sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O ULTIMATUM,O MAPA-COR-DE ROSA E ALCOBAÇA







(I)

SUMÁRIO:
(1).O Direito Histórico e Ocupação Efetiva-(2).Expedições em África-(3).A Conferência de Berlim.A Ilustre Casa de Ramires-(4).O Mapa Cor-de-Rosa.O Ultimato da Pérfida Albion-(5).O Fim de um Sonho Cor-de-Rosa.O Marquês de Soveral-(6).A Crise em Pano de Fundo-(7).Serpa Pinto.Votos na CMA-(8).O Semana Alcobacense-(9).As Cédulas no Comércio-(10). Banhos da Piedade e de Mar-(11).Rafael Bordalo Pinheiro e John Bull-(12).O Senhor dos Aflitos-(13).Baile Campestre. S. João nos Capuchos e Alcobaça-(14).As Tabernas da Vila.Os Taberneiros do Porto-(15).Lixo, Cães Vadios e Estendal de Roupa-(16).A Associação Comercial de Lisboa-(17).Boa Comida Portuguesa-(18).Um Veículo a Deitar Fumo e Sem Cavalos.


1-O DIREITO HISTÓRICO e OCUPAÇÃO EFETIVA-

Militares, cientistas, comerciantes, caçadores, aventureiros ou missionários católicos, penetravam no sertão africano por proselitismo, em busca de fortuna ou glória.
Invocando um direito histórico, decorrente da primazia da ocupação, Portugal reivindicava vastas áreas, embora nalguns casos apenas dominasse feitorias em estreitas faixas costeiras e respetivos arredores. Em Moçambique, o território que Portugal ocupava era substancialmente inferior ao de Angola. Na Guiné, a presença portuguesa resumia-se, quase, ao litoral.
A partir de 1870, com o Congresso de Berlim, vingou a tese que o Direito Histórico não seria suficiente, pelo que a presença portuguesa impunha o alargamento, rumo ao interior, das possessões reclamadas.
Ao longo dos anos, houve várias razões para a diminuta presença portuguesa em África, a que não era estranho a importância relativa do Brasil, a resistência das populações locais e a inclemência do clima onde, afinal, os ganhos e empregos pareciam ser pouco aliciantes. As distribuições de terra também não apresentaram resultados apreciáveis. África era terra para degredados, aventureiros ou militares. Para contrariar a diminuta ocupação, iniciaram-se ações (expedições após expedições), a partir de zonas costeiras de Angola ou Moçambique, destinadas a promover a exploração e abertura à civilização europeia do interior africano, algo influenciadas pelas grandes e romanceadas viagens de Livingstone e Stanley.
Era necessário reagir à concorrência, perante o risco de usurpação.

-2-EXPEDIÇÕES EM ÁFRICA-
A primeira expedição relevante, realizada pelos Portugueses, ainda antes do termo da Guerra Civil, largou em 1831 de Tete/Moçambique que, com objetivos económicos e científicos, teve o comando do Maj. Correia Monteiro, assessorado pelo Cap. Pedroso Gamito e integrou 420 carregadores e mercadores.
Outras se seguiram, com destaque para as do comerciante e colono Silva Porto, nas décadas de 1840/1850, no território das atuais Angola e Zâmbia, pela influência que exerceram, aliás nem sempre produtiva, em prol da soberania portuguesa, sobre sobas em áreas onde não havia brancos.
Em 1877,  após alguma pausa, o Ministro da Marinha e Ultramar,  Andrade Corvo, lançou um conjunto de iniciativas mais bem planeadas, visando explorar o território que separava Angola e Moçambique, criando os alicerces para melhor conhecimento cartográfico e comercial e, obviamente, a expansão portuguesa.
Destacam-se ainda as expedições dos Comandantes Hermenegildo CapeloRoberto Ivens, e de um antigo companheiro de ambos, o Capitão Serpa Pinto, que atravessou África da costa à contra costa, de ocidente para oriente.
Anos mais tarde, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros Barros Gomes, supondo ter o apoio da Alemanha à sua política antibritânica (o que não se verificou), deu-se início ao projeto que mais tarde ficou conhecido por Mapa Cor-de-Rosa, pois Angola e Moçambique apareciam ligadas e esse território achava-se colorido em tom rosado. O objetivo inglês, que conflituava com o de Portugal passava, entre o mais, por construir uma ferrovia que atravessaria o continente africano pelo interior, ligando o Cairo à Cidade do Cabo, conforme o enunciado de Cecil Rhodes.
O governo português ao reclamar áreas cada vez maiores de território africano, (agora através de esforços de ocupação efetiva), entrava em rota de colisão com outras potências europeias. Nesse contexto, a Sociedade de Geografia de Lisboa, criada em 1875, com o objetivo de promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas no enquadramento do movimento europeu de exploração e colonização, dando particular ênfase à exploração do continente africano, entendeu por bem, ser necessário e urgente criar uma barreira às intenções britânicas, pelo que organizou uma subscrição para manter estações civilizadoras na zona de influência portuguesa no interior do continente.

-3-A CONFERÊNCIA DE BERLIM.
A ILUSTRE CASA DE RAMIRES-
Em 1884, a aceitação pela Grã-Bretanha das reivindicações portuguesas ao controlo da foz do rio Congo,  levou ao agravamento dos conflitos com potências europeias rivais.
Convocada sob proposta de Portugal, a Conferência de Berlim teve como objetivo reorganizar a ocupação de África pelas potências coloniais, mas a final resultou numa divisão que não respeitou, nem a história, nem as relações étnicas ou familiares dos povos indígenas.
O Império Alemão, sem colónias, viu satisfeita a sua ambição expansionista, passando a administrar o Sudoeste Africano/Namíbia e o Tanganica.
Os Estados Unidos da América, tinham a Libéria, com  história ímpar (juntamente com a Etiópia é uma das duas únicas nações da África subsariana, sem raízes na disputa europeia) fundada e colonizada por escravos americanos libertos, com a ajuda de uma organização privada/ONG, a American Colonization Society. A Turquia que não possuía colónias em África (era a cabeça do Império Otomano), tinha todavia interesses no norte do continente.
Outros países europeus, não contemplados na partilha do continente, eram potências comerciais ou industriais, com interesses nascentes.
Portugal, foi vencido da Conferência de Berlim pois, para além de ter vingado a denegação do direito histórico, viu-se obrigado a aceitar a livre navegação dos rios internacionais, com aplicação ao Congo, Zambeze e Rovuma, territórios tradicionalmente portugueses (perdeu o controlo da foz do Congo, que mantinha desde 1884, ficando apenas com o enclave de Cabinda).
Finda a Conferência de Berlim, Portugal assumiu a urgência de delimitar as possessões africanas, pelo que, logo em 1885, começaram negociações com a França e a Alemanha com esse objetivo.

