sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O 31 de JANEIRO, A PORTUGUESA, D. CARLOS E D. AMÉLIA EM ALCOBAÇA, OS BALDIOS DA BENEDITA E TURQUEL, D. MIGUEL II (PROSCRITO) VISITA ALCOBAÇA, O CASO CALMON.



(I)


    SUMÁRIO:
(1).O 31 de Janeiro-(2).A Portuguesa-(3).A Misericórdia e o Novo Hospital-(4).D. Carlos e D. Amélia-(5).Os Baldios da Benedita e Turquel.A Gestão do Território-(6).O Proscrito D. Miguel II (neto de D. Miguel I), Visita Alcobaça-(7).O Caso Calmon, Júlio de Matos e Zagallo.



-1-O 31 DE JANEIRO-

No dia 31 de janeiro de 1891, ocorreu no Porto um levantamento militar, como reação às cedências do Governo e da Coroa, face ao Ultimato e ao descrédito da Monarquia.
A revolta desencadeou-se na madrugada desse dia, com os revoltosos a desceram a Rua do Almada, até à Praça de D. Pedro IV (mais tarde denominada Praça da Liberdade, o que se mantém) onde frente à Câmara Municipal, ouviram o Dr. Alves da Veiga proclamar da varanda a República e ser hasteada uma bandeira verde e vermelha.
Com fanfarra a animar, foguetório e vivas à República, a multidão subiu a Rua de Stº. António, em direção à Praça da Batalha, com o objetivo de tomar o Posto de Correios e Telégrafos. No entanto, o cortejo foi impedido de prosseguir por um destacamento da Guarda Municipal, postado na escadaria da Igreja de Santo Ildefonso. Em resposta a dois tiros, ao que se crê partidos dos revoltosos, a Guarda Municipal efetuou uma descarga de fuzilaria, vitimando militares e populares, que iniciaram debandada.
Alguns manifestantes tentaram ainda resistir. Cerca de trezentos, barricaram-se no edifício da Câmara, mas a Guarda Municipal forçou-os à rendição. Eram 10h.
Feitas as contas, o levantamento falhou, mas permaneceu até hoje de forma marcada na memória coletiva do Porto e do País, com um saldo de 12 mortos e 49 feridos entre os revoltosos.
Houve implicados que conseguiram fugir. Os ministros que supostamente iriam integrar o Governo Provisório, vieram esclarecer não terem dado autorização para utilização dos nomes, como o caso do Prof. Rodrigues de Freitas, este sem prejuízo de se afirmar republicano. Não autorizei ninguém a incluir o meu nome na lista do governo provisório, lida nos Paços do Concelho, no dia 31 de janeiro, e deploro que um errado modo de encarar os negócios da nossa infeliz Pátria levasse tantas pessoas a tal movimento revolucionário.
A reação oficial foi pronta, tendo 505 militares levados a Conselho de Guerra, realizado a bordo de navios, ao largo do porto de Leixões. Mas também foram julgados e condenados civis, e em ambos os casos a penas de prisão e degredo em África. Em 1893, foram libertados alguns civis, por via de amnistia. A Portuguesa foi proibida.
Em memória desta revolta, implantada a República, a Rua de Stº. António, no Porto, foi rebatizada de Rua de 31 de janeiro.

Guerra Junqueiro em 1899 deu à luz Finis Patriae.
Em moldes de procissão dramática e em cenário negro, desfilavam várias personagens, visando demonstrar o Fim da Pátria. Sucessivamente, perpassavam choupanas de camponeses, pocilgas de operários, casebres de pescadores, hospitais, escolas em ruínas, cadeias, condenados, fortalezas desmanteladas, monumentos arrasados, estátuas de heróis.
O poema À Mocidade das Escolas, retomando circularmente a dedicatória, é um incitamento à juventude para que dê a vida pelo ressurgimento da Pátria.

-2-A PORTUGUESA-
Alfredo Cristiano Keil, nasceu em Lisboa em 3 de julho de 1851, filho de pais origem alemã, radicados em Portugal.
A sua formação básica ocorreu na Alemanha, pelo que decorre daí, uma das razões pelas quais assumiu o romantismo, já estabelecido na Europa, embora em transição ao realismo. Estudou desenho e música em Nuremberga. Músico e compositor lírico, escritor e poeta, Keil não era um pintor a tempo inteiro, embora também não fosse de fins de semana, deixou centenas de quadros interessantes que, no tempo, se venderam bem. Em 1870, por força da  Guerra Franco-Prussiana, regressou a Portugal e em 1890, o Ultimato ofereceu-lhe inspiração para a composição de um canto de natureza nacionalista e patriótica, A Portuguesa.
Em 31 de janeiro de 1891, esta canção de dolências e soluços, com rimas cujo sentido o povo mais simples apenas intuía, de difícil apreensão, uma boa balada plantara a canção em muitos corações, num eflúvio das almas para todos os lábios, já aparecia como a opção dos republicanos para um futuro Hino Nacional, o que aconteceu quando a Assembleia Constituinte, em  junho de 1911, a consagrou vindo a substituir o Hymno da Carta, Hino Nacional desde maio de 1834. Com A Portuguesa, as vozes aqueciam, brotava água dos emocionados olhos quando se incitava à luta, ao sacrifício, à batalha pela dignidade nacional. Inspirara-se o seu autor no traço bélico de A Marselhesa, mas flutuava como uma melancólica neblina sobre uma batalha, a tristeza das gentes portuguesas. Uma era a melodia da decadência a querer avigorar-se, a outra a instrumental cólera patriótica a levantar os ânimos.
Quando A. Keil compôs a música, não lhe quis atribuir caraterística de instrumento de levantamento contra a Monarquia, mas colocá-la como oferenda no Altar da Pátria. Alfredo Keil não pensou, pelo menos quando compôs A Portuguesa, em celebrar a República.
Henrique Lopes Mendonça, autor da letra, talvez ainda menos, tanto mais que antes exaltara em versos a Rainha Dª. Amélia. Apareceu, pois, como canção da desafronta. Os republicanos cantavam-no como numa glória própria, levantando contra o Rei e o regime, os populares julgavam encontrar nela os acordes das estrofes entoadas na beira trágica da guilhotina francesa.
A Portuguesa, teve de início uma letra diferente, mesmo a música sofreu algumas alterações, pois onde ora se diz contra os canhões, dizia-se antes contra os bretões, isto é, contra os ingleses. Até 1956, coexistiram várias versões de A Portuguesa, não só na linha melódica, como nas instrumentações, especialmente para banda, pelo que o governo de Salazar nomeou uma comissão para estudar e propor a versão oficial e definitiva de A Portuguesa.
Essa comissão elaborou uma proposta que seria aprovada em Conselho de Ministros em 16 de julho de 1957, mantendo-se o Hino inalterado desde então.

