quinta-feira, 28 de junho de 2012

Caminhos Vicinais, atravessadouros e outros...




Veio a JF de Évora de Alcobaça (JFEvA), por ofício datado de 17/Jan/2012, solicitar à CMA, para corresponder à insistência/pressão do sr. José Manuel Gameiro Valério no sentido de, o ora signatário (FLeming de OLiveira), poder intervir junto de um processo de obstrução de um caminho público (sito em Tapada Nova-Redondas, cujo acesso está impedido por cancelas e outros instrumentos), cujo processo é do conhecimento total do Sr. Vereador José Vinagre.
Entregue o assunto ao ora signatário, pelo Sr. Vereador Vinagre, foi decidido ouvir o Presidente da JFEvA, bem como o Sr. Mateus Bento Marques, a quem é imputada a referida obstrução.
Este último não acedeu, nem deu resposta à solicitação (por escrito) de reunir com o ora signatário no seu escritório, no dia 21 do corrente pelas 15h, salvo se preferisse outra data/hora, ao invés do que aconteceu no dia 19 com o Presidente da JFEvA.

O caso em apreço não é especialmente original (pelo menos em termos teóricos), mas nem por de mais fácil tratamento/enquadramento/solução final.
Analizando os elementos colhidos (verbalmente) através do Sr. Joaquim Marques Pego (JFEvA) e da consulta dos documentos constantes do dossier facultado pela CMA, podemos enquadrar o caso em apreço (embora nunca em definitivo) nos termos que se seguem, para depois se extrairem as devidas consequências/conclusões.
-1)-Embora seja e continue a ser matéria tradicionalmente controversa na doutrina e na jurisprudência nacionais, deverão considerar-se como públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, se encontram no uso direto e imediato do público em geral (não apenas os fregueses/vizinhos).
-2)-Consideram-se tempos imemoriais, os que são anteriores à memória das pessoas vivas, enfim, quando ninguém, por mais idoso que seja, se recorda da origem desse uso, porque sempre todos se recordam de o ter usado e por ali passado.
-a’)-Por outro lado, a imemorialidade do uso só se verificará se a autoridade competente (neste caso a JFEvA) conseguir provar que o começo do uso direto e imediato pelo público, não é da memória dos vivos.
-3)-Convém salientar, liminarmente, que a natureza de um caminho, público ou privado, é uma realidade muitas vezes algo inconstante, pois que se pode alterar no tempo, consoante o uso e as necessidades das respetivas populações que dele se servem.
-a’)-Esta constatação não é dispicienda, eventualmente para análise do nosso caso.
-b’)-A Informação proveniente do Gabinete da Fiscalização (Municipal) datado de 6 de Junho de 1012, da autoria do Sr. António Cruz, consigna numa escrita, tecnicamente  imprecisa que, o sr. Mateus Bento Marques colocou novamente a cancela e vedação na entrada do percurso da serventia e que este está a obstruir a passagem de peões pela referida serventia de pé posto, junto à sua habitação…
-c’)-Por sua vez a Informação, (sem data, do sr Paulo Gonçalves-SIG), começa por se referir apenas a um caminho, sendo que depois salienta que o caminho em questão encontra-se representado na Carta do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica, o que presupõe o seu carácter público vicinal.
-d’)-Para chegar a esta conclusão/pressuposição (salvo o devido respeito não correta, mas sempre elidível), invoca o seu autor ainda a Cartografia, Caderneta Predial do prédio usufruído em comodato pelo reclamante Valério e uma escritura de alenação de 6/Mar/1981
-e’)-Todavia, reconhece (e bem) que a definição jurídica do caminho (não obstante a dita pressuposição…), cabe apenas e em definitivo aos Tribunais Judiciais (nunca p.e. a GNR da Benedita… como por sua vez supõe erradamente o Sr. J. Valério), pelo que assim sendo resulta inconclusiva e em aberto, não relevando, salvo melhor opinião, a Informação do mesmo Sr. Paulo Gonçalves-SIG (doc.1), a incompetente certidão de 27/Jan/2011 (doc.2), ainda da autoria do Sr. Lucas, ao atribuir-lhe a qualidade de caminho público vicinal, que configura Usurpação de Poderes.
-f’)-Existe usurpação de poderes, quando um órgão da Administração pratica um acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou do poder judicial (cfr, FREITAS DO AMARAL, in Direito Administrativo, III VOL, pag 295.
O vício de usurpação de poderes, caracteriza-se pela violação do princípio constitucional da reserva de jurisdição, consagrado no art. 202º da CRP..
-g’)-Existirá tal vício, se o acto administrativo houver sido praticado, tão só, para composição de um conflito de interesses de terceiros, com o único escopo de realização do direito.
-4)-O uso dado aos caminhos, públicos ou privados, pela generalidade da população ou apenas por algumas pessoas, tem levado a que por via da usucapião e consequente afetação ou desafetação ao domínio público (seja por ato administrativo ou tacitamente) haja caminhos que, sendo inicialmente privados, passam a públicos e vice-versa.
-a’)-Não pudemos apurar se ou como aqui se enquadra o caminho em questão, pois não resulta dos documentos facultados e/ou das não abundantes informações do Sr. Presidente da JFEvA.
-5)-O DL 169/99, de 18 de Setembro, definiu, como se sabe bem, as competências dos Municípios e Freguesias, consignando o artº 34º/1/e), assim que uma JF, como a de Évora de Alcobaça, tem poderes de administração e conservação do património da Freguesia, onde se incluem, implícita e naturalmente, os caminhos publicos vicinais (se ou quando assim o forem…devidamente reputados).
-a’)-O artº 15º do DL 280/2007, prevê que as entidades titulares de bens afetos ao domínio público (eventualmente a referida JFEvA) disponham de poderes de uso, administração, tutela, defesa.
-6)-Ainda que sejam possíveis outras opiniões quanto à vigência ou não do DL 34593, entendemos também, que compete à JF (eventualmente a JFEvA) a administração dos caminhos públicos vicinais (se ou quando assim forem bem/indiscutivelmente classificados).
-a’)-Além dos preceitos legais supra indicados, dispõe também nesse sentido o artº253º/10 do Cod. Adm. (não totalmente revogado e, em parte, em vigor) que diz
