quarta-feira, 2 de abril de 2014

O MUD EM ALCOBAÇA. A COMISSÃO DOS JURISTAS DEMOCRÁTICOS. SANCHES FURTADO. RECORDAR PARA NÃO ESQUECER.

 

O MUD EM ALCOBAÇA.
A COMISSÃO DOS JURISTAS DEMOCRÁTICOS.
SANCHES FURTADO.
RECORDAR PARA NÃO ESQUECER.

Fleming de Oliveira



É interessante recordar, no âmbito MUD, a Comissão dos Juristas Democráticos, umas das primeiras subsecções a iniciar atividade.
Embora o DL nº35044, de 20 de outubro de 1945, tivesse extinguido o Tribunal Militar Especia, e criado os Tribunais Plenários, encarregados de julgar os alegados crimes contra a Segurança do Estado, pouco ou nada mudou.
Um dos primeiros casos a chegar à Comissão de Juristas Democráticos, foi o dos marinheiros do Dão e Afonso de Albuquerque, que tinham sido julgados e condenados em 1936, pelo Tribunal Militar Especial. A defesa destes e outros políticos, bem como a denúncia continuada das arbitrariedades do regime e da polícia política, foram atos de coragem e de desprendimento de advogados que, por amor à causa, fizeram da barra do tribunal, uma trincheira de combate.
Tanto quanto o movimento se sentiu credor de adesão popular, na mesma medida se tornou uma ameaça para o Regime. Para Salazar, quem não fosse por ele era contra ele (e comunista), pelo que pouco mais de três anos depois, em janeiro de 1948, ilegalizou-o, sob o pretexto de ligações ao PC. No entanto o MUD, ainda veio a apoiar a candidatura do Gen. Norton de Matos, em 1949.

A par do MUD existia o MUDJuvenil, entre os quais militavam Salgado Zenha, João Sá da Costa, Júlio Pomar, Maria Fernanda Silva, Mário Sacramento, Mário Soares, Fidelino Figueiredo e Rui Grácio.
No MUDJuvenil conviviam várias ideologias e tendências, que de comum tinham o serem oposicionistas à Ditadura e ao Estado Novo.
Ferrer Correia, meu Professor na F.D. Univ. Coimbra, e mais tarde Presidente da Fundação Gulbenkian após Azeredo Perdigão, foi um dos juristas e académicos que aderiu ao MUD no pós-guerra. Mestre reputado, fez percurso coerente de defesa dos ideais republicanos e académicos. Aluno brilhante, doutorou-se aos 27 anos com uma tese sobre o Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico que lhe granjeou prestígio a nível internacional. As convicções políticas, contudo, haviam de lhe atrasar a carreira académica: em 1945, com outros mestres da Faculdade de Direito, como Manuel de Andrade, Teixeira Ribeiro e Eduardo Correia (estes dois que também foram meus professores), aderiu ao Movimento de Unidade Democrática, o que lhe valeu ter de esperar dois anos pela abertura do concurso para Professor Extraordinário da instituição.

O MUD, tal como o MUDJuvenil, também teve presença em Alcobaça. A apreensão em Alcobaça de documentos relativos ao MUD, de um jornal clandestino e de um panfleto anti-fascista, no ano de 1947 que constam do Processo nº 230/47 da PIDE, que a Profª. Zulmira Marques consultou, têm interesse para a pequena história política de Alcobaça. 
No dia 28 de Abril de 1947, no laboratório da Farmácia Campião foram descobertos um Relatório e Mapas de Contas da Comissão Concelhia de Alcobaça do MUD, um exemplar muito amarelecido do n°19 do jornal clandestino A Terra (de 1945), e um panfleto intitulado O Povo Português Quer Justiça. o jornal A Terra, assumia-se como órgão anti-fascista e trazia no editorial um artigo muito crítico de Salazar.

