terça-feira, 4 de abril de 2017

A I República em Alcobaça PEDE-SE A CABEÇA DO REI


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(II)



SUMÁRIO:
(1).O Sarg. A. Ganito (da Guarda Real/Pessoal de D. Carlos)-(2).O Rotativismo-(3).D. Carlos, Luís XVI e Afonso Costa-(4).Ecos em Alcobaça-(5).Américo d’Oliveira-(6).O Partido Republicano em Alcobaça-(7).O Descalabro do Regime. O Golpe do Elevador-(8).O Regicídio e Aquilino Ribeiro-(9).Reflexos em Alcobaça-(10).Condolências da Câmara Municipal de Alcobaça.


-7-O DESCALABRO DO REGIME.O GOLPE DO ELEVADOR-
Os acontecimentos acabaram por se precipitar, na sequência da questão dos Adiantamentos à Casa Real e da assinatura do Decreto de 30 de janeiro de 1908.
Brito Camacho, relativamente a João Franco disse que, havemos de obrigá-lo a transigências que rebaixam ou às violências que comprometem. Foram eficazes os ataques da oposição personalizados, tanto em D. Carlos como em João Franco, por parte de republicanos e dissidentes progressistas. Os Adiantamentos à Casa Real foi uma acerada polémica que envolveu a Família Real, cujo aproveitamento pelos republicanos, contribuiu bastante para o desgaste da instituição monárquica.
Não faltavam políticos que julgavam que a popularidade e o êxito se conquistavam não tanto pela inteligência e probidade, mas sim pela demagogia ou mesmo pelo talento histriónico.
As traições (tal como hoje com caraterísticas nada originais) que ocorriam com maior incidência, situavam-se no mesmo grupo político, onde eram todos muito amigos e solidários irrestritos e traduziam-se em reações hipócritas e interesseiras, para subir numa escada virtual, onde se agarravam os da frente para se empurrarem para trás, os que ajudaram a subir. Para isso, o traidor sentia-se logo no direito de falar mal do traído. O político antes elogiado e considerado um verdadeiro representante de uma comunidade, passava num instante para outro a ser chamado de político ultrapassado e sem ação.
Os amigos estavam sempre à beira da deceção, perante a iminência do rompimento de uma amizade.
Eça de Queiroz, em Os Maias, descreve a dependência política, o caciquismo e o nepotismo, quando Gonçalo, reconhecendo embora que o Conde de Gouvarinho é uma cavalgadura, tenta justificar o apoio que lhe é concedido:
-É necessário, homem! Razões de disciplina e de solidariedade partidária… Há um compromisso… O Paço quer, gosta dele…
Espreitou em roda, murmurou, colado ao Ega:
-Há aí umas questões de sindicatos, de banqueiros, de concessões em Moçambique… Dinheiro, menino, o omnipotente dinheiro!
Já nessa altura, Portugal era um estranho país de corruptos onde não havia corrutores…
O Golpe do Elevador da Biblioteca, foi uma tentativa de golpe de estado, visando à proclamação da República, levada a cabo pelo PRP, de parceria com a dissidência

