CONTRIBUTOS PARA A HISTÓRIA DA
I REPÚBLICA EM ALCOBAÇA
FLeming de Oliveira [1]
NOTA
Entendo não ser a “História Local” um ramo menor, não se podendo falar de “História Nacional” ou “Universal”, esquecendo a “História Local” já que é a partir da “História Local” que se chega à “História Universal”.
Num tempo veloz e fugaz, em que o isolamento e o
silenciamento de algumas experiências nos levam a perder a memória coletiva,
sem memória coletiva um Povo é alienado e sem coesão, rememorar e compartilhar
memórias é uma ação que adquire como que um caráter de “resistência”. A memória compartilhada é uma forma de não sucumbir
ao esquecimento que o ritmo acelerado do tempo que corre impõe.
Nos seus trabalhos de investigação, os
historiadores “ditos” locais, como o
autor deste texto, falam do passado, refletem o presente e perspetivam se
possível o futuro das suas freguesias, vilas ou cidades. E, normalmente, gostam
de documentar os livros com gravuras e registos fotográficos, demonstrando uma
especial interesse para a efeméride. Evocam eventos, as festas religiosas e
profanas, os usos e costumes mais ou mesmo ancestrais da sua terra. Falam, com
fé e amor do seu povo, cuja História analisam de forma, muitas vezes apaixonada.
Uma história de acontecimentos, de
datas e de pessoas ilustres, pouco me serve por si só, se não obtiver a
explicação e o entendimento para perceber as consequências que tiveram, direta
ou indiretamente, na vida política social e económica da comunidade. Não alinho na tese “popular ” e restritiva de contar a História, fundamentalmente, a partir da ação e do impacto dos chamados “Grandes Homens”, indivíduos seguramente
assaz influentes, graças ao carisma, inteligência ou impacto político-social,
mas que exclui a participação de grupos inteiros, entre os quais o operariado,
as minorias étnicas ou culturais, e mesmo as mulheres, enquanto
género.
Outrossim, defendo que
os eventos acontecem numa dada circunstância de tempo, ou quando uma imensidão de
pequenos eventos causam certos desenvolvimentos. Neste tempo, cumpre olhar para
a Cultura, Arte, Património e História com “olhos
de ver”, apreciar e defender o que é nosso, dinamizando valores. Um
Distrito como o nosso, tão rico em História e em momentos decisivos do decurso
pátrio, não pode deixar desaparecer os vestígios do passado. Não digo para se
viver no passado, claro que não, ao invés que preservar a História e trilhar um
futuro com convicção.
Os responsáveis por estes “Cadernos de Estudo Leirienses ”, sabem
que tanto é património o material, como o imaterial. “Material ”, pensa-se logo no património construído. “Imaterial”, associa-se às tradições
orais, aos saberes e ao saber fazer. Daí a importância que confere a
iniciativas como esta que fazem recuar a ignorância, qualquer que seja a área
em que se situe, as que promovem o direito às liberdades fundamentais e à
dignidade da pessoa e dos povos.
A minha “História Local ” tem sido a dos nossos dias, sem temer não obstante
ou por isso o escrutínio a que estão sujeitos os meus textos. Gostaria que o
trabalho que segue, que não é manifestamente académico, não fosse entendido
como uma mera “nota jornalística”.
Em 1910, a Monarquia Portuguesa encontrava-se em sérios
apuros, ferida de morte, enquanto a população do País se ia divertindo como ou
se podia, com mais ou menos folia.
O Carnaval de rua em Alcobaça esteve nesse ano pouco
animado, apesar do tiroteio de pó, água, confetis e esforços dos animadores que
iam tentando fazê-lo (re)viver, com a cor e animação próprias de longínquas
eras e terras. Os festejos, com a exceção dos bailaricos particulares e
populares nas associações locais, circunscreveram-se ao Clube Alcobacense, à
Fanfarra Alcobacense ao Grémio e ao Teatro[2].
