segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Casamento por "amor" ou conveniência? - Fleming de Oliveira




CASAMENTO POR “AMOR” OU CONVENIÊNCIA?

Fleming de OLiveira


Creio poder dizer que o casamento por “amor”, assumiu uma prática corrente no Ocidente, ao ponto de Paulo XI, há bastantes anos poder falar da “civilização do amor”.
Mas será que, nos tempos que correm, as pessoas se “amam” mais que no antigamente? Acho que não, embora tenham sido derrubadas certas barreiras contra as quais se esgrimiam, em vão, moralistas, escritores e filósofos. Sim, a do dinheiro, mais associada à profissão e do que à herança. Os casamentos constroem-se mais sobre redes de interesses, do que bases financeiras. O futuro do novo casal já não assenta tanto no património familiar, mas nos recursos pessoais, em grande medida, nas estruturas da sociedade, como a instrução ou garantias sociais.
Podemos, pois, inferir que o “amor” já não se subordina aos antigos imperativos?
Há que ter em conta essa espantosa libertação que foi a descoberta da contraceção eficaz. Os autores cristãos foram os primeiros a reconhece-lo. Admito que o “Nono Mandamento” (que proibe a concupiscência carnal), se justificava, em parte, pelo facto de a relação sexual comportar o risco de um filho, impondo uma família de acolhimento. A partir do momento em que esse risco diminuiu, pelo menos em certas camadas sociais do nosso Portugal, novos valores nasceram, e o casamento assente no “amor”, superou o casamento decorrente de um caso social. Um sacerdote, das minhas relações, é de opinião que “se assistiu a uma deslocação do sagrado. O que importa, hoje, é o amor entre as pessoas”.
Os progressos da contraceção, tiveram outras consequências, como a desculpabilização, facilitação, da sexualidade precoce e a emancipação da mulher, fenómenos que não deixaram de se repercutir no casamento, nomeadamente no casamento por “amor”. O casamento deixou de ser a promoção, possível, para as mulheres que se queriam furtar à condição de “tias solteironas”, enquanto que para o homem já não é necessariamente a única forma socialmente aceitável de satisfazer as necessidades sexuais.
Queremos com isto concluir que o casamento “arranjado” não existe mais?
Claro que não, conheço um ou dois casos… Afirmá-lo seria errado pois, mesmo quando a autorização dos pais já não é necessária, após a maioridade, as pressões, nomeadamente financeiras, continuam a ser correntes e, se não podem influir no casamento, podem propiciar os “encontros”.
Há sociólogos que distinguem as sociedades onde o estatuto é “conseguido” e sociedades em que é “conferido”. Nas primeiras, o indivíduo abre o caminho por si, a “pulso”, alcandorando-se à posição a que os seus talentos o permitem. Nas outras, fica como que atado por um conjunto de “cordelinhos”, a que se poderia chamar família, casta, comunidade ou costume… Numa sociedade moderna, o indivíduo situa-se geralmente numa única relação com aqueles com quem contacta. A sua relação com a mulher ou com os amigos é quase sempre diferente da que resulta do trato profissional com colegas, clientes ou empregados.
Há, sem dúvida, um ambiguidade no “amor” (inclusivamente no uso de expressão) dos nossos dias. O amor da costureirinha da Canção de Lisboa, das rádios ou fotonovelas, foi rejeitado por jovens, não necessariamente universitários ou urbanos, que deixaram de acreditar nele, reduzido que era a pulsões sexuais. Numa época em que, primeira vez na História, as condições materiais pareciam asseguradas para o seu triunfo, tornou-se o grande excluido da literatura e arte, que se pretendem sérias.            
Nessa ambiguidade o “amor” não é o que se sente, mas o que se “faz” e, em determinados contextos, é mais compensador “fazer amor” do que “produzir um sentimento”.
“Amo-te”, é uma expressão muito difícil de pronunciar como, aliás, muitos casais (marido e mulher…) sabem.
Pudor? Medo? Exigência excessiva?
Na época em que o casamento por “amor” vem assumindo a forma corrente, a palavra e o sentimento produzem, todavia, um estranho mal-estar. Se for possível escapar-lhe, racionalizando-o, enumerando critérios, como um pequeno anúncio, e persuadindo de que a união de temperamentos bem combinados é sensata, isso alivia a consciência do casal “enamorado”. Apesar das aparências, estamos mais próximos do “amor ponderado” (de Molière), do que da grande paixão romântica. Quanto à Igreja, que há séculos hesitava em reconhecer o “amor” como uma razão válida, determinante, para casamento, já não valoriza outra, pois com o casamento mostra-se à família, aos amigos e a Deus, que o “amor” é tão importante que se decidiu guardá-lo para os cônjuges. O “estado de graça”, a “comunhão” entre os esposos não é o auge do “amor”. Veementemente contrária ao divórcio, a Igreja continua a viver o fantasma da paixão ardente, como um “fogacho” e que se apaga finda a lua-de-mel.
Não, não se trata de gerir o “amor” como uma conta bancária, é preciso aprender a inscrevê-lo no tempo, sendo este o sentido da indissolubilidade do matrimónio que continua a ser a doutrina oficial. Quando a Igreja fala do “amor” para sempre, não pretende fazer crer que ele permanece, tal qual, ao longo dos anos.
Apesar do novo Catecismo, as associações cristãs parecem identificar, entre os fins do casamento, o primeiro lugar ao “amor” e depois à fecundidade. O amor-paixão, o do “fogacho”, que antigamente excluía o tempo, é o que agora está valorizado no casamento e numa longa vida em comum. O “amor” conjugal, nascido da coabitação, é recusado aos que estão ávidos de uma felicidade imediata. Talvez seja este na atualidade o grande desafio do “casamento por amor”, pois prolongada a esperança de vida estima-se que um casal partilhe, em média, cinquenta anos. Não sendo já o desejo de ter filhos o primeiro objetivo do casamento, há que “inventar” outros motivos para inserir o “amor” no tempo. Ora, o que muitas vezes o motivou, a beleza ou a juventude, é efémero. As situações alteram-se cada vez mais depressa e raros são os que podem por exemplo conservar durante toda a vida o mesmo trabalho e até a mesma casa.
Logo, há crises que têm de ser atravessadas para as quais a reflexão tradicional sobre o casamento não havia encontrado resposta. O divórcio constitui uma resposta muito fácil para elas. O “casamento por amor”, é cada vez menos um ato impulsivo para ser  um estado, uma construção em comum que é preciso aprender a consolidar.




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