progressista, como reação ao anunciado fim da ditadura e o consequente risco de o Partido Regenerador Liberal, de João Franco, vir a assumir o poder.
Embora o golpe tenha abortado por ação preventiva do governo, este falhou em eliminar os focos de conspiração. Daí resultou, em questão de dias, a execução da ação que previa a eliminação física do monarca, em consequência do qual, embora a mudança de regime em si não tenha sido efetuada, o afastamento do Rei e de João Franco puseram termo à tentativa de reforma da monarquia, mantendo-se a mesma instabilidade e que levaria à proclamação da República. O golpe fracassou, devido à inconfidência de um conspirador pelo que nesse dia foram presos vários dirigentes republicanos. Afonso Costa e o Visconde de Ribeira Brava foram encontrados de armas na mão no dito elevador, conjuntamente com outros conspiradores, quando tentavam chegar à Câmara Municipal. António José de Almeida, Luz Almeida/fundador da Carbonária, e João Chagas//jornalista, contavam-se entre os noventa e três conspiradores presos. José Maria de Alpoim, conseguiu fugir para Espanha. Alguns grupos de civis armados, desconhecedores do falhanço, ainda fizeram tumultos pela cidade.
Em resposta, e como expressão de uma crispação do regime, que ainda assim permitia aos republicanos bastantes intervenções políticas, o governo apresentou ao Rei, que se encontrava em Vila Viçosa, o Decreto de 30 de janeiro de 1908, que previa o exílio para o estrangeiro ou a expulsão para as colónias, sem julgamento, de indivíduos que fossem pronunciados em tribunal por atentado à ordem pública. O preâmbulo do diploma dizia que atendendo ao que me representaram o Conselheiro de Estado, Presidente do Conselho de Ministros e Secretário dos Negócios do Reino, e os ministros e secretários de Estado de outras repartições, hei por bem decretar, para ter força de lei o seguinte (…).
Conta-se que, ao assiná-lo, D. Carlos terá comentado: Assino a minha sentença de morte, mas os senhores assim o quiseram.
Eram os ministros, não tanto o Rei ao que se diz, que determinavam armar-se com esta lei, ao mesmo tempo que permitiam a fuga de alguns implicados no golpe, como sucedeu com José Maria de Alpoim.
Correu na época, que o regicídio fora devido a este diploma. Não é, de todo, verdade. É de notar, no entanto, que o diploma, assinado a 30 de janeiro, só foi publicado a 1 de fevereiro, e os preparativos para o regicídio datam seguramente de antes dessa data.
O ambiente contra o Rei fora preparado tanto pelos republicanos, como por grande número de monárquicos sedentos de poder a todo o custo.
O decreto em questão era na verdade uma ameaça séria, mas não foi da sua letra que saíram a carabinas do BuÍça e a pistola do Costa.

-8-O REGICÍDIO E AQUILINO RIBEIRO-
A família real encontrava-se em Vila Viçosa, mas os acontecimentos políticos levaram o Rei a antecipar o regresso a Lisboa.
A comitiva régia chegou de comboio ao Barreiro ao final da tarde, para depois tomar o barco, desembarcando no Terreiro do Paço, por volta das 17 horas. Apesar do clima de enorme tensão, o Rei optou por se deslocar em carruagem aberta, com reduzida escolta, com o objetivo de demonstrar normalidade. O Rei aparecia na rua de vez em quando. Descobriam-se algumas cabeças, o povo chegava-se para uns olhares de momento, lançavam-se nas gazetas e nas Cortes todo o tipo de diatribes.
Enquanto a família real saudava os populares, a carruagem foi atingida por vários disparos. Um tiro de carabina atravessou o pescoço do Rei, que morreu imediatamente. Seguiram-se mais disparos, sendo que o Príncipe D. Luís Filipe ainda alvejou um dos atacantes, antes de ser atingido mortalmente. D. Amélia, de pé, defendia-se com um ramo de flores que lhe fora oferecido pouco antes, fustigando um dos atacantes, que subira o estribo da carruagem, gritando Infames! Infames!, numa imagem que correu mundo e ficou marcada para a História. O Infante D. Manuel foi atingido num braço. Dois dos regicidas, Manuel Buíça e Alfredo Costa, foram mortos no local. Este, empregado do comércio, editor e jornalista, membro da Carbonária e maçon, estivera implicado já no falhado Golpe do Elevador e apesar da participação nessa iniciativa, continuava a andar livremente por Lisboa. Diz-se que afirmou, afagando a pistola que trazia na algibeira, num encontro que teve depois da Janeirada com Machado Santos e Soares Andrea, no Café Gelo que, se algum bufo me deita a unha, queimo-lhe os miolos. A carruagem entrou no Arsenal da Marinha, onde se verificou o óbito do Rei e do herdeiro ao trono. D. Carlos e o filho foram sepultados no Panteão Nacional dos Braganças (não se confunda com o Panteão dos Duques de Bragança em Vila Viçosa) e nos respetivos mausoléus lançou-se terra de Vila Viçosa.
Foi Manuel dos Reis da Silva Buíça quem alvejou de forma mortal D. Carlos I e o Príncipe Real D. Luís Filipe.
Homem de caráter expansivo e exaltado, não mantinha muitas ligações exteriores ao seu círculo profissional e frequentava, com Alfredo Costa e Aquilino Ribeiro o Café Gelo, no Rossio.
No princípio do século XX, Aquilino Ribeiro foi para Lisboa, onde conviveu com meios revolucionários radicais, violentos.
No seu primeiro livro, A Filha do Jardineiro, atacou fortemente o Rei D. Carlos I, livro esse ao que se diz financiado por Alfredo Costa e que apareceu sob o pseudónimo de Miriel Mirra.