-3-A MISERICÓRDIA E O NOVO HOSPITAL-
O movimento das Misericórdias em Portugal remonta a 15 de agosto de 1498 (ano em que os portugueses descobriram o caminho marítimo para a Índia) quando a Rainha Dª. Leonor, viúva de D. João II fundou (com o apoio de D. Manuel I), a Irmandade de Invocação a Nª. Srª. da Misericórdia, com sede na Capela de Nª. Sª. da Piedade da Sé de Lisboa.
O desenvolvimento da expansão marítima, da atividade portuária e comercial, acarretava o afluxo de gente aos grandes centros urbanos, especialmente Lisboa, que vinha à procura de trabalho ou mesmo de fortuna em difíceis condições de vida.
As ruas transformavam-se em antros de promiscuidade e doença, onde se aglomeravam pedintes, estropiados e enjeitados. Também os naufrágios e as guerras davam origem a muitas de viúvas e órfãos. Por outro era grave a situação dos presos. A ação da Misericórdia foi inicialmente protagonizada por cem membros que ajudavam os pobres, os presos e os doentes, no quadro do seu Compromisso/14 Obras de Misericórdia sendo 7 delas espirituais (ensinar os simples, dar bons conselhos, castigar os que erram, consolar os tristes, perdoar as ofensas, sofrer com paciência, orar pelos vivos e pelos mortos), bem como sete corporais (visitar os enfermos e os presos, remir os cativos, vestir os nus, dar de comer aos famintos e de beber aos sedentos, abrigar os viajantes e enterrar os mortos).
Estas obras radicam-se na doutrina cristã e nos textos do Evangelho de S. Mateus, nas Epístolas de S. Paulo e outros Doutores da Igreja ou provem de tradições de povos antigos, incorporadas no cristianismo.

Portugal, nos séculos XV e XVI, era um país com muitos desequilíbrios, que canalizava uma parte substancial dos seus recursos e vontades para a gesta das Descobertas, apesar da população carecer de condições para fazer face às dificuldades da vida, especialmente na doença ou nos surtos de peste.
Em resposta a essa necessidade, a Misericórdias foram-se espalhando por todo o território, incluído o Ultramarino da Ásia, África ou Brasil. Entre 1498 e 1525, ano da morte da Rainha Dª. Leonor, foram fundadas dezenas de instituições semelhantes, cujo ato de constituição consistia num compromisso dos fundadores e ou instituidores, denominados a Irmandade.
Frei Miguel Contreiras terá sido um pregador e amparo dos mais desfavorecidos. Segundo a História ou a lenda, andava pelas ruas de Lisboa com um anão que recolhera e um jumento no qual carregava as esmolas, para acordar a caridade e acudir aos pobres e indefesos. A sua fama chegou aos ouvidos da Rainha D. Leonor, que o nomeou seu confessor e mestre espiritual. Em 1484, esta fundou o Hospital das Caldas da Rainha, dedicado aos pobres, onde instituiu uma confraria de caridade, sendo este um prenúncio da Misericórdia e em colaboração com Frei Miguel Contreiras, desenvolveu obras significativas de ajuda aos necessitados.
Em finais do século XV um alegado grupo de bons e fiéis cristãos, liderados por Frei Miguel Contreiras, na presença da Rainha Dª. Leonor e das mais altas personalidades religiosas e civis, assumiu o compromisso de se dedicar à prática das 14 Obras de Misericórdia.
Isabel Guimarães Sá (Universidade do Minho), defendeu que não há documentos históricos que comprovem a existência deste frade. Esta opinião é partilhada por outros investigadores, que entendem que aquele frade foi uma invenção da Ordem dos Trinitários, em luta pela sobrevivência.
Gustavo de Matos Ferreira identifica Frei Miguel de Contreiras com a Ordem da Santíssima Trindade.
Frei Miguel era a providência dos pobres. Adoravam-no. Quando pregava na Igreja, enchia-se esta até à porta e transbordava até ao rossio da Trindade. Quando morreu, a populaça alfacinha pôs luto no coração.
A descrição de G. Matos Ferreira foi retirada de autores do século de XIX, nomeadamente de Costa Goodolphim e Vítor Ribeiro que também apresentavam o frade trinitário como a alma, a cabeça pensante da Misericórdia de Lisboa. Estes dois autores ter-se-ão inspirado no célebre Santuário Mariano, de Frei Agostinho de Santa Maria. A obra, de 1707, apresenta Frei Miguel Contreiras como primeiro Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e coautor dos Compromissos, sendo descrito com as virtudes de santo e venerado varão.
Gozando a Rainha viúva Dª. Leonor de influência na corte e junto do rei D. Manuel I, foi nesse momento que surgiu a Irmandade da Nª. Srª. da Misericórdia de Lisboa, com a aprovação do Rei e que foi a génese das que lhe seguiram. Durante os seus cinco séculos de existência, a ação de assistência social das Misericórdias tem assentado nos pilares das referidas 14 Obras de Misericórdia, a espinal medula da sua cultura institucional.
A SCML/Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tornou-se, como é corrente em Portugal, a maior e mais importante, ao ponto de passar a ser controlada pelo Estado a partir do início do século XX e usufruir do monopólio da exploração dos jogos sociais, canalizando parte das respetivas receitas para a sua missão assistencial.