Eça de Queirós escreveu A Ilustre Casa de Ramires, onde Gonçalo Mendes Ramires perpassa como símbolo de um Portugal cuja história de ilustres feitos é revisitada em época de tacanhas realizações.
A obra desenha-se contra o pano de fundo da situação decorrente da Conferência de Berlim, que abriu às potências europeias a ocupação efetiva dos territórios  africanos. O processo sobre o destino africano de Portugal, segundo Eça desembocaria em A Ilustre Casa reconduz-se a uma questão crucial da vida portuguesa do tempo e assenta numa conceção já sedimentada. Não é correto alinhar na tese que a visão imperialista e colonialista de Eça é desmesuradamente reacionária, pois que se colocava em termos muito diferentes dos que se vieram a por depois da II Guerra. Aliás, as possessões africanas eram inalienáveis no quadro do ideário e da política republicanas.
Mais de cinquenta anos depois, Aquilino Ribeiro em A Grande Casa de Romarigães, iria figurar uma parte da História de Portugal através de sucessivas gerações de personagens, embora não formule uma proposta semelhante de redenção nacional, a ida para África.

-4-O MAPA COR-DE-ROSA.
O ULTIMATO DA PÉRFIDA ALBION-
As pretensões portuguesas estavam em confronto com o projeto britânico de um caminho de ferro que atravessaria o continente africano de norte a sul, o qual, aliás, acabaria por nunca se realizar, dadas as dificuldades técnicas, climáticas, orográficas e políticas.
O governo português, que necessitava do apoio britânico para a delimitação de fronteiras, resolveu atrasar a negociação, fazendo saber que as suas pretensões eram as do Mapa Cor-de-Rosa, que entretanto se tinha transformado num documento com ampla divulgação pública, objeto de arraigadas paixões nacionalistas e arma de arremesso político.
A Grã-Bretanha encontrou-se a administrar a África Austral, com exceção de Angola, Moçambique e o Sudoeste Africano/Namíbia/Alemanha, a África Oriental, com exceção do Tanganica, e partilhou a costa ocidental e o norte com a França, a Espanha e Portugal/Guiné/Cabo Verde.
O Congo continuou na posse da Associação Internacional do Congo, cujo principal acionista era o rei Leopoldo II, da Bélgica, país que passou ainda a administrar os pequenos reinos das montanhas, o Ruanda e o Burundi.
Considerando injusta e injustificável a expropriação do caminho de ferro de Lourenço Marques, a Grã-Bretanha protestou, com o apoio dos Estados Unidos, solicitando uma arbitragem internacional, que Portugal recusou. Iniciou-se na imprensa britânica uma forte campanha antiportuguesa, que criou as condições políticas para a rutura, o Ultimato,  pelo qual foi imposto a Portugal a retirada da zona em disputa (Vale do Chire), sob pena de serem cortadas as relações diplomáticas e, eventualmente, iniciada uma intervenção militar. Isolado, Portugal continuou a protestar, protestar diplomaticamente, no Parlamento e na rua, mas seguiu-se a inexorável cedência e recuo, acabando o Mapa Cor-de-rosa, não sem deixar um sentimento antibritânico, de humilhação nacional, que haveria de marcar a sociedade e potenciar a propaganda republicana.
O Governo de Sua Majestade Britânica não pode dar como satisfatórias ou suficientes as seguranças dadas pelo Governo Português (…). O que o Governo de Sua Majestade deseja e em que mais insiste é no seguinte: que se enviem ao governador de Moçambique instruções telegráficas imediatas para que todas e quaisquer forças militares portuguesas no Chire e no país dos Macololos e Machonas se retirem. O Governo de Sua Majestade entende que, sem isto, todas as seguranças dadas pelo Governo Português são ilusórias. Mr. Petre ver-se-á obrigado, à vista das suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação se uma resposta satisfatória à precedente intimação não for por ele recebida esta tarde; e o navio de Sua Majestade Enchentress está em Vigo esperando as suas ordens.

O Ultimato teve, em Portugal, uma repercussão dolorosa e profunda.
Alcançou grande efeito, a de 0de à Inglaterra de Guerra Junqueiro, que em Alcobaça se vendeu na Farmácia Campeão independentemente das cores partidárias, após aquisição de alguns exemplares em Lisboa, na qual se fazia o contraste entre os objetivos das colonizações inglesa e portuguesa.
Ó bêbada Inglaterra, ó cínica impudente,
Que tens levado tu ao Negro e à escravidão
Chitas e hipocrisia, Evangelho e aguardente,
Repartindo por todo o escuro continente
Mortalha do Cristo em tanga de algodão.

Afonso Lopes Vieira também mimou a Inglaterra:
Se um inglês ao passar me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: Pois bem!
Se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,
Fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.
Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,
Fui eu que t'as cedi num dote de princesa.
E para te ensinar a ser correto já,
Coloquei-te na mão a xícara de chá...
O termo Pérfida Albion que recolheu o agrado generalizado em Portugal, fora utilizado com sucesso, anos antes, pelo poeta e diplomata francês, de origem espanhola, Augustin Louis Marie de Ximénèz, no poema L'Ere des Français, no qual exortava o ataque à Pérfida Álbion (Albion é a designação no grego arcaico de Inglaterra) nas suas próprias águas.
Havia muito boa gente que se interrogava como é que um povo que conheceu tardiamente o chá e o garfo, que bebe vinho do porto fora do Natal, que tem o palato habituado ao rosbife, que ainda não se reconciliou com o alho arriscando sérias degenerescências pituitárias, haveria de se acostumar ao caldo verde ou pastéis de bacalhau, enfim perceber e dar-se com os portugueses?

O Teatro da Alegria, em Lisboa, esgotou as lotações com a revista A Torpeza, cujo argumento era o Ultimato e especialmente a política do regime, considerada responsável pelo malogro da quimera africana.
Este incidente mereceu de Eça de Queiroz, o comentário que, a partir de Paris, endereçou a Oliveira Martins: Não estou certo do que deva pensar desse renascimento do patriotismo, esses gritos, esses crepes sobre a face de Camões, esses apelos às academias do mundo, esse renunciamento heroico das casimiras e do ferro forjado, essas joias oferecidas à Pátria pelas senhoras, essas pateadas aos Burnays e Mosers, esse ressurgir verbosa em que o estudante do liceu e o negociante de retalho me parecem tomar de repente o comando do velho galeão português (…) esse inteligente patriotismo que leva os jornais a não quererem receber mais periódicos ingleses, os professores a não quererem ensinar mais o Inglês, os empresários a não quererem que nos seus teatros entrem ingleses, os proprietários de hotéis a não quererem que nos seus quartos se alojem ingleses-, parece-me uma invenção do inglês Dickens. Mas este humor sarcástico, permitia-lhe aperceber-se o que havia de sentido, na reação portuguesa: Nunca, creio eu, houve, antes deste, um momento em que Portugal moderno estivesse tão acordado e atento . (…) Ou a minha ingenuidade é grande, ou há decerto alguns milhares de homens em Portugal que desejem outra coisa, sem saberem o quê.