Entrou para a Loja Montanha, do Grande Oriente Lusitano, a convite de Luz de Almeida. Consta também que pertenceu à Carbonária, a choça, de que faziam parte os bons primos (Les Bons Cousins Charbonniers) Alfredo Costa e Manuel dos Reis Buíça e conspirou no Café Gelo.
Nesse ano de 1907, Aquilino foi preso como anarquista na sequência da explosão de uma bomba no seu quarto, na Rua do Carrião em Lisboa, na qual morreram dois carbonários (28 de novembro).
Todavia, em 12 de janeiro seguinte conseguiu evadir-se da prisão e durante a clandestinidade em Lisboa, manteve contactos com os regicidas, refugiado numa casa de Meira e Sousa, na Rua Nova do Almada, em frente do Tribunal da Boa Hora.
Foi aí que, segundo alguns biógrafos lhe terá aparecido Alfredo Costa na manhã de 1 de fevereiro, a participar que estava decidido a matar o Rei. De facto, ocorreu o atentado nesse dia, tendo Aquilino Ribeiro, segundo alguns, sido avistado com um revólver no Largo do Corpo Santo, segundo outros no Terreiro do Paço, facto que o irá marcar até ao fim.
Ao fim de pouco tempo, Aquilino teve de fugir para Paris. Pedida a extradição, o Presidente Clemenceau não a concedeu. Em Paris, continuou a frequentar os meios radicais conhecendo o exilado Lenine.
Aquilino Ribeiro definiu Manuel Buíça ao arrepio da imagem que lhe é atribuída, como galante, franco, liberal, corajoso, blasonador, incoerente muitas vezes, parlapatão mais de uma, sem equilíbrio na vida, sem disciplina moral.
Não terá sido o regicídio que determinou a queda da Monarquia, mas parece ser consensual que a precipitou. A Monarquia estava condenada, não tinha quem se dispusesse a lutar por ela o seu fim era uma questão de tempo. A crise político-social era mais que evidente e o governo de João Franco, concitava tanto os ódios de monárquicos, como republicanos.
Aquilino Ribeiro entrou para a Biblioteca Nacional, em Lisboa, em 1919, a convite de Raul Proença, aonde também de acordo com alguns biógrafos, foi procurado para lhe mostrarem uma Ata do Regicídio.
Participou na fracassada revolta de 7 de fevereiro de 1927 contra a Ditadura, o que o levou de novo a ter de se exilar em Paris, regressando no fim do ano clandestinamente a Portugal, para se envolver noutra intentona fracassada, a Revolta de Pinhel, pela qual acabou por ser preso, embora se tenha evadido de Viseu, para se refugiar de novo em Paris, após ter atravessado a Espanha praticamente a pé, num tipo de aventura muito a seu gosto.
Em Lisboa, veio a ser julgado à revelia em Tribunal Militar e condenado.
-9-REFLEXOS EM ALCOBAÇA-
A notícia do atentado começou a circular em Alcobaça, na manhã do dia seguinte/Domingo 2 de fevereiro, trazida por pessoas que chegavam de fora. Acolhida a princípio com reservas, em breve pelas comunicações telegráficas foi-se adquirindo a certeza de terem sido assassinados a tiro o Rei e o Príncipe Herdeiro.
Era enorme a curiosidade em saber pormenores, pelo que quando chegaram os jornais de Lisboa na carreira do Valado de Frades, foram insuficientes para contentar as pessoas que os aguardavam numa numerosa fila, lendo-os depois sofregamente e nalguns casos até os revendendo com proveito.
Durante o dia, não se falou noutra coisa na rua (era domingo e os barbeiros estavam fechados), aguardando com impaciência os republicanos mais comprometidos que se reuniam no Centro Republicano, os desenvolvimentos políticos, o que era espicaçado por fantasiosos boatos, rapidamente desmentidos. Houve mesmo quem assegurasse saber da presença de uma esquadra inglesa de três navios, fundeada no Rio Tejo, para evitar eventuais motins populares. A este boato, que não correu apenas em Alcobaça, responderam alguns telegramas de Londres e Paris publicados nos jornais de Lisboa no dia 4, nos quais foi expressamente desmentido.
Ao mesmo tempo que a notícia das mortes ganhava força em Alcobaça, uma onda de boatos tinha-a cruzado veloz, desmentindo qualquer morte, que as reais personalidades foram feridas no braço, que os assassinos foram mortos, que o Rei (por graça de Deus…) jamais poderia morrer às mãos de uns malandros ateus a soldo de ideias estrangeiras. Não se sabia naquilo em que se haveria de acreditar. A única verdade inteira e viva dos alcobacenses, é que estava um dia de chuviscos, caía uma água miudinha que fazia rebrilhar as pedras da calçada e a erva da terreiro em frente ao mosteiro.
Nem para os mais fervorosos adeptos do ideário da República, frequentadores do Centro, a sua formação consolidada a partir do leite materno havia conseguido extirpar o mito ancestral que só o sangue lava a honra que os braganças conspurcaram. A legitimação do preceito tinha permitido que muitas mulheres houvessem morrido às mãos de maridos e namorados, enlameados no caráter pela (mera) suspeita de um adultério. Os duelos, agora fora de moda, vinham dos tempos de antanho, desafios de vida ou morte para reencontrar uma justiça verdadeira. Mas nenhum tribunal português, nenhum júri, mesmo os dos novos tempos que se avizinhavam e porque se lutava, tinha força para condenar homicidas de uma honra coletiva, lavada a tiro.
Nenhum tribunal, condenaria heróis da moral firmada na destreza do gatilho, embora soubessem que a ação dos assassinos (sejam eles um Costa ou do Buíça), era uma exceção, não uma regra, ainda que inserta no painel de virtudes nacionais que levava uma parte do país a jurar a morte da outra.