Desde 1563 pelo menos, a SCMA/Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça, já com Mesa e demais cargos distribuídos, bandeira, véstias, crucifixo, campainha, retábulo, quatro lanternas, tumba e respetivo pano, tem sido exemplo de bem-fazer, tornando-se um referencial da simpatia e respeito da comunidade alcobacense.
Uma das obras mais importantes, consistiu na construção do Hospital de Alcobaça.
Bernardino Lopes de Oliveira, abastado proprietário com fortuna feita no Brasil, onde possuiu engenhos de açúcar que não recusavam o trabalho de africanos, tendo em 1886 sido empossado Provedor da Misericórdia/Provedor Honorário em 1900, convocou uma reunião de alcobacenses, a quem expôs as muito deficientes condições de funcionamento do Hospital apesar das obras de 1851/1853 e os sondou sobre a possibilidade de construção de um novo, espaçoso, arejado e moderno na Roda, local aliás sugerido pelos facultativos da terra. Este hospital não deixou, porém, de assistir aos militares franceses de Junot, nem aos militares portugueses feridos nas lutas liberais.
Tendo em conta a excelente recetividade da ideia de Lopes de Oliveira, passaram a efetuar-se contactos porta a porta, o que permitiu arrecadação de receitas para o arranque. Alguns dos fundadores, com destaque para Lopes de Oliveira ou Barreto Perdigão, utilizaram os seus contactos fora de Alcobaça, para solicitarem e obterem apoios e donativos. A Câmara Municipal cedeu o terreno, a Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça o saldo da gerência e o produto da venda do edifício de um hospital que funcionava desde pelo menos 1617 na Rua do Castelo (o Hospital de S. Miguel) e o Governo a madeira de um pinhal do Estado. Em 1776 fora ali inaugurado o hospital concelhio. A 18 de abril de 1888, ao meio dia, na presença das autoridades civis, militares e religiosas mais representativas e muitos populares que vieram até do Valado de Frades e Nazaré, especialmente mulheres, com emoção, música e foguetes, foi lançada a primeira pedra. Quem não teve condições para dar dinheiro, prestou contribuições em trabalho, pois era muito mal entendido não colaborar nesta obra ímpar.
A 15 de agosto de 1890, com a presença de muitos convidados civis, militares e religiosos e os Provedores da Santa Casa de Lisboa, de Leiria, de Caldas da Rainha, de Porto de Mós e da Confraria da Nazaré (Porfírio José Caiado, Provedor entre 3 de fevereiro de 1890/24 de novembro de 1896), foi inaugurado o Hospital e, no dia seguinte, transferidos os doentes que se encontravam no edifício velho, sito na Rua do Castelo.
Estava consumada uma obra para a qual muitos alcobacenses, cada qual a seu modo, contribuíram generosa e gostosamente e ainda iriam faze-lo durante anos.

O projeto do Regulamento Interno do Hospital e da Administração da Misericórdia, foi elaborado pelos médicos Francisco Zagallo (que veio a escrever a História da Misericórdia) e Barreto Perdigão/Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça em 1910.
Estes, o Dr. António de Sousa Neves e o Dr. Santiago Ponce y Sanchez, há pouco tempo em Alcobaça, onde fora provido como facultativo municipal em 1896, reconhecendo os perigos de contágio do flagelo da tuberculose, que estava a alastrar, convenceram a Misericórdia a construir um pavilhão isolado, para tratamento de doenças contagiosas, ao qual foi dado o nome de Dr. Álvaro Possolo declarado irmão benemérito da Misericórdia em 1902. Para custear a obra, a Misericórdia, em 26 de agosto de 1901 resolveu aplicar o saldo da gerência do ano económico anterior, isto é 1900, a receita que sobrar da sua despesa habitual do ano de 1901 e anos subsequentes até ao completamento do pavilhão, bem como quaisquer donativos, que as pessoas bem formadas e os espíritos caritativos, que não falecem nesta terra, se dignarem oferecer espontaneamente com este intuito económico. É de esperar que mais uma vez se afirmem os sentimentos altruístas dos nossos conterrâneos, que se evidenciaram de um modo brilhantíssimo nos numerosos e avultados donativos para a edificação do nosso hospital, acorrendo a auxiliar a iniciativa da mesa da Misericórdia para que em breve difunda os seus benefícios o pavilhão projetado pois que só com os modestos recursos da Misericórdia levará alguns anos a concluir-se.
Em 1902, Augusto Rudolfo Jorge promoveu, para angariar fundos para a construção do pavilhão, a organização de um Sarau no Teatro Alcobacense.