-b’)-Sobre a construção, conservação e reparação dos caminhos (públicos) que não estejam a cargo das Câmaras Municipais;
7)-O poder/dever de (boa) administração dos caminhos (efetivamente públicos) vicinais, inclui a sua conservação e manutenção, compreendendo os trabalhos necessários à existência de condições de circulação e características funcionais, tendo em nota a sua especial vocação pública de ligação, trânsito ou acesso rural.
-8)-A obrigatoriedade de manutenção e conservação dos caminhos vicinais aplica-se aos caminhos que tenham aquela natureza (se efetivamente o forem incontroversamente), independentemente de implicarem um percurso de maior ou menor distância até um destino.
-9)-Um critério, que tem dominado o entendimento maioritário da nossa Jurisprudência, ainda que portanto esta não seja unânime, resulta do Assento do STJ, de 19 de Abril de 1989, que fixou, à data com força obrigatória geral e presentemente apenas com valor de uniformização de Jurisprudência que são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso direto e imediato do público.
-10)-Para que um caminho seja pois considerado como público deverá, insiste-se destinar-se ao uso do público, de todas as pessoas, vizinhos ou não, portanto sem restrição e desde tempos imemoriais, mais longe que a memória de alguém.
-a’)-O caminho considerar-se-á afeto ao domínio público quando a administração pratique sobre ele atos de jurisdição administrativa.
-b’)-Desconhecemos se a JFEvA praticou alguns atos quais, onde e quando.
-c’)-O “interessado” Valério faz confusão na qualificação do caminho que reclama obstruído, cfr. sua exposição de 9/Jun/2011 onde o define como serventia…
-11)-Quanto aos caminhos vicinais, não obstante integrarem a natureza de caminhos públicos, constituem ligações de interesse local secundário (por contraposição com os caminhos municipais), vocacionadas para o trânsito rural, sendo, por isso, também conhecidos por caminhos rurais.
-12)-Nos termos do artigo 17º/1/r), da Lei nº 169/99, na redacção atualizada pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro,
sem prejuizo do supra referido a Assembleia de Freguesia (AF) implicitamente tem competência para se pronunciar e deliberar, por iniciativa própria ou a solicitação da JF, sobre a natureza do caminho em causa, nomeadamente, se for o caso, reconhecendo e declarando que o mesmo é um caminho público (vicinal), sem prejuizo da função resrvada aos Tribunais Judiciais. 
-13)-A omissão por parte de uma JF das respetivas competências de administração, conservação e manutenção dos caminhos vicinais, pode no limite ser considerada violação de dever de zelo e constitui-la em responsabilidade indemnizatória pelos danos resultantes, nos termos gerais de direito.
-a’)-Mas isto pressupõe, naturalmente, um conjunto de dados que cumpre assegurar e que não confirmamos através da JFEvA.
-14)-A JF (seja ela qual for) apenas ficará isenta da obrigação de conservação e manutenção de um caminho vicinal através da sua desafetação do domínio público, mediante decisão/parecer/conselho tomada pela AF, sob proposta da JF por constatação da desafetação da sua utilidade pública, nos termos do artº. 17º/r) da Lei nº 169/99 e do artº. 17º do DL 280/2007
-a’)-Quando sejam desafectados das utilidades que justificam a sujeição ao regime da dominialidade, os imóveis deixam de integrar o domínio público, ingressando no domínio privado do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais.  
-b’)-No caso que apreciamos, não houve desafetação formal, nem é líquida a natureza pública do caminho, como temos salientado.
-15)-A competência para realização de obras de conservação e manutenção num caminho vicinal (se e quando o for) é exclusiva da JF.
-a’)-Não pode, neste entendimento, um particular realizar essas obras, sem as estabelecer previamente com a JF (não com o Município) e fazer-lhe a respetiva comunicação.
-16)-Os caminhos públicos podem, como vimos, deixar de estar afetados ao domínio público, ainda que tacitamente, se por razões de desnecessidade (que não de impossibilidade física ou legal) deixarem de ser usados por todos para relevantes fins de utilidade pública.
-17)-A prática continuada de actos de afetação não pública (privada e que excluam o uso de todos) por parte de um particular, poderá implicar a desafetação tácita do domínio público (passagem ao património privado da autarquia) e a sua eventual aquisição por usucapião.
-18)-A colocação de portões ou outros obstáculos num caminho vicinal que obste à sua utilização pelo público em geral, constitui um ato ilegítimo de turbação, ou mesmo  esbulho.
-19)-De acordo com o artº. 21º do DL 280/2007 a JF (em caso que não suscite dúvidas) deve ordenar aos particulares que cessem quaisquer comportamentos em caminhos vicinais (cuja natureza não suscite dúvidas) que sejam considerados abusivos, não titulados ou que lesem ou impeçam a fruição indiscriminada e não arbitrária do caminho por todos (como sucede com a colocação de portões ou outros obstáculos), e que reponham a situação.
-20)-Perante uma situação concreta de conflito relativa ao direito de propriedade e à utilização de um caminho ou
passagem por parte da população, cabe aos tribunais judiciais, determinar a natureza jurídica da situação em causa, nomeadamente, esclarecendo se se trata de uma servidão legal de passagem ou de um caminho, e, neste caso, decidir em último termo sobre a sua natureza pública ou particular.
-a’)-Neste entendimento, insere-se a Jurisprudência conhecida, destacando-se o longínquo e indesmentido (válido) Acórdão do STJ, de 5 de Junho de 1942, onde se determinou que os Tribunais comuns são os competentes para decidir sobre a natureza dos caminhos, sobre se são ou não são particulares.
-b’)-É apenas no âmbito dos Tribunais Judiciais que a JF poderá reclamar (querendo) a qualificação do caminho em causa como vicinal, tentar fazer valer os consequentes direitos a manter a sua administração a circulação por parte da população em geral onde se inclui o Sr. Valério.

