nesta intervêm elementos estranhos aos que estão na base daquela.
A opinião política, expressa-se formalmente nas eleições, e tem tanto componentes racionais, como outras muito pragmáticas ou aplicadas, que vão do voto útil, à escassez das opções.
O poder da Opinião Pública na selecção e outorga do poder formal é, pois, um poder condicionado por factores que lhe são alheios, se considerado na sua intrínseca pureza. Só que, como contraponto, este condicionamento, limitará o exercício do poder pelos eleitos, que se lhe devem auto-submeter. Isto, claro está, sem que as resultantes que deste sejam mensuráveis, os remetam para um fluir de coerência quanto aos propósitos anunciados ou às metas definidas.
A não ser assim, se o poder não atender no seu exercício, aos sinais que emanam dos contra-poderes sociais, institucionais, políticos, logo se aproximará do risco de se firmar numa ideia impessoal, do Estado. Embora legitimado, e a mais praticável forma de legitimação política, é e continuará a ser a democracia representativa, dissociar-se-á, ou poderá dissociar-se, de realidades histórico-sociais, que por se radicarem e se destinarem a pessoas concretas, mudam mais rapidamente que os ciclos que separam os sufrágios.
A sociedade, em Portugal, não é tradicionalmente muito afirmativa. Adopta, adapta-se, acomoda-se com facilidade a situações.
Aceita a rotina, quando não mobilizada por estímulos de raiz superior, ou de pressão, mais das circunstâncias que dos líderes, mas nesse caso supera-se e supera os competidores…, que raramente surgem. Cai em timidez, perante o que está constituído.
Pobres e honrados, dizia-nos paternalmente Salazar. O pior é que hoje somos menos (?) pobres, mas também menos honrados.
Uma das idiossincrasias portuguesas, é o saudosismo, e este não é apenas aquele do que os poetas falam.
E mesmo quando não virados para o glorioso passado das descobertas e da gesta colonizadora de quinhentos, quando era politicamente correcta, o ímpeto de mudança para o futuro contenta-se, por vezes, em se ter como que saudades dele, do que há-se vir, numa simbiose entre o fatalismo e a crença no providencialismo, sebastianismo, venha de fora ou esteja cá dentro.
Parece interessante salientar o caso de o português que, no plano privado, tanto receia a crítica e as más opiniões alheias, mais vale andar no mar largo / do que nas bocas do mundo e ser, quando detentor de um poder público, propenso a uma certa indiferença/ imunidade/impunidade, perante o somatório de todas elas, ou seja, a Opinião Pública.
Daí o papel dos media quando, por um lado, contribuem para a formação da Opinião Pública e, depois, para a fazer repercutir ou modelar. O poder da comunicação social limita, para o bem, o incontrolado exercício dos poderes formais. Mas, para o menos bem, pode potenciar, positiva ou negativamente a imagem dos que o protagonizam, promovendo um imaginário coletivo fictício. Os povos, como o português, gostam de quem manda e quem aparece com rosto de poder mandar. Despreocupam-se quando alguém os lidera, atento o seu pendor providencialista. A mitologia política não é feita apenas de mitos, passe o paradoxo, mas de razões de segurança, a menos que assente em nexos de afectividade, quase que pessoal ou paternal. A imprensa escrita não é, tanto como a televisão, o reino do instante, da imagem, da aparência. Contém elementos mais cognitivos, faz pensar mais, tem um conteúdo quase sempre mais rico, mais elaborado e trabalhoso.
Aqui quase se poderia concluir como, diz-me qual a televisão, o jornal que vês, que eu te direi quem és! Isto porque ela tudo hiper-dimensiona, directa ou subliminarmente, sobretudo nos momentos em que a opinião pública tem que se exprimir como opinião politicamente correcta.
É trivial concluir que um dos esteios de uma sociedade livre estará, na assunção ética, na qualidade e no profissionalismo de qualquer forma de informação, como diria o nosso Ministro Santos Silva.
Um poder mediático, instrumentalizado pelo poder político, vicia a opinião pública, mesmo que as pessoas de tal se não apercebam.
Mas quando alegadamente livre, isto é, não instrumentalizada, e do seu contrário há excelentes e recentes exemplos como sabemos neste ano de 2007 sob o governo do partido socialista, uma informação que actue com rigor, não é escrava da objetividade. A informação é feita por/para pessoas, e não por/para robots. E daí, precisamente, a sua liberdade maior, que é a da crítica. Falar de Opinião Pública, é tema inesgotável, apaixonante e controverso, pelo menos quando se avalia uma situação em concreto. Pela profundidade do assunto, tenho consciência de que nunca o esgotaria, embora possa indicar alguns parâmetros de princípio para a sua discussão.
Na verdade, o conceito de Opinião Pública, vem se transformando através dos tempos.
No século XIX, ao ocorrer a revolução industrial, mesmo em Portugal, desenvolveu-se a imprensa e as reivindicações deixaram de representar apenas os interesses de um grupo dominante/capitalista/burguês, abrangendo carácter não só político, mas também social e económico. Os estudiosos da Opinião Pública consideram-na, antes de mais nada, um estudo essencialmente interdisciplinar que envolve entre outras a Sociologia, a Psicologia Social, a Ciência Política.

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(II)
O senso comum utiliza o termo Opinião Pública com recorrência grande parte de nossos representantes políticos assim o fazem a propósito disto e daquilo, mas ao académico interessa saber o que é Opinião Pública.