Uma fonte de meados do século XVIII, refere o ano de 1520 como sendo o da construção da Igreja da Misericórdia, na presença do Rei D. Manuel I e Mulher, de visita a Alcobaça. Em 1563, quase totalmente destruída por um tremor de terra, foi reconstruída. Após os incêndios em 1632 e 1659, as obras vieram conferir-lhe o aspeto clássico, sem qualquer resto de traça manuelina. Inicialmente, a Igreja reduzia-se à atual nave, erguendo-se o altar-mor e o seu retábulo contra a parede ocidental. Só no início do século XVIII foi aberto o arco triunfal e edificada a Capela-mor, concluída em 1712. Uma tela abalaustrada, em forma de U, delimita o espaço antigamente reservado aos celebrantes e aos membros da Confraria. Do lado do Evangelho, tomavam assento os irmãos nobres, da parte da Epístola, os irmãos oficiais, isto é, homens de ofícios, também chamados mecânicos, por exercerem profissões manuais. A Capela-mor é inteiramente forrada de azulejos azuis e brancos, colocados em dois níveis. Da parte do Evangelho, em baixo, existe cena de vida eremítica, e ao alto, a Visitação de Nª. Senhora a sua prima Stª. Isabel.
Da parte da Epístola, em baixo, existe outra cena eremítica, e ao alto, Anunciação à Virgem pelo Arcanjo Gabriel.

Francisco Batista Zagallo, nasceu em Ovar em 23 de maio 1850 e faleceu em Alcobaça, em 25 de maio 1910.
Licenciado em Medicina, pela Universidade de Coimbra em 1876, foi provido a facultativo municipal de Alcobaça. Exerceu funções como Presidente do Montepio Alcobacense, Vereador, Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça entre 1907/1909 e deixou marcas positivas no Asilo da Infância Desvalida do Distrito de Leiria, no Clube, na Fanfarra, na Orquestra, na Confraria do Santíssimo, no Teatro e na Liga de Instrução. Dois dos seus momentos mais relevantes, prendem-se com a construção deste Hospital e a Exposição/Kermesse dos Produtos Alcobacenses havida no Claustro de D. Dinis de 1 a 13 de maio 1913, que voltaremos a referir. Este foi um evento da maior projeção e disso Zagallo deixou uma descrição interessante, ilustrada pelos clichés de Manuel Vieira Natividade. Leiam-se a propósito o Relatório da Exposição Alcobacense realizada de 1 a 13 de maio de 1906, de F. B. Zagalo e Alcobaça d’Outro Tempo, de Manuel Vieira Natividade. Recorde-se que o Claustro de D. Dinis encontrava-se emparedado para a Sala do Capítulo, que servia de Picadeiro ao Quartel, que ocupava os Claustros do Cardeal e do Rachadouro. Um cliché de M. V. Natividade mostra o stand da Fiação e Tecidos de Alcobaça, no nicho criado pelo portal fechado da Sala do Capítulo. Numa fotografia existente no Arquivo Municipal de Lisboa, pode-se observar a mesma parede, pelo lado da Sala do Capítulo, com porta de homem para passagem e o pavimento em terra batida, como convém a um picadeiro.
Os espaços em frente às janelas da Sala do Capítulo, também emparedadas, foram ocupados pelas exposições de Firmo da Trindade.

O Hospital ao longo de anos recolheu inúmeros e importantes apoios, por parte de políticos, instituições locais e não só ou mesmo de emigrantes.
Um grupo de amadores de teatro que, a 3 e 4 de maio de 1890, veio de Leiria realizar graciosamente uma gala ao Teatro Alcobacense, Rui Froes Barreto, filho de Sanches Barreto, ofereceu uma libra, Álvaro Possolo conseguiu um significativo subsídio anual para apoiar o seu funcionamento e José Cupertino Ribeiro ofereceu 15 lençóis e 48 guardanapos.
Cupertino Ribeiro, era natural de Pataias, filho, neto e bisneto de sacristães, filho de um pequeno lojista com um parente em Lisboa proprietário de um estabelecimento de ferragens na Baixa, aonde começou a trabalhar como aprendiz de marçano até ter o seu próprio negócio. Dizia-se que possuía uma caligrafia muito bonita, fez o exame de 2º. grau com distinção e frequentou com sucesso um curso comercial. Não sendo um católico praticante, nunca repudiou nem afrontou a Igreja, nem pertenceu à maçonaria. Membro do Diretório incumbido pelo Congresso Republicano de Setúbal, em 1908, de concretizar a Revolução, Cupertino Ribeiro filiou-se no PRP com 18 anos. Graças ao esforço e habilidade para o negócio, veio a ser um rico comerciante, industrial e gestor, proprietário de Cupertino Ribeiro & Compª., da Fábrica de Estamparia e Tinturaria de Rio de Mouro, cuja bolsa esteve sempre disponível para ajudar a causa da República e os mais necessitados. Foi presidente da Associação de Lojistas de Lisboa. Implantada a República foi eleito Deputado à Assembleia Constituinte por vontade expressa dos republicanos de Alcobaça, sendo posteriormente Senador. Cupertino Ribeiro, ao que se dizia no Centro Republicano de Alcobaça, ambicionava ser Ministro das Finanças do  Governo Provisório, tendo sido preterido em favor de Sidónio Pais, conotado com a ala radical e jacobina do Partido Republicano (contrariamente aquele, que se postou ao lado dos moderados), tendo mais tarde aderido ao Partido Unionista, fundado por Brito Camacho.