Na segunda-feira, estiveram encerradas a Recebedoria e Tribunal e outras repartições do Estado, hasteada a meio pau a Bandeira Nacional na Porta de Armas do Quartel e no edifício da Câmara Municipal. Várias pessoas vestiram de luto, os sinos da Igreja da Conceição, Igreja Nova, Igreja de Santo António ou Igreja da Misericórdia e do Mosteiro, dobraram a finados várias vezes por dia, e na Câmara foi aberto um Livro de Condolências, assinado por populares.
Disse-se que houve mesmo dois republicanos que o assinaram (o que não conseguimos comprovar).
A Comissão Administrativa da Câmara deliberou na sessão extraordinária de 4 de fevereiro pedir ao Dr. Adolfo Guimarães, amigo pessoal do Presidente e de Vitorino Froes, que a representasse nos funerais de Lisboa.
O Pe. Ribeiro d’Abranches, Pároco de Alcobaça, celebrou uma missa na Igreja do Mosteiro, sufragando a alma de D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe, tendo convidado para o ato diversas corporações e entidades civis e militares que compareceram, tal como alunos de ambos os sexos da escola oficial. Entre a assistência destacava-se o Comandante do Regº. Artª.2, aquartelado no Mosteiro, que ocupava a primeira fila, o qual envergava fato de gala e se encontrava acompanhado pela oficialidade e algumas praças.
O Pe. Augusto Adelino de Miranda, capelão do Regimento, fez ao Evangelho uma alocução apropriada à cerimónia.
-10-CONDOLÊNCIAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALCOBAÇA-
Na mesma sessão, foi deliberado enviar ao camarista de serviço de D. Manuel II, o telegrama: Muito rogo a V. Ex.ª se digne fazer constar em nome da comissão Administrativa da Câmara Municipal de Alcobaça, a profunda mágoa que lhe causou o inqualificável atentado de que foram vítimas sua Augusto Pai e infeliz irmão e que em nome dos povos deste Concelho se protesta contra tal procedimento, ao que aquele respondeu, dando parte que o novo Rei agradecia as condolências.
A Alcobaça republicana, embora não tenha aplaudido o regicídio com garrafas de champanhe ou palmas, também não o repudiou expressamente.
A sua postura, exprimindo um sentimento republicano radical, bem registado no Semana Alcobacense, decorria do sentimento que foi estranho e trágico o epílogo da triste aventura, que à História de Portugal, passou com o nome de Franquismo.
Isto era apregoado franca e publicamente pelos republicanos nas ruas, farmácias ou Centro, num momento em que a sensação agora de alívio como diziam, lhes dava a impressão de acordar de um horroroso e agitado pesadelo, onde não era oprimir, censurar, mentir, perseguir, vexar e ludibriar que se governa o povo Português. No discurso de massas, embora se queixassem da falta de liberdade e da censura, os republicanos usavam uma linguagem e uma imprensa onde parecia não haver freios, como era o caso de o Semana Alcobacense.

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