-5-O FIM DE UM SONHO COR-DE-ROSA.
O MARQUÊS DE SOVERAL-
Os republicanos incluíram no seu programa, o desenvolvimento do Ultramar, pelo que o colonialismo, ao lado de um forte nacionalismo, caraterizou o seu ideário, suscitando também aqui uma variedade de sonhos, quiçá românticos.
Portugal queria comparar-se à Bélgica ou à Holanda na capacidade de construir um império. O comunicado final, do governo português ao Ultimato, enquanto um vaso de guerra inglês esperava a resposta, afirmava que em presença duma rutura eminente das relações com a Grã-Bretanha e todas as consequências que poderiam dela derivar, o Governo resolve ceder às exigências recentemente formuladas nos dois últimos memorandos, ressalvando por todas as formas os direitos da Coroa de Portugal nas regiões africanas de que se trata, protestando bem assim pelo direito que lhe confere o artigo 12°. do Ato Geral de Berlim de ser resolvido o assunto em litígio por mediação ou arbitragem. O Governo vai expedir para o Governo-Geral de Moçambique as ordens exigidas pela Grã-Bretanha.
Era o fim de um Sonho Cor-de-Rosa.

O Príncipe de Gales (tardiamente chegado a Eduardo VII), era primo e amigo de D. Carlos, de Portugal.
O Marquês de Soveral (elegante e talentoso diplomata), conseguiu conquistar a consideração, se não o afeto, do filho da Rainha Vitória, a qual já tinha recomendado ao sobrinho, D. Carlos, que promovesse o diplomata de Primeiro Secretário da Embaixada a Ministro Plenipotenciário e condecorara-o com a Grã Cruz de S. Miguel e S. Jorge. Aquando do Ultimato, o diplomata português devolveu a condecoração britânica. Ao ultraje, D. Carlos respondeu com a devolução das condecorações inglesas, gesto essencialmente simbólico, cujo impacto podendo ser eventualmente considerável junto da opinião pública, não o foi neste caso, por influência da propaganda republicana.
Num jantar restrito, em que também estava presente o (ainda) Príncipe de Gales, alguém, em tom irónico e sobranceiro, perguntou ao Marquês de Soveral, quanto tempo gastaria a esquadra inglesa a bombardear Lisboa. Este volveu, que bombardear Lisboa, que é um porto indefeso por meio de uma esquadra, que consta ser a primeira do mundo, nem chegaria a ser valentia quanto mais heroicidade. Outra coisa seria colocar-se cada inglês em frente de cada português, podendo começar-se a experiência pelo que fez a pergunta e pelo que dá a resposta.
O Príncipe da Gales aplaudiu a resposta.




(II)


SUMÁRIO:
(1).O Direito Histórico e Ocupação Efetiva-(2).Expedições em África-(3).A Conferência de Berlim.A Ilustre Casa de Ramires-(4).O Mapa Cor-de-Rosa.O Ultimato da Pérfida Albion-(5).O Fim de um Sonho Cor de Rosa.O Marquês de Soveral-(6).A Crise em Pano de Fundo-(7).Serpa Pinto.Votos na CMA-(8).O Semana Alcobacense-(9).As Cédulas no Comércio-(10). Banhos da Piedade e de Mar-(11).Rafael Bordalo Pinheiro e John Bull-(12).O Senhor dos Aflitos-(13).Baile Campestre. S. João nos Capuchos e Alcobaça-(14).As Tabernas da Vila.Os Taberneiros do Porto-(15).Lixo, Cães Vadios e Estendal de Roupa-(16).A Associação Comercial de Lisboa-(17).Boa Comida Portuguesa-(18).Um Veículo a Deitar Fumo e Sem Cavalos.


-6-A CRISE EM PANO DE FUNDO-
A Alcobaça as notícias chegavam atrasadas, e a imprensa local estava mais preocupada com os assuntos correntes do dia-a-dia (sem prejuízo da bravata política rasteira), como a carestia de vida, o abastecimento de géneros alimentares, a falta de moeda metálica, o que dificultava as transações e poderia afetar a ordem e tranquilidade públicas.
Os preços dos principais géneros alimentares estavam a aumentar, tornando bastante difícil o dia a dia, se não a própria subsistência das classes mais desfavorecidas. O milho era pouco, não obstante a candonga, sendo o seu preço 660 reis, 300 reis o feijão, 640 reis o centeio e 299 reis o trigo, tendo em conta a medida tradicional de 17 litros. O azeite ia sendo suficiente, sem necessidade de se utilizarem canais irregulares.
Não obstante a animosidade contra a Inglaterra, havia em Alcobaça procura crescente de libras ouro (cada uma valia 800 reis), e os estabelecimentos do Zé Militar e Loja da Bola Encarnada, propunham-se adquiri-las a quem as quisesse vender, o que não era frequente, salvo em desespero de causa.