Álvaro Possolo nasceu em Alcobaça a 08/10/1855, de nome completo Álvaro Augusto Froes Possolo de Sousa. O dinâmico e bairrista Advogado e Deputado pelo 30º. Círculo Eleitoral de Alcobaça Álvaro Possolo, também conseguiu importantes apoios para o Asilo de Infância Desvalida do Distrito de Leiria, com sede em Alcobaça. Depois de o Asilo ter mudado as instalações da R. Frei António Brandão para a R. Frei Fortunato, no palacete Costa Veiga, tendo em conta os relevantes serviços prestados, este recebeu o nome de Asilo de Infância Desvalida Álvaro Possolo.
O Asilo ia recebendo outros apoios materiais, como o subsídio de 200$000 reis do Governo Civil de Leiria graças ao empenhamento do Maj. Cav. João Serra Conceição, a quem a comissão administrativa daquela casa, decidiu propor como sócio honorário/benemérito.
Mais tarde, em plena I República, José Eduardo Raposo de Magalhães, doou ao Hospital 50$000 reis para sufragar a alma de sua mãe Maria Silvéria Raposo de Magalhães, gesto digno de merecer o aplauso e a admiração dos alcobacenses republicanos, bem como fez doação dos seus títulos de dívida pública
O Hospital necessitava de recrutar pessoal, como criados de limpeza que soubessem ler e escrever para o que abriu concurso, aos quais se propunha pagar o salário mensal de 240 reis para os homens e 100 reis para as mulheres, acrescido de alimentação. Por ocasião do primeiro aniversário da inauguração, as portas do Hospital foram franqueadas ao público para o visitar, e apreciar a sua inexcedível limpeza e higiene e as suas enormes enfermarias, sempre lavadas e com bom ar. Bernardino Lopes de Oliveira, aproveitou a efeméride para oferecer, à sua custa, uma baquete de castiçais para a capela.
De Pernambuco/Brasil, foi recebido o produto de uma subscrição realizada entre a comunidade portuguesa onde Lopes de Oliveira deixou relações, iniciativa que Alcobaça desconhecia e que motivou um agradecimento que este canalizou.
Os alcobacenses Joaquim Serrano de Figueiredo, Francisco da Silva e António de Matos Branco ofereceram, por sua vez, diversas porções de camisas de milho e palha para as camas do Hospital.

A Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça/SCMA, em janeiro de 2001 abriu o seu Lar Residencial, instalado numa estrutura ampla e moderna, composta por 2 pisos com capacidade para acolher 70 residentes, que se tem revelado um sucesso.
Dez meses mais tarde, para poder dar resposta ao grande número de inscrições para internamento (que não pode satisfazer), deu início ao Serviço de Apoio Domiciliário.
Atualmente, a Santa Casa da Misericórdia conta com cinco valências, Lar Residencial, Apoio Domiciliário Alargado, Atendimento e Acompanhamento da Medida de Rendimento Social e Inserção e Banco Alimentar.

-4-D. CARLOS E D. AMÉLIA-
No dia 25 de junho de 1891, deslocaram-se a Alcobaça, a partir das 17 horas, D. Carlos e Esposa D. Amélia, depois de terem visitado o Mosteiro da Batalha, sendo recebidos pela população e pelas forças vivas, em ambiente festivo.
A chegada foi anunciada com foguetório, repicar dos sinos e pela execução do Hino da Carta, interpretado em conjunto por 3 filarmónicas (Alcobaça, Vestearia e Maiorga). As ruas do cortejo, foram engalanadas com mastros e galhardetes, e das janelas dos prédios do Rossio e Repartições Públicas, pendiam colchas de seda e damasco. As 3 filarmónicas, colocadas em outros tantos locais, interpretavam temas populares, e um Esquadrão de Cavalaria 9, do Quartel do Mosteiro, fez a guarda de honra. Os operários da Companhia de Fiação e Tecidos, tendo à frente o diretor Araújo Guimarães, marcaram presença, formaram alas para a passagem do trem dos visitantes, a quem por sua vez, as operárias atiraram pétalas de rosas. À porta de entrada do templo, os Reis foram recebidos debaixo do pálio, ouvindo um Te Deum. Do Mosteiro, o casal real dirigiu-se ao Quartel de Cavalaria 9, ao qual à saída ofereceu, 10 libras para melhoria do rancho. Em visita ao Hospital, os reis tinham à espera a Mesa da Misericórdia e os médicos da casa, e no Livro de Honra, ficou registado:
Aproveito a ocasião desta visita para felicitar a Mesa da Misericórdia pela perfeição de arranjo e de asseio em que tem o seu Hospital.
25 de junho de 1891
El-Rei D. Carlos
D. Amélia-Rainha.
Terminada a visita, os monarcas retiraram para Caldas da Rainha, por caminho de ferro, a partir da estação de Valado de Frades.
A ligação entre Alcobaça e Valado de Frades, fazia-se através de uma estrada de terra, onde os buracos eram tantos que como se dizia popularmente revoltavam o estômago de um cristão, pelo que o percurso demorava cerca de 1 hora, mas que o casal real suportou estoicamente.

