sexta-feira, 18 de setembro de 2020

EM QUE SE TRATA DE GAMBUZINOS E PÃO

 

EM QUE SE TRATA DE GAMBUZINOS E PÃO

 

 

 

1)-Francisco (Chico), gosta de contar a partida da caça aos gambuzinos que, há perto de setenta anos, pregou ao primo Tó, ambos com uns oito ou nove anos que, recém-chegado de Lisboa, veio passar as férias de Verão perto de Alcobaça, em casa dos avós. Não sabendo o que eram os gambuzinos, Tó na sua ingenuidade citadina imaginava serem uma espécie de mistura entre um pirilampo e um ouriço-cacheiro. Chico começou por dizer ao primo que a caça aos gambuzinos é rigorosamente proibida pela GNR, pelo que o não podia contar a alguém. Assim, logo depois do jantar, algo excitados, foram para o campo, onde procuraram árvores com tocas, buracos no solo ou buracos nas rochas. O pobre rapaz, acabou por ficar umas duas ou três horas de apito na boca, lanterna e saca aberta nas mãos, à espera que o Chico, batedor experimentado como se reclamava, fizesse o cerco e assim pusesse a correr na sua direção, os famigerados e assustados bichos. A aventura tinha começado quando o Chico lhe deu um apito de louça (era o único que tinha à mão) e uma saca de serapilheira, que foi buscar ao celeiro do avô, e se muniu de latas e paus para fazer barulho. Tó abandonado naqueles preparos prosseguiu sozinho a caçada, apurando o ouvido ao mínimo ruído. A experiência acabou quando o frio, o medo ou o cair em si, o trouxeram à realidade.

Este instante, constituiu para o Tó um momento de perda da inocência (que diz que bem lhe serviu na banca, onde veio a trabalhar), pois a partir daí o mundo não seria mais o que parecia, como reconheceu sem acrimónia. Desabou um dos pilares que sustentava a sua infantil e lisboeta visão do mundo e da realidade. Tó acabou por crescer com a expressão na boca, vai “caçar gambuzinos”.

2)-Os portugueses, como Salazar bem sabia, têm no pão um emblema forte da sua dieta. Ainda hoje, são zelosos guardadores da epopeia do pão, símbolo dos seus anseios, nas palavras de políticos e poetas, “a paz, a saúde e a habitação”. O preço do pão, foi um barómetro do descontentamento e o único produto a que Salazar nunca permitiu subir o preço. Assim, como não deixou aumentar o preço do pão, foi necessário fabricar um pão mais leve, vendido ao mesmo preço do de meio ou de um quilo. Enganava-se o cliente, mas tornava-se viável o negócio.

Embora o pão continue a ser especialmente apreciado, a profissão de padeiro encontra-se, definitivamente, em crise. Pelo mundo fora, a profissão teve que se adaptar ao desenvolvimento da sociedade, da tecnologia e do comércio, sofrendo com novos padrões de vida e competição. O processo de adaptação às mudanças começou no final dos anos de 1960, com o aparecimento de tecnologias, como o fogão elétrico e os armários para impedir o excesso de fermentação. A profissão, que fora baseada na habilidade manual, no olfato e na visão, passou a ser controlada e substituída por equipamentos, como balanças e termómetros.

Alberto, industrial de panificação à moda antiga, ora reformado, salienta que no passado havia uma “íntima relação entre o padeiro e o pão, pois aquele tinha que usar os sentidos para descobrir se o pão estava no ponto. No meu tempo, havia que sentir com as mãos a textura da massa e conhecer o cheiro próprio para avaliar se o pão estava pronto. Com as novas máquinas, a vida dos padeiros foi facilitada e, ao invés de acordarem às duas da manhã como acontecia, poderam acordar (pelo menos) às quatro, mas agora isto mesmo acabou”.

Apesar do desenvolvimento da profissão, os padeiros portugueses tradicionais, sofreram uma crise a partir dos anos de 1980, quando nutricionistas começaram a apregoar que o pão engorda. Com a expansão dos supermercados, o comércio tradicional e a sua forma de aquisição começaram a modificar-se. Hoje, há pão fresco, variado e saboroso a toda a hora. A venda de pão assemelha-se à de uma confeitaria.

Alberto aprendeu o ofício com os mais velhos, trabalhando de início como assistente em funções menores, como limpeza. Já preparado na arte, abriria o seu próprio negócio. À medida que a sociedade se transformou, evoluíram também as necessidades e desejos. Um português come em média metade da quantidade que há 50 anos atrás. Apesar de os padeiros serem continuamente desafiados, a população portuguesa mesmo não citadina, não cosendo mais o pão, mantém a tradição de o consumir pão todos os dias, ainda que em menor quantidade, porque está nas raízes de sua cultura e dieta.




 

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