quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Fleming de Oliveira e os "trocados do tempo"

OS “TROCADOS DO TEMPO”

FLeming de OLiveira

O tempo e as marés não esperam.
Talvez não, mas todos esperamos por homens e mulheres, por crianças e coisas boas. Esperamos em grupo ou sozinhos, para ir a algum lugar ou voltar a casa.
E o que é que a maioria das pessoas faz, enquanto espera?
Nada!
Isto levou-me a pensar na magna questão da ocupação do tempo, pelo que decidi ser altura de aprender a “tomar a devida conta” do meu tempo.  Nunca admiti deitar fora os “trocados” que se acumulam no bolso, ainda que de pequeno valor. Mas como quase todos, desperdiço os “trocados do tempo”, cinco minutos aqui, um quarto de hora acolá, que se juntam sem grande critério no decorrer do dia. Acho que, só na espera de entrar para uma audiência de julgamento, desperdicei não sei quanto meses ou anos de vida.
No início do meu propósito, comecei diligentemente a tomar nota, escrita, da utilização do tempo.
Fiquei surpreso quando notei que estava a retornar a uma pessoa que escreve cartas. Não cartas aos velhos amigos, com quem sempre mantive contacto, mas mesmo notas impulsivas. Fui ao ponto de escrever mensagens de apoio ou até repúdio aos nossos autarcas municipais.
Muito orgulhoso, comecei a vangloriar-me, aqui e ali, sobre a minha esperteza, em utilizar os “trocados do tempo”, mas em breve descobri, como acontece aos fanfarrões, que não passava de um simples amador. Outros já tinham descoberto que há maneiras muito mais engenhosas e eficazes de ocupar os “retalhos do tempo”.
A Luísa, uma amiga da minha Mulher tem, sempre, à mão um papel para fazer a lista das compras. Leva também um outro para não esquecer as que não deve comprar. Tem ainda uma lista dos presentes que os parentes, amigos ou conhecidos casualmente mencionam que gostariam de receber. 
Na primavera passada, o Jorge, seu marido, tinha exclamado, no auge da frustração ao pegar numa mangueira que se encontrava entupida, que o mais que queria na vida era “o raio de uma mangueira nova”. Ela anotou isso, esperando garantir-lhe um presente de “sucesso” no Natal e não percebeu a razão porque o marido ficou mais perplexo do que aborrecido, ao receber uma mangueira em pleno inverno.
A vizinha do andar de baixo, contou-me que a sua vida tinha sido invadida e modificada pela “terapia”. Duas vezes, por semana, era obrigada a esperar meia hora ou mais, enquanto a filha fazia exercícios na Clínica das Brancas para recuperar de uma perna partida. Ela começou, então, a tratar de fazer uma toalha de mesa que requeria não sei quantas margaridas brancas e amarelas. Já passou das duzentas e calcula que, no Natal, a família possa utilizar a toalha.
Inspirado por estes casos de sucesso, fui à minha secretária de trabalho e comecei a arrumar o tampo e gavetas, de modo a poder utilizá-la como sugere, “desesperadamente”, a minha empregada. Neste momento, tenho uma gaveta cheia de apontamentos de coisas que gostaria de ter feito ou fazer, desde que casei. Entre elas, encontrei uma relação das frases bombásticas que, de vez em quando, pensava utilizar na minha atividade profissional e que cheguei a sugerir, aliás sem sucesso, ao meu genro advogado Luís Nuno.
A minha Mulher, alegadamente para me “adoçar” o feitio, elaborou um livrinho com o bombástico titulo “Guia para Bons Petiscos”.
O resultado foi ter ganho mais uns centímetros na cintura, ter de comprar calças no out-let, mas na verdade ando mesmo mais bem-disposto.
Um dia destes, fui almoçar com um amigo. À sobremesa enfiou a mão no bolso do casaco e retirou um papel no qual, como me esclareceu, apontara as brincadeiras que tinha previsto para a festa de aniversário da filha de 12 anos. E comentou que “falta apenas uma brincadeira para terminar este apontamento e há uma semana que estou a trabalhar nisto”.
À medida que caminhamos pela vida, a tendência é ocupar os momentos intermediários das pessoas que amamos e nas coisas que gostaríamos de fazer por elas.
Caro leitor, experimente fazer transformar o “pensar” nas pessoas que se amam, em “fazer” algo por elas, ao invés de “esperar” que algo aconteça.
É muito mais divertido e útil “fazer” as coisas acontecerem.

Quando vim viver para Alcobaça, há mais de quarenta anos, encontrei nos Montes uma menina com cerca de dez anos que acompanhava a mãe nos trabalhos da apanha da fruta. Num momento de descanso, perguntei-lhe o que ela ia fazer mais nesse período de férias escolares. “Ficas com mais tempo para os trabalhos de casa ou para ajudar os pais?”
Ela olhou para mim e respondeu que “Eu não preciso de mais tempo para os trabalhos de casa. Sou a criança mais inteligente e aplicada na minha classe”.
Eu tinha já ouvido dizer que isso era verdade e provoquei-a. “Muito bem manina esperta, o que vais fazer com esse tempo de sobra?” Ela, olhou para mim: “Vou tentar brincar e não mais vir para aqui “.
A resposta impressionou-me, não mais a esqueci, porque as crianças não deviam estar sobrecarregadas com tarefas, deveriam estar a brincar.

É nisso que os meus filhos pensavam, os meus netos pensam e é nisso que as demais crianças deviam pensar. 

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