A crise financeira de 1891, deveria ser tema de estudo na História Portuguesa, do século XIX. A ela está ligado o fim de um período de estabilidade monetária e cambial, bem como de relativo desenvolvimento económico. A crise começou por ser financeira, pois as finanças do Estado e o sistema bancário colapsaram. Depois, a crise acarretou uma crise económica, e a estagnação do crescimento da riqueza, tendo como pano de fundo a crise política despoletada pelo Ultimato, a que se juntou mais uma crise financeira provocada pelos encargos do Estado com a dívida externa consolidada, que tinham ascendido, em 1891, a cerca de 20% das suas despesas.
A falta de dinheiro, mais que a de moeda metálica para trocos, tornou-se um dos principais fatores de perturbação da vida portuguesa, na década de 1890.
A opinião pública de Alcobaça ficou muito chocada com a morte, em fevereiro de 1891, do lavrador Manuel da Costa Lourenço às mãos um servo, a quem devia 3 semanas de jorna, alegadamente por falta de dinheiro para lhe pagar. O criminoso fugiu, acabando por ser descoberto e preso sem oferecer resistência, refugiado num algar, após ter sido denunciado às autoridades por um cabreiro dos Casais de Stª. Teresa.
Entretanto, à crise financeira e política, juntou-se em 1892 uma depressão económica, que afetou os países europeus, e que obrigou o governo português, no mês de janeiro, a afirmar que seria impossível pagar pontualmente os encargos com a dívida. O regime monetário, consagrado pela Carta de Lei, de 29 de julho de 1854, era o padrão-ouro, adotado pela Grã-Bretanha, a referência, liberalizado o trânsito de metais com o exterior, assim como a amoedação de ouro pelos particulares, pois a da prata estava sujeita a autorização oficial. Este regime, especialmente, através destes direitos de amoedação, colocava a emissão da moeda-padrão no controle do mercado e a liberalização do trânsito de metais com o exterior, dava ao mercado o controle do volume de moeda em circulação.
A principal razão da adoção deste regime monetário, foi a necessidade de criar um ambiente de confiança para o investimento estrangeiro, sobretudo da praça de Londres, a mais importante do mundo, que viabilizasse os projetos de obras públicas lançados nas décadas anteriores.

-7-SERPA PINTO.
VOTOS NA CMA-
O vereador Augusto Rodolfo Jorge, na sessão da Câmara de 22 de janeiro de 1890, apresentou a proposta que foi aprovada por unanimidade: A Câmara Municipal de Alcobaça repetindo o eco de toda a Nação Portuguesa ofendida vilmente no seu brio e sentimento de nacionalidade pela maior das afrontas, protesta contra o ato de violência e deslealdade com que a Inglaterra acabou de proceder contra Portugal.

Pelo mesmo vereador, na sessão de 9 de abril seguinte, foi declarado, proposto e aprovado, que estando prevista a próxima chegada a Portugal de Serpa Pinto, brioso militar que nos territórios de África expôs valentemente a sua vida para defender o País das prepotências da Inglaterra e sustentar a honra da Bandeira, seria justo que o município alcobacense se associasse às demonstrações de júbilo e patriotismo que em Lisboa vão ser feitas à sua chegada fazendo assinalar na vila esse dia como verdadeira gala e festa nacional. Atendendo, porém, que o município não pode despender uma quantia que pudesse fazer face às despesas com os festejos que condignamente assinalassem a chegada desse verdadeiro patriota e arrojado militar, propõe que nesse dia seja arvorada em frente dos Paços do Concelho, a bandeira nacional, que se dê feriado aos empregados e lhe seja enviado um telegrama de felicitações pelo regresso à Pátria e pelo denodo com que soube sustentar o brio e a honra de povo português, pequeno em território, mas grande em feitos heroicos e ações magnânimas

-8-O SEMANA ALCOBACENSE-
Comentava-se e sugeria-se na imprensa alcobacense afeta aos republicanos (o Semana Alcobacense, ainda de certo modo contido) que a situação configurava-se como dramática.
O povo português, era incapaz de perceber as sucessivas mutações de uma crise que não passavam (pelo contrário) pelo seu atenuar. Se vivia mal, assim continuava a viver. Se era pouco ou nada letrado, embora fizesse reclamações claras e concretas, tinha que contar com políticos profissionais, que em Alcobaça, Leiria ou Lisboa, faziam diagnósticos mas não tinham ideias das tarefas que lhes competia atacar.
Foram anos de inconsciência que levaram ao descrédito das instituições do regime e que macularam a sanidade mental das pessoas. Os políticos que no poder anunciavam que queriam compartilhar as suas opções com a oposição, quase nunca queriam que esta compartilhasse as suas com eles.
Segundo o Semana Alcobacense, as questões económicas assumiam uma enorme gravidade e predominavam sobre as questões políticas. Se é correto dizer que nem só de pão vive o homem, também o é também que a liberdade pode alimentar os espíritos, mas não pode nutrir o corpo. A grande massa dos trabalhadores, não queria saber de políticos, de políticas de liberdades (fictícias), outrossim reclamava trabalho e pão. A redenção do País, na ótica desta imprensa muito comprometida, haveria de se alicerçar na organização do trabalho, pois enquanto não se obtiver o equilíbrio entre a importação e exportação, os portugueses terão uma vida angustiada, a cada passo pautada por crises e pavores.

Se havia alguns perigos decorrentes desta grave situação, eles passavam pela multiplicação de fraudes ou expedientes.
Não foi por mero acaso que o Ministério da Fazenda, tenha afixado editais ao longo do País, em Alcobaça na Junta de Paróquia, Câmara Municipal e Recebedoria, a dar conhecimento que não se iriam aceitar moedas de prata com buracos ou falhas, em que se reconheça terem sido feitos fraudulentamente, tal como não serão mais aceites moedas que apresentem pingos de chumbo ou zinco.

-9-AS CÉDULAS NO COMÉRCIO-
Como outras localidades do País, Alcobaça iria assistir à emissão (pela primeira vez), de cédulas, ainda que não oficiais.
Para a oposição republicana (expressa no Semana Alcobacense), seria conveniente decretar o curso forçado do papel bancário, pelo menos temporariamente, até que as condições monetárias do país habilitassem os bancos a fazerem valer a sua conversão em moeda metálica. Este conjunto de providências conjugado com a proibição do ágio da prata, sob pena de severas medidas, qualquer que fosse a forma que revestisse, haveria de atenuar a crise interna, e facilitar as transações do comércio e o pagamento dos salários.
Contra o uso forçado de papel bancário, havia a recusa do povo, receoso de ser enganado ao receber uma moeda, cujo valor desconhecia. Para o resolver, o mesmo jornal propunha a adoção de notas de tamanho e cor conforme o valor, em que se estampasse o cunho da moeda de prata que representassem. O povo, passaria a conhecer as notas de pequeno valor, que com uma grande emissão passariam a abundar no mercado, e a dificuldade em as aceitar atenuar-se-ia com o tempo.
O comércio, a indústria e a agricultura ficariam mais desafogados, perante uma crise, contra a qual os esforços desenvolvidos não tinham resultado, outros sim pareciam agravar-se.

