terça-feira, 21 de janeiro de 2020

NO TEMPO DOS BÓERES EM PORTUGAL CALDAS DA RAINHA, ALCOBAÇA, TOMAR, PENICHE, ABRANTES E S. JULIÃO da BARRA

NO TEMPO DOS BÓERES EM PORTUGAL
CALDAS DA RAINHA, ALCOBAÇA, TOMAR, PENICHE, ABRANTES E S. JULIÃO da BARRA.
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OS BÓERES EM PORTUGAL

-PORTUGAL 1900-
 
   Portugal é um país que, tradicionalmente, tem revelado quando necessário abertura ao acolhimento de refugiados, pois o Povo compreende e aceita que o Governo atenda, com generosidade, os pedidos seriamente formulados.   Mas nunca foi propriamente um país de exílios, mas de trânsito.
Os refugiados estão protegidos por sentimentos de solidariedade, por se saber o que lhes aconteceu e famílias, que perderam tudo, a vida em clima de horror nos seus países e a necessidade de ajuda.
No Portugal de 1900, especialmente em algumas localidades, assistiu-se a um esforço inigualável por parte de pessoas e organizações que se uniram e para oferecer uma resposta eficaz ao acolhimento e acompanhamento de refugiados/deportados vencidos numa guerra longínqua, com a qual aparentemente não havia relação.
Esta prática é a afirmação de uma das mais relevantes virtudes do povo português, a eficaz hospitalidade, pois todos, independentemente do extrato social, acorrem no desejo de prestar serviço, ajudar os desconhecidos, auxiliar os perseguidos da sorte, num comovente e apaixonado anseio de fraternidade.

Terminada a Guerra Anglo-bóer em 1876, cerca de seiscentas famílias bóeres entraram no deserto do Kalaari, na procura de local para se instalarem, longe dos britânicos.
Viajavam em grandes caravanas. Os carrões eram parecidos com os dos filmes de cowboys, puxados por seis a oito bois, se não mais, com uma estrutura tão simples como uma caixa grande de madeira assente em dois eixos. As rodas traseiras, maiores, eram fixas. As dianteiras, um pouco mais pequenas, giravam à vontade do condutor. Um bom sistema de travagem tornava seguras as descidas íngremes. O teto de lona, esticado sobre arcadas de madeira, isolava da chuva, do calor, do pó e dos mosquitos. As arcas de arrumação serviam de assentos. Ao longo do trek, os bóeres passaram fome e sede, sofreram com a seca e com as febres, perderam gente, gado e haveres e alguns desanimaram, dispersaram, desistiram e voltaram para trás. Outros, prosseguiram até ao Sul de Angola e percorreram as margens dos grandes rios Cubango e Cunene. Acabaram por estabelecer contactos com as autoridades portuguesas e obtiveram a concessão de terra para se instalarem.
No centro da Fazenda Jamba, rodeado por morangueiros, um pequeno cemitério é delimitado por um simples muro para impedir a entrada de animais, e um portão sem fechadura. Com duas dezenas de malcuidados túmulos de bóeres com cerca de um século, o cemitério é zelado há três gerações pela família de Yudo Borges que tomou conta da fazenda, que todos os anos é visitada por caravanas de sul-africanos e namibianos, países onde vivem os seus descendentes.
A 20 minutos de carro do Lubango, capital da Huíla, Humpata é uma localidade essencialmente agrícola, com grandes fazendas.
Vieram até aqui, produziram, trabalharam muito e quando se aborreceram foram-se embora, recorda Yudo Borges, o administrador da Fazenda Jamba, que herdou do pai e do avô. Comprada aos bóeres pela família Borges, pouco antes da independência de Angola, a Fazenda Jamba conservou a tradição da comunidade sul-africana e chegou a ter 600 vacas holandesas leiteiras.
Esse cemitério é o vestígio que subsiste, e em risco de se perder, da presença da comunidade, não obstante ter sido reconhecido pelo Governo angolano como património cultural nacional. Ver foto junta.
Mais e cinco décadas após a saída dos bóeres da Humpata, o Museu Regional da Huíla, está a tentar recuperar a memória e história dessa comunidade que marcou a agricultura local, o que não tem sido fácil, dado a falta de informação e documentação do período de administração portuguesa.
O museu recuperou a estátua do jovem alferes Artur Paiva, que serviu como intérprete de língua inglesa e ficou a comandar o destacamento militar que se estabeleceu no local. Nomeado em 1882 o primeiro administrador do concelho da Humpata, veio a casar com Jacquelina Botha, filha do chefe da colónia bóer.
A primeira colónia de 270 bóeres era em 1880, composta por 57 chefes de família, liderada por Jacobus Botha.  Era um patriarca, à maneira bíblica, chefe religioso, político e militar experimentado em guerras e sofrimento.
A Guerra Anglo-bóer não parece ter influenciado a situação destes africânderes.
Em 1927, a África do Sul, pretendendo contrariar a influência alemã na Damaralândia, desenvolveu uma campanha destinada convencer os bóeres a regressarem à terra mãe. A iniciativa teve êxito. Em 1928, quase todos os bóeres mudaram-se para o Sudoeste Africano. Foi um novo trek.
Quatro famílias ficaram na Humpata. As outras, carregaram novamente os carrões. Na margem esquerda do rio Cunene, ao avistarem a bandeira sul-africana, reuniram-se para cantarem Hinos de Acão de Graças. A pequena colónia constituída por 270 pessoas que tinha viajado até à Humpata em 1880, havia crescido, contando agora perto de 2.000 almas.[1]



[1]-Soraia Ferreira, diretora do Museu da Huíla/Angola.
Diário de Notícias.


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