Seguidamente referiremos/enquadraremos algumas situações relacionadas com a matéria aqui em apreço.
a)-Caminho:
consiste numa via que as pessoas utilizam para ir de uma localidade para outra, duma povoação para os campos que amanham, quando por lá se têm de fazer e se fazem determinados percursos.
a’)-Os caminhos particulares, como decorre da sua designação, são propriedade de pessoas e destinados, pela sua natureza privada, ao usufruto dos seus legítimos possuidores ou por terceiros, desde que, neste caso, com o consentimento daqueles (aqui se contando os atravessadouros e as servidões legais  de passagem).
b’)-Por isto se disse que são tecnicamemente imprecisos (se não contraditórios) os termos utilizados pela Fiscalização Municipal ou o interessado Valério, o que não valoriza a sua utilização em ternos judiciais.
b)-Os atravessadouros:
constituem-se como a ligação entre caminhos públicos, através de uma propriedade privada, aparecendo também designados como atalhos e visando primacialmente o encurtamento de distâncias.
 a’)-O artº. 1383.º do CC, aboliu os atravessadouros, e assim 
consideram-se abolidos os atravessadouros, por mais antigos que sejam, desde que não se mostrem estabelecidos em proveito de prédios determinados, constituindo servidões, deixando estes de merecer tutela legal, salvo situações excecionais (cada vez mais raras), como quando se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade, enquanto não existirem vias públicas destinadas à utilização ou aproveitamento de uma ou outra, bem como os admitidos em legislação especial, cfr artº. 1384º do CC.
b’)-Desconhecemos se o caminho que se analisa se pode integrar na qualificação de (antigo) atravessadouro.
c’)-Quando um caminho particular (cujo leito é propriedade privada e não pública) passa por um prédio particular e se consubstancia num poder conferido ao proprietário de um prédio encravado de aceder à via pública, estamos perante uma servidão legal de passagem, cujo regime jurídico está previsto no artº. 1547º e ss. do CC.
d’)-Nas servidões de passagem o seu uso não é extensível a todos, como sucede nos caminhos públicos, mas apenas aos que se encontram em condições de delas beneficiar (prédios dominantes encravados).
c)-Atalho:
é uma via que encurta um percurso que as pessoas utilizam para um pequeno percurso em substituição dum percurso menos curto.
a’)-Atalho e atravessadouro são noções suscetíveis de confusão.
d)-Servidões (legais) de passagem:
são pois constituídas sobre prédios rústicos, nos termos do art. 1550º do C.C, apenas em benefício dos proprietários de prédios vizinhos que não tenham comunicação com a via pública, mas que nunca faz delas caminhos públicos.