-10-BANHOS DA PIEDADE E DE MAR-
A Câmara Municipal de Alcobaça aprovou a compra que o vereador J. Almeida e Silva fez de uma caldeira para os Banhos da Piedade, e registou, com apreço e reconhecimento, a sua oferta para proceder e dirigir o assentamento.
Como era do conhecimento da generalidade dos alcobacenses, o edifício dos Banhos/Termas da Piedade situa-se a pouco mais de dois quilómetros da vila, logo adiante à antiga Fábrica Fiação e Tecidos. O percurso, como dizia empoladamente a publicidade nos jornais e na Farmácia Campeão, efetuava-se entre uma verdura opulenta e sem tréguas dos montes de elevada estatura ou das planícies estendendo-se até onde a vista alcança, sendo um enlevo de que os olhos não despregam. Mas, verdade seja dita, a estrada era muito má.
As águas da Piedade gozavam, assegurava-se, de uma antiga e merecida fama, pois as suas qualidades terapêuticas, têm a recomendá-las uma larga e sólida reputação, dados os inúmeros casos em que provaram a eficácia em padecimentos como a dispepsia, escrofula, gota, reumatismo ou afeções uterinas, sem olvidar as manifestações hepáticas, úlceras atónitas, congestões bem como inflamações do fígado e baço.
A esposa do comerciante Júlio dos Santos Henriques, ao fim de cerca de dois meses de tratamentos aos achaques de dispepsia, começou a sentir-se melhor, o que anunciou com satisfação a  familiares e amigas. O Ten. Cor. João Serra Conceição, também frequentou os Banhos da Piedade para aliviar uma doença de fígado o que acarretou que alguns dos seus subordinados os viessem a utilizar.

O hábito de ir a banhos de mar começou a desenvolver-se a partir da segunda metade do século XIX.
Ramalho Ortigão escreveu que a questão era um simples pretexto para a peregrinação das famílias alegres em sítios frescos. Mas a partir desta altura percebeu-se a importância de mar (banhos e sol), como instrumento de prevenção e tratamento de certas maleitas, bem como o papel retemperador do espírito e corpo.
Importante tanto para adultos como para crianças. De acordo com a pedagogia do mesmo autor, a praia, assim considerada é um claustro, um templo, onde se pratica uma religião, onde todas as mães se deveriam devotar fervorosamente durante alguns meses do ano ao futuro, que não é mais que a compleição, o temperamento, a energia e o vigor dos filhos. (…) As crianças regressam mais crescidas, mais pesadas, mais fortes, e as mulheres mais dignas, mais saudáveis, mais novas e mais belas. (…)
No Oeste, a grande praia de banhos era a Nazaré, sem prejuízo de alguns veraneantes fazerem piqueniques às praias da Foz do Arelho/Lagoa de Óbidos e S. Martinho do Porto, ou à frescura de Tornada, aonde se deslocavam de comboio. Chegado o outono, terminava a época de banhos, a família regressava a casa e à rotina do dia a dia até ao próximo ano, esperado ansiosamente.
Que bom é ir à praia.

-11-RAFAEL BORDALO PINHEIRO E JOHN BULL-
Em abril de 1890, a população de Alcobaça (a que lia jornais e não era muita), regozijou quando soube que Rafael Bordalo Pinheiro ofereceu ao Cap. Serpa Pinto, um escarrador em louça das Caldas, representando o John Bull, sobraçando dois sacos a transbordar de libras de ouro.
Admitiu-se adquirir uma cópia abrindo para o efeito uma subscrição, para a expor no edifício da Câmara Municipal, mas Bordalo Pinheiro não acedeu à delegação municipal de Alcobaça que a Caldas da Rainha foi falar com ele, no seu atelier. O autor pretendia que fosse peça única. E foi.
John Bull é uma personificação da Grã-Bretanha criada por John Arbuthnot, em 1712, e popularizada inicialmente pelos impressores britânicos e depois por ilustradores e escritores, como o americano Thomas Nast e o irlandês Bernard Shaw.
É por vezes usado depreciativamente como símbolo ou representação do Reino Unido/GB, não sendo bem visto como representante da Escócia ou País de Gales, já que é encarado como inglês, não britânico. 
Ramalho Ortigão escreveu também a Carta a Sir John Bull onde se dirigia à muleta inglesa a quem subservientemente nos encostámos e cedemos a capacidade de autodeterminação, o futuro sustento e soberania. Ramalho assinava a carta com a dedicatória teu amigo, aliado e freguês constantemente explorado e agradecido.

-12-O SENHOR DOS AFLITOS-
Os alcobacenses, nesse ano de 1890 aderiram, sem distinção de posses ou classes, com farto entusiasmo, à Romaria do Senhor dos Aflitos, que se realizava no início de junho, no arraial dos Capuchos.
A festividade começou no sábado à noite, com uma fogueira a preparar o dia seguinte, onde iria atuar, como cabeça de cartaz, a Filarmónica Alcobacense. A missa do meio-dia, foi celebrada com a presença de muitos fiéis, que iam chegando aos poucos. Ao Evangelho, subiu ao púlpito o pequenino, gordinho e insinuante Pe. Matos que, com a sua palavra elegante e empolgante, marcou um ponto alto da festividade religiosa. Sim, a componente religiosa das festas era importante para os alcobacenses.
A missa acabou. A saída, a Filarmónica executou no adro trechos musicais de sabor popular, findos os quais, se dirigiu para o arraial.
Deu-se então início ao assalto aos farnéis, um dos melhores e mais saborosos números do programa do dia. Cada um escolheu os pontos para abancar, se possível sob a copa hospitaleira de árvores corpulentas ou estirou-se pela relva que começava a despontar e livrava das durezas da terra ressequida. As viandas saltaram das puceiras e cestos de vime, espalharam-se pelas toalhas e mesas que encheram, numa azáfama digna de valentes exploradores, acompanhadas por uns goles alentadores de um tinto espesso e escuro que saía alegremente e sem cerimónia dos sempre prontos odres de borracha para as sempre prontas gargantas. Entretanto, ia chegando mais gente das redondezas, e o arraial aumentava de vida. A música continuava a soar, pelo que a dança irrompeu naturalmente. Nada havia capaz de vencer o ardor da mocidade e dos menos moços alcobacenses, a alegria estampou-se nos rostos. O garrido do vestuário feminino dava um tom atraente e inconfundível à primavera que se aproximava rapidamente do verão.
O dia não é eterno, e daí a pouco o arraial voltou ao silêncio, povoado apenas pelos freixos, sob cujas copas frondosas se havia verificado a gostosa refrega.

Poesia? Sem dúvida, mas que é a vida sem poesia… ou sem refregas?
Por romarias como esta, ainda perpassava o quadro, nada poético, que W. Beckford, descreveu com a severidade exagerada da sua crítica, gente torcicolada, infeta, arrastando-se, mostrando as chagas, lado a lado com famílias alegres e bem alimentadas. Eram cegos, aleijados, chaguentos, leprosos, sem nojo uns dos outros. Pedia-se tudo, desde um seio materno, até a borla de um caixão. Esses desgraçados eram, por vezes, controlados por empresários que os mostravam como os ciganos ao urso nas ruas citadinas.
Era raro o português que não se comovia perante um destes mendigos, e quanto mais feliz e confiante se julgava, mais era capaz de contribuir.

