quinta-feira, 27 de março de 2014

MARIANO E A CAÇA AOS GAMBUZINOS


 
MARIANO E A CAÇA AOS GAMBUZINOS

Fleming de Oliveira

Francisco Mariano, com perto de noventa anos, doente e com dificuldades de locomoção, gosta muito de contar a partida da caça aos gambuzinos que, há perto de oitenta anos, pregou ao primo e bom amigo Tó Mariano (ambos com uns oito ou nove anos) que, recém chegado de Lisboa, se encontrava a passar as férias de Verão, em casa dos avós paternos, nos Carris de Évora de Alcobaça.
Não sabendo bem o que eram os gambuzinos, Tó na sua ingenuidade citadina, supunha serem uma espécie de mistura entre um pirilampo e um ouriço cacheiro. Francisco começou por dizer ao primo que o devia alertar que a caça aos gambuzinos é rigorosamente proibida pela GNR, pelo que o não podiam contar a alguém. Assim, logo depois do jantar, algo excitados, foram para o campo, onde procuraram árvores com tocas (buracos no tronco), buracos no solo ou buracos nas rochas. O pobre do rapaz, acabou por ficar umas duas ou três horas de apito na boca, lanterna e saca aberta nas mãos, à espera que o primo, batedor experimentado como se reclamava, fizesse o cerco e assim correr na sua direção, os famigerados e assustados gambuzinos.
A aventura começou quando o Francisco lhe deu um apito e uma saca de serapilheira, que foi buscar ao celeiro do avô, e, por sua vez, se muniu de latas e paus para fazer  barulho. Tó Mariano, foi abandonado naqueles preparos e prosseguiu sozinho a caçada, apurando o ouvido ao mínimo ruído. A experiência apenas acabou quando o frio, o medo ou o cair em si, o trouxeram, enfim, à realidade.
Este instante, constituiu para o Tó, um dos momentos de perda da inocência (que diz que bem lhe serviu na banca… onde fez carreira), e a partir daí o mundo não seria mais o que parecia, como depois reconheceu, sem acrimónia. Desabou um dos pilares que sustentava a sua infantil e lisboeta visão do mundo e da realidade. Tó Mariano nunca mais esqueceu o incidente e acabou por crescer com a expressão na boca, vai caçar gambuzinos.

Nas noites de sábado, havia bailes familiares em adegas, animados pela música de uma concertina.

Mais tarde passou a ser bastante frequentada, nos domingos dos Montes depois da missa, a taberna do Fernando Bento, cujos clientes se passaram para a de Zé Filipe, quando ela fechou e onde se bebiam uns copos, enquanto se jogava à sueca ou bisca, discutia a política da terra ou mulheres, por vezes de forma tão animada que apareciam de repente facas ou mesmo podões, para ajudar a fazer vingar as opiniões.



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