Os Reis deslocavam-se de comboio, com alguma frequência, ao Oeste.
A Rainha D. Amélia, em maio de 1892, visitou a oficina de Bordalo Pinheiro, em Caldas da Rainha, para apreciar a jarra que este fez para ser exibida no Pavilhão de Portugal, na Exposição Universal de Chicago, de 1893. A Exposição Universal de Chicago apresentou, entre mil coisas espantosas, um elefante artificial com 125 pés de altura que, por meios de engenhoso mecanismo, movia a tromba, as orelhas e os olhos, bem como podia deslocar-se de um ponto para outro. No ventre do animal havia duas salas, uma para bailes e a outra para restaurante, muito reservado.
O vereador Augusto Rudolfo Jorge, que tinha estado por esses dias em Lisboa, contou que na Estação do Rossio viu um palhaço mecânico que tocava um bombo, perante enorme gáudio popular, mediante o pagamento de uma moeda, havendo pessoas que ali se deslocavam expressamente, até de Sintra, para o ver.

Em 29 de abril de 1907, D. Carlos visitou Alcobaça, acompanhado do príncipe alemão e primo Guilherme de Hohenzollern-Sigmarinen.
D. Amélia havia feito uma visita particular ao Mosteiro de Alcobaça em agosto de 1892.
De origem francesa (filha dos Condes de Paris, pretendentes ao trono de França), era culta e artista e, não obstante os tempos conturbados do fim da monarquia e do exílio que cumpriu, assumiu postura digna e respeitável. D. Amélia foi uma meritória pintora e desenhadora, sendo a sua obra mais conhecida, a coleção de desenhos do Paço de Sintra, destinados a ilustrar o estudo do Conde de Sabugosa sobre esse Palácio Nacional. No exílio, em França onde passou os últimos trinta anos das quatro décadas de exílio (o Estado francês havia banido a respetiva família real em 1886, recebeu a ex-Rainha Portuguesa) manifestou para com os desprotegidos de Portugal, o espírito beneficente. Note-se, que o produto da venda da edição em dois volumes fac-similados de Mes Dessins, reverteu a favor da Associação Nacional aos Tuberculosos. 
D. Amélia, enquanto Rainha, dedicou parte do tempo a fundar instituições de beneficência, ligadas à saúde, à ciência e à cultura, com destaque para dispensários e sanatórios, lactários, cozinhas económicas, bem como as creches que davam assistência às crianças pobres. Em 1899, criou a Assistência Nacional aos Tuberculosos e o Instituto Pasteur, com o nome de Instituto Câmara Pestana. O interesse pelos bens e cultura portugueses, levou-a a fundar o Museu Nacional dos Coches.
No mês de agosto de 1892, D. Amélia, veio a Alcobaça acompanhada pelo Conde de Sabugosa e Esposa, para desenhar alguns temas do Mosteiro, em fase de nítida degradação, por incúria dos governantes locais e não só bem como a avidez de algumas pessoas da própria terra.
Segundo a imprensa local, naquela mansão de luto que arte tornou tão bela, a presença da Rainha, sentada num tosco escadote, desenhando o túmulo de outra rainha que a precedeu no mesmo trono e cuja existência custou tantas lágrimas a uma pobre repudiada, tomou a nossos olhos um vulto especial, uma especial feição. Não víamos nela somente a mulher coroada, víamos uma artista modestamente vestida, extasiada ante um modelo que foi um primor na arte (...). Vimos a arqueóloga seguindo a evolução da arte, não se importando com os dramas e os idílios que cada um daqueles monumentos representa.

O Mosteiro de Alcobaça, sintetiza algumas caraterísticas que identificam Portugal como Povo e Nação centenários.
Talvez, por isso, segundo a mesma fonte, uma mulher de origem francesa tentou em Alcobaça compreender o verdadeiro e profundo ser e sentir de um Povo, que não nutria especial simpatia pela Monarquia, mas que, em geral, nunca deixou de pessoalmente a considerar. Após ter almoçado no Claustro de D. Dinis, sentada nuns degraus arruinados, demorou-se seis horas em trabalho delicado e paciente e, ao despedir-se, disse que voltaria muitas vezes, porque tinha muito que desenhar ali. D. Amélia, não voltou a Alcobaça, nem quando terminada a II Guerra, foi autorizada a visitar Portugal. No início da II Guerra, Salazar, perante o avanço e uma eventual ameaça nazi em França, havia-lhe oferecido asilo, que foi recusado. 

Na reconstituição da antiga sala de jantar real do Palácio da Pena, em Sintra, instalada no antigo refeitório dos monges jerónimos, no centro de mesa, encontra-se uma caravela em prata sustida por ninfas e neptunos (bela peça de ourivesaria francesa oitocentista, atribuída a Froment Maurice e Louis Aucoc, oferecida pelos amigos franceses a D. Amélia de Orleans e Príncipe D. Carlos, aquando do seu casamento). Esta peça, veio a ser oferecida por D. Amélia a Portugal.
Após o regicídio, D. Amélia retirou-se ainda mais para o Palácio da Pena, que apreciava especialmente, rodeada de amigos e de cães de estimação. Em Sintra, D. Amélia aguardou a evolução do movimento iniciado em 4 de outubro e aí passou a sua última noite em Portugal, indo depois para Mafra juntar-se ao filho e sogra, saindo todos para o exílio a partir da Ericeira.
Quando em 1945. D. Amélia visitou Portugal deslocou-se ao Palácio da Pena e pediu para ficar sozinha em recolhimento durante alguns minutos.

Em Portugal, política rasteira propalara contra D. Amélia, inúmeras e sórdidas calúnias.
Um livro de propaganda, impresso no estrangeiro, chegou a correr clandestino, no qual lhe eram atribuídos secretos e proibidos amores, com homens, e mesmo com mulheres, figuras conhecidas da Corte.
Faleceu em França, a 25 de outubro de 1951, e encontra-se sepultada no Panteão dos Braganças. 