-13-BAILE CAMPESTRE.
S. JOÃO NOS CAPUCHOS E ALCOBAÇA-
Para os Santos Populares, o negociante de suínos António Feliciano Machado e afamado hortelão, de Chiqueda, organizou na horta ao lado da sua casa um baile campestre, animado por um velhote, tocador de concertina, habitual nestes eventos, pago com 3 garrafões de vinho tinto e 1 de aguardente, que ali mesmo começou a consumir por conta, e se prolongou até às primeiras horas da madrugada. As horas que lhe sobravam da pocilga, dedicava-as com paixão extremosa à horta que tratava com infinita dedicação. Couves, cenouras e nabiças, nasciam naquele palmo de terra como não nascia nas vizinhas. Era com visível orgulho que oferecia aos amigos e vendia aos fregueses toda a sorte de vegetais.
A iniciativa teve tanto êxito, apesar de uma briga entre duas vizinhas por causa de o marido de uma requestar a outra, que o Machado a repetiu na noite de Santo António, agora com a novidade de uma iluminação à veneziana.
Em mesas corridas, serviu-se vinho, sardinha assada que se esgotou rapidamente, acompanhada de pão tipo caseiro da Vestiaria, e café.

Para alguns alcobacenses, haveria de ser recordada a noite que se seguiu, festejando o S. João, dada a animação de foguetes, fogos de bengala e de rua. Para o sucesso, foi decisiva a atuação o Grupo Musical Ferreira Penteado, que a partir dez da noite, percorreu diversas ruas, tendo chegado à Fonte Nova, onde tocou para rapazes e raparigas, que dançaram com entusiasmo. Depois veio até ao Rossio, onde no coreto executou mimosas composições, cujo desempenho lhe valeu palmas e pedidos de bis. Por volta das duas da madrugada, o Grupo Musical FP despediu-se ao som do seu hino, pelo que os últimos resistentes, começaram a recolher a casa.  

No dia 24, também se realizou no arraial dos Capuchos, a festa S. João.
Mais uma vez, e como se esperava foi boa a concorrência popular, mas à cautela para manter a ordem, e nos moldes habituais, foi destacada uma força de cavalaria, comandada pelo estimado turquelense Alf. José Guedes. No recinto, havia mesas com refrigerantes e barracas de comes e bebes, que fizeram regular o negócio, animado pela Filarmónica Alcobacense, que se houve plausivelmente, apesar de desfalcada de três importantes elementos.









(III)




SUMÁRIO:
(1).O Direito Histórico e Ocupação Efetiva-(2).Expedições em África-(3).A Conferência de Berlim.A Ilustre Casa de Ramires-(4).O Mapa Cor-de-Rosa.O Ultimato da Pérfida Albion-(5).O Fim de um Sonho Cor de Rosa.O Marquês de Soveral-(6).A Crise em Pano de Fundo-(7).Serpa Pinto.Votos na CMA-(8).O Semana Alcobacense-(9).As Cédulas no Comércio-(10). Banhos da Piedade e de Mar-(11).Rafael Bordalo Pinheiro e John Bull-(12).O Senhor dos Aflitos-(13).Baile Campestre. S. João nos Capuchos e Alcobaça-(14).As Tabernas da Vila.Os Taberneiros do Porto-(15).Lixo, Cães Vadios e Estendal de Roupa-(16).A Associação Comercial de Lisboa-(17).Boa Comida Portuguesa-(18).Um Veículo a Deitar Fumo e Sem Cavalos.




-14-AS TABERNAS DA VILA.
OS TABERNEIROS DO PORTO-
O funcionamento das tabernas na vila, começou a ser uma preocupação, apesar de se encontrarem ligadas ao tradicional modo de vida dos homens.
Mães de família de Alcobaça, queixaram-se ao Presidente da Câmara, Manuel José de Sousa Oliveira, que, ao invés do que a lei dispunha, as tabernas do centro, mantinham-se abertas até altas horas, servindo vinho e aguardente e permitindo a batota, mesmo em noites de semana, com prejuízo do orçamento, sossego e descanso dos operários e famílias.
Sem resultado, pois a situação manteve-se, graças à aliança dos taberneiros entre si, que não abriram mão do negócio.

E nem sabiam da revolta dos taberneiros do Porto, ocorrida há cerca de 150 anos e que terminou mal. Com a fundação em 1756, da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, a venda na cidade do Porto, de vinho a retalho, passou a ser negócio exclusivo daquela. Os taberneiros da cidade não gostaram da medida, e revoltaram-se na manhã do dia 23 de fevereiro de 1757. Aos seus protestos, juntou-se o do povo. Aqueles temiam a ruína económica, enquanto este receava o aumento do preço do vinho, importante na sua dieta e modo de vida.
No portuense Largo de S. Domingos junto ao chafariz, vivia o juiz do povo. Os amotinados entraram-lhe em casa e foram encontrá-lo na cama, doente. Obrigaram-no a entrar numa cadeirinha em que o conduziram até à residência do chanceler para lhe solicitar a extinção da Companhia. Andavam nisto, de um lado para o outro, entre seis e sete mil pessoas, no meio de um grande alvoroço enquanto, nas torres da Catedral e da igreja da Misericórdia, os sinos tocavam a rebate. Sebastião José de Carvalho e Melo, iria promover o castigo dos revoltosos, de forma bárbara, severamente desproporcionada pois considerou o incidente como rebelião contra a própria pessoa do Rei e os seus intervenientes como réus do crime de lesa-majestade. Nomeou uma alçada, de que fazia parte o Desembargador José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo, e que condenou à morte 21 homens e 9 mulheres, e a penas menos duras 155 homens e 33 mulheres.
A sentença executou‑se no dia 11 de outubro em 13 homens e 4 mulheres, porque os outros conseguiram fugir.

-15-LIXO, CÃES VADIOS E ESTENDAL DE ROUPA-
A Câmara Municipal de Alcobaça, continuou a recordar ser proibido deitar lixo para a rua ou fazer despejos, propondo-se tomar medidas enérgicas para contrariar estes procedimentos pouco respeitosos, bem como a proceder à eliminação, através de bolas envenenadas, dos cães vadios existentes no concelho, para o que foram expedidas as necessárias instruções aos regedores das freguesias.
A progressão dos casos de raiva no país e sua deteção em Alcobaça em particular (terá sido um), justificava estas medidas urgentes, embora desagradáveis.
Ao mesmo tempo, haveria que recordar à população que os cães, depois de mortos (terão sido cerca de 70), não deveriam ficar expostos ao tempo.