(a)-A SOCIEDADE democrática DE INFORMAÇÃO e do conhecimento.
Sendo invocada com grande persistência para fins muito diversos e com os propósitos mais díspares, a Opinião Pública nos nossos dias, continua a apresentar-se, mais que nunca, como um valor simbólico, referencial de uso corrente e de circulação ilimitada no universo da vida político-social. Mas, ao mesmo tempo, o seu debate e reflexão, como grande tema do pensamento político-social, veio paradoxalmente perdendo força ao longo dos últimos anos, como que definhando perante a voracidade de uma dinâmica que se apressa em cortar os laços com o passado e reduzir os traços da memória a uma tradição que aspira ver ou ser ultrapassada. O breve debate e reflexão que aqui lanço sobre a questão Opinião Pública é, nas presentes circunstâncias, uma certa forma de contrariar essa vertigem do nosso tempo.
Terei em especial atenção dois aspectos que, na minha perspectiva continuam a posicionar a Opinião Pública como uma referência incontornável da vida colectiva e da gestão político-social.
A Opinião Pública constitui uma referência das sociedades modernas como a portuguesa e, nessa medida, tem as suas raízes numa época histórica distante.
Mas, em simultâneo, há uma outra dimensão a considerar, o facto de a forma atual da Opinião Pública diferir muito significativamente daquela que apresentou nos sécs. XVII e XVIII, por altura da sua emergência e que é também a da constituição da sociedade demo-liberal e do Mundo Ocidental.
A Opinião Pública dos nossos dias é a síntese, por um lado, da crise do seu próprio modelo anterior, o modelo liberal e por outro lado o resultado das condições sociais particulares que marcam o processo de desenvolvimento da sociedade.
E destas permito-me destacar dois, relacionados entre si:
-(1)-A democracia de massas, representativa, o modelo político em torno do qual se consolidou a vida da sociedade europeia ao longo do último quartel do século XX;
-(2)-A intensificação e aceleração dos fluxos de comunicação e de difusão da informação, proporcionada em larga medida pelos diversos dispositivos tecnológicos de mediação, que dão lugar à chamada Sociedade de Informação.
É da conjugação destes factores, que se forma ou modela a Opinião Pública dos nossos dias, mantendo, por um lado, esse estatuto de referência da vida político-social, mas apresentando, por outro, sinais de crise cada vez mais evidentes. Para se perceber o seu estado, a sua origem, há que recuar, talvez até ao início do século XX, quando o espaço público da época, na sequência de uma situação também nessa altura de crise, vivia-se o fim de um regime político, registou uma transformação profunda que se traduziu na sua enorme expansão, correspondendo às expectativas generalizadas de participação que muitos indivíduos, grupos e classes sociais manifestavam de forma impetuosa, quiçá violenta.
O enquadramento desta mudança, encontra-se na emergência de uma nova forma de sociabilidade no chamado mundo desenvolvido, um novo tipo de configuração social, a massa, que a partir de então se impôs como o padrão das relações de interdependência que os indivíduos estabelecem entre si.
A Opinião Pública e a massificação das sociedades são processos que a partir de certa altura, passaram a cruzar-se e a entrelaçar-se de forma muito estreita, a ponto de se poder dizer que a Opinião Pública hoje é essencialmente uma opinião de massa, constituída já não verdadeiramente por públicos, como em épocas anteriores, mas sim por esta nova sociabilidade, a que podemos dar o nome de massa, ou seja, formas de agregação social, que têm por base relações sociais frágeis, superficiais e burocratizadas. Os públicos não foram propriamente abolidos, mas tendem a desvanecer-se e a ver enfraquecida a força que correspondia à sua forma própria de funcionamento.
À emergência da massa corresponde o alargamento da Opinião Pública, e a uma alteração dos padrões de participação e de relacionamento dos indivíduos no seu interior e com o poder. Deixa, nomeadamente, de ser possível facultar a experiência social que fazia de cada participante uma individualidade própria, com os seus interesses, as suas posições e opiniões singulares ¬ assumidas no âmbito de uma discussão coletiva.
A dinâmica da comunicação, dá lugar, progressivamente, a um estado de espírito de indiferença, de amorfismo, a um interesse que é apenas superficial pelos assuntos e que só é capaz de pontualmente gerar formas comportamentais reactivas, ¬ como as sondagens e os inquéritos de opinião demonstram.
Na medida em que a massa se forma por indexação de indivíduos, anónimos e isolados, não necessariamente física, mas espiritualmente, a partir dela não há lugar a qualquer tipo de afirmação subjectiva. Se não há verdadeiramente sujeitos na massa, então não haveria também lugar para se falar em direitos, obrigações ou responsabilidades, o que vem ao arrepio de um pressuposto democrático, muito linear, teórico e referencial. ¬
Tudo o que conferia um conteúdo ético-moral à Opinião Pública, se desvanece na massa, surgindo em seu lugar um território politicamente propício para a manobra de certos poderosos, inconfessáveis e organizados lobbies. A sobrevivência do público, nos nossos dias, é em larga medida uma ficção e, por vezes, uma conveniente farsa, ¬ a de uma massa, ou poder, que se apropriou do funcionamento e da dinâmica dos públicos, fazendo-se passar por eles para legitimamente assumir as suas competências e atribuições ou aspirações.
A contraposição das formas de comunicação típicas dos públicos e da massa, dá-nos a imagem precisa desta situação. O público, como espaço de comunicação onde predominam a discussão e argumentação coletivas, sem clivagens marcadas entre os que exprimem opiniões e os que as recebem, em que as possibilidades de resposta são efectivas e mais ou menos imediatas.
A massa, pelo contrário, como uma pseudo-comunicação, acondicionada por uma lógica que transforma cada indivíduo, os membros da massa, num mero recurso de mercado, onde o número dos que emitem opiniões se restringe, na proporção inversa aos que a partir de agora se posicionam como meros destinatários.
Claro que se pode continuar a pensar os direitos individuais destes mesmos receptores portugueses, mas o que cada vez menos cumpre discutir e, sobretudo, exercer são os direitos individuais, bem como os direitos coletivos, de emissores, de sujeitos de discurso.
A nossa capacidade de resposta tornou-se de facto limitada. Não se nega, o papel crucial que os media tiveram nesta mudança, pois são, simultaneamente, os seus directos beneficiários e os dinamizadores mais entusiastas.
Tudo o que constitui a história de sucesso (?) dos media ao longo do nosso tempo, os últimos 15 anos com Balsemão ou Moniz, ¬ a sua importância política, o seu poder económico e o seu esplendor tecnológico, ficou a dever-se a este acondicionamento da Opinião Pública, realizado em larga medida à custa dos indivíduos e dos seus direitos.
Podemos assim dizer que a Opinião Pública dos nossos dias não é apenas uma Opinião de Massa, mas também uma Opinião Mediática, opinião de uma massa que é funcionalmente processada por dispositivos tecnológicos de mediação, difusão e propaganda.
A par da emergência da massa, e directamente associada a ela, a forma actual da Opinião Pública é também marcada por um sentido político determinado, que decorre da sua relação com o Estado, como é acusado Pina Moura, ao serviço da PRISA.

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(III)


Em síntese, a Opinião Pública dos nossos dias já não pode assumir, como noutras épocas, a sua autonomia ¬ como voz da sociedade civil e expressão da vontade colectiva, ¬ porquanto perdeu em larga medida a sua independência em relação ao Estado, por muito democrática que se diga ser a sua estrutura de poder do partido socialista. Foi indexada por este, tornou-se numa espécie de organismo nas mãos do Estado e dos interesses privados que confluem no interior do próprio Estado, ou do poder de Sócrates.
Hoje não é tanto a Opinião Pública que dá forma à política, mas o inverso, isto é, o Governo enquanto suprema instância do poder político que comanda e controla a Opinião Pública como temos constatado. O Poder recusa-se, porém, a reconhece-lo. A oposição, seja desta vez o PSD, o PC ou o CDS, barafusta com veemência, como dela se espera, apesar de certos lapsos de memória.
Quando os temas e os assuntos propostos pelo resultado das sondagens são subordinados aos interesses políticos, assim como a sua organização, fabricação, e utilização, então a Opinião Pública tornou-se uma mera ficção. Na verdade, ela já não representa público nenhum, apenas legitima determinados interesses corporativos que se dissimulam como gerais ou que aspiram a fazer-se passar por ser a expressão de vontade colectiva.
A sondagem de opinião é pois, um importante instrumento de ação política, que qualquer instância não dispensa. A sua função mais importante é impor a ilusão de que existe uma Opinião Pública, tal como a antiga soma de opiniões individuais, impor a ideia de que existe algo como a média das opiniões ou uma opinião média. Uma ficção estatística mas que é, na verdade, um instrumento poderoso numa estratégia sofisticada, planeada e estudada de gestão da acção de qualquer poder.
Pergunto de novo, qual o lugar reservado aos indivíduos, como nós, nesta nova Opinião Pública? Que papel nos cabe neste pesado jogo de interesses que envolve o Poder e as várias corporações de interesses a que somos eventualmente alheios?
Os indivíduos deste contexto, temos de o reconhecer, valem essencialmente como número, entidade mensurável, mas abstracta, embora isso seja politicamente incorreto reconhece-lo.
Isto não significa, todavia, o fim dos direitos individuais, nem o fim do indivíduo, como a funcionalidade/operacionalidade do sistema social liberal parece querer impor e certas teorias radicais, mesmo de direita, chegam mesmo a proclamar ¬em tom apologético, ou com um sentido apocalítico, em determinados momentos históricos. A partir dos espaços públicos que se abrem à participação individual, ao exercício da cidadania, às energias libertárias de uma sociedade civil que volta a querer pensar-se autonomamente, sem os constrangimentos do poder ou dos interesses hegemónicos que têm origem no seu próprio interior.
O problema dos direitos individuais relacionados com o funcionamento da Opinião Pública, coloca-se a múltiplos níveis e para ele podem ser encontradas diferentes origens, motivos e explicações, mas todas as dimensões confluem num terreno comum que é o da comunicação pública.
É aí que se fazem sentir de forma mais imediata e contundente os efeitos de uma participação distante e burocratizada, bem como das estratégias hegemónicas das diferentes instâncias de poder.

