ARRAIAIS NOS CAPUCHOS (arredores de Alcobaça),
SANTOS POPULARES
E
W. BECKFORD
A população nesse difícil ano de 1890 aderiu, sem distinção de posses, classes ou credos políticos, e com entusiasmo, à Romaria do Senhor dos Aflitos, que se realiza no início de junho, nos Capuchos (Évora de Alcobaça). A festividade começou no sábado, com uma fogueira a preparar o dia seguinte, onde iria atuar, como cabeça de cartaz, a Filarmónica Alcobacense. A missa ao meio-dia, foi celebrada com a presença de muitos fiéis. Ao Evangelho, subiu ao púlpito o pequenino, gordinho e insinuante Prior da Freguesia que, com a sua palavra “elegante e empolgante”, marcou um ponto alto da festividade. Sim, a componente religiosa das festas era importante para os alcobacenses, mesmo republicanos neste caso salvo raras exceções.
A missa acabou. A
saída, a Filarmónica executou no adro alguns trechos de sabor popular, findos
os quais, se dirigiu com garbo, maestro na dianteira, para o arraial. Deu-se
então início ao assalto aos farnéis, este sim, um dos melhores, mais saborosos e
aguardados números do dia. Cada um, escolheu os melhores pontos para abancar,
se possível sob a copa hospitaleira de árvores corpulentas, ou estirou-se pela
relva que começava a despontar e livrava da dureza da terra ressequida. As
viandas saltaram das puceiras e dos cestos de vime, espalharam-se pelas toalhas
e mesas que encheram, numa azáfama digna de valentes exploradores, acompanhadas
por uns goles alentadores de um tinto espesso, escuro e forte que saía
alegremente e sem cerimónia dos sempre prontos odres de borracha, para as
sempre prontas gargantas. À medida
que iam chegando mais romeiros, o arraial aumentava de animação. A música
continuava a soar, pelo que a dança naturalmente irrompeu. Nada havia capaz de
vencer o ardor dos moços e dos menos moços alcobacenses, pelo que a alegria se estampou
nos rostos corados e ofegantes. O garrido das toiletes femininas conferia um tom atraente e inconfundível à
primavera que se aproximava rapidamente do verão.
O dia
não é eterno, e daí a pouco o arraial naturalmente voltou ao silêncio, povoado
apenas pelo rumorejar dos freixos, sob cujas copas frondosas se havia
verificado a gostosa refrega. No próximo ano cá estaremos de novo
Poesia,
dirão os circunspetos leitores de 2022. Sem dúvida, mas o que é a vida sem
poesia, mesmo em tempo económica e politicamente difíceis?
Por
romarias como esta, ainda perpassava o quadro, aliás nada poético, que W.
Beckford descreveu com severidade, “gente torcicolada, infecta, arrastando-se,
mostrando as chagas, lado a lado com famílias alegres e bem alimentadas. Eram
cegos, aleijados, chaguentos, leprosos, sem nojo uns dos outros. Pedia-se tudo,
desde um seio materno, até a borla de um caixão. Esses desgraçados eram, por
vezes, controlados por empresários que os mostravam como os ciganos ao urso nas
ruas citadinas”.
Era
raro o alcobacense que não se comovia perante um destes mendigos, e quanto mais
feliz e confiante se sentia, mais era capaz de ajudar.
Para
os Santos Populares, o negociante de suínos António Feliciano Machado, de
Chiqueda, organizou na horta ao lado da sua casa um baile campestre, animado
por um velhote, tocador de concertina, habitual nestes eventos, pago com 3
garrafões de vinho tinto e 1 de aguardente, que ali mesmo começou a consumir
por conta, e se prolongou até às primeiras horas da madrugada. A iniciativa
teve tanto êxito, apesar de uma briga entre duas vizinhas por causa de o marido
de uma requestar a outra, que o Machado a repetiu na noite de Santo António,
agora com a novidade de uma iluminação à veneziana. Em mesas corridas,
serviu-se vinho, sardinha assada que se esgotou rapidamente, acompanhada de pão
tipo caseiro da Vestiaria, e café.
Para
alguns alcobacenses, haveria de ser recordada durante bastante tempo a noite
que se seguiu, festejando o S. João, dada a animação de foguetes, fogos de
bengala e de rua. Para o sucesso, foi decisiva a atuação o Grupo Musical Ferreira Penteado, que a partir dez da noite,
percorreu diversas ruas, tendo chegado por volta da meia-noite à Fonte Nova,
onde tocou para rapazes e raparigas, que dançaram com entusiasmo. Depois veio
até ao Rossio, onde no coreto executou “mimosas
composições”, cujo desempenho lhe valeu palmas e pedidos de bis. Por volta
das duas da madrugada, o Grupo Musical FP despediu-se ao som do seu hino, pelo
que os retardatários, começaram a recolher a casa. Amanhã é dia de trabalho.
No dia
24, ainda se realizou no arraial dos Capuchos, a festa de S. João. Mais uma
vez, e como se esperava foi boa a concorrência popular, mas à cautela para
manter a ordem, e nos moldes habituais, foi destacada uma força de cavalaria,
comandada pelo estimado, o turquelense Alf. José Guedes. No
recinto, havia mesas com refrigerantes e barracas de comes e bebes, que fizeram
regular o negócio, animado pela Filarmónica Alcobacense, que se houve “plausivelmente”, apesar de desfalcada de
três importantes elementos.
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