UM PAPA EM PORTUGAL
FLeming
de OLiveira
O
ambiente era de tensão, entre o Governo Português e o Vaticano, nesses tempos
finais do salazarismo, embora a maioria dos portugueses não se apercebesse
disso.
“Oficialmente
nada sei, mas, pessoalmente, creio que o Papa” (Paulo VI) “virá a Portugal, caso não haja implicações internacionais que
o não permitam”, declarou, com cautela, o leiriense Cónego José Galamba de
Oliveira, vice-presidente da comissão central das comemorações do
cinquentenário das aparições.
Os rumores de uma visita papal
a Portugal começaram a circular durante a cerimónia da entrega por Paulo VI da Rosa
de Oiro ao Santuário de Fátima e, embora sem confirmação oficial, passaram a
ter acolhimento muito favorável nas autoridades eclesiásticas portuguesas. A
viagem foi publicitada na Audiência Geral de 2 de maio de 1967 e apresentada como uma “peregrinação para honrar Maria Santíssima e invocar a sua intercessão
em favor da paz na Igreja e no Mundo. A peregrinação rapidíssima, terá caráter
privado. Sua Santidade o Papa, partirá para Fátima no dia 13, e o avião
aterrará no aeródromo de Monte Real. Depois de celebrar missa e falar aos fiéis, regressará a Roma
no mesmo dia”.
Do ponto de vista
da comunicação social, a visita papal foi, provavelmente, o acontecimento mais
mediático a que, até então, se assistira e que veio atenuar a política
isolacionista do Estado Novo e também fonte de inspiração e estímulo para os
que se lhe opunham.
Salazar terá
“jurado” a Franco Nogueira que
enquanto fosse vivo, Paulo VI não viria a Portugal, que lhe recusaria o visto de entrada.
À partida, era expectável que a visita do Papa se prestasse a
ser fortemente capitalizada pelo regime. Mas também acabou por se revelar
mobilizadora e benéfica para as oposições, que reconheciam os seus anseios e
preocupações no discurso de Paulo VI que liderava um movimento de renovação da
Igreja, que assumira a causa dos mais fracos e denunciava as injustiças
decorrentes de um capitalismo feroz e alheado do progresso dos povos, que por
isso fomentava a revolta e a guerra.
Conforme o embaixador de Portugal em
Roma, António de Faria, o Pontífice tardou todavia a dar o “sim”
à deslocação.
O primeiro a receber no Vaticano um
arcebispo de Canterbury (na época, Geoffrey Fisher)
foi porém João
XXIII, a 2 de
dezembro de 1960. O primeiro encontro entre um Pontífice e um Primaz da Comunhão Anglicana desde
1559, foi um marco do ecumenismo. Mas, curiosamente, um evento do qual não
existe nenhuma fotografia. Afinal a Igreja também faz “birras”…
Conta-se que o parecer favorável
de João XXIII ao encontro (o pedido vinha do próprio Fisher) gerou
turbulência na Cúria, pelo que não foi destacado fotógrafo para o
acontecimento. Não foi uma decisão improvisada, mas sim preparada por anos de
atenta reaproximação, mas que nem a fórmula de uma “visita de cortesia” foi suficiente para torná-la menos explosiva.
Paulo VI foi o primeiro
Papa a fazer com regularidade, viagens para fora do Vaticano. Antes de Fátima,
foi à Terra Santa, à Assembleia Geral de ONU, em 1963 ao Congresso Eucarístico
em Bombaim, o que Franco Nogueira, qualificou como “um agravo gratuito, no duplo sentido de que
é inútil e injusto para com um país católico”.
A deslocação a Fátima, à partida, não foi apreciada pelo governo
português. Permanecia o agravo entre a Índia e Portugal, pois aquela tinha
invadido e ocupado Goa, Damão e Diu em dezembro de 1961, e, apesar da tentativa
do Papa em procurar mostrar que a ida a Bombaim não era um gesto hostil a
Portugal e ao catolicismo português, provocou uma forte reação por parte de
Salazar e do Governo.
A
visita papal a Portugal deveria ser um momento de glória, nunca de embaraço.
Não foi uma visita de Estado, o
Pontífice decidiu não ir a Lisboa, não pernoitar em Portugal mas aceitar ser
convidado do Bispo de Leiria. Enfim, para mostrar o distanciamento face ao
regime político português.
Assim que correu a notícia da visita papal, o
país entrou em efervescência a preparar a receção que, além da solenidade
protocolar propriamente dita, se queria envolta em exuberantes manifestações populares
de carinho e apoio à sua pessoa (e ao regime…), bem como ao propósito da
peregrinação, a paz no mundo e o entendimento dos homens.
O regime controlava a comunicação
social, pelo que pode ao seu estilo apresentar e fazer o enquadramento da
visita, valorizando a vinda em si e apagando sinais desse distanciamento junto
da população. Era importante confirmar a imagem de um Portugal católico e leal,
sendo a multidão uma manifestação de apoio ao regime.
Essa postura, foi a que
passou para consumo interno.
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