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(IV)



(b)-A PUBLICIDADE E SONDAGENS
Mas vamos lá a ver, qual é a minha opinião pessoal, onde é que eu me situo?
Além de insígnia militar romana e de pequena estola ornamental dos sacerdotes do antigamente, o manípulo, era também o punhado de forragem que se punha diante do burro claro que já não é do nosso tempo, de forma a que o não pudesse alcançar, para que, ao persegui-lo, o animal carregasse ou puxasse a carga que o homem lhe destinara! Segundo dicionários como o velho Torrinha, que utilizávamos na Primária, manipular significa operar com as mãos, trabalhar demasiado alguma coisa, manejar as coisas a seu modo ou intrometer-se nas coisas alheias ou, intervir com meios hábeis, por vezes, astuciosos, na política, na sociedade, no mercado, etc., com frequência para servir interesses próprios ou de terceiros. Desta forma, etimologicamente falando, manipulação acaba por ser uma intervenção num dado material, com um fim determinado. Neste sentido, diz-se que o canteiro manipula a pedra, que o Manuel de Oliveira manipula as imagens que colhe no celulóide, que o Eça manipula as letras com a sua pena. Mas a expressão evoluiu.
Aqui nestas notas académicas, vou abordar a manipulação dos conteúdos de consciência, das mensagens dos meios de comunicação no seu sentido mais lato, uma intervenção com consequências sociais e, portanto, um acto político enquanto tal, mas não como tal assumido.
A utilização dos media públicos ou privados pressupõe uma manipulação. Qualquer processo de produção comunicacional, desde a selecção do meio, à gravação, à mistura e montagem, à realização e distribuição, é uma intervenção, uma manipulação do material disponível.
Aquilo que me importa realçar não é que os meios e as mensagens sejam manipulados ou não, isso será sempre uma evidência insuperável, mas sim quem os manipula, em proveito de quem e ao serviço de que interesses. Neste contexto da submissão das consciências e da formação da opinião, vamos entender por manipulação a orientação da comunicação por uma minoria, com o objectivo da dominação dos outros, a maioria. O primeiro passo para cada um se poder sentir dono da sua vida e do seu futuro, é o representado pela identificação dos entraves que, interessadamente, outros colocam no seu caminho. Por isso, convém ter claro, o verdadeiro e actualizado conceito de manipulação e seus objectivos antes, de se passar à descrição das técnicas utilizadas para atingir os objectivos.
A manipulação orientada para o domínio político, visa adaptar, na medida em que lhe for possível, ao sistema político-social vigente, a consciência e as atividades, incluídas as que se processam no tempo livre da maioria da população, supostamente a favor dos seus próprios interesses, mas subordiná-los aos interesses minoritários que a promovem. As maiorias devem conformar a sua imagem do mundo, a sua compreensão das coisas, os seus gostos, em suma, o seu modo de vida, aos interesses das minorias manipuladoras.
A manipulação significa como vimos antes a deformação espiritual do povo, significa privá-lo das suas faculdades e actividades criadoras, infantilizá-lo. Que o diga o salazarismo ou o socialismo científico! Através dela, desgasta-se paulatinamente a subjectividade dos indivíduos, isto é, a sua personalidade que se vai anulando em favor das minorias dominantes.
Manipulação significa uniformização do espírito, a degradação do ser humano à condição de objeto, de um número ou ilusão que se vende por uns patacos, como é o caso dos telespectadores, ou os eleitores. O receptor, o consumidor das mensagens e produtos desta indústria da consciência e do entretenimento, não participa na planificação, na direção, nas decisões, nem na gestão da produção. Não se trata de o meio ser a mensagem, mas sim de todos os meios transmitirem a mesma mensagem e até a mesma imagem condicionada. Por isso, o que se vê, lê e ouve, o que se veste, o que se come, os sítios onde se vai e aquilo em que se acredita, passaram a ser responsabilidade de um sistema de informação que define os gostos e valores, em função dos seus próprios critérios utilitários e de mercado, os quais, por sua vez, se reforçam sucessivamente entre si.
Para lograr essa uniformização da consciência numa sociedade fraccionada por contradições antagónicas, aplicam-se métodos psicológicos estudados academicamente, cujo êxito foi depois testado e confirmado na publicidade comercial, como saqbe a minha filha Paula.
Mobilizando recursos científicos nas disciplinas mais diversas, cnsegue construir-se um pensamento em modelos pré-formatados, académicos.
Sob a cobertura de uma suposta liberdade de expressão, formal, os poucos que dela realmente dispõem, quer dizer, as minorias que detêm os meios para a expressar, tentam moldar sistematicamente as consciências de milhões de pessoas, condenando-as à indigência intelectual, educando-as para a docilidade e o consumo, para suportar, sem críticas, o sistema de dominação e exploração, e para considerar como próprios e bons, os ideais deste mesmo sistema. As actuações e condutas daí resultantes são apresentadas como livres decisões, auto determinadas, quando na realidade são induzidas, hetero determinadas.
Como fenómeno típico nesta moderna sociedade de mercado, a manipulação assenta, entre outras, nas seguintes condições:
-(1)-A concentração do capital em setores chave;
-(2)-O desenvolvimento do setor de serviços;
-(3)-A eliminação das tradicionais fronteiras nacionais, por exemplo entre Espanha e Portugal ou na EU, por necessidade de expansão da economia, do capital ou da política, ao mesmo tempo que se estão a gerar novas fronteiras e conflitos étnicos;
-(4)-O agravamento das contradições Norte e Sul, entre pobres e ricos;
-(5)-O desenvolvimento aceleradíssimo de modernos meios técnicos e conhecimentos científicos, o que costuma englobar-se sob a designação novas tecnologias, que permitem o exercício unitário e simultâneo do poder político, económico e ideológico sobre o conjunto da sociedade;
-(6)-Uma enorme oferta de mercadorias provenientes de indústrias deslocalizadas que estimula o consumo individual, enquanto ideal universal de desejo;
-(7)-O progressivo abandono da ideia de público, conducente à marginalização, liberalização, dos serviços públicos enquanto organização e modo de regulação do sistema. O subsequente processo de desregulação e privatização de certos sectores com a preponderância dos critérios de rentabilidade financeira e social, sobre os critérios de eficácia e satisfação sociais;
-(8)-A comercialização de quase todos os aspectos da vida, o que conduz a que o produto barato, isto é, o produto uniforme, tipo chinês, determine a produção e o consumo. O efeito final da comercialização é, como se constata, o uso e o entretenimento à base de fabricados em série, baratos e envoltos em propostas publicitárias;
-(9)-A indústria da comunicação e da consciência, principal instrumento de dominação e submissão, transformou-se num sector estratégico nos campos económico, político e cultural.
A manipulação dirige-se pois ao pensamento, aos sentimentos, às acções e omissões, de toda e qualquer pessoa. Da esfera íntima até à apresentação pública no trabalho, na escola ou na administração, não sobra um único aspecto, uma única dimensão da vida, que dela não receba a sua influência. O objetivo final da manipulação, é a obtenção da passividade, da submissão e do seguidismo. A manipulação das mentes é uma guerra psicológica planificada, elaborada a partir de conhecimentos científicos, ao arrepio do desenvolvimento solidário e cooperativo.
Na Sociedade de Mercado, o objetivo da indústria da comunicação, como de qualquer indústria, consiste em gerar lucro, manipulando a maioria da população de maneira a que esta não empreenda acções contra o sistema, mas antes que o apoie e reforce. A manipulação político-social por um poder político alegadamente demo-liberal funda-se nos mesmos princípios que regem a economia de mercado.
O objetivo final da indústria da comunicação, do entretenimento ou como quer que se lhe chame, numa sociedade liberal consiste em controlar as maiorias.
Como?
Neutraliza a ação das maiorias, por um lado, e consolida, por outro, a solidariedade com a classe dominante e com os interesses desta. Manipula-se, em suma, quando o poder produz informações que não reflectem os interesses e necessidades dos seus consumidores, quando deliberadamente se produzem mensagens desconformes com a realidade social.
O oposto da manipulação é bom de ver a formação da consciência crítica e da vontade democrática participativa, tendo em vista o desenvolvimento multifacetado da pessoa humana. Teoria comovente? Para isso requerer-se-ia, entre outras coisas, a transformação do sistema de ensino, a criação de condições efectivas de acesso que estendam a liberdade concreta de expressão, a supressão das medidas estatais que limitam essas liberdades, a travagem e anulação da influência dos monopólios e oligopólios na formação da Opinião Pública e na cultura. Bom de dizer, repito!
Uma das melhores técnicas de manipulação, consiste no selecionar para difundir as informações que melhor satisfazem os interesses e os objectivos dos seus produtores. Qualquer objecção que se faça a esta selecção costuma, segundo quem a elabora e destina, ser equiparada cinicamente a um atentado contra as maiorias, a liberdade de expressão, de comércio, de criação, etc.
E, contudo, a informação é, por natureza, seletiva. Não se consegue difundir tudo o que acontece. Mesmo que fosse possível saber tudo o que ocorre, a TV, a Rádio, os jornais e as revistas têm um espaço noticioso limitado.
Daí a necessidade de selecionar, entre o fluxo incessante, proveniente dos correspondentes, das agências, do material em bruto que, depois de uma primeira triagem é passado às redacções, as quais, por seu lado, voltam a seleccioná-lo de modo que, no final do percurso, apenas se difundirá o equivalente a uma pequeníssima parte da informação previamente recolhida.
Naturalmente cada qual selecciona de acordo com os seus gostos, educação, ideologia, interesses, necessidades, selecciona o que se crê ir vender melhor e a mais gente.
Não há muito um amigo dizia-me que somos o País dos diretos televisivos. Directos a propósito de tudo e nada, como a saída do hospital de um antigo e famoso jogador de futebol dos anos sessenta, da constituição ou não de Valentim como arguido, dos dislates do Ministro Mário Lino, depois de almoço…, o desaparecimento de uma menina inglesa no Algarve, a suspensão de um professor por delito de opinião, a expulsão de um padre pelos seus paroquianos, provocam a comoção geral, a subida das audiências e distraiem de outros assuntos, supostamente mais importantes…
Seja como for, devido à concentração existente nesta indústria, a verdade é que se contam pelos dedos de uma mão, as agências que seleccionam os acontecimentos e a identidade das imagens que vemos.
Recorde-se, por exemplo, a informação sobre a Guerra no Golfo, do princípio dos anos 90, cuja cobertura foi atribuída em exclusivo à cadeia norte-americana CNN, com os jornalistas devidamente escolhidos e previamente industriados pelos militares do Pentágono. Em suma, uns poucos detêm o poder de definir a realidade para a maioria, de dizer-lhes o que se passa, o que é bom e o que é mau, o que se deve ou não fazer e como fazê-lo, etc. Neste poder de fixar o programa social de qualquer comunidade, consiste a chave do controlo e manipulação social.
A história que os media nos contam, costuma ser por mais interessante, quase sempre, a dos outros, não a nossa. Enquanto cada um de nós estiver entretido a viver as histórias dos outros cor de rosa ou não, tem menos tempo para se interessar pelas suas.
O método de manipular a opinião, comunicando tão só aquilo que interessa ou convém, implica o silenciamento do inconveniente. Que o diga o Governo do PS.
Quando a verdade não corresponde aos interesses da minoria que a promove, não se trata literalmente de mentir, mas antes de não dizer a verdade, a inverdade. Informa-se de maneira selectiva, mas credível, acerca de fenómenos, pormenores, eventualmente sem contexto, sem chegar à essência do sistema.
A maioria das notícias dos meios de comunicação, em especial da televisão, refere-se às atividades dos governantes e só residualmente dos populares. A televisão precisa mais de notícias que possam apresentar-se como imagens interessantes que relevantes. Nas deslocações, visitas e inaugurações dos governantes, pode-se ver como descem dos aviões, como fazem jogging matinal no Kremlin, como se constitui a guarda de honra, se apresentam de armas e toca o hino, como chegam, cumprimentam e partem com beijo ou aperto de mão, como se abrem e fecham as portas dos automóveis pretos, como os governantes falam para as câmaras, rodeados por uns tantos que se colocam atrás ou de lado a sorrir ou a abanar a cabeça, nas suas expressões e gestos estudados. Às vezes, nem se distingue, onde estão, se em Lisboa ou Bruxelas. Os altos personagens que decidem a nossa vida desaparecem, então, atrás de portas que se fecham e, aí, onde verdadeiramente começa a história, é onde nós ficamos sem saber o que se negoceia e assina.
Assim se encena o espetáculo da democracia. Daria trabalho considerável distinguir entre espectáculo, política e publicidade.
Mas o primado é sempre o espetáculo.

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(V)
A manipulação das consciências efetua-se também por meio de uma série de mitos que estruturam os conteúdos das mensagens. Vejamos.
-(1)-O mito do individualismo e da decisão pessoal:
Baseia-se na suposta primazia do indivíduo como valor supremo sobre o colectivo. Aqui reside o apregoado fundamento da liberdade, da propriedade privada, do triunfo pessoal.
-(2)-O mito da neutralidade:
A eficácia da manipulação depende da sonegação de provas, de as mentes submissas acreditarem que as coisas são como são, sem que nada exista que possa mudá-las. Para esse efeito, é fundamental que as pessoas creiam na neutralidade das instituições, dos meios de comunicação e da ciência. Lamentavelmente, os acontecimentos que vamos assistindo desmentem esta tão alegada neutralidade.
-(3)-O mito do pluralismo dos media:
Este baseia-se na ilusão de que ao dispor de uma grande oferta de títulos de jornais e revistas, de emissoras de rádio ou televisão, o cidadão está apto a escolher uma melhor oferta. Multiplicidade de títulos na imprensa, botões, canais, não é sinónimo de diversidade de opiniões. Onde se encontra em Portugal, um diário de grande projecção ou um canal de televisivo de esquerda ou de direita, assumidos como tal?
O pluralismo autêntico, é o das opiniões diferentes e assumidamente contrastadas. O aumento de títulos, canais e programas não basta. Se todos oferecem a mesma informação protocolar, a mesma música, os mesmos espectáculos, os mesmos concursos, a mesma publicidade, não é pluralismo o que se tem, mas sim uniformidade e conformismo, compensação fácil para os défices afectivos, as angústias e frustrações e, em última instância, doutrinação. Conhecem técnicas para averiguar e determinar os hábitos e preferências individuais e coletivos. Não são, de modo algum, instrumentos neutrais, uma vez que os gostos e as tendências humanas não podem ser separados das relações sociais em que existem.
Pelas sondagens, muitas vezes não se pretende saber o que as pessoas desejam, mas antes se os métodos/políticas anteriormente empregues foram eficazes ou se, pelo contrário, é preciso modificá-los. A indústria dos inquéritos e sondagens utiliza-se para dirigir gostos e decisões, tanto na compra de bens de consumo, que o digam os grandes grupos económicos, como em sede de política, que o digam os partidos.
O governo de Sócrates encontra-se debaixo de grande pressão, afectado pela contestação às reformas na Administração Pública, na Saúde, na Segurança Social, na Educação, aos sucessivos e inoportunos acidentes de percurso e de péssimo gosto dos Ministros da Economia e Obras Públicas, o caso da licenciatura. Diria mesmo, sem grande receio de errar, que o atual Governo é notoriamente impopular.
Mas será mesmo?
O que parece resultar das sondagens?
Destas parece decorrer que os índices de popularidade e simpatia do Primeiro Ministro e do Governo enquanto tal, desgastado e em erosão, os daquele com saldo positivo, enquanto os deste já batem no fundo, se referem a realidades diversas, num país diferente e que nada tem a ver com o nosso. A verdade é que o aparente rigor dos números, não se compadece com a sua interpretação subjectiva e emocional. A estatística é uma coisa, a opinião pública é outra. Suponho que esta constação não é original entre nós, pois aconteceu salvo erro com Cavaco Silva e com Guterres, que conseguiram desviar a contestação para alguns sectores do governo com ministros politicamente menos escorados. Aonde isto nos leva? Também em sede de sondagens, por mais sérias que se queiram assumir, não podemos invocar o que resulta do estudo de elaborados manuais de ciência política, mas há que ter em conta considerandos de natureza bem especulativa.