No Clube, realizaram-se para os sócios e família um baile no Domingo Gordo, na
Segunda-feira uma tarde infantil, e na Terça-feira uma reunião para as
famílias, que serviu de pretexto para uma “soirée”,
que durou até cerca das três horas, com ceia a meio da noite, onde não faltaram
os imprescindíveis pastéis de bacalhau e frango, a cargo dos convivas. Na sede
da Fanfarra, o Baile de Carnaval, que se realizou na sala de ensaios, ocorreu
por antecipação no Domingo anterior, para não entrar em concorrência com o
Clube e teve alguma animação. No Grémio, efetuou-se na anterior quinta-feira um
baile que durou até cerca das duas horas, animado por um conhecido conjunto
musical de Leiria. No Teatro, houve nas noites carnavalescas alguma animação,
onde não faltaram mascarados e matrafonas, e apesar dos preços relativamente
elevados (Camarotes: três noites=2$000 reis, duas noites=1$500, uma noite=800.
Plateia: =160 reis. Galeria:=100 reis) e da concorrência, não ficou por ocupar
qualquer camarote.
A classe política estava
desacreditada, e oscilando entre a luxúria do poder e o interesse dos
portugueses optava em regra por aquela, pelo que D. Manuel II apesar da “Acalmação ”[3] era atacado da direita
à esquerda, ainda que monárquica. Portugal era na verdade uma “monarquia sem monárquicos”.
O PRP, movimento urbano e sobretudo
lisboeta, criara um problema de ordem pública que a Monarquia nunca poderia
resolver sem se renegar, tornando-se num regime repressivo, o que a sua génese
política não podia aceitar.
Alcobaça era, em geral, uma terra
conservadora.
O republicano jornal “Semana Alcobacense ” estava a
radicalizar posições, com textos onde se fazia o apelo à revolução, não
excluindo implicitamente o regicídio. O
jornal fazia um jornalismo militante que se encarregava, de zurzir
sistematicamente e com afinco os adversários, especialmente não republicanos. “
(…) A
situação portuguesa não é solúvel dentro das fórmulas legaes e normaes; ela tem
que ser inevitavelmente resolvida por ato violento que córte radicalmente o nó
górdio da situação, isto é, que destrua até os fundamentos da ordem
político-jurídica subsistente e a substitua por outra que corresponda
inteiramente às exigências da moral social e das aspirações e do sentimento
cívico e patriótico dos portugueses. Assente isto, e estabelecido que a ordem
política a instituir é a República, visto como causa originária do conflicto
nacional reside na existência da Monarchia; reconhecida a urgência desta
substituição - que já tarda -, ocorre perguntar:- Conta a democracia, isto é, o
partido republicano, com os elementos necessários para proceder a este ato
urgente? (…) ”.
Também não repudiava uma campanha
primariamente anticlerical, pois na “Alemanha
vae uma inferneira dos diabos, porque o Papa fez publicar uma encyclica
aggravando os povos e princípios protestantes, estando até iminente um
conflicto diplomático, por causa das palavras insultuosas de Pio X. Nenhuma
razão achamos para tão grande celeuma. Motivo achamos sim, mas é para estranhar
os despeitos e a attitude hostil dos allemães para com o Vaticano. O Papa falou
contra aquelles que andam fora da obediência ao seu cajado de pastor da
cristandade? Deixae-o lá! Está no seu papel – que é preciso ir reduzindo às
legítimas proporções de uma simples religião… prehistórica.”
Durante cerca de 30 anos, este
semanário foi quase o único jornal da Vila. Passou, ao longo desses anos, por
inúmeras dificuldades, a que não foram estranhas a falta de assinantes e
receitas de publicidade, bem como dissensões internas. Após vários ameaços de
encerramento, o jornal suspendeu a publicação em 3 de julho de 1921,
reaparecendo no seu cabeçalho com outros responsáveis de 7 de maio de 1922 a 29
de abril de 1923, data em que encerrou definitivamente. Tinha cada vez menos
assinantes e publicidade, além de que os que compunham o corpo redatorial
estavam de costas viradas.
O ardor republicano em Alcobaça,
ficara registado em 1908, numa fotografia de Carlos Gomes (dono da Casa Rebelo),
a propósito da visita de Bernardino Machado[4], para a inauguração da sede do Centro Republicano, e
realizar uma conferência no Teatro.
Nessa altura os “correligionários
do ilustre e simpático democrata”
preparam-lhe uma “fraternal” receção,
indo esperá-lo à estação de caminho de ferro de Valado de Frades, enquanto
outros, o aguardavam em Alcobaça. Formado um cortejo, acompanharam-no até a
casa de José Eduardo Raposo de Magalhães, onde ficou hospedado, na falta de
instalações condignas e por razões de companheirismo político.
Depois de ter assistido à inauguração do Centro[5]
Bernardino Machado dirigiu-se para o Teatro, a fim de realizar a sua
conferência perante uma sala lotada, tendo ficado pessoas à porta. Nos
camarotes, viam-se senhoras, havendo na assistência indivíduos pertencentes a
outros credos políticos, como monárquicos, o que foi pronto motivo de admiração
e pretexto para alguns republicanos ironizarem que “não faltaram pessoas que se preparavam para passar para o outro lado da
barricada”.
Quando Bernardino Machado, apareceu no palco, bem como
no decurso da conferência, ouviram-se prolongadas e calorosas salvas de palmas
e vivas.
Francisco Batista Zagallo[6]
em rápidas e breves palavras, fez a apresentação do conferencista. Terminada a
conferência, o “prestigioso democrata” subiu
para uma caleche rumo ao palacete de José Eduardo Raposo de Magalhães, onde
ocorreu uma receção a republicanos e se trocaram brindes. Bernardino Machado
retirou no dia seguinte para a Foz do Arelho, para cumprimentar Afonso Costa
que ali se encontrava a passar uns dias, seguindo depois para Lisboa.
Antes da partida de Alcobaça, Bernardino Machado ainda
quis visitar o Hospital da Misericórdia, o Mosteiro, o museu de Vieira Natividade
e diversos pontos da vila, tirando na Fotografia Rebelo, referido retrato com elementos
da Comissão Municipal Republicana e outros correligionários.[7]
Apesar de ter sido um homem ligado ao sistema político
monárquico, dele se foi afastando aos poucos, graças às convicções
republicanas. A sua intransigência, tal como Afonso Costa ou Alexandre Braga,
relativamente à questão dos “Adiantamentos
à Casa Real ”[8],
não colhia, naturalmente, a simpatia do Paço. É de referir que, não obstante o
entusiasmo e empenhamento no sucesso da República, não criticava muito
severamente D. Carlos, que reputava condescendentemente como vítima da
irremediável decadência da Monarquia, tanto mais que os seus principais
responsáveis não tinham energia para enfrentar a situação e a defender. Em
1903, pronunciou no Ateneu Comercial de Lisboa, o discurso “Da Monarquia para a República” que lhe
valeu o trampolim para a Presidência do Diretório do PRP. Bernardino Machado
veio, de certo modo, a “lamentar ” o
Regicídio, por o entender desnecessário para o surgimento de uma República que
conduzisse Portugal pelos novos tempos e rumos.
No verão de
1910, Lisboa fervilhava de boatos e, várias vezes, o Chefe do Governo, Teixeira
de Sousa, foi alertado para golpes iminentes.
Em Alcobaça,
os republicanos encontravam-se expetantes. O tradicional mensageiro noticioso
de Lisboa para Alcobaça, Américo d’Oliveira, aparecia menos vezes no Centro
Republicano, seguramente por andar muito atarefado nas suas tarefas partidárias
e de conspiração que todavia não deixava transparecer. Aliás em Alcobaça tinha
poucos interesses pessoais, depois de ter vendido os bens que herdara do pai,
Bernardino Lopes de Oliveira.[9] Mas
quando aparecia, esclarecia pouco, para enorme frustração dos correligionários
que o iam ouvir ansiosamente. O golpe, independentemente da respetiva data, era
de certo modo esperado pelo governo e uma certeza pelos republicanos
militantes.
No dia 4 de outubro, logo de manhã, começaram a
propalar-se na vila de Alcobaça, boatos acerca da situação em Lisboa. A par com
a notícia da morte de Miguel Bombarda, dizia-se que se dera pela madrugada um
levantamento popular, tendo saído para a rua diversos regimentos a ocupar
posições e a soltar gritos sediciosos. A correr velozmente, estes boatos foram
produzindo inquietação, sendo enorme a ansiedade por notícias certas e
pormenorizadas. Pouco depois do meio-dia, chegou a Alcobaça a carreira do
Valado de Frades e alguns, independentemente das opções políticas, lançaram-se
avidamente na leitura do jornal, que disputaram. Apareceram “O Mundo ” e o “Diário de Notícias ”,
tendo “O Século ” chegado apenas
pelas 15 horas. Lá vinha relatado, o assassinato de Miguel Bombarda, e em
breves e vagas informações, o movimento de tropas na capital. O desassossego
continuou a perturbar a vida habitual e pacata de Alcobaça e muitos se
perguntavam se havia novos informes, se se sabia mais alguma coisa de Lisboa.
Mas nada. Entretanto, caída a noite, apareceu um automóvel proveniente do sul,
talvez de Torres Vedras, com algumas informações, na mesma pouco precisas ou
fidedignas. A intranquilidade instalou-se definitivamente nos alcobacenses da
vila, pelo que alguns foram de noite a Valado de Frades na esperança de saberem
mais, através do telégrafo do caminho de ferro. Manuel V. Natividade, J. E.
Raposo de Magalhães, Ferreira da Silva, Afonso Ferreira ou dirigentes do Centro
Republicano que se reuniu, embora muito assediados, nada sabiam ou podiam
adiantar de útil.
A verdade é
que pelas 9 horas, do dia 5 de Outubro de 1910, José Relvas proclamava a
República, na varanda da Câmara Municipal de Lisboa.
O Rei que
estava em Mafra, soube por telégrafo que a República tinha sido proclamada em
Lisboa.
A Monarquia Portuguesa,
velha de oito séculos de idade morreu. Viva a República!
A simplicidade
do processo de implantação da República, comunicada ao País por telégrafo, foi
mais aparente que real.
As
contradições que o processo assumiu desde logo na capital, iriam marcar o
percurso do regime, especialmente na primeira fase. A versão “oficial ”, tentou camuflar a realidade
de que o republicanismo ortodoxo perdera em confronto com o republicanismo
carbonário, de suportes sociais diversos. Os carbonários eram “marujos ”, como o Comissário Naval
Machado dos Santos, soldados e trabalhadores modestos tanto no trabalho como
nos ordenados, uma plebe armada que o Exército não dominava, a ralé para a
classe média.
Teófilo Braga,
disse mesmo que “a carbonária entregou a
Revolução ao Partido com a humildade de um sapateiro dando um par de botas ao
freguês “. Esta opinião, significava, afinal, que Teófilo Braga entendia
que as forças populares fizeram uma Revolução que pertencia ao Partido, pelo
que o seu papel terminara em 5 de Outubro. Para dar força a esta ideia, o
Governo Provisório ainda publicou um diploma, embora depois o tenha revogado,
que desmobilizava sargentos, cabos e praças, que fizeram triunfar a Revolução.
A contradição consistia na circunstância de o regime dispor de uma força de intervenção
sem quadros e de quadros num partido sem força de luta.
Na quarta-feira, dia 5 de Outubro, logo de manhã, em
Alcobaça o povo saiu para a rua, a comentar o que sabia e não sabia, os difusos
ecos dos acontecimentos.
Continuavam as dúvidas sobre o êxito da revolta em
Lisboa. Cada automóvel que chegava era objeto de assédio independentemente da
proveniência e abordado com mil perguntas. A certa altura, começou a correr, em
breve soube-se que foi só boato, que a Linha do Oeste estava cortada entre Caldas
da Rainha e Torres Vedras, o mesmo acontecendo com as linhas telegráficas.
Às 13 horas constou que uma bataria de Artilharia 2 de
Alcobaça, ia partir para Lisboa de comboio, pelo que umas dezenas de pessoas se
juntaram no Rocio, dispostas a fazer-lhe uma manifestação de simpatia,
oferecendo tabaco, “comes e bebes ”.
Afinal, não passou de mais um boato, a bataria não apareceu e os populares
dispersaram, ficando no entanto republicanos fervorosos reunidos em pequenos
grupos, a trocarem impressões.
A carreira do Valado de Frades, que devia chegar pouco
depois do meio-dia, apareceu às 15 horas, já que o comboio veio a desoras, e os
jornais sem novidades de monta. Ao fim da tarde, os passageiros de um automóvel
contaram ter visto ruidosas manifestações republicanas no Bombarral e Torres
Vedras. Outro automóvel, grande e preto, vindo de Leiria, conduzido por um
militar fardado, parou próximo da Porta de Armas do Quartel pois eram militares
os ocupantes, entre eles o Comandante de Artilharia 1. Ao reiniciar a marcha
constatou-se que tinha um pneu traseiro rebentado, o mesmo sucedendo daí a
pouco a outro. Pensando tratar-se de sabotagem, populares reclamaram a
intervenção de uma força militar que saiu prontamente do quartel com seis
homens, a qual rodeou o automóvel para o proteger e aos ocupantes enquanto se
mudavam os pneus, e os populares faziam uma manifestação de simpatia, com
palmas e vivas. Mas ao fim e ao resto, continuava-se sem notícias fidedignas à
espera que algum veículo vindo do sul, trouxesse notícias da capital.
Pela manhã de quinta-feira, 6 de outubro, principiaram a
circular em Alcobaça notícias mais concretas. Sim, as forças revoltosas haviam
triunfado, estando a República proclamada desde a manhã, 5 de outubro.
Perante isto, por via de dúvidas partiram de bicicleta rumo
a Caldas da Rainha, alguns entusiastas.
Cerca das 11 horas regressaram ao Rocio, muito excitados a agitar bandeiras
republicanas e a usar a tiracolo fitas verdes, sendo envolvidos em abraços e
beijos pelos populares republicanos.
Dentro em pouco o Rocio, encheu-se de populares, muitos
dos quais apenas curiosos. No Centro
Republicano, onde se encontravam alguns responsáveis e dedicados militantes que
ali haviam passado a noite, foi içada a Bandeira Republicana, que há muito
aguardava esperançada e pacientemente cumprir o seu destino.
De uma janela da Câmara Municipal, Santiago Ponce y
Sanchez, Presidente da Comissão Municipal Republicana, fez a proclamação da
República em Alcobaça, saudando o novo governo e propondo à aprovação popular,
José Coelho da Silva para Administrador do Concelho. O Pároco de Alcobaça Pe.
Francisco Coelho Ribeiro d’Abranches, Presidente da Junta da Paróquia, deu por
findo o mandato e na insinuação malévola/provocatória do “Semana Alcobacense ”, “fez pronta a adesão à República”. Mas em 1911, pediu para ser transferido para
outra Paróquia, dado não se sentir confortável com os novos tempos, tendo
regressado a Alcobaça em outubro de 1920, como Pároco do Mosteiro, agora com um
ambiente mais calmo. Tomou a iniciativa de no dia 24 desse mês, celebrar missa
na Igreja do Mosteiro pelas almas dos paroquianos falecidos na sua ausência. O Pe. Ribeiro d’Abranches nos dias 7 e
8 de fevereiro seguinte decidiu “brindar
os inocentes”, ministrando “gratuitamente”
o batismo às criancinhas que lhe forem apresentadas. Segundo se soube foram
batizados “7 inocentes” .
No Salão Nobre do Município usaram da palavra o deputado
Afonso Ferreira, regressado há pouco da sua Roça Guégué, em S. Tomé, e Alberto
Vila-Nova, que salientaram as virtudes do novo regime, no que foram muito
aplaudidos. O entusiasmo atingiu o rubro quando a bandeira republicana foi
arvorada no edifício municipal (emprestada pelo Centro Republicano), aí passou
a estar de dia e noite, durante mais de uma semana.
As manifestações continuaram ao longo do dia. Entretanto
chegaram a Fanfarra de Alcobaça a tocar “A
Portuguesa ”, bem como os empregados e operários da Companhia de Fiação e
Tecidos, com o seu diretor Fernando Sá à frente, a qual suspendeu a laboração,
formando-se um cortejo, que percorreu as ruas da vila, dando vivas.
Soube-se então ao fim da manhã que fora nomeado pelo Governo
Provisório, sob proposta do Ministro
do Interior, António José de Almeida, Governador Civil de
Leiria, o conceituado alcobacense José
Eduardo Raposo de Magalhães, o que causou forte emoção e orgulho, e foi motivo
para que fosse muito saudado em casa, por amigos e correligionários.
A festa continuou de tarde com a atuação das
Filarmónicas da Vestiaria e da Maiorga, que desfilaram pelas ruas da Vila entre
foguetes, vivas e aclamações de pessoas que se encontravam nas bermas e vinham
à janela.
Á noite, no Quartel foi içada uma bandeira verde/rubra também
emprestada pelo Centro Republicano [10],
franqueada a entrada ao povo e às Filarmónicas que interpretaram “A Portuguesa ”. Os soldados que se
encontravam detidos foram perdoados por decisão do comandante, entre lágrimas e
abraços de alguns e o repúdio de outros. No Centro Republicano, que fora
invadido por alguns praças a dar vivas à República, subiram a um estrado
improvisado Alberto Vila-Nova e Inácio Cardoso Valadão, muito aplaudidos nos
seus inflamados discursos. As fachadas de edifícios, como a Câmara Municipal e
Repartições Públicas, foram iluminadas com lâmpadas elétricas, tendo sido
acesas as do coreto municipal, onde a Filarmónica da Maiorga esteve a atuar à
noite.
Pelo meio dia de sexta-feira, 7 de outubro, foi
oficialmente hasteada no Quartel, a bandeira republicana. Já não era a do
Centro Republicano, entretanto restituída à proveniência, mas uma que veio de
Leiria, para ficar. Assistiram ao ato a oficialidade do Regimento, em uniforme
de gala, as autoridades judiciais e administrativas do Concelho e convidados,
além de povo. À noite, foi iluminada a fachada do Quartel e a sua charanga
atuou para a população no Claustro do Rachadouro. A oficialidade inferior,
empunhando bandeiras republicanas e soltando vivas, percorreu a vila no meio de
foguetório, em “marche aux flambeaux”
[11],
e deslocou-se no Centro Republicano, onde alguns manifestantes se inscreveram
como sócios.
No dia 16 de outubro, realizaram-se em
Lisboa as solenes exéquias de Miguel Bombarda e Cândido dos Reis.
As urnas ficaram na Câmara Municipal
para aqueles puderem receber as homenagens populares. Por Decreto de 13 de
outubro, publicado a 14, determinou-se que os funerais de Cândido dos Reis e de
Miguel Bombarda se realizassem a 16 e fossem considerados funerais nacionais.
O desfile do préstito fúnebre teve
início ao meio dia (com as urnas cobertas por bandeiras verde/rubras feitas
expressamente para a ocasião), na Praça do Comércio, fez uma primeira paragem
no Largo do Camões e uma segunda no épico reduto do Marquês de Pombal, onde se
realizaram as solenes despedidas da cidade. Daqui seguiu para a Rua Morais
Soares, onde o Governo Provisório fez as suas saudações fúnebres. O final da
cerimónia no Alto de S. João, foi marcado por uma salva de 15 tiros. Os
candeeiros e postes de iluminação das ruas do trajeto, onde se juntava o “bom povo republicano”, estavam acesos e
envoltos em crepes negros.
A primeira sessão republicana da Câmara Municipal de
Alcobaça/Comissão Administrativa, realizou-se no dia 8 de outubro, tendo como
Presidente/José Barreto Perdigão, Vice-Presidente/Augusto Rodolfo Jorge e
Vogais/António Henriques Primo, António José Moreira, Ceslau Ribeiro dos
Santos, João Ferreira da Silva, José Lopes de Oliveira, Tomás Pereira da
Trindade e José Emílio Raposo de Magalhães, e a presença de algum público que
não quis faltar, dada a importância histórica do momento e aproveitou a
oportunidade para saudar os novos edis.
