terça-feira, 6 de janeiro de 2009

FALANDO SOBRE A FAMÌLIA

FALANDO SOBRE A FAMÍLIA



-UMA CONFIDÊNCIA INÉDITA

Fleming de Oliveira

Vou confessar um pequeno segredo, um mal secreto, talvez um trauma, cuja origem nunca soube identificar, que me atormenta, corrói a alma e provoca insónias. É parecido com a inveja e a cobiça, não mete e nada tem a ver com o mulherio ou dinheiro!
É mesquinho e talvez, por isso, muito democrático, sem categoria, nem classe, como diria com snobismo um amigo meu BA, do Porto.

Mas sou assim. Trata-se do ciúme, esse pecado capital, como se dizia nas aulas de catequese do antigamente e que me crie uma azia, que nem se safa com kompensan reforçado.
É verdade, reconheço, que sou um irremediável ciumento que disfarço, escondo, pois não ando por aí a anunciar. Mas quem nunca sofreu deste mal como a minha Aninhas, que me diga cara a cara ou atire um remoque.

O ciúme, creio ser um pecado muito português, o que não me conforta de sobremaneira. Este é o meu momento de o registar pela primeira vez.
-Cobiça, é querer o que não se tem.
-Inveja, é não querer que o outro tenha.
-Ciúme, é reconhecer ser um outro superior, e saber que não se chega lá.

Embora tenha dentro de mim, este vírus desde pequenino, há muita gente incapaz de descortinar os meus sintomas.
Não espumo bolhas de ciúme, nem o faço brilhar no escuro, mas ao fim de tantos anos já não engano a A..
Tenho ciúme de quem ou de quê? Tenho ciúme de certas cabeças bem pensantes, que reconheço serem muito sofisticadas intelectualmente e especiais, e sinto ciúme de não me poder comparar a elas.

Gostaria de ser capaz de falar como um Marcelo ou escrever como um Eça. Dirão que não me fico por pouco. O óptimo é inimigo do bom? Mas como poderia ter ciúmes de não falar apenas como uma Maria ou não escrever como uma Margarida Rebelo Pinto que, mesmo assim, obtém grandes tiragens e proventos? Já li umas coisas dela. A única gravidade do tipo de literatura light é, apenas se mal escrita, mas quando bem escrita, pode ser uma boa indução à leitura. De António Lobo Antunes retiro esta nota, o que me preocupa são os autores que dizem que puseram os portugueses a ler. Isso é mentira. Puseram sim os portugueses a lerem-nos a eles e isso não é ler.
Mas como disse, sou assim, e abaixo disto, não me conformo.
Por isso, as minhas relações nem sempre são fáceis com pessoas que têm algumas das mesmas minhas fidelidades, as mesmas convicções políticas, religiosas ou assim. Nunca estou totalmente de acordo com essas pessoas, que o diga a Aninhas que é a pessoa mais próxima que tenho e me conhece, mesmo que tenha para isso de inventar no momento, divergências microscópicas, defeitos, formular dúvidas, objecções ou minudências.

Qualquer confrade é um colosso.
Qualquer opositor, não passa de uma besta quadrada. Prefiro? um comunista intelectualmente brilhante, a um democrata atrasado mental, como prefiro um preto compincha, a um branco rude e emproado.
A A., tal como o N. FO uma vez, diz que sou um chato, com quem não se pode falar, que a enfado no meu individualismo crítico.
Na verdade, abomino o colectivo, em todas as suas encarnações, especialmente a acabada soviética.
Quando era Deputado, se pudesse, antes de votar uma Lei, gostaria sempre de lhe acrescentar, pelo menos, um ponto e uma vírgula. Não sei se foi por isso que me mandaram embora, no fim da legislatura do Pinto Balsemão.

Mas também me irrita a estupidez, embora a não deva ignorar. Não será esta uma das Sete Maravilhas do Mundo, mas faz parte deste nosso mundo. Fazer coisas estúpidas faz parte da natureza humana, e não vale a pena fingir que a vida é só feita de inteligência e pessoas inteligentes, sensiblidade e bom senso como eu.
Decepcionado, descrente e descontente vou-me fechando em casa e no escritório, não me contentando no íntimo com o razoável, embora não consiga impugnar, de todo, a tese que o senso comum, afinal tem bem senso.

Provavelmente, tento transmitir ou acreditar em tanta racionalidade, porque sou naturalmente emotivo.
Admito, embora não goste de o reconhecer, que o coração é o meu órgão mais poderoso e influente, digam-me então, porque tive um AVC?, embora eu diga que não, que é a cabeça. O facto de a certa altura ter percebido que o ciúme é uma doença, o facto de o ter de forma tão compulsiva e incontrolada, revela uma aberração, a que não me consigo furtar.
Falei do meu ciúme, mas parece-me que também se pode falar da minha inveja, pequena, a que como bom português não estou de todo imune, que é como aquele, um pecado capital, e que encarada em termos colectivos, tem uma carga negativa.

Não sei mesmo se, é por isso, que não arrancamos em direcção ao futuro.
O trabalhador, tem inveja do patrão, e cada vez tem menos dinheiro e mais precariedade no emprego, o patrão tem inveja do trabalhador que quando despega do trabalho, desliga das preocupações da empresa até ao dia seguinte, o aluno tem inveja do professor, e cada vez sai mais gente da escola a saber menos, o professor tem inveja do aluno que classifica, como indisciplinado ou mal criado, e cada vez há mais professores com baixas psiquiátricas.

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