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(VI)
A melhor arma contra a censura, institucionalizada ou não, será sempre a motivação. Quando se quer escutar a mensagem, de pouco valem as barreiras e as intromissões. Os portugueses que há quarenta ou mais anos queriam ouvir a Rádio Portugal Livre ou a Rádio Moscovo, bem sabiam o que faziam, apesar das proibições ou interferências. A censura não resolve nada em definitivo, outrossim prejudica a sociedade sobre a qual é exercida. Os obstáculos impostos à liberdade conseguem como regra, estimular ainda mais o desejo de conhecer o interdito. Quando a opinião pública não pode informar-se nem expressar-se livremente, procura as suas próprias formas de satisfazer as necessidades que sente e os interesses que partilha.
Os acontecimentos sociais, no discurso dos media, personalizam-se. Os dirigentes políticos passam a ser julgados mais pelos seus atractivos pessoais e não tanto pelos respectivos programas, por aquilo que conseguiram fazer ou pelos falhanços que averbaram. As principais notícias apresentam-se ao público reduzidas a análises de atributos pessoais, dos seus hobbies, aventuras sentimentais, ou vida familiar. Os conflitos sociais são interpretados e expostos como conflitos de personalidades. Estrategicamente, esta fulanização, tem como vimos a virtualidade de alienar as atenções das pessoas e das massas relativamente aos problemas sociais que as afectam. Como mencionámos a linguagem continua a ser o principal instrumento de manipulação da opinião.
Atrás interroguei-me porque razão falam as pessoas. Se os seres humanos desenvolveram a linguagem para poderem entender-se, para poderem cooperar entre si, as pessoas têm necessidade de falar, a comunicação controlada utiliza a linguagem precisamente na direcção inversa, para confundir e dividir. As notícias são, apresentadas se necessário sem conexão entre si. Esta fragmentação dificulta e impede a sua compreensão, pois sem contexto não há significado. Uma coisa existe, através das outras. Se não nos são apresentadas as relações que existem entre acontecimentos e estados de coisas, não podemos simplesmente entender o que se passa. Será esse o objectivo?
Um método simples de observar o facciosismo da opinião dos media consiste em atentar nos adjectivos com que qualificam os acontecimentos e as pessoas. Através deles, saberemos como os julgam, o que pretendem, se a sua propalada neutralidade e independência tem, afinal, ou não tem, alguma a coisa a ver com a realidade e a lógica das coisas apresentadas.
Entreter significa compensar durante um lapso de tempo, as debilidades e carências emotivas e sentimentais. O entretenimento apela aos défices emocionais que todos têm.
Enquanto actividade lucrativa com as emoções, o entretenimento torna-se uma questão determinada pelos meios que se utilizem para o disseminar. Quem diariamente se distrai mesmo com o assassinato, a morte, a fraude, a violência, corre o risco de sentir que o direito do mais forte e o individualismo egoísta prevalecem sobre os direitos humanos, a solidariedade, a cooperação, e que a maneira eficaz de responder às opiniões contrárias é partir a cara aos que as expressem. Lindo resultado !!! O simplismo e a rudimentaridade dos punhos de um português, perante a complexidade e diversidade das opiniões e da razão, da força dos argumentos, produz cínicos e não democratas, sem consciência crítica e sentimentos solidários.
Aproveitando-se das forças produtivas mais modernas, gera-se uma ampla oferta de organização do tempo livre, entendido como tempo de ócio, de não trabalho. Mas, isto em nada significa que este seja um tempo efectivamente livre, ocupado com actividades organizadas e dirigidas pelos próprios.
Esta exploração das necessidades humanas de entretenimento, de descanso, de distensão cumpre a função de abstrair da realidade as grandes massas, algo que deve entender-se também no âmbito da manipulação ideológica e da formação da mentalidade submissa.
E, não obstante, encontra-se muito arreigado o mito de que a diversão e o lazer são neutrais, carecem de pontos de vista orientados e existem à margem dos restantes processos sociais.
Se se der um olhar, ainda que superficial, aos conteúdos, não tarda em descobrir o negócio da violência, que se empenha em projectar a ilusão de uma sociedade moderna juvenil e evoluída. O negócio do terror, do sexo, da pornografia, o diz que diz-se das OLÁ cor-de-rosa ou os supostos debates da hora da sobremesa. A própria guerra e a morte são convertidas em diversão. Hoje em dia, mesmo em Portugal aluga-se público para jogos e concursos junto de lares de terceira idade, escolas primárias ou faculdades. No Kuweit contratam-se pessoas para apoiar no estrangeiro jogos da respectiva selecção de futebol. Há adultos, jovens ou crianças, que por dez euros ou um simples lanche e um sumo, estão dispostos a rir ou aplaudir de cada vez que a produção os mande fazer uma coisa ou a outra.

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(VII)
A cultura popular afinal não é feita pelo povo. Esta cultura, que pode perfeitamente designar-se por cultura dos media, impregna a mentalidade e contribui decisivamente para a formação da opinião da maioria, uma vez que esta não dispõe, na verdade, de qualquer outra fonte de informação. Os conteúdos e programas televisivos proporcionam a quem os vê, chaves interpretativas e hierarquias de valores na sociedade, bem como indicações sobre como proceder para supostamente atingir o sucesso e a felicidade, como educar os filhos, como deve o casal fazer amor, etc., etc. Estes materiais negam, enfim, a viabilidade de outras formas de organizar a vida e a coexistência humanas.
O êxito da indústria do entretenimento assenta, em suma, nas expectativas do público. O espectador espera encontrar prazer no televisor, diversão, o desafogar das emoções, ao mesmo tempo que subsistem as necessidades de lazer e de actividade livre das massas populacionais.
Como inserir aqui o vetor publicitário em sentido lato e restrito?
À medida que a Publicidade penetra em áreas cada vez mais vastas da sociedade portuguesa, perde a sua função de submeter os factos tornados públicos ao controlo de um público que faz uso crítico da sua razão e torna-se primordialmente um problema técnico.
A tecnicização da Opinião Pública, envolve também as modalidades da sua utilização, o problema político do seu uso estratégico e oportuno. E neste caso, mais uma vez, as práticas comunicacionais estão directamente implicadas, pois o que aqui está em jogo é, afinal, o aperfeiçoamento de um conjunto de técnicas de orientação dos processos de comunicação e informação para determinados fins, isto é, a gestão em termos de rentabilidade e de eficácia.
Creio ter deixado perceptível, que a Opinião Pública objetivada perde o seu carácter racional, mas isso não significa que ela se torna irracional,¬ pelo menos em termos formais. Na verdade, a Opinião Pública dos nossos dias pode mesmo entender-se como hiperracional, designadamente na forma como concretiza a lógica instrumental e um racionalismo utilitarista.
Em termos comunicacionais, esta concretização limitada da razão significa um domínio generalizado da Opinião Pública pelas práticas e técnicas de propaganda, umas e as outras tendo como fim, não o exercício crítico de reflexão por parte do público, mas apenas a aceitação passiva por parte deste, isto é, do conjunto da sociedade, de certos interesses corporativos que procuram consolidar posições em termos sociais e, em particular, no interior do poder.
O próprio termo Publicidade registou, em consequência, uma mutação semântica, perdeu o sentido original que revestiu nos primórdios do pensamento moderno, em que designava o acto de tornar público, de publicitar, de dar a conhecer ideias, opiniões, conhecimentos, factos ou pessoas e passa a assumir um carácter essencialmente demonstrativo e aclamativo, com um sentido fortemente comercial e técnico.
Hoje em dia, a Publicidade tal como é muitas vezes praticada, já não visa tanto a formação de opinião, mas apresenta-se simplesmente como uma espécie de reflexo multifacetado de opiniões já constituídas. É uma estratégia de inculcação de produtos, de objectos ou de mensagens, com a consequente transformação do cidadão em consumidor de mensagens que se apresentam como reflexos dessa opinião e com a inscrição de todas as dimensões da vida social, com as marcas da lei do mercado ou da praxis política.
No plano político, a nova forma de Publicidade, puramente demonstrativa, sobrepõe a coacção à discussão, ¬ uma coacção suave, por vezes quase imperceptível e mesmo sedutora, mas não menos implacável. Nesta acção, são normalmente peritos em Portugal, ou pelo menos assim se espera, os Ministros dos Assuntos Parlamentares.
O seu efeito é o de transformar a Opinião Pública na opinião dominante e dominadora, cuja força não provém do raciocínio, da razão ou da justiça, mas do peso do número ou dos objectivos.
A pressão da massa, que entretanto foi trabalhada e politicamente acondicionada/controlada para fins que ela própria não chegou a conhecer, nem provavelmente alguma vez conhecerá ¬ a tirania sem tirano, onde todos são igualmente destituídos de poder e que é hoje um perigo político que espreita.

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(VIII)
As Sondagens de Opinião Pública podem ser vistas como um produto da respectiva indústria, constituída pelas organizações que produzem informação sobre os sentimentos, as atitudes e os comportamentos das pessoas. As sondagens são estudos por amostragem e a opinião que resulta desses estudos corresponde à agregação das respostas individuais e pelos meios de comunicação social, os canais de distribuição da informação produzida pelas sondagens. Como qualquer produto de grande consumo, as Sondagens de Opinião Pública ganham se forem protegidas por legislação que garanta a qualidade da sua produção.
Esta legislação é tanto mais pertinente quanto a divulgação das Sondagens constitui um factor importante na vida democrática, embora possa, também, eventualmente contribuir para o seu empobrecimento.
Vejamos alguns aspectos positivos da divulgação das Sondagens.
As Sondagens incidem sobre os mais variados casos, podendo activar a discussão pública sobre questões relevantes, contribuindo para a formação de opiniões públicas intervenientes.
Além de poder activar a discussão pública, a divulgação dos resultados das sondagens permite que cada um tenha uma percepção correcta do número daqueles que com ele partilham uma opinião. De facto, se cada um não puder conhecer, por si próprio, qual a percentagem dos concidadãos que partilha uma determinada opinião, isso não impede todavia de arriscar juízos, com alguma certeza percebida, sobre essa percentagem. Ora, a pesquisa sobre a forma como se calcula o número dos que numa sociedade têm uma determinada opinião ou comportamento, tem mostrado que a opinião de cada um constitui o ponto de partida para o cálculo das opiniões dos outros, e que a percentagem de pessoas que se imagina ter uma opinião igual, é superior à percentagem imaginada por aqueles que têm uma opinião contrária. Neste sentido, a divulgação dos resultados das Sondagens, não só pode contribuir para a activação da discussão pública e da participação dos cidadãos, como permite que a discussão se faça com um certo conhecimento sobre a distribuição de outras posições acerca de um concreto fenómeno ou problema. Mas se se assumem estas vantagens na divulgação das Sondagens, não se pode fazer esquecer que elas podem constituir uma fonte de distorção da percepção da realidade social. As Sondagens não correspondem a opiniões públicas, mas a opiniões privadas, reduzem o pensamento social à soma das posições individuais, fazem crer que os temas abordados são os temas objecto de preocupação por parte dos cidadãos.
Além disso, a forma de divulgação das Sondagens de opinião pública pode contribuir também para um empobrecimento da vida social e representar um obstáculo à inovação, à mudança ou à crítica. A forma como os resultados das Sondagens são divulgados, faz a celebração das posições maioritárias. A difusão das Sondagens tem implicações na formação de opiniões e na atribuição de validade a uma opinião na medida em que facilita a atribuição de consenso a determinadas posições e não a outras, e em que contribui para a percepção da maior ou menor homogeneidade daqueles que partilham uma dada posição.
No processo de divulgação de Sondagens não estão envolvidas questões científicas, não está em causa o processo de produção de conhecimento, mas a divulgação de informação produzida em condições que devem ser conhecidas, mas não podem ser esquecidas regras que remetem para a qualidade e a ética profissionais!
A qualidade técnica, por exemplo, quais as condições mínimas a que uma Sondagem deve obedecer para poder ser considerada como tal remete para a formação profissional de quem conduz a pesquisa e de quem a divulga ou comenta, e deve/pode ser estimulada por legislação que vise garantir o rigor na realização e difusão das sondagens. No que toca à divulgação, impõe-se que seja dada ao leitor, informação suficiente para um controlo da qualidade dos resultados difundidos.
Uma acção pedagógica junto das empresas de estudos de opinião, o debate público de casos de sucesso e de insucesso de previsões eleitorais, o debate público de comentários desajustados ou distorcidos dos resultados de Sondagens são exemplos da ação pedagógica e política que a ERCS, pode desenvolver neste domínio. Entre nós isso não tem sido necessário pois a qualidade das sondagens, não tem sido posta em crise, embora frequentemente se diga quando convém que as Sondagens valem pelo que valem.
As Sondagens e a sua divulgação são um negócio e a ética nos negócios é uma questão, apenas, emergente. O projecto de nova legislação tanto quanto sei, prevê que as sondagens possam ser divulgadas até ao final da campanha relativa ao acto eleitoral ou referendário.
Positivo?
Creio que, a ser assim, a lei eleitoral terá de ser acertada. O projecto de nova legislação aponta neste momento, salvo erro, bem como para a possibilidade de a legislação não abranger apenas as Sondagens Eleitorais, mas todas as Sondagens à opinião pública.
A mentira e manipulação são cada vez mais utilizadas nos media como forma de condicionar a Opinião Pública, no sentido do fomentar e justificar o consumo (e por vezes a ação politica). Ainda existem muitos jornalistas que pautam o que escrevem pelo rigor, objectividade e seriedade, embora o contrário vá assumindo alguma frequência.
A falta de objetividade, leva jornalistas comprometidos a não cruzar fontes de informação e a não divulgar opiniões diferentes, assim como a tendência para fazer passar como suas ou como posição dos jornais em que trabalham, as opiniões e informações de entidades interessadas, políticas ou grupos empresariais, em condicionar portanto a Opinião Pública, bem como em ajustar o que publicam às posições do poder politico e mesmo económico que servem.

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(IX)


(c)- A DEFESA COLETIVA
Em Democracia, as decisões cruciais em sede de defesa nacional, são especialmente condicionadas pela opinião pública.
Kant enunciou a tese sobre a paz entre os príncipes, republicanos, no reconhecimento do pressuposto que numa comunidade de homens livres, é difícil convencer os cidadãos a fazer a guerra contra outra comunidade, republicana, desde logo porque são eles próprios quem vai combater. Creio que isto nada tem a ver com a entrega de defesa da república a mercenários, como aconteceu com nefastas resultados na antiguidade clássica ou ainda acontece no Golfo Pérsico.
A teoria kantiana pode admitir três proposições suplementares:
-(1)-As democracias, repúblicas, têm a maior dificuldade em entrar em guerra, mesmo contra regimes autocráticos que representem uma ameaça clara e eminente para a sua sobrevivência.
O exemplo paradigmático foi a Conferência de Munique, em 1938. Os estudos disponíveis confirmam a popularidade imediata de Neville Chamberlain, UK, e de Edouard Daladier, França, bem como da sua politica apaziguadora, não só em França e na Inglaterra, mas mesmo na Alemanha, não obstante o peso dos argumentos contra a ameaça nazi, quer na direita conservadora, quer na esquerda trabalhista, radical e comunista, mobilizada para o combate contra os fascismos na Guerra Civil de Espanha.
No mesmo sentido, Franklin Roosevelt só pôde persuadir o Congresso a declarar guerra contra o Japão, e depois à Alemanha, depois do ataque surpresa a Pearl Harbour. Mesmo assim, em Dezembro desse ano de 1941, só foi possível declarar guerra à Alemanha, depois de Hitler declarar guerra aos E.U., em solidariedade com o Japão. Até esse momento, embora evoluindo no alinhamento das teses Aliadas, a opinião pública norte-americana opunha-se à intervenção na guerra fora de portas.
-(2)-As democracias não são capazes de travar uma guerra com moderação, o que resulta da necessidade de persuadir a opinião pública e de mobilizar os entusiasmos, e está na origem tanto da diabolização do inimigo, como do recurso a grandes simplificações para definir o que está em jogo num conflito.
Em Agosto de 1914, as tropas francesas, britânicas e alemãs partiram para a frente de batalha no meio de um entusiasmo delirante, no que foi considerado o primeiro exemplo da mobilização em massa dos ódios nacionalistas. Wilson inverteu custosamente essa situação inicial, confirmando a segunda proposição, quando procurou legitimar a tardia intervenção norte-americana na I Guerra, em nome de uma paz democrática. Os Estados Unidos não se propunham defender os interesses estratégicos de nenhuma das partes, mas defender apenas a causa da Democracia e Liberdade, pois só a democracia podia garantir que a guerra entre as potências nunca mais se repitiria!
De certa maneira, a fórmula do Presidente Wilson, que definia a a I Guerra Mundial como a última grande guerra, a war to end all wars, ainda era mais excessiva do que a expressão primária das teses da superioridade nacional dos beligerantes da velha Europa.
-(a)-A imoderação tem consequências.
Pode reconhecer-se em Hitler, a autoria das caricaturas assassinas do Kaiser publicadas na imprensa francesa e britânica entre as duas guerras.
Após 1945, o exemplo de Hitler tornou-se num ritual necessário, quando as democracias começaram a preparar a opinião pública, antes de iniciar uma guerra.
Foi assim em 1956, com os anglo-britânicos perante Nasser antes da Guerra do Suez, com os americanos perante Saddam Hussein antes e depois da invasão do Iraque, e o paralelo de Bush entre o Presidente Iraniano e o Führer anuncia uma ameaça que deve ser tomada a sério.
-(3)-As democracias têm uma enorme dificuldade em terminar uma guerra.
Raymond Aron, insistiu nesse ponto, para explicar os mecanismos da guerra total, que exige uma vitória total e torna quase impossível a condução racional da guerra, vejam-se as guerras da Coreia, Vietname, Afeganistão e Iraque.
A propaganda nacionalista na I Guerra tornou-se cada vez mais radical com o massacre das trincheiras, as dificuldades crescentes para garantir a unidade nacional e a motivação da sociedade para o esforço de guerra e, pouco a pouco, os argumentos mobilizacionais tomaram o lugar da definição dos objectivos de guerra. Todas as tentativas de mediação durante a I Guerra Mundial fracassaram, porque a diplomacia era impossível quando a opinião pública exigia a vitória total.
No mesmo sentido, a posição que os Aliados tomaram, em 1942, sobre a rendição incondicional da Alemanha Nazi, limitou as possibilidades de um desfecho alternativo, desde logo porque anulou a legitimidade de todas as tentativas de golpe militar alemão contra o partido nazi, ou de contactos diplomáticos com o inimigo. A opinião pública reclamava a destruição total do nazismo, que acabou por se tornar inseparável da destruição e da rendição incondicional da Alemanha.
CONTINUA















EM PROL DA LIBERDADE

-A OPINIÃO PÚBLICA
-O CONTROLO DA OPINIÃO
-A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
-A PUBLICIDADE E SONDAGENS
-A DEFESA COLETIVA
-A PUBLICIDADE E PROPAGANDA