EM CONCLUSÃO:




-a)-Desconhecemos, (nesta fase), face aos elementos disponíveis (dossier da CMA e reunião com o Presidente da JFEvA) se, efetivamente, se trata de caminho público (eventualmente atravessadouro), conforme pretende o queixoso/particular (Valério), e se a atuação/obstrução do proprietário denunciado (Bento Marques) é, ou não, legítima.
-a’-Isto é, entre o mais, as caracteristicas físicas do caminho, bem como os objetivos da sua constituição (imemorial) bem como o uso e manutenção que lhe tem sido conferido ao longo dos anos.
-b)-Desconhecemos se a JFEvA está disponível para acionar judicialmente o Sr. Valério, sabendo que tem necessariamente de assumir/provar (documental e testemunhalmente) a sua legitimidade, a natureza de caminho público vicinal, correndo o risco de o não conseguir, pelo menos de acordo com os elementos que neste momento dispõe.
-a’)-Assim, reputamos ser útil uma intervenção prévia da AFEvA, por iniciativa própria ou a solicitação da JFEvA  para se pronunciar e deliberar sobre a matéria.
-b’)-Esta iniciativa teria especial relevância pois implicaria um exaustivo levantamento da situação e poderia sr útil em termos probatórios/judiciais.
-c)-De fato, o quadro legal acima exposto, relativamente à temática dos caminhos vicinais, legitima, por parte da AF, por iniciativa própria ou por solicitação da Junta, uma tomada de posição que reconhecesse ao caminho em questão a qualidade de caminho vicinal,
sem prejuízo da competência dos Tribunais Judiciais, como sempre temos salientado.

Informo que estou totalmente disponível como sempre e sem reservas para continuar a acompanhar este assunto, não obstante o meu contrato de prestação de serviços ser apenas com o Município de Alcobaça, pelo que aguardo instruções do Sr. Presidente da CMA que se reputem adequadas.

Sem comentários: