segunda-feira, 28 de abril de 2014

O 25 DE NOVEMBRO DE 1975 E OS VALOROSOS COMPANHEIROS DOS MONTES/ALCOBAÇA. UM CANHÃO CONTRA OS COMUNAS. ZÉ PÓVOA E FIRMINO FRANCO, ENTRE OUTROS. RIO MAIOR E MONTE REAL.

 




O 25 DE NOVEMBRO DE 1975 E OS VALOROSOS COMPANHEIROS DOS MONTES/ALCOBAÇA.
UM CANHÃO CONTRA OS COMUNAS.
ZÉ PÓVOA E FIRMINO FRANCO, ENTRE OUTROS.
RIO MAIOR E MONTE REAL.

Fleming de Oliveira


No dia 25 de novembro de 1975, José Firmino Franco regressava de Lisboa para os Montes, trazendo no compartimento de carga da carrinha, um canhão de bronze antigo, que tinha vindo de Luanda aonde, com mais quatro, esteve durante muitos anos exposto na Fortaleza, ao lado das estátuas dos “imortais ”.
Este canhão tinha vindo para Lisboa no cargueiro “Leixões”, da Companhia Nacional de Navegação, um dos últimos barcos que saiu de Angola, antes da independência.
Na Fortaleza, havia ao todo cinco canhões de bronze que foram salvos e carregados para Portugal, por iniciativa e ação de um alcobacense da Castanheira, que os trouxe no referido barco (aonde trabalhava), antes que as novas autoridades angolanas lhes dessem descaminho.
Manuel Gonçalves, antigo funcionário do Ministério do Ultramar e hoje reformado da CGD/Alcobaça, contou-me que se lembra muito bem de ver esses canhões e as estátuas na Fortaleza, quando ia em serviço a Luanda, secretariar as reuniões dos Governadores de Distrito.
José H. Franco foi buscar, a pedido do seu amigo, os cinco canhões ao barco, atracado no porto de Lisboa, tendo deixado quatro numa garagem de Benfica e trazendo o outro para Alcobaça. O canhão em questão, mesmo já não sendo uma arma (mas peça meramente decorativa de 90kg, que não fazia fogo), poderia mesmo assim suscitar dúvidas e problemas, tendo em conta os tempos conturbados.
A vinda de Lisboa era, justificada para efeitos de embelezar um jardim público talvez em Coz, o que aliás nunca veio a acontecer. Ao chegar a Rio Maior, Franco deparou com uma barricada de estrada instalada mesmo ao lado das Carnes Nobre, pelo que teve de parar. Percebeu, imediatamente, que estava entre amigos pois havia uma bandeira nacional aberta e estendida no chão da estrada.
Perguntado por um popular o que levava e para onde ia, Franco respondeu que levava um “bidão de gasóleo, sacos de açúcar e…um canhão para defesa de Alcobaça, contra os comunas”.
Os populares agradeceram-lhe vivamente o “patriótico” empenho, desejaram-lhe boa sorte e mandaram-no passar, sem revistar o carro.

No fim da tarde desse dia 25 de novembro de 1975, José Acácio do Santos pegou na sua estafada e velhinha carrinha Austin, de nove lugares, e dirigiu-se para o Café Catarino, no centro dos Montes, onde normalmente se reuniam os amigos da política, os companheiros PPD.
Durante o pequeno percurso de dois quilómetros teve medo, olhando para um lado e para outro à espera que lhe acontecesse algo. Falava-se, à boca fechada, que existia outra vez uma lista de nomes de pessoas a abater.
Boato ou não, a verdade é que algumas famílias dos Montes, supostamente mais expostas, passaram a não dormir conjuntamente na mesma casa. Era uma variante da “fantástica estória” da Matança da Páscoa.
Chegado ao café, encontrou pessoas que assistiam mudas e preocupadas às notícias da RTP. Passado algum tempo, entrou no café um grupelho com gritos de vitória, anunciando que vinham de Monte Real, de uma manifestação de apoio aos camaradas ocupantes da Base Aérea.
Queriam cerveja, e muita!

O Zé Loureiro, vulgo “Charuto”, que fervia em pouca água, com os seus sessenta anos, regressado pouco antes do 25 de Abril dos EUA, onde estivera emigrado durante muitos anos e que, não sendo político, tinha todavia um conceito de democracia muito diferente do PC, havia mesmo quem o rotulasse de anticomunista primário, levantou-se, deu um murro na mesa e disse em voz alta que “se eles vêm de lá, nós vamos para lá. Quem quer vir?”
Os “companheiros” dos Montes levantaram-se, deixando os recém chegados a comemorar consigo e as cervejas, uma vitória que, afinal, não foi.
Para Monte Real saíram dois carros com Firmino Franco, Zé Póvoa, Américo Malhó, Hermínio Fortes, Zé “Charuto”, e António Malhó. O sentimento que os possuía é que desta vez era o tudo ou nada. Alguns foram a casa buscar caçadeiras, cada um levou alguns cartuchos a mais, enquanto que o Zé “Charuto” encheu um saco de serapilheira, com cerca de nada menos de uns dois mil cartuchos! Hermínio Fortes levou o Zé “Charuto” no seu dois cavalos, de matrícula francesa. Os outros foram na Austin, do Zé Póvoa.
Ao chegarem a Monte Real, estacionaram a algumas centenas de metros da entrada da Base Aérea e junto a um poste de iluminação. As armas estavam escondidas por debaixo dos bancos traseiros do carro do Zé Póvoa e o saco com os dois mil cartuchos no banco da frente.
Como havia um candeeiro mesmo por cima, o saco ficava à vista, pelo que resolveram passá-lo para o banco traseiro. Colocaram-se em redor da carrinha para tapar, tentando não despertar a atenção de alguém que pudesse estar a observá-los. Ao transportarem o saco para a traseira do veículo, este com a precipitação rompeu-se, deixando cair alguns cartuchos para o chão. Com a preocupação de não serem vistos, apanharam apressadamente os cartuchos derramados, metendo alguns nos bolsos das calças e encaminharam-se para junto da multidão que estava concentrada em frente à entrada da Base. O Zé “Charuto” seguiu com José Acácio, aproximando-se ambos da rede de vedação. A multidão não se manifestava com muito ruído, mas apenas com uma palavra de ordem, aqui, outra ali. José Acácio dos Santos, viu que do lado de dentro da rede encontrava-se um grupo com cerca de cinquenta a setenta militares, voltados de frente para os manifestantes, enquanto que circulava à sua frente, um empertigado alferes ou tenente.
Pouco a pouco, os manifestantes começaram a aperceber-se que afinal eram muito mais e valentes os que estavam de fora que os de dentro, pelo que começaram a aumentar o ruído e pressão, com palavras de ordem e provocações.
Ao lado dos dois Zé’s (Acácio e “Charuto” ) estava uma senhora, de meia idade, que gritou para o graduado, “não tens vergonha de virar uma arma contra o povo e contra a tua própria família. Oh meu grande cabrão, vai para casa que a tua mulher está a f… com outro”.
O militar virou-se para a senhora, com a mão direita agarrou as calças acenando com o sexo e em seguida, virou a arma para a multidão num movimento transversal, como que a insinuar que poderia atirar a varrer.

O Zé “Charuto”, disse para o Zé Póvoa para se agarrar e apoiando-se nele, subiu pela rede para cima dum poste em cimento da vedação ficando com um pé no poste, outro no ombro do companheiro e gritou bem alto para o miitar, “ó meu filho da p… não tens vergonha de insultar esta senhora, andas ai a passear com uma arma que não é tua, que é paga pelo povo, não tens vergonha de a virar contra o povo, e se pensas que és um grande homem por teres a merda duma arma na mão, fica sabendo que aqui fora temos muito mais armas que aí dentro e para te provar toma lá estes cartuchos”.
Então foi ao bolso, tirou uma mão cheia deles e lançou-os na direção dele. A multidão, que estava a intensificar os protestos, galvanizou-se com o gesto, a tensão foi crescendo e ao fim de algum tempo estava forçada a rede com tal intensidade que alguns postes partiram.
A partir daí, começaram a avançar na direção dos militares que recuaram. Alguns rapazes correram em volta dirigindo-se para o edifício em frente, subiram para a placa do primeiro piso e ergueram a Bandeira Nacional. Desta vez, os militares da Base, não tiverem reação e passados minutos ouviu-se, nos altifalantes, a voz do Comandante (embargada pela comoção), a agradecer ao Povo, o que tinha sido conseguido. Contou que fora acordado de madrugada com uma arma apontada à cabeça, feito prisioneiro no próprio quartel e que nem sabia o que se estava a acontecer.

Eram altas horas da madrugada quando os “companheiros” regressaram aos Montes, muito satisfeitos, mas ainda com apreensão e receio de serem surpreendidos por algum piquete de barbudos mal encarados, lá para os lados da Marinha Grande.

Deste grupo dos Montes, há a destacar dois nomes, já desaparecidos há uns anos, sem desmerecer os demais.
Póvoa, que depois do 25 de Abril veio a ser o primeiro presidente da Junta de Freguesia de Alpedriz (onde Montes se integrava), era reconhecido pelas qualidades de trabalho e honradez, pela elevada importância que dava à família, pela crença em valores de ordem cívica e social, antes quebrar que torcer não obstante a sua índole tolerante e moderada.
Firmino Henriques Franco, agricultor de mãos calejadas, impunha-se pela espontaneidade, coração ao pé da boca, atividade e determinação, incapaz de dar o dito por não dito, sem nunca ter pactuado com “bufos” ou “queixinhas”.
Recordando o pai e esses tempos em que era ainda um rapazinho, Óscar Santos salientou-me que “estava a par de todos os acontecimentos políticos em que o grupo de resistentes de Montes participava. Tinha a noção exata do risco e da eminência duma luta armada que podia dar lugar a uma guerra civil. Felizmente o dia 25 de novembro de 1975, veio pôr alguma ordem na jovem democracia, imperou o bom senso e retomou-se a ordem”.

A Comissão Política Distrital do PPD de Leiria, com data de 26 de novembro de 1975, emitiu um comunicado em que se regozijava,
“(…) pela presença em massa dos nossos militantes e simpatizantes (em unidade com outros militantes de partidos democráticos) junto da Base Aérea de Monte Real em apoio dos militares daquela Base e em repúdio pela ação traiçoeira e criminosa do grupo de para-quedistas de Tancos.
Foi a firmeza da sua presença até às tantas da madrugada que forçou ao abandono daquela Base pelos militares revoltosos, tal como o declarou em agradecimento o próprio Comandante da Base Aérea de Monte Real.
Há, entretanto, um facto de extrema importância e significado que devemos denunciar desde já ao País.
Algumas centenas de militantes do PCP da Marinha Grande, logo nas primeiras horas do assalto e da ocupação dos para-quedistas, apareceram junto da Base a apoiá-los com incitamentos, cartazes, alimentos e dinheiro, ali permanecendo durante algumas horas até que começaram a debandar quando afluíram aos milhares militantes e simpatizantes do PPD e também do Partido Socialista.
Fica assim provado que o PCP deu todo o seu apoio à insurreição contrarrevolucionária que teve como guarda avançada os assaltos e ocupações dos para-quedistas de Tancos.
Os Portugueses têm de tirar todas as consequências deste comprometimento e a primeira que se impõe é a saída imediata do PC do VI Governo, coisa que já de há muito o PPD vinha exigindo e fica agora provado, que com inteiro acerto. (…)”

Quem assistia à RTP na noite de 25 de novembro, percebeu depressa o que se passava, pois era sinal que as forças democráticas tinham tomado a RTP e que se preparavam para ganhar o poder.
Note-se que se chegou a admitir a ilegalização do PC o que Melo Antunes teve o cuidado explícito de afastar.
Nos Montes, os PPD ou seus companheiros que não estavam a assistir à emissão da RTP, foram para o terreno.
Já falei deste grupo excecional de gente trabalhadora, honrada e do seu profundo enraizamento à grei, o conjunto mais coeso e forte que jamais houve no núcleo de Alcobaça, uma verdadeira trave mestra.
De 25 de abril de 1974 a 25 de novembro de 1975, tinham decorrido meses e meses de lutas, de noites perdidas, de debates no café do Catarino e no partido, de receios ao virar da esquina, de certezas e incertezas e agora corria-se o risco de ir tudo por água abaixo.
Nos Montes, os PPD e seus amigos, sentiram que podia ser desta que o comunismo se implantava pela força.
E manifestaram-se com sucesso e dignidade.


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