Fleming de OLiveira



(IX)
O post-guerra fria e o 11 de Setembro parecem confirmar estas três proposições.
Desde logo, a revelação do terrorismo cego e sem limites, tornou irrelevantes as visões sobre o advento da civilização kantiana e impõe a cruel realidade da persistência do paradigma schmittiano, onde as questões da guerra e da paz são incontornáveis, tanto para as democracias, como para as autocracias.
Por outro lado, demonstra como é necessário um choque brutal, para mudar a opinião pública que impôs uma estratégia de resposta e está preparada para aceitar os seus custos elevados, eventualmente com recurso a armas de destruição massiça, e assegurar a defesa do, nosso, território.
No sentido oposto, a oposição de uma parte importante da opinião pública, europeia, às intervenções militares norte-americanas mostra a permanência dos reflexos do apaziguamento e da vontade de evitar confrontar a ameaça terrorista. Após o 11 de Setembro, a diabolização do inimigo, as ilusões sobre o entusiasmo dos iraquianos perante a libertação da tirania de Saddam Hussein ou as tentativas de transformar a guerra contra o terrorismo numa IV Guerra Mundial, confirmam a permanência dos excessos democráticos.
O envolvimento politico e estratégico da Administração Bush na crise do Médio Oriente foi tão profundo que uma retirada militar americana do Iraque só é possível, sem consequências desastrosas, inclusive eleitorais, se e quando existirem condições no terreno que assegurem a credibilidade de democratização ou, no mínimo, de uma capacidade de sobrevivência autónoma do regime instalado em nome da necessidade de mudar o regime de Saddam Hussein.
Nem mesmo os mais incautos contestam que a força da comunicação social, não por acaso denominada Quarto Poder, é hoje muito mais que um mero instrumento na formação da opinião pública, onde, por exemplo, se decide o combate político.
Aqui chegados, temos duas figuras que convivem uma com a outra e que operam no mesmo espaço da comunicação, lato sensu, pese embora, serem distintas e se regerem por diferentes códigos.
Sucintamente, poder-se-á dizer que a opinião dos diferentes públicos, é baseada na consciência individual, crença, formação e mundividência de cada fazedor de opinião.
Por outro lado, temos os profissionais da comunicação, os jornalistas, que têm um código de ética e de deontologia próprios, um estatuto e uma carteira profissional.
Se os jornalistas já detiveram o monopólio de intervenção e influência da opinião pública, presentemente esse domínio já não é tão avassalador. Constatam-se os fazedores amadores de opinião nos jornais, televisões, rádios e internet. Não raras vezes, temos jornalistas que também opinam, e salvo excepções indevidamente no cumprimento das regras profissionais. Por oposição, também se pode verificar a assumpção clara e inequívoca de uma determinada posição do jornalista, em determinada matéria.
Por exemplo, a linha editorial e da redacção da Rádio Renascença no recente referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. É, salvo melhor opinião, contra-natura, um fazedor de opinião querer-se fazer passar por jornalista.
Em regra além de não estarem habilitados profissionalmente, apregoam independência, isenção e autonomia dos poderes e instituições, e em simultâneo defendem quantas vezes de modo perigosamente faccioso e irracional, o que mais lhes convém e a quem servem.
Mas o que me importa realçar, é que cada um se assuma no seu papel, seja como jornalista abraçando e respeitando todos os critérios inerentes à profissão, seja como fazedor de opinião, como disse recentemente um jornalista sem quaisquer complexos no enaltecer e propagandear a sua causa, ignorando ou criticando causas alheias. Mas sempre, assumindo-se clara e frontalmente quer uns, quer outros.
A arte de convencer pela palavra, é muito antiga.
Remonta ao Tribunal ou ao Areópago.
Na sua forma moderna, a propaganda política foi muito desenvolvida pelo nazismo, bolchevismo e neste por Lenine e Trotsky. Mas antes deles, líderes houve que reconheceram sua importância. Napoleão Bonaparte, disse que para ser justo, não é suficiente fazer o bem, é igualmente necessário que os administrados estejam convencidos. A força fundamenta-se na opinião. Que é o governo? Nada, se não dispuser da Opinião Pública.
Mas foram Hitler e Goebbels que utilizaram com grande sucesso as técnicas de controle da opinião pública e, assim, acabaram dando enorme contribuição à Propaganda Política moderna. Em Portugal, o Secretariado da Propaganda e António Ferro tentaram estes objectivos.
Qual a diferença, então, entre Propaganda e Publicidade? Há quem responda como a minha Filha Paula que a Publicidade suscita necessidades ou preferências visando a determinado produto particular, enquanto a propaganda sugere ou impõe crenças e reflexos que, amiúde, modificam o comportamento, o psiquismo e mesmo as convicções religiosas, políticas ou filosóficas. Capacidade de influenciar somado ao desinteresse pelo conteúdo dos programas, é a fórmula ideal para o controle da Opinião Pública.
A partir do momento que se percebeu que o homem médio é um ser altamente influenciável, e que é possível mudar-lhe a opinião e as ideias, os especialistas passaram a utilizar em matéria política o que já se verificara viável do ponto de vista comercial. Assim, as campanhas político-eleitorais com os seus desfiles, caravanas, concertos mudicais, girls e cartazes, pouco diferem das campanhas publicitárias de um supermercado.
Os poderes destrutivos contidos nos sentimentos e ressentimentos humanos podem ser utilizados, manipulados por especialistas. E para isso são utilizadas leis específicas.
Como?
Concentrar sobre uma única pessoa as esperanças do grupo a que se pertence ou o ódio pelo adverso. Reduzir a luta política, por exemplo, à rivalidade entre pessoas é substituir a difícil confrontação de teses. No nazismo, os judeus acabaram eleitos como o inimigo a abater. Ampliar exageradamente as notícias é um processo jornalístico empregado por vezes, que coloca em evidência todas as informações favoráveis aos objectivos. A primeira condição para uma boa propaganda é a infatigável repetição dos temas principais.
Goebbels dizia que a Igreja Católica mantém-se porque repete a mesma coisa há dois mil anos. O Estado nacional-socialista deve agir analogamente.
Adolf Hitler, em Mein Kampf, escreveu que a propaganda deve limitar-se a pequeno número de ideias e repeti-las incansavelmente. As massas não se lembrarão das ideias mais simples, a menos que sejam repetidas centenas de vezes. As alterações introduzidas não devem jamais prejudicar o fundo dos ensinamentos a cuja difusão se propõe, mas apenas a forma. A palavra de ordem deve ser apresentada sob diferentes aspectos, embora sempre figurando, condensada, numa fórmula invariável, à maneira de conclusão.
A qualidade de uma boa campanha de propaganda, passa pela permanência do tema, aliada à variedade de apresentação. A propaganda não se faz do nada e impõe-se às massas. Ela sempre age, em geral, sobre um substrato preexistente, seja a mitologia nacional, o simples complexo de ódios e de preconceitos tradicionais. É o que os oradores fazem quando querem amoldar uma multidão ao seu objectivo. Jamais contradizem frontalmente as pessoas, e de início declararam-se de acordo com elas.
A grande preocupação dos propagandistas reside na identificação e na exploração do gosto popular, mesmo naquilo que tem de mais perturbador e absurdo. A unanimidade baseia-se no facto de que inúmeras opiniões não passarem, da soma do conformismo, e se mantêm apenas por o indivíduo ter a impressão de que a sua opinião é assumida pelos demais. É tarefa da Propaganda reforçar essa sugestão e se necessário criá-la artificialmente. É preciso que as pessoas conheçam os mecanismos de Controlo de Opinião. Principalmente os profissionais de comunicação, para que não entrem nesse círculo vicioso de manipulação e façam jornalismo ético e responsável.



FLEMING DE OLIVEIRA
(em 2007)