 (II)


    SUMÁRIO:
(1).O 31 de Janeiro-(2).A Portuguesa-(3).A Misericórdia e o Novo Hospital-(4).D. Carlos e D. Amélia-(5).Os Baldios da Benedita e Turquel.A Gestão do Território-(6).O Proscrito D. Miguel II (neto de D. Miguel I), Visita Alcobaça-(7).O Caso Calmon, Júlio de Matos e Zagallo.

-5-OS BALDIOS DA BENEDITA E TURQUEL.A GESTÃO DO TERRITÓRIO-
Foram graves e preocupantes, os desacatos praticados por algumas pessoas ligadas à agricultura ou pastorícia das freguesias da Benedita e Turquel, por alturas do fim do ano de 1893, a propósito da utilização e divisão dos seus baldios.
Por via disso, a Câmara de Alcobaça viu-se na necessidade de intervir, reclamando a participação da Guarda e avisando os populares para, com brevidade, os restituírem e requererem a sua divisão, nos termos da lei.
Estes desacatos, puseram em causa a tradicional harmonia de uma população ordeira e sossegada. A utilização dos baldios naquelas freguesias acarretou, de vez em vez, alguns problemas, foi pomo de discórdia, criou inimizades entre famílias, algumas que perduraram, mas terminavam sem dar lugar a desgraça, ao invés dos incidentes do dia 2 de dezembro de 1893, em que houve a lastimar a morte do cabreiro João de Sousa, de Redondas e o ferimento de várias pessoas, incluindo duas senhoras. Esses desacatos, que atingiram um nível sem memória, questionavam a autoridade municipal, a quem competia orientar a divisão dos baldios, e afetaram o interesse dos que, por prudência ou outra razão, não participaram neles, direta e ativamente, mas que também eram interessados e tinham aspirações sobre a sua fruição. Enfim, continuava patente a complexa problemática dos baldios que, no caso de Alcobaça, tinha mais expressão na Serra dos Candeeiros ou suas faldas. Nenhuma outra forma de propriedade, segundo alguns autores, foi ou era mais livre. Todavia, foram encarados como o grande obstáculo à libertação da agricultura dos freios feudais, situação que o liberalismo pretendeu alterar, embora se inserissem na tradição de um direito consuetudinário, deveras antigo ou no entendimento de Herculano um dos mais graves embaraços ao progresso da agricultura. Era difícil, para alguns teóricos do novo conceito da propriedade, entender esta propriedade comunalista não personalizada, onde a posse, incluída a fruição e administração da terra, pertence a um coletivo, apesar de um comparte ou vizinho, entrar ou poder sair livremente, mas isso era raríssimo.
O sul do Concelho de Alcobaça, iria continuar a suscitar, com frequência, alguns problemas de natureza territorial.

Em meados de 1910, o Governador Civil de Leiria, Serras Conceição, enviou ao Ministro do Reino, o processo para fixação dos limites das freguesias de Santa Catarina e Benedita. Era a chamada questão da charneca da Benedita, que se vinha a arrastar há bastante tempo, o qual, em poucos dias o estudou, informou e lhe deu seguimento, resolvendo o diferendo, que só pontualmente seria revivido, mais por bairrismo que por outra razão.

A Câmara Municipal (6 de abril de 1914) registou, por meio de notícias publicadas em alguns jornais de Lisboa, que na freguesia de Alfeizerão se envidavam esforços para que fosse desanexada do Concelho de Alcobaça e integrada em Caldas da Rainha.
Entre os motivos invocados, contava-se a pretensa atitude agressiva do Município contra a freguesia (o que Eurico Araújo veementemente negou), alegadamente traduzida na insuficiente verba para melhoramentos no ano corrente, recusa de posse ao vereador efetivo por ali eleito e o não pagamento do aumento da renda da casa da escola do sexo feminino com o propósito de ferir os interesses do dono desse prédio.
A Câmara deliberou perante isto exarar o seu profundo desgosto pela vontade de os habitantes da freguesia de Alfeizerão se desligarem administrativamente de Alcobaça.

Em julho de 1920, por motivo da demarcação de terrenos aforados à Junta de Freguesia de Évora de Alcobaça, ocorreram cenas de violência no lugar de Areeiro.
Populares, tentando opor-se a que o serviço se realizasse, fundamentando-se em direitos antigos e adquiridos, agrediram um praça da GNR, montado a cavalo. Em resposta e tomando partido pelo camarada ferido, a GNR desembainhou espadas e efetuou alguns disparos, de que resultaram dois feridos muito graves e um morto. Os populares feridos, embora sob prisão, foram conduzidos de comboio para o Hospital de S. José, em Lisboa e o praça foi assistido e tratado no Hospital da Vila, tendo tido alta ao fim de 4 dias. Um dos populares não resistiu aos ferimentos, falecendo em Lisboa e o outro veio as ser julgado e condenado no Tribunal de Alcobaça, após um julgamento que mobilizou muitos curiosos.

-6-O PROSCRITO D. MIGUEL II (NETO DE D. MIGUEL I), VISITA ALCOBAÇA-
Em janeiro de 1901, proveniente de Caldas da Rainha, veio de trem e com um pequeno séquito de quatro pessoas, visitar Alcobaça o príncipe D. Miguel II, neto de D. Miguel I.
Este havia falecido a 26 de outubro de 1866, sem não mais ter podido voltar a Portugal desde que foi exilado, com essa expressa cominação. D. Miguel I deveria abandonar a Península Ibérica,  dentro do período de quinze dias subsequente à assinatura da Convenção de Évoramonte, a bordo de um navio estrangeiro e ainda assinar uma declaração pela qual se comprometia a jamais regressar a território português, metropolitano ou colonial, nem a intervir nos seus negócios políticos ou, de qualquer outra forma, contribuir para desestabilizar o País. Em 1967 foi sepultado no Panteão Nacional de S. Vicente de Fora (Panteão dos Braganças). A 19 dezembro de 1834, pela Lei do Banimento, D. Maria II declarou proscritos para sempre, D. Miguel I e descendentes, sob pena de morte. Após a proclamação da República, a Lei de 15 de outubro de 1910 estendeu este exílio a todos os ramos da Casa Real. Em 27 de maio de 1950, a Assembleia Nacional revogou as leis de exílio/banimento pelo que, D. Duarte Nuno de Bragança (pretendente, chefe da Casa Real), pode regressar a Portugal.
Como os jornais de Lisboa houvessem noticiado a ida de D. Miguel II para Espanha, a sua estada em Alcobaça causou surpresa e foi recebida com alguma incredulidade, tanto por conservadores como republicanos. O príncipe, que aliás falava mal português e os quatro acompanhantes chegaram de carro, pela três da tarde, dirigindo-se à Igreja da Mosteiro, por onde andaram algum tempo, visitando de seguida o quartel.
Possivelmente por força da sua condição de exilado/proscrito, D. Miguel II furtou-se à curiosidade dos populares, sendo apenas visto de perto por alguns na ocasião em que se dirigia ao trem, para se ir embora, rumo a Leiria.
Manuel Vieira Natividade, acima de preconceitos ou picardias, ofereceu-lhe um exemplar da sua obra Mosteiro de Alcobaça, que fez chegar, discretamente em mão, através do filho António.

-7-O CASO CALMON, JÚLIO DE MATOS E ZAGALLO-
No dia 14 de maio de 1901, na Rua de Santa Catarina, no Porto, cruzaram-se os jornalistas João de Meneses, do jornal (republicano) O Norte e Manuel Frutuoso da Fonseca, do jornal (católico) A Palavra.
Nada de especial ou de relevante teria este encontro, se ambos não se tivessem envolvido numa grande altercação que, segundo os relatos da época, os levou a vias de facto.
O motivo da zaragata, inseriu-se no desenvolvimento de um assunto que, desde há tempos, vinha a alimentar colunas dos jornais e a apaixonar a opinião pública, o Caso Calmon.
Remontando uns dias.
A 7 de fevereiro de 1901, domingo de carnaval, à saída de uma missa na Igreja da Trindade, Rosa Calmon, de 32 anos de idade, que manifestara a intenção de entrar para uma congregação religiosa contra a vontade da família (nomeadamente do pai, o Dr. José Calmon, cônsul do Brasil no Porto), foi vítima de uma tentativa de rapto.
Ao fundo da escadaria de acesso ao templo havia parado um automóvel, para o qual Rosa se dirigiu, ao que se disse com a conivência de algumas personalidades ligadas a conhecidas e influentes famílias portuenses.
As divergências entre a intenção religiosa manifestada por Rosa Calmon e a oposição de seu pai, vinham a ser abordadas pela Imprensa há já aproximadamente um ano.
José Calmon (a fazer fé nos relatos da época), mantinha a filha numa espécie de cárcere privado para contrariar as suas tendências religiosas, alegadamente mórbidas. Sobre o assunto, que apaixonou os meios forenses e psiquiátricos, nacionais e mesmo europeus, havia opiniões divergentes, entre as quais o  psiquiatra Júlio de Matos (ao tempo Professor de Psiquiatria na Faculdade de Medicina do Porto e Diretor do Hospital Conde Ferreira), que contrariava a vontade do ingresso de Rosa Calmon na vida religiosa.
Naquela manhã, José Calmon conseguiu evitar o rapto da filha, mas o assunto, que teve enorme repercussão (não apenas nos jornais do Porto, mas ainda nos de Lisboa e do Brasil), reavivou a questão religiosa, originou manifestações e protestos contra a influência e poder das ordens religiosas instaladas no País.
Pelo que resulta dos jornais do Porto, grupos de populares apedrejaram, após manifestações de violenta hostilidade, a casas e a capela dos Pestanas à Rua do Almada, a quem era imputado terem influenciado o rapto. As manifestações ocorreram também de forma violenta junto à redação do jornal A Palavra (imediações da Sé), bem como na sede da Companhia de Jesus (Rua da Boavista), cuja capela foi apedrejada.
Ainda de acordo com os jornais, os populares terminaram por ir saudar o cônsul do Brasil e por manifestar-lhe, desse modo, o seu desgosto pelo recentemente sucedido à porta da igreja da Trindade e dando-lhe o apoio.

Júlio de Matos, acabou o curso de Medicina em 1880, na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, elevada a Faculdade de Medicina pelo Decreto com Força de Lei, de 22 de fevereiro de 1911, tendo sido  por essa altura que foi trabalhar para Lisboa.
Já antes de vir para Lisboa, Júlio de Matos tinha um relacionamento cordial com Francisco Batista Zagallo (licenciado em Coimbra, natural de Ovar e alguns anos mais velho), com quem se encontrava de vez em quando e gostava de trocar opiniões em matéria profissional, que terá subscrito a apreciação que aquele fez sobre a personalidade de Rosa Calmon.
Sem dúvida a opinião que Francisco Zagalo transmitiu a Júlio de Matos, não decorria de ser ou não apreciador do papel das Ordens Religiosas, nem da querela Monarquia/República, que inquinava muitas apreciações e posturas.




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