O Semana Alcobacense, tomava a iniciativa de renovar o pedido para se por cobro ao abuso de se estender inestética e pouco salutarmente roupa nas janelas e ruas da vila.

-16-A ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE LISBOA-
O Presidente do Ministério, Dias da Cunha preocupado com a complexa e dramática situação que não conseguia resolver, apesar dos vários diagnósticos coincidentes, solicitou à Associação Comercial de Lisboa, uma opinião não só sobre as causas da crise, mas sobre o mais importante, isto é, a forma de a ultrapassar.
Esta, cometeu a Luís Filipe da Mata a incumbência de redigir um relatório, o qual depois de discutido, foi aprovado pelo Governo com ligeiras emendas, dado ter sido considerado muito sensato.
O caminho estaria, eventualmente, bem traçado, embora o mais difícil segundo o autor, consistisse na capacidade ou vontade de o trilhar.
Em Alcobaça, a Câmara seguiu o conteúdo das propostas do relatório, manifestando ao Governo disponibilidade para colaborar na medida da sua capacidade.

-17-BOA COMIDA PORTUGUESA-
Ainda há pessoas que entendem que a alimentação rural é melhor e mais saudável que a da cidade.
Em muitos casos, não deixam de ter razão. Já Camilo, através de Afonso de Teive, escrevia que a poesia do estômago, esta mais que toda a poesia humanitária, não se dá nas cidades, lá come-se materialmente, aqui (na província) dá-se ao espírito a presidência em todas as matérias assimiláveis.
Ideia que poesia e cozinha são semelhantes, porventura irmãs, encontra-se, por exemplo, em Os Maias, a propósito de bacalhau confecionado por Alencar. Para Eça, uma pratada de ovos com chouriço, era a sensação de estar na aldeia. Carlos da Maia, no seu desejo de matar saudades da boa cozinha portuguesa, convidou Alencar e Bruges para um jantarinho à portuguesa, onde não estavam ausentes o cozido, o grão de bico e o arroz no forno.
Lá longe em Paris, Jacinto sentia saudades da gastronomia trasmontana.
Deitando uma acha ao lume, pensei como devia estar boa a sopa dourada da tia Vicência. Há quanto tempo a não provava, nem o leitão assado, nem o arroz de forno de nossa casa.
Recorde-se como eram simples as refeições de Jacinto em Tormes (caldo de galinha com moelas e fígado), que lhe justificavam os encómios mais profundos e sentidos. O arroz de favas (comida dos moços da quinta) estava bom, precioso mesmo. Mas também se faziam pratos como a cabidela ou cabrito assado num espeto de cerejeira, sem menos qualidade.
E o vinho caindo do alto, da bojuda infusa verde, um vinho fresco, esperto, e tendo muita alma, entrando mais na alma que muito poema ou livro santo?

-18-UM VEÍCULO A DEITAR FUMO E SEM CAVALOS-
O silêncio e pacatez da vila, até então uma vez ou outra interrompidos pelo tropel de cavalos, do cantar das rodas dos carros de boi, foram quebrados por um estranho barulho.
Todos correram à  porta e janelas para ver o que estava a ocorrer, venham ver...  um pequeno veículo preto sem cavalos !!!, de pneus maciços, aros de madeira, recobertos de borracha dura, que depois de parado algum tempo em frente ao Mosteiro, havia arrancado em direção a Caldas da Rainha.  
Oh vizinho, já me está a ver com um veículo daqueles?  O mundo está perdido, nunca se viu vi um bicho desses aqui na terra. Até deita fumo.

José Almeida e Silva (já referido atrás), não foi propriamente um sportsman no sentido britânico da expressão, mas um proprietário rural abastado, inteligente e ativo, que dispunha de uma especial curiosidade pelas engenhocas. Desempenhou ainda funções como Vereador, Presidente da Câmara e Administrador do Concelho. Em 1889, requereu à Câmara de Alcobaça licença para estabelecer uma linha telefónica, com cerca de dois quilómetros de comprimento, a ligar a sua residência na Quinta de Stª. Teresa, nos Capuchos, à de seu sogro José de Sousa Leão em Alcobaça. Almeida e Silva instalou no primeiro andar do prédio onde funcionou a Farmácia Campeão e sede do PC, o primeiro telefone que houve na Vila, uma novidade mesmo em Portugal, dado ter sido inventado nos Estados Unidos em 1875 e introduzido na Europa em 1877.
Em Alcobaça havia telégrafo pois, em 6 de setembro de 1865, foi pedido ao Dr. António dos Santos Brilhante, para que conjuntamente com o deputado do Reino, o alcobacense António Lúcio Tavares Crespo (que viria a ter papel importante na instalação do elevador do Sítio da Nazaré), diligenciasse no sentido da criação de duas instalações telegráficas, uma em Alcobaça e outra em S. Martinho do Porto. Instalado o telégrafo, constatou-se logo e com grande preocupação que a estação de Alcobaça seria uma das que fechariam no quadro de anunciados cortes orçamentais do governo, se, porventura, a Câmara Municipal não requeresse em tempo a sua conservação, o que veio a acontecer corria o ano de 1869.
Só a 22 de abril de 1929 se inaugurou a primeira cabine telefónica na vila de Alcobaça, em luzida e concorrida cerimónia sob a égide do Governador Civil de Leiria, o carismático e antigo combatente nas trincheiras da I Guerra, Ten. Silva Mendes (mais tarde capitão). Pelas 16 horas, nos Paços do Concelho, realizou-se uma sessão solene, enaltecendo-se a importância do acontecimento, que a Ditadura Nacional propiciava. Seguidamente, as individualidades rumaram à Estação Telégrafo-Postal para inaugurar formalmente a rede telefónica que dispunha de 52 assinantes e à noite, a Câmara Municipal ofereceu aos convidados um banquete.
Recordem-se alguns dos primeiros números telefónicos atribuídos em Alcobaça: 1-Central Telefónica, 2-Câmara Municipal, 3-Secretaria Judicial, 4-GNR, 6-Companhia Fiação e Tecidos de Alcobaça, 9-Sociedade de Automóveis Cruz de Cristo, 10-José Emílio Raposo de Magalhães, 17-José Sanches Furtado, 26-Sindicato Agrícola, 27-Dr. Mário Pina Cabral, 32-Asilo de Mendicidade, 42-Pensão Restaurante Corações Unidos, 45-Comissão de Iniciativa e Turismo, 46-Secretaria de Finanças, 48-Hospital da Misericórdia, 50-Associação Comercial e Industrial.
As telecomunicações, embora devagar, iam crescendo.
O Chefe dos Correios, Telégrafos e Telefones de Leiria, em março de 1932, contactou a Câmara Municipal para prestar colaboração no sentido da instalação de Postos Telefónicos nas sedes de algumas freguesias do Concelho. Almeida e Silva ainda dirigiu a instalação do telefone de segurança no elevador da Nazaré, aquando da sua inauguração em 1899.