Estiveram, entre outros, envolvidos na formação e desenvolvimento do MUD, em Alcobaça:
-Carlos Pereira Campeão, farmacêutico, de 64 anos, casado, natural de Tomar, dono da farmácia com o mesmo nome, que ainda hoje existe;
-Acácio da Silva Morais, de 37 anos, casado, empregado na Farmácia Campião;
-Artur Faria Borda, de 38 anos, casado, comerciante;
-Joaquim Belo Marques da Silveira, de 56 anos, divorciado, farmacêutico;
-José Sanches Furtado, de 56 anos, casado, comerciante;
-João da Trindade Ferreira, de 32 anos, solteiro, comerciante;
-António Joaquim Moreira, de 51 anos, casado, proprietário, de Évora de Alcobaça;
-Joaquim dos Santos Cesário, de 42 anos, casado, empregado comercial;
-Adelino Serrano de Sousa e Silva, de 25 anos, solteiro, empregado de comércio;
-José de Oliveira Júnior, de 51 anos, casado, industrial de tipografia;
-João Duarte, de 62 anos, casado, reformado dos correios; e
-Aníbal Duarte, de 32 anos, casado, industrial de tipografia (dono da Tipografia Provir), e residente nas Caldas da Rainha;
Segundo o processo, que vou seguir de perto graças à disponibilidade e amabilidade da Profª. Zulmira Marques (filha de J. Sanches Furtado), chamado a depor pela seção local da PIDE, o proprietário da Farmácia Campeão, Carlos Pereira Campeão, afirmou que o exemplar do Relatório e Mapas de Contas do MUD lhe foram entregues na sua ausência, desconhecendo a pessoa que o tivesse enviado, enquanto que o jornal e o panfleto clandestinos lhe foram enviados pelo correio, desconhecendo o remetente. O interrogado garantiu que na farmácia nunca teve mais exemplares do Relatório e Mapas de Contas do MUD, mas que teve na montra um impresso aconselhando o povo a fazer o seu recenseamento eleitoral, trabalho executado pela Comissão Concelhia do MUD, e um impresso com as instruções para essa ação cívica. Declarou que quem recebeu, via correio, tais impressos foi o seu empregado Acácio da Silva Morais.
Chamado a depor, José Sanches Furtado afirmou que faz efetivamente parte da Comissão Concelhia do MUD de Alcobaça, sem sede fixa, entidade que tem cobrado quota aos adeptos. José Sanches Furtado disse ignorar quem foi a pessoa que enviou os documentos.
Artur Faria Borda referiu por sua vez que o Relatório e Mapas de Contas do MUD foi impresso na Tipografia Provir, dado a recusa da parte da Tipografia Alcobacense em executar o trabalho.
Todos os demais implicados neste processo, foram ouvidos pelos agentes da PIDE, mas os seus testemunhos não acrescentaram nada de relevante para o historial do caso.
Os Autos de Declarações podem ser consultados nos originais existentes na Torre do Tombo.

Por fim, há que mencionar um relatório da PIDE acerca destes acontecimentos e a avaliação do meio político de Alcobaça. Neste documento é transmitida a ideia que Alcobaça é uma terra pouco afeta à Situação (o que não era de todo uma avaliação muito correta…) e que, por via disso, os trabalhos de investigação foram difíceis e demorados. Os agentes da PIDE queixavam-se, da quase inexistência de colaboradores bufos,  nos órgãos camarários e policiais da terra.

De acordo ainda com informações disponibilizadas pela Profª. Zulmira Marques, seu pai José Sanches Furtado, nasceu em 28 de Dezembro de 1891, no seio duma família da alta burguesia de Alcobaça e, naturalmente pela sua condição, estaria destinado a ter uma vida fácil e acomodada.
Porém, ele era muito diferente de seu pai, um monárquico fervoroso, duas vezes Presidente da Câmara e que nem queria ouvir falar da República, que se anunciava…. Meu pai tinha 19 anos quando foi proclamada a República, e no ardor da sua juventude, ela tornou-se a sua grande paixão. Serviu-a abnegadamente, foi duas vezes Administrador do Conselho de Alcobaça, granjeou muitas simpatias nas populações, pela forma como exerceu essas competências. Quando se deu a Revolta de Braga e depois a Revolução (28 de Maio de 1926), para ele foi um golpe terrível, e a partir daí tudo fez para que caísse o Estado Novo. Já em 1931, foi um dos mentores duma conspiração em que, seriam cortadas as comunicações em Pataias (que já referi atrás). Por isso, um grupo de alcobacenses teve que fugir para Espanha, onde estiveram exilados durante dois anos. Quando regressou a Alcobaça, não se conformou com a situação e depois de ter estado muito activo nas várias conspirações como, a Revolta da Mealhada foi de casa de meu pai que a família Botelho Moniz, primos do General Botelho Moniz, sairam juntamente com meu pai, já todos devidamente fardados para ir cortar as comunicações no Valado. Negligentemente e como sucedeu várias vezes ao longo de sua vida, quando lá chegaram foram informados que a revolta abortara e tiveram que regressar a minha casa. Quando das eleições do General Norton de Matos, foi um dos elementos mais activos, e isso valeu-lhe ser de novo preso e ter estado em Caxias durante três meses. Não esteve mais tempo porque nessa altura era Procurador-Geral da República, seu primo António Furtado Santos que intercedeu por ele. Infelizmente alguns dos seus companheiros, como pertenciam ao PC, estiveram presos em Peniche durante vários anos. Meu pai pertencia ao Partido Republicano Democrático, de Afonso Costa, e toda a vida se guiou esse ideário. Quando das eleições em que interveio o General Humberto Delgado, pela oposição, apesar da idade e doença agitou o Concelho todo a seu favor, e acompanhou-o durante a sua estadia em Alcobaça, por todas as freguesias e no dia das eleições esteve a fiscalizar as urnas, tendo obtido o partido da oposição uma vitória.

Existe uma foto, tirada à porta do antigo Café Restaurante Bau e Pastelaria Toval, onde José Sanches Furtado aparece ao lado do general, que se encontra publicada no jornal O Alcoa, na secção RECORDAR PARA NÃO ESQUECER!
Nesta foto, a redação de O Alcoa, sob a pena de Orlando Carvalho Pedrosa (já falecido), qualificou José Sanches Furtado, como democrata, idealista, homem vertical que a todos deixou profunda saudade.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS






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