José Lopes de Oliveira, pediu que fosse feita uma
sindicância aos atos das vereações das últimas três gerências, tendo Tomaz
Pereira da Trindade secundado a proposta, acrescentando, porém, que o fosse sem
espírito de vingança ou perseguição. O público apoiou a proposta com algumas
palmas, o que foi desculpado pelo Presidente embora se houvesse solicitado
benevolamente para não se repetirem. A Comissão Administrativa resolveu
solicitar da autoridade competente a diligência que não se efetivou por falta
de verba orçamentada.
Foi deliberado, por unanimidade, exarar um voto de pesar
pelas vítimas dos últimos acontecimentos, especialmente Miguel Bombarda e
Cândido Reis, e que dele se desse conhecimento ao Governo da República, na
pessoa de Teófilo Braga. O público gostou da proposta, embora sem se
manifestar.
Presente um ofício, datado de 6 de outubro, expedido
pelo novo Governador Civil do Distrito de Leiria, José Eduardo Raposo de
Magalhães, comunicando ter tomado posse do cargo e assegurando a sua leal e
franca cooperação com a Câmara em tudo o que depender das suas atribuições
oficiais. A Câmara Municipal congratulando-se por ter ascendido a tão elevado
cargo esse “prestante cidadão de Alcobaça “, resolveu que se lhe oficiasse, a manifestar-lhe
satisfação pela nomeação, e o apreço pessoal e político que lhe merecia.
Foi ainda recebido, um ofício de José Coelho da Silva, a
comunicar ter tomado posse do lugar de Administrador do Concelho, em
substituição do Pe. Ribeiro d’Abranches.
Tratava-se de um republicano da velha guarda, merecedor
da distinção e oportunidade concedidas pelo novo poder.
Bernardo Vila-Nova foi encarregado de representar a
Câmara de Alcobaça nos festejos em Lisboa, no dia 5 de Outubro de 1911,
primeiro aniversário da implantação da República e para o cujo cortejo cívico
foi convidada, perante a impossibilidade de se fazer representar por um
vereador.
O Centro Republicano como anunciou também se fez
representar por dois “exemplares
cidadãos”.
No ano seguinte/1912, foi de novo solicitado a Bernardo
Vila-Nova a representação em Lisboa da Câmara Municipal, no cortejo cívico
comemorativo do segundo aniversário da República.
A alvorada de 5 de outubro de 1914, foi anunciada em
Alcobaça, do morro do castelo, com uma salva de 21 morteiros, para a qual fora
realizada sem sucesso uma subscrição[12],
conservou-se hasteada nos edifícios públicos, depois iluminados à noite, e em
algumas casas particulares de indefetíveis republicanos.
Como não tivesse havido possibilidades materiais para contratar
uma filarmónica para atuar naquele dia, a Comissão Executiva da Câmara
Municipal conseguiu, graças ao empenhamento de Eurico Araújo, [13]com
a autorização de Pereira Caldas, Comandante dos Grupos de Artilharia
aquartelados no Mosteiro, que a respetiva charanga, desse uma audição na parte
de tarde, no coreto da Praça. Aí apareceram algumas famílias que aproveitaram o
momento de descanso para farnelar, tanto mais que esteve um belo dia de início
de outono.
Para comemorar em Alcobaça, o 10º. Aniversário da
Implantação da República/1920, foi distribuída no Posto da GNR, uma refeição
quente aos pobres que, para o efeito, se haviam inscrito nesse Posto ou junto
do Regedor da Freguesia. Embora se tivessem inscrito apenas sete pessoas,
acabaram por aparecer catorze, o que implicou que, a partir de certa altura, o
pão tivesse de ser rateado em função da idade dos presentes. Nesse dia, a
Filarmónica do Arnal que se encontrava de visita a Alcobaça, depois de ter
apresentado cumprimentos na Câmara Municipal e recebido uma pequena lembrança,
foi convidada a dar um concerto ao fim da tarde no coreto, que reuniu muita
gente. De seguida, efetuou um desfile por algumas ruas, acompanhada por
populares a interpretar hinos patrióticos.
O republicanismo local, imputável mais a um grupo bastante
restrito que à generalidade da população, não era fácil de manter, pelo que ia
esmorecendo, perante os repetidos conflitos pessoais com cortes de relações e
picardias, bem como as dificuldades de vida que o Município de parcos recursos
não conseguia minorar. A implantação da