Segundo reza a tradição, a primeira passagem de um automóvel pela vila de Alcobaça, terá acontecido no terrado em frente ao Mosteiro, em data incerta, o mais tardar em 1898, o que causou grande emoção, senão mesmo algum temor entre os populares uns que fugiram ou que foram afoitamente a correr atrás dele, durante algum tempo.
Porém, a primeira referência escrita conhecida à existência de um automóvel em Alcobaça, consta do Semana Alcobacense, de 30 de abril de 1899 e diz respeito a um automóvel que se deslocava em direção a Caldas da Rainha. Almeida e Silva entusiasmou-se pela novidade pelo que foi encomendar um automóvel ao Porto, nos Estabelecimentos João Garrido, com sede na Rua Passos Manuel, um Clement, que demorou a ser entregue ao comprador (dezembro de 1899), pois teve problemas na alfândega, que não sabia como o classificar e lhe aplicou uma taxa exorbitante só suportável por pessoas abastadas. Foi este o primeiro automóvel a ser propriedade de um alcobacense, pelo que antes de começar a circular esteve em exposição pública, no pátio do Palacete Costa Veiga, à Rua Frei Fortunato.

As estradas na região de Alcobaça, como no País em geral, eram más, muito más, principalmente em condições climatéricas desfavoráveis.
As queixas eram mais que muitas, concretamente por parte dos que iam de Alcobaça a Nazaré, a Caldas da Rainha, a Rio Maior ou Leiria.
O panorama era sempre o mesmo, e segundo a imprensa as estradas cheias de barrancos dificultando todo o género de transportes e o público bramando, possuído de toda a razão, porque um tal estado de coisas o prejudica gravemente, dificultando a sua importação, entravando a sua exportação e, atrás disto, enchendo de embaraços tudo o mais que constitui o movimento recíproco e constante de todos os povos.
Isto, em certa medida, ajuda a compreender que, no ano de 1900, se tenham vendido em todo o País apenas 13 automóveis. Note-se que, em 1901, foi publicado o esboço do primeiro Código de Estrada, em 1902 se realizou o Raid Figueira da Foz-Lisboa, com passagem e paragem (para almoço) em Alcobaça e termo na Igreja do Campo Grande. Dado o impacto destas iniciativas, foi fundado o Real Automóvel Club de Portugal, o que ajudou a que o automóvel se começasse a vulgarizar, embora a ritmo menor que na restante Europa.
Não admira também por isso que a visita em automóvel, em janeiro de 1903, que o Príncipe (herdeiro) Luís Filipe e o seu irmão Infante D. Manuel (futuro D. Manuel II), fizeram a Alcobaça, tivesse tido muito público e entusiasmo no terrado do Mosteiro, talvez mais pelo meio de transporte, que por razões políticas ou afetivas com a casa real.
Durante alguns anos mais, os transportes em Alcobaça iriam continuar a fazer-se, fundamentalmente, em veículos de tração animal. Assim, em julho de 1904, João dos Santos Carreira, tomou de trespasse a carreira semanal entre Alcobaça e Lisboa, que saía da vila ao meio dia de segunda-feira e regressava na sexta-feira, levando encomendas ou dinheiro, mesmo para quaisquer das localidades existentes ao longo do percurso. Este industrial possuía ainda duas galeras e um char-a-banc que alugava para quaisquer serviços, independentemente da carreira.

Os automóveis iam ganhando terreno.
Em Leiria, corria o ano de 1906, formou-se uma empresa para explorar carreiras automóveis no distrito, tendo-se criado logo o percurso Leiria-Batalha-Porto de Mós-Alcobaça-Nazaré e vice-versa.
Para o serviço de transporte de peixe da Nazaré, foi estabelecida uma carreira viária especial. Porém, a Câmara e as pessoas de Alcobaça queixavam-se em 1910, que o transporte do correio para a estação de caminho de ferro de Valado de Frades (em veículos de tração animal), saindo muitas vezes depois do horário, o que acrescido ao mau estado da estrada, apesar de não ser muito complicado deitar-lhe umas carradas de cascalho, um cantoneiro atento para qualquer buraco que fosse aparecendo e a desgraça não seria tamanha, originava que chegasse depois do comboio, Em Alcobaça aconselhava-se a utilizar a estrada para o Valado após uma refeição, porque as comodidades da viagem aliviavam rapidamente o estômago.
Por estas razões, o movimento da estação de caminho de ferro de Valado de Frades estava a diminuir, o que levou a que a CP oficiasse a Câmara Municipal de Alcobaça informando que chegou à conclusão que o movimento de passageiros no verão de 1910 não fora compatível com os sacrifícios que o horário representava para a empresa, demonstrando impossibilidade de se manter, obrigando mesmo a algumas reduções.
Por alturas de abril de 1913, o alcobacense António Marques Trindade, tentando alegadamente acompanhar os ventos do progresso, trespassou a sua alquilaria,  abrindo uma garagem de automóveis para alugar (devidamente montada), na Rua Dr. Brilhante, comprou um automóvel novo, que dirigido por indivíduo devidamente habilitado, alugará a preços módicos para todos os pontos, onde as vias de comunicação se prestem. Como dizia o mesmo Trindade, esperava que os alcobacenses lhe dessem preferência nos serviços da sua alquilaria (automóvel), o continuarão obsequiando com a utilização dos magníficos elementos de transporte que agora está habilitado a fornecer-lhes.

E se havia automóveis, a gasolina como se vendia? Como não havia bombas públicas, era vendida ao litro, tal como o azeite, o branco ou tinto, na Casa Vitorino & Vitorino, que também alugava e reparava bicicletas, vendia pneus, gramofones, as últimas novidades em discos, máquinas de costura e pêndulas americanas.
Só mais tarde, por alturas de 1920, se irão iniciar em Alcobaça diligências com vista a constituir-se uma empresa de viação com dimensão, cujo fim era a exploração dos serviços de condução e transporte de pessoas e mercadorias por meio de camions e outros veículos similares.
A encabeçar este projeto, encontrava-se o muito dinâmico Joaquim Guimarães, do Sindicato Agrícola, futura Cooperativa Agrícola de Alcobaça.





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