sexta-feira, 20 de abril de 2012

ANDANDO PELO MINHO, SEM ESQUECER A SÉ DE BRAGA E O (renovado) MOSTEIRO DE TIBÃES

Fleming de OLiveira

(I)

Quando pensa numas férias em Portugal só lhe surgem imagens de sol e mar?
Se é assim, estimado leitor, está com a mira profundamente desajustada.
Já alguma vez pensou ou fez um cruzeiro no Rio Douro, passando as comportas das barragens de Crestuma, Carrapatelo ou Régua, com escala em quintas do Douro Vinhateiro, para ver a paisagem a partir de Galafura e degustar um divinal nectar chamado Vinho do Porto? Ou um passeio de barco, entre os canais da Ria de Aveiro? Já foi à Mata do Buçaco? Ou passar uma noite num Turismo de Habitação? Já subiu a Monsaraz? Ou uma viagem aos Açores, para observar as furnas, comer um cosido, descer às lagoas (em S. Miguel) ou as baleias azuis no Atlântico (a partir do Faial ou Pico)?
Portugal, continua a oferecer muitas surpresas e está pleno de recantos, por descobrir.
Porque não partir, assim, à aventura, nos menos explorados do País? Esperam por si momentos emocionantes, inesquecíveis! Bem sei que apesar de boas estradas que temos, a gasolina está cara, muito cara, tal como as portagens…
Uma visita ao Norte de Portugal (é um tripeiro assumido que escreve estas notas, mas emigrado em terra de mouros onde vai deixar os ossos) é uma viagem no tempo, que o transportará aos primórdios da Nação.
A região está repleta de antigas citânias (pré-romanas), castelos (medievais), imponentes monumentos e solares barrocos (ao menos o ouro do Brasil serviu para alguma coisa, embora não tenha criado riqueza), preserva um rico manancial de histórias, tradições e lendas.
Nas verdejantes encostas da região, produz-se um famoso vinho do País, o Vinho Verde (que tanto pode ser branco, como tinto), e não há vila que não possua a sua especialidade gastronómica (será que o leitor não gosta de lampreia do Minho ou dos rojões de Ponte de Lima?).
























































(II)

Para mim (e assumo que não sou assético, nem imparcial), Braga ou Guimarães apresentam-se como a fisionomia de certas Avós que, por serem virtuosas, vão acumulando em si as características das várias idades, da infância, conservam a inocência, da juventude, o ardor, da maturidade, a sabedoria e, da velhice, a bondade.
Nesta Páscoa de 2012, minha Mulher e eu chegamos a Braga num instante a partir do Porto e ao lado de largas e floridas avenidas, encontramos logo um dédalo de ruas estreitas, repletas de marcas de um passado ilustre, com monumentos e antigas construções, e, claro, uma vetusta igreja, mesmo com uma inequívoca aparência idosa...
Trata-se como já se percebeu da idosa Igreja de Santa Maria, como era antes conhecida a Sé de Braga (velha como a Sé de Braga), precedida por uma despretensiosa praça de pedras graníticas, filas de casas encostadas lado a lado, como que se amparando mutuamente por serem, elas mesmas, muito antigas e trôpegas. Mas nem por isto (ou talvez por isso), deixam de ser vivas e de ter ar distinto, nas suas cores vivas, brancas cortinas bordadas a espreitar por detrás das janelas, balcões com flores, grades de ferro artisticamente trabalhadas, como agora já não se faz mais.

Entramos, cautelosamente na Sé, a minha Mulher e eu.
Instintivamente, no interior, ambos assumimos, naturalmente, um respeitoso silêncio, imposto pelo imponderável sentimento de sagrado e pela atmosfera de oração existentes. Nota-se (será mera sugestão?), a preocupação de evitar o ruído de passos, da conversa, o flash das máquinas, para não retirar do recolhimento os que aí procuram (embora em plena Semana Santa, não eram muitos os crentes) na oração, o refúgio para suas misérias o amparo e e as energias para a caminhada da vida.
O altar central parece presidido por uma Mãe, escultura medieval, representando a Virgem com o Menino nos braços. Uma artística capela dedicada ao Santíssimo Sacramento é banhada (naquele dia ainda se mantinha a seca deste inverno anormal e havia muito sol) pelos raios solares que atravessam os vitrais da ábside e transmitem cores refulgentes, ao sacrário de prata.
A riqueza da alma portuguesa (e os donativos), foram enriquecendo a Igreja, com imagens de invocações expressivas, sinceras e emocionantes, como por exemplo, numa parede exterior uma Nª. Srª. do Leite. Em altares laterais, encontramos o Senhor da Paciência, a Senhora dos Fastios, o Senhor Cristo das Ânsias, Nª. Srª. da Boa Memória, o Senhor do Perdão e alguns mais... Há também um pitoresco altar dedicado a Nª. Srª. do Rosário e aos Santos Negros de nomes estranhos (que até aí desconhecia a existência, mas que fui estudar para aqui os apresentar), um S. Benedito (a África gerou santos como S. Benedito, nascido em 1526, descendente de etíopes cativos em Filadelfo, região da Sicília. É conhecido na Europa como Santo Mouro, por causa da cor de pele semelhante aos árabes, que ocuparam a região. De analfabeto, chegou a chegou a Superior do Mosteiro Franciscano de Monte Pellegrino. Teve uma vida inspirada em S. Francisco de Assis, e antes de morrer em 1589, pediu para ser enterrado como simples frade), uma Stª Ifigênia Carmela, (filha de um rei da Etiópia, que com o pai foi convertida ao cristianismo por S. Mateus. Não tendo casado com o nobre que desejava, entristecida doou os bens materiais e construiu um Santuário, em homenagem aquele Santo, permanecendo virgem até à morte) um St. António Denoto (António de Noto, viveu na Sicília em Ávola e Noto onde faleceu. Nasceu no norte da África, em Barca, na Cirenaica, por volta de 1490. De cor escura, tinha o apelido de O Etíope. Daí, António Etíope, ou António Negro. Sem nome cristão, era simplesmente o negro oriundo dos montes de Barca, vendido em Ávola a um fazendeiro. Era um servo doméstico para trabalhar no campo. Educado segundo o Corão, o António mostrava ser uma pessoa simples, de boa índole, sem malícia. Foi-lhe confiado o pastoreio das ovelhas e cabras e o fazendeiro, temente do Deus dos cristãos, empenhou-se pela conversão do seu servo ao cristianismo, o qual recebeu no batismo o nome de António. António, veio a ser um homem livre, mas mesmo assim ainda continuou por algum tempo a trabalhar para o patrão, até que se dedicou inteiramente à caridade ao próximo. Recebeu o hábito de franciscano, vindo a tornar-se um eremita no Vale dos Pizões) e ainda um St. Elesbão (representado como um Rei negro da Etiópia, a veneração de Elesbão teve muita difusão no Brasil colonial entre os escravos africanos e seus descendentes).
Atraiu-me, mais uma vez a atenção, a antiga capela lateral bem iluminada, arranjada com bom gosto, senso artístico e sobretudo alegado espírito de piedade. Nela estão expostas à veneração dos fiéis as relíquias de inúmeros santos e mártires (noutro apontamento voltarei ao tema das relíquias).


Caros leitores, há um dado interessante a atestar a antiguidade da Diocese de Braga, ou seja, os 141 bispos, sete dos quais foram canonizados.
A Sé de Braga, é sede do Bispado fundado segundo a tradição por Santiago Maior (também chamado Santiago, o Grande, Santiago Filho do Trovão, Santiago de Compostela e São Tiago Apóstolo, o Maior, martirizado em 44 da nossa era, foi um dos doze apóstolos de Jesus Cristo. Foi feito santo e chamado Santiago Maior para o diferenciar de outro discípulo de Jesus de mesmo nome, conhecido como Santiago Menor e também de Tiago, o Justo ou Tiago, irmão do Senhor), que aqui deixou como primeiro bispo o seu discípulo S. Pedro de Rates (S. Pedro de Rates foi assim o primeiro Bispo de Braga entre os anos 45 e 60, ordenado pelo Apóstolo Santiago que teria vindo da Terra Santa, martirizado quando convertia povos aderentes à religião romana no norte do Portugal).
Por causa desta origem apostólica, é considerada Sacrossanta Basílica Pimacial da Península Ibérica, e o seu Arcebispo, Primaz das Espanhas. Possui uma liturgia própria, a liturgia bracarense.
A Sé encontra-se assente sobre as fundações de um antigo mercado outemplo romano, conforme testemunham uma pedra votiva (que um cicerone se dispôs a indicar), e os muros de uma basílica paleocristã. A sua história remonta, pelo menos, ao empenho do primeiro bispo, D. Pedro de Braga, e corresponde à restauração da Sé episcopal em 1070, de que se conservam poucos vestígios.
Em 1128, foi iniciada a construção um edifício, respeitando os cânones beneditinos clunicenses, com cinco capelas na cabeceira, parcialmente destruído pelo violento terramoto de 1135.
Em 1268, embora as obras ainda não estivessem concluídas, o edifício continuou a ser modificado, sendo particularmente significativa a galilé (isto é a entrada do templo), mandada construir, na fachada, por D. Jorge da Costa (o célebre Cardeal Alpedrinha, 36º Arcebispo de Braga, entre 1501 e 1505, antes de ir para Roma, onde fez carreira) e que viria a ser concluída por D. Diogo de Sousa. Este último, mandou fazer as grades que agora a fecham, tendo ainda alterado o pórtico principal (destruindo duas das suas arquivoltas) e mandado executar a abside e a capela-mor, obra de João de Castilho datada do início do século XVI.
Em 1688, destacou-se a campanha de obras promovida pelo arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles, que modificou a frontaria ao gosto barroco, mandando executar também o zimbório que ilumina o cruzeiro.
No século XX, foi colocado junto aos claustros o túmulo da taumaturga, religiosa e estigmatizada, Irmã Maria Estrela Divina, que passou a ser centro de grande devoção popular. Maria Estrela Divina (nasc. a 4 de Agosto de 1904 e fal. a 5 de Outubro de 1961), foi professora primária e religiosa terciária. Na catedral, na Capela dos Reis, encontram-se os túmulos de Henrique de Borgonha e sua mulher, Teresa de Leão, os condes do Condado Portucalense, pais de D. Afonso Henriques.
O primeiro carrilhão da Sé de Braga foi inaugurado no século XVII. Ao longo dos séculos, os Arcebispos de Braga acrescentaram novos sinos, tornando o carrilhão da Sé de Braga num dos maiores de Portugal. Em 1996 substituiriam-se 23 sinos. Os sinos retirados ao longo do tempo da Sé de Braga e das Igrejas de Braga estão reunidos no Tesouro Museu da Sé Catedral, que contabiliza mais de 200 sinos. Nas dependências da antiga casa do Cabido, encontra-se atualmente o Tesouro Museu da Sé Catedral, especialmente digno de uma visita, pelas alfaias e paramentos e demais aparatos litúrgicos.
































(III)

Quem está de visita a Braga não pode deixar de ir visitar o Mosteiro de Tibães.
O Mosteiro de S. Martinho de Tibães, antiga Casa Mãe da Congregação Beneditina portuguesa, situa-se a seis kms. de Braga, na freguesia de Mire de Tibães.
Chega-se lá num instante e muito bem.
Fundado em finais do século XI, quando o Condado Portucalense começava a afirmar-se e os monges de Cluny introduziam a regra de S. Bento, tornou-se, com o apoio real e concessões de Cartas de Couto, num dos mais ricos e poderosos mosteiros do norte de Portugal.
A crise demográfica e económica que, a partir de meados do século XIV, se instalou no País, veio refletir-se duramente no quotidiano monástico de Tibães, que viveu a partir daí um longo período de decadência (material e espiritual).
Com o século XVI, e no desenvolvimento das resoluções do Concílio de Trento, o Mosteiro de Tibães recebeu a nova reforma monástica, participou na fundação da Congregação dos Monges Negros de S. Bento dos Reinos de Portugal e tornou-se Casa Mãe dos mosteiros beneditinos.
Espaço monumental belíssimo, assumiu-se, durante os séculos XVII e XVIII, como centro produtor e difusor de cultura e estética, transformando-se num dos maiores e mais importantes conjuntos monásticos beneditinos e num lugar de exceção do pensamento e arte portugueses.
Com a extinção das Ordens Religiosas em Portugal, em 1834, o Mosteiro foi encerrado e os seus bens, móveis e imóveis, vendidos em hasta pública ou integrados em coleções de museus e bibliotecas nacionais, com a exceção da Igreja, sacristia e claustro do cemitério. Este processo só terminaria em 1864 com a compra, por privados, de grande parte do edifício conventual.
Desafetado da função inicial, com exceção da de igreja e de residência, o Mosteiro de Tibães irá a assistir durante anos, à delapidação, degradação e ruína do seu património, até ser resgatado em 1986 pela compra por parte do Estado da maior parte da propriedade, em uso privado.
Após anos de restauro, e um investimento de 15 milhões de euros, desde novembro de 2009 uma comunidade da família missionária internacional Donum Dei, do grupo das Trabalhadoras da Imaculada, pertencente à Ordem Carmelita, está instalada numa ala do mosteiro.
Em 11 de fevereiro de 2010, também aqui abriu ao público uma hospedaria com 9 quartos, e o restaurante Eau Vive de Tibães, com capacidade de 50 pessoas, gerido por aquela comunidade de religiosas.
Ao longo de história, e dada a sua importância, o mosteiro reuniu o maior e mais valioso espólio da região norte. Nele se destacavam obras de pintura, escultura e arte sacra, bem como uma vasta coleção de livros sobre variados temas.
Após a alienação do imóvel, em 1834, a maior parte do espólio foi perdido. O atual museu conserva apenas um fragmento desse espólio, ao qual se somam novas peças relacionadas com a história do mosteiro e a congregação Beneditina. É ainda possível e interessante fazer o Percurso Museológico, onde se aprecia a área envolvente ao Mosteiro, a arquitetura, as ruínas de edifícios anteriores, a mata, os jardins, e extensos campos agrícolas como hortos, pomares e milheirais.































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