
-BERNARDINO MACHADO
(1908), A REPÚBLICA E ALCOBAÇA-
Fleming
de Oliveira
Alcobaça era, em geral, uma terra
conservadora.
O Semana Alcobacense estava, porém, a
radicalizar posições, com textos sobre o momento político, onde se fazia o
apelo à revolução, não excluindo o regicídio. O
jornal utilizava como armas um jornalismo militante que se encarregava,
sistematicamente, de zurzir pela escrita mordaz, os adversários com afinco,
especialmente não republicanos. (…) A situação portuguesa não é solúvel dentro
das fórmulas legaes e normaes; ela tem que ser inevitavelmente resolvida por
acto violento que córte radicalmente o nó górdio da situação, isto é, que
destrua até os fundamentos da ordem político-jurídica subsistente e a substitua
por outra que corresponda inteiramente às exigências da moral social e das
aspirações e do sentimento cívico e patriótico dos portugueses. Assente isto, e
estabelecido que a ordem política a instituir é a República, visto como causa
originária do conflicto nacional reside na existência da Monarchia; reconhecida
a urgência desta substituição - que já tarda -, ocorre perguntar:- Conta a
democracia, isto é, o partido republicano, com os elementos necessários para
proceder a este acto urgente? (…).
Também não repudiava alinhar numa
campanha primariamente anticlerical, pois na Alemanha vae uma inferneira dos diabos, porque o Papa fez publicar uma
encyclica aggravando os povos e princípios protestantes, estando até iminente
um conflicto diplomático, por causa das palavras insultuosas de Pio X. Nenhuma
razão achamos para tão grande celeuma. Motivo achamos sim, mas é para estranhar
os despeitos e a attitude hostil dos allemães para com o Vaticano. O Papa falou
contra aquelles que andam fora da obediência ao seu cajado de pastor da
cristandade? Deixae-o lá! Está no seu papel – que é preciso ir reduzindo às
legítimas proporções de uma simples religião… prehistórica.
Durante cerca de 30 anos este
semanário foi quase o único jornal da Vila. Passou ao longo desses anos por
inúmeras dificuldades, a que não foram estranhas a falta de assinantes e
receitas de publicidade, bem como dissensões internas quanto à orientação
editorial. Após vários anúncios de eventual encerramento, o jornal suspendeu a
publicação em 3 de Julho de 1921, reaparecendo com outros responsáveis em 7 de
Maio de 1922 até 29 de Abril de 1923, em que encerrou definitivamente. Tinha
poucos assinantes e publicidade, além de que os que compunham o corpo
redatorial estavam zangados, de costas viradas uns com os outros.
O ardor republicano em Alcobaça
estava a desvanecer, ficara registado, por exemplo, numa fotografia de Carlos
Gomes de 1908, a propósito da visita de Bernardino Machado (a vontade era mesmo
convidar António José de Almeida), para
a inauguração do Centro Republicano Democrático e ali usar da palavra, bem como
realizar uma conferência no teatro.
Nessa altura os correligionários do ilustre e simpático
democrata preparam-lhe uma fraternal receção, indo alguns esperá-lo à estação
de caminho de ferro de Valado de Frades, enquanto outros, o aguardaram em
Alcobaça, pelo que formado um cortejo, acompanharam-no até a casa de José
Eduardo Raposo de Magalhães, onde ficou hospedado, na falta de instalações
condignas e por razões de companheirismo político.
Depois de ter assistido à inauguração do Centro (onde
foi servido um porto que a Casa Ferreira da Silva, tinha recebido de S. João da
Pesqueira), Bernardino Machado dirigiu-se para o teatro no Mosteiro, a fim de
realizar a sua conferência com sala lotada, tendo ficado pessoas de fora. Nos
camarotes, viam-se senhoras, havendo na assistência indivíduos pertencentes a
outros credos políticos como monárquicos, o que foi motivo de admiração e
pretexto para se dizer que não faltavam pessoas que se preparavam para passar
para o outro lado da barricada.
