quarta-feira, 14 de novembro de 2012

História local - No Tempo de Mata Frades, Visconde de Seabra e Outros - Apresentação de Livro


HISTÓRIAS DA NOSSA TERRA

(a propósito da apresentação em 17.11.2012 do meu livro
NO TEMPO DE MATA FRADES, VISCONDE DE SEBRA E OUTROS)

FLeming de OLiveira

Pesei o risco de publicar mais este trabalho que me deu enorme prazer e aqui o estou com a Drª Ana Margarida a apresentar ao público de Alcobaça que, como se sabe, é a minha terra de adoção.
Muitos professores de História das nossas escolas, e Alcobaça não é exceção, deparam-se com a realidade, triste digo eu, de grande parte dos alunos não conhecer a história de sua comunidade (paradoxalmente, ao que sei, nem alguns deles professores), prendendo-se apenas à História nacional, desvinculada da realidade e do seu contexto histórico local. Esta situação acarreta o desinteresse dos alunos pela História que não consideram importante, justamente pelo facto deles não se sentirem inseridos na História ou no processo onde essa História se escreve.
É nesta perspectiva que gostaria de ver a Escola como um centro recriador da memória e da cultura locais, como parte do desafio de a projetar como um espaço de preservação e socialização de marcas culturais e a prática educativa, enfim, como um espaço plural de memória e narração. Significaria isto dar consistência a uma prática educativa que, ao procurar articular saberes vividos e praticados com o conhecimento escolar, com a memória e com a história locais, buscaria reinventar a Escola como um espaço de sociabilidade e de práticas culturais diversas.
Admito que isto, numa perspectiva superior, seja menos viável, se não mesmo algo utópico ou estar a meter foice em seara alheia. De facto não sou um profissional da educação.
Resgatar memórias e narrativas no curriculum escolar, é desenvolver a possibilidade de recriar, através da prática educativa, a história local a partir do lugar onde se está. 
Resgatar a memória coletiva de uma comunidade local, é revelar o conjunto das redes de saberes e de vida que dão sentido às ações quotidianas, compartilhando-as coletivamente, através de um processo educativo que tem como ponto de partida e como ponto de chegada, a reinvenção da Escola local como um lugar apto a acolher o passado e a criar o futuro.
Resgatar acontecimentos e processos vividos, narrar experiências, compartilhar memórias e saberes, é resignificar a prática educativa como um espaço-tempo de autoconhecimento e a Escola como um espaço de conscientização política e cultural. 
A Natureza é, talvez, a componente mais original do ambiente. Neste sentido, faz parte integrante da cultura, expressa sob forma de paisagem. Ora, como se sabe, esta Natureza, estas paisagens são... cultivadas. E o futuro das paisagens que nos são familiares, está ligado à manutenção do espírito dos que as construiram ao longo dos anos, mesmo séculos, tão antigo que ultrapassa a memória de alguém. É demasiado limitado dizer que não nos preocupamos o suficiente, localmente, com a cultura que nos oferece a Natureza. A educação escolar poderá aí encontrar novos recursos pois aprendemos mais coisas nos bosques do que nos livros, como dizia S. Bernardo de Claraval. 
Esta minha intervenção, que dedico tal como este livro de História à minha Mulher, professora embora de outra área, mas interessada nesta problemática, onde não se tem exprimido por um certo dever de reserva, tem por objetivo produzir algumas descomprometidas considerações (eu não dependo de ninguém) sobre a importância de se trabalhar com a memória local no ensino de história pois, como referi, entendo que os alunos, que não constroiem relações com a História, nunca se consideram parte dela. 
A destruição dos mecanismos sociais que vinculam a nossa experiência à das gerações passadas, é um dos fenómenos que se tem vindo a gradualmente a acentuar. Muitos dos nossos jovens crescem sem uma relação orgânica com o passado da época que vivem. Por isso, os historiadores,ainda que locais cujo ofício é recordar o que os outros esquecem, tornam-se assim mais importantes.
Entendo não ser a História local um ramo menor, pelo que não, não posso falar de História nacional ou universal, sem História local. Entendo que é a partir da História Local que se chega à História Universal. De resto, e num outro contexto, já o havia salientado Miguel Torga: O local é o universal sem paredes; (...) quanto mais local, mais universal.
Num tempo veloz e fugaz, em que o isolamento e o silenciamento das experiências, nos levam a perder a memória coletiva (sem memória coletiva um povo é alienado), rememorar e compartilhar memórias é uma ação que adquire como que um caráter de resistência (passe o sentido mais forte desta expressão), a memória compartilhada é uma forma de não sucumbir ao esquecimento que o ritmo acelerado do tempo impõe. Nenhum país, nenhuma comunidade, ninguém, pode viver sem memória, pois esta é que confere coesão.
Nos seus trabalhos de investigação, os historiadores ditos locais, falam do passado, refletem o presente e perspetivam o futuro das suas freguesias, vilas ou cidades. E gostam, como eu, de documentar os livros com abundantes gravuras e registos fotográficos, demonstrando uma especial interesse para a  efeméride. Em livros, que muitas vezes trazem a chancela autárquica (felizmente ainda vai sendo esta uma preocupação do Poder Local), evocam eventos, as festas religiosas e profanas, os usos e os costumes mais ou mesmo ancestrais da sua terra. Falam, com fé e amor, do seu povo, cuja História analisam de forma, muitas vezes e, ainda bem, apaixonadamente.
Face à diversidade dos temas possíveis de abordar, em consonância com a trajectória da vida das comunidades, a investigação não é linear, exigindo que se percorram os locais onde a memória da presença humana se encontra preservada. Assim o fiz e, dentro do possível, vou continuar a fazer.
Não sou, nunca serei, nem pretendo ser um Historiador, ainda que local. Sou, quando muito, um simples contador de histórias e assim, sem presunção, entendo e enquadro os trabalhos que publiquei. Na minha vida profissional, creio ter-me orientado, em provas dignas de credibilidade, sem prejuizo do direito de escolher ou selecionar os fatos e examiná-los com o rigor necessário. Os alcobacenses comigo vão revivendo a história da terra, descobrindo pormenores (nada menores, por sinal l!!!) da vida de pessoas de quem se fala, que conhecem ou não pessoalmente ou ainda de factos que viveram ou não.
Uma história de acontecimentos, de datas e de pessoas ilustres de não nos serve por si só, se não obtivermos a explicação e o entendimento necessário para percebermos quais as consequências que tiveram, directa ou indirectamente, na vida política e social da comunidade. Não alinho na teoria que busca contar  a História, fundamentalmente, a partir da ação e do impacto dos chamados Grandes Homens, indivíduos muito influentes, graças ao carisma, inteligência ou impacto político-social. Pelo contrário,  defendo a teoria que propõe que os eventos acontecem numa dada circunstância de tempo, ou quando uma imensa quantidade de pequenos eventos causam certos desenrolamentos. Embora seja bastante popular a crença em que a história gira em torno de Grandes Homens, especialmente quando a sua grandeza é determinada primariamente por status político, essa é uma visão restritiva, que exclui a participação de grupos inteiros, entre os quais o operariado, as minorias étnicas ou culturais, e mesmo as mulheres, enquanto género.
Qualquer reconstrução do passado em que participei ou investiguei, sempre dependeu de um conjunto de escolhas que tive de fazer, envolvendo a própria natureza do trabalho a ser realizado, e a seleção das fontes que interessam para verificar uma prova alegadamente fidedigna.  Estou habituado, a trabalhar para o tempo que corre, e não para a eternidade. Por isso, também não tenho a pretensão de fixar verdades absolutas, interpretações eternas, pois  a História será sempre reescrita, em face do contexto do momento e, porque calculo que os Historiadores, aqueles que acreditam que fazem ciência, escrevem para o desenvolvimento do conhecimento coletivo e admitem que a História seja mal tratada (por si e por outrém).
Este último ano, serviu-me bem para aprofundar conhecimentos sobre alguns acontecimentos da história da nossa terra, da nossa gente, descobrir personalidades e episódios. Devo algumas atenções ao Dr. Rasquilho. Foi um ano de troca de ideias e saberes, no qual conheci pessoas, com as quais debati temas da História e do Património de Alcobaça.
Um dos momentos que mais me marcaram, foi quando me disseram (seguramente muito benévola e exageradamente) que a minha escrita dava vontade de ler, para explorar depois a nossa História. É bom sabermos (repito mesmo descontando o exagero) que inculcamos o bichinho da curiosidade e gosto históricos. Só por isso, este ano valeu a pena.
Num momento de viragem, é tempo de olharmos para a nossa Cultura, Arte, Património e História com olhos de ver, apreciar e defender o que é nosso, dinamizando valores. Uma terra, como Alcobaça, tão rica em História e em momentos decisivos do percurso do País, não pode deixar desaparecer os vestígios do passado. Não o digo para vivermos no passado, claro que não, outrossim que temos de preservar a História e trilhar um futuro, assumidamente com convicção.
É o momento de apostarmos nas nossas riquezas e divulgá-las, com o ensino da História Local na Escola (será mesmo uma utopia neste tempo de crise económico-financeira?), aproximando os jovens do que é seu. Além disso, os nossos governantes, nomeadamente autárquicos, têm o dever de defender o que é nosso, não deixando ao abandono o Património.
Como se sabe o património é ao mesmo tempo material e imaterial. Material, pensa-se imediatamente no património construído. Imaterial, associa-se às tradições orais, aos saberes e ao saber fazer. Se a generalidade concorda em considerar que o património deve ser preservado como primeira condição da acção cultural, a questão da valorização comercial do património e da sua relação com o desenvolvimento económico, suscita reações diversas, se não opostas. O restauro de uma peça de arte, de uma pequena igreja, a renovação de uma praça, só farão real sentido se provocarem um afluxo turístico, ou podem ser realizados para o simples prazer, para a cultura e fruição dos residentes? Uma das componentes principais da cultura é o quotidiano, que é para muitos é fundamentalmente o ambiente arquitetónico. Todavia, a qualidade estética deste ambiente, eleva o nível cultural dos residentes. 
A política cultural dos poderes públicos, autárquicos incluidos, justifica-se, frequentemente, pela ajuda que confere ao desenvolvimento. Daqui surge uma manifesta ambiguidade pois não é tanto a elevação do nível cultural que se procura com o estímulo da actividade económica para se concluir rapidamente que o desenvolvimento cultural não é um luxo sem o qual se pode passar, mas um motor do desenvolvimento económico e social. Todavia, a responsabilidade dos decisores no estabelecimento dos programas conduz, ou deveria conduzí-los, a uma reflexão quanto ao equilíbrio a obter entre a satisfação das necessidades culturais e das económicas. É verdade que a simbiose entre cultura e economia passa muitas vezes pelo turismo, mas nada impede aos promotores de acções culturais conciliar a necessidade de atrair um público exterior e a vontade de satisfazer as aspirações do público local. 
Continuarei no meu combate pela divulgação da nossa História, porventura quixotescamente ou sem resultados palpáveis, mas com a certeza maior de ser importante não esquecer, nem apagar o passado, pois ele faz parte da memória do nosso povo, da nossa terra e das nossas raízes pessoais.

Sem comentários: