terça-feira, 1 de junho de 2010

O CASO ALVES REIS (uma abordagem diferente) I

Nos últimos tempos (estávamos em 1994, quando estas notas foram redigidas e publicadas), de acordo com notícias vindas a lume nos jornais e até na TV, têm sido detectadas notas falsas de cinco e dez mil escudos em vários pontos do País. A situação, se não é original, não é ou não era também muito usual ou preocupante, porquanto a moeda portuguesa, como se sabe, nunca foi compa­rativamente muito apetecida. Tradicionalmente, eram os dólares, libras, francos ou mesmo pesetas, o objecto das falsificações mais frequentes (agora são as notas de euros de 5 e 10 fabricadas em fotocopiadoras da última geração). Se a evolução da técnica de fabrico de notas por um lado, tem pela sua sofisticação criado maiores dificuldades aos burlões, nalguns casos artistas requintados, por outro, a mesma técnica tem posto à sua disposição meios que a viabilizam.



Então sim, é preocupante.



Muitas das falsificações de moeda são grosseiras, feitas com meios reduzidos que não escapam a um exame minimamente cuidadoso. Nunca tive nas mãos uma razoável falsificação de nota portuguesa. Mas a verdade é que em Portugal já houve notas falsas em abundância que eram, todavia, tão perfeitas quanto as postas em circulação pelo próprio Banco de Portugal.



Muita gente já ouviu falar na Burla de Alves (dos) Reis. Poucos possivelmente saberão ou se recordarão dos seus contornos. É tida, pelos especialistas e historiadores, como a maior e melhor falsificação de notas de banco alguma vez realizada no Mundo. Há uns anos, um cliente, antigo alfarrabista em Lisboa, ofereceu-me para meu enorme prazer, um livro que é peça fundamental para estudar este caso. Trata-se das alegações apresentadas pelo Banco de Portugal, no processo-crime que foi instaurado a Alves Reis e seus cúmplices. Se, em certa medida, revelam uma certa secura factual, tem a vantagem de evitar enredar o leitor em pormenores fantasiosos que os autores de histórias e de literatura de ficção têm de utili­zar para as compor, embelezar e apimentar.



Vamos recuar ao ano de 1925.



Estamos em Lisboa. Rebentou finalmente o escândalo. O principal visado é Artur Virgílio Alves Reis. Quem é este homem e o que se passou afinal? Em princípios de Dezembro, na sequência de suspeitas que havia já há algum tempo e após investigações que pareciam carecer de fundamento, foi preso Alves Reis, sob a acusação de fabrico e passagem de notas falsas de quinhentos escudos.



Tratava-se do Presidente do Conselho de Administração e principal accionista do Banco Angola e Metrópole, recentemente criado, um rapaz de 29 anos, nascido no seio de uma família da classe média lisboeta, sem qualificações especiais, mas dotado de uma enorme auto estima e ânsia de poder, em suma, de uma personalidade que impunha respeito. Tinha antecedentes criminais. Alves dos Reis fora preso em Lisboa, em 5 de Junho de 1924, acusado de ter desviado em seu proveito 1.953 contos de promissórias e 1.650 obrigações pertencentes à Companhia de Ambaca, em Angola, além de ter negociado um saque de 5.000 dólares, com endosso da Companhia, sem para ele ter qualquer cobertura. A praça de Lisboa e a opinião pública nacional, inquietas e de má vontade já contra este operador financeiro, independente, sem passado, foram toda colhidas de surpresa. No escândalo estavam envolvidos banqueiros, diplomatas portugueses e estrangeiros, professores universitários e membros do governo. Na residência e no escritório de Alves Reis, foram encontradas grandes quantidades de notas novas, empacotadas e guardadas em malas grandes. Mas o mais espantoso, o inacreditável de tudo isto, era que as notas de quinhentos escudos, quantia importante para a época, eram rigorosamente iguais às emitidas pelo Banco de Portugal e que circulavam no País. É que elas, como se veio a apurar, foram executadas pela firma inglesa, que utilizou a mesma chapa com a efígie de Vasco da Gama e o mesmo papel das do Banco de Portugal.



A burla tornou-se possível quando José Bandeira, boémio de negócios duvidosos, indivíduo com cadastro na África do Sul, onde fora condenado a trabalhos forcados, pôs em contacto Alves Reis com Karel Marang e Adolph Hennies, cavalheiros de indústria holandeses, conhecidos das polícias europeias, O projecto concebido por Alves Reis, consistiu em apresentar Marang à direcção da firma Waterlow and Sons, Ldª, impressora patenteada das notas portuguesas, em Londres, como sendo um representante credenciado do governo português, para fazer uma encomenda de 580.000 notas de quinhentos escudos, destinadas a ser postas em circulação em Angola. As credenciais, correspondência e ordens de encomenda confidenciais, forjadas por Alves Reis no seu escritório em Lisboa, em papel timbrado do Banco de Portugal, sob a assinatura falsificada do governador Inocêncio Rodrigues, não ofereceram dúvidas aos ingleses que britanicamente não estranharam e que satisfizeram muito gostosamente o pedido, pago aliás em genuínas libras.



A verdade é que Waterlow and Sons,Ldª sabia por informação de um seu empregado Henry Romer que, o Banco de Portugal não emitia notas para as colónias portuguesas, que este banco não só nada tinha com as Finanças das Colónias, como seria necessário um novo acordo com o Governo Português e um novo decreto para permitir ao Banco emitir notas para financia­mento de qualquer plano relativamente a Angola. Além de que o Banco de Portugal nunca consentiria que as suas chapas fossem utilizadas a fim de fazer uma nova emissão de notas para uma colónia portuguesa, cujas finanças estavam aparentemente pareciam estar em absoluto estado de caos.



Waterlow acreditara na história de Marang e a partir daí o processo não parou.



As notas foram trazidas para Portugal por Marang, Bandeira e pelo Ministro da Venezuela em Lisboa, Conde Planas-Suarez, cavalheiro de salão, que entre­tanto veio a desaparecer muito diplomaticamente para Paris, sob a protecção de um laissez passer emitido pelo Ministro de Portugal em Haia, que era irmão de José Bandeira.



As notas não eram impressas na Rússia, como mais tarde se disse em Londres, nem faziam parte de mais um plano alemão, para se apoderar das colónias portuguesas, como correu em Paris (note-se que se estava em 1924, a guerra não acabara há muito tempo). A verdade era outra, bem mais mais engenhosa e simples.



Em 1923, o polémico deputado Cunha Leal, que já noutro local referi a propósito de Alcobaça (veja-se a participação de Alcobaça no movimento de Santarém em 1919 para onde remeto os leitores) afirmou em discurso que havia 5 maneiras do Banco de Portugal aumentar a circulação de notas. Por lei, por perversa interpretação da lei, por portaria ou emissão surda, ou seja, não publicada em consequência de um acordo entre o Banco e o Governo, ou por simples do Banco à revelia do Governo.



Alves Reis foi mais refinado, pois, fez a emissão de notas sem o conhecimento do Banco de Portugal e do Governo.



A ideia de um empréstimo a Angola passou a fervilhar na mente de Alves dos Reis. A crise daquela província, que toda a gente bem conhecia e que se sabia resultar sobretudo de desequilíbrio entre as exportações e importações, traduzindo-se numa grande falta de ouro no mercado, revelando-se na dificuldade das transferências ou seja da conversão da moeda local em outras moedas, levara muita gente a pensar que a melhor maneira de resolver o problema seria obter um empréstimo em ouro por meio do qual se pusesse cobro a asfixia de que ela começava a sofrer.



As malas, com as notas, à medida que iam chegando a Lisboa entravam na posse de Alves Reis e por este colocadas na caixa forte do seu palacete, conhecido como o Menino de Oiro. Para evitar um alarme com o aparecimento súbito de muitas notas em circulação, de valor tão elevado, com a ajuda de cúmplices, efectuava depósitos e transferências sucessivas aos balcões de sucursais e agências bancárias de vários pontos do país. Também, eram trocadas por cheques sobre o estrangeiro e por cambiais. O trabalho não oferecia, em princípio, grandes dificuldades. No Porto, como em Lisboa, aparecia ao tempo grande quantidade de cheques sobre o estrangeiro, que os donos ofereciam à venda clandestina, a fim de fugirem às fixações de câmbios. Esses cambiais, eram também conhecidas por libras carecas.



O Banco Angola e Metrópole, controlado por Alves Reis, iria desempenhar um papel importante nesta operação, já que era instrumento privilegiado para a passagem de futuras emissões. A 5 de Dezembro, foi descoberta a burla por um cambista do Porto, de nome Manuel Lutero de Sousa, ao detectar números duplicados de notas de quinhentos escudos com a chapa de Vasco da Gama, emitidas pelo Banco de Portugal. Porém, receando-se a existência de uma emissão surda, como já acontecera, as próprias instâncias superiores do Banco manifestaram de início reserva, se não algum receio, que punha em causa o comportamento do Banco de Portugal. No dia seguinte, Alves Reis que regressava de uma triunfal viagem a Angola, onde fora tido como figura apreciada nos meios coloniais e financeiros e recebido de mãos abertas, foi preso antes de desembarcar. O Banco de Angola e Metrópole foi encerrado logo a seguir. Tinha funcionado apenas durante cinco meses, aliás em luxuosas instalações, anteriormente sede do Banco de Fomento Nacional. No momento em que a fraude foi descoberta, Alves Reis tinha comprado para si o palacete do Menino de Oiro ao que se diz por mil contos, no qual tencionava morar e onde mais tarde foi instalado o Instituto Britânico de Lisboa.

1 comentário:

Unknown disse...

Caro Fleming de Oliveira.
Os melhores cumprimentos.
Li o excerto de Alves dos Reis no blog no qual nota ter as alegações dos 20 advogados dos arguidos.
Por razões familiares tenho um enorme interesse em investigar esse processo.
Seria possível contactar-me pf

dmelosimoes@gmail.com

Atenciosamente