Quando Bernardino Machado, apareceu no palco, bem como
no decurso da conferência, ouviram-se prolongadas e calorosas salvas de palmas
e vivas.
O Dr. Francisco Baptista Zagallo em rápidas e breves
palavras fez a apresentação do conferencista Terminada a conferência, o
prestigioso democrata subiu para a caleche rumo ao palacete de José Raposo de
Magalhães, onde ocorreu uma receção a republicanos e se trocaram brindes.
Bernardino Machado retirou no dia seguinte para a Foz do Arelho, para
cumprimentar Afonso Costa que ali se encontrava a passar uns dias, seguindo só
depois para Lisboa.
Antes da partida de Alcobaça, Bernardino Machado ainda
visitou o Hospital da Misericórdia, o Mosteiro, o museu de Vieira Natividade e
diversos pontos da vila, tirando na Fotografia Rebelo, de Carlos Gomes, o supra
referido retrato com a comissão municipal republicana e outros correligionários.
Apesar de ter sido um homem ligado ao sistema político
monárquico, dele se foi afastando aos poucos, assumindo convicções
republicanas. A sua intransigência, tal como Afonso Costa ou Alexandre Braga,
relativamente à questão dos Adiantamentos à Casa Real, não colhia, a simpatia
do Paço Real. É de referir que, não obstante o entusiasmo e empenhamento no
sucesso da República, não criticava muito severamente D. Carlos, que reputava
como vítima da irremediável decadência que tinha atingido a Monarquia, já que os
seus principais responsáveis não tinham energia para enfrentar a situação e a
defender. Em 1903, pronunciou no Ateneu Comercial de Lisboa, o discurso Da
Monarquia para a República que lhe valeu o trampolim para ser eleito Presidente
do Diretório do PRP/Partido Republicano Português. Bernardino Machado veio a
lamentar o Regicídio, por o entender desnecessário para o surgimento de uma
República que conduzisse Portugal pelos novos tempos e rumos.
Em Abril de 1906, em companhia de Américo d’Oliveira e
de seu primo Rodrigo Lopes d’Oliveira Júnior, tinha estado em Alcobaça Artur
Leitão, conhecida figura do Partido Republicano, e Miguel Machado, filho de
Bernardino Machado. Aproveitando a sua estada em Alcobaça, fizeram duas
conferências no Centro Republicano, apesar de funcionar em instalações
precárias, o que impedia afluência de público e muito especialmente dos não
militantes, ao contrário do teatro.
O republicanismo local, imputável mais a um grupo
restrito que à generalidade da população, não era muito fácil de manter, pelo
que ia esmorecendo, perante os repetidos conflitos pessoais com cortes de
relações e picardias, bem como as dificuldades de vida que o município de
parcos recursos não conseguia minorar. A implantação da República acarretou
alguma emoção nos primeiros tempos, apesar dos exageros relativamente a
personalidades respeitáveis, à Igreja corporizada no clero, mas a guerra na
Europa acarretou um pequeno (mas nada generalizado) refrear de ímpeto
militante.
A alvorada do dia 5 de Outubro de 1914, foi anunciada em
Alcobaça, do morro do castelo, com uma salva de 21 morteiros, para a qual foi
realizada uma subscrição (prática muito habitual como temos referido). Durante
o dia a bandeira verde e rubra, conservou-se hasteada nos edifícios públicos, depois
iluminados à noite, e em algumas casas particulares de indefetíveis
republicanos. Como não tivesse havido possibilidades materiais para contratar
uma filarmónica para atuar naquele dia, a Comissão Executiva da Câmara
Municipal conseguiu, graças ao empenhamento de Eurico Araújo, com a autorização
de Pereira Caldas, Comandante dos Grupos de Artilharia aquartelados no
Mosteiro, que a respetiva charanga, desse uma audição na parte de tarde, no
coreto da Praça. Aí apareceram algumas famílias que aproveitaram o momento de
descanso para farnelar, tanto mais que esteve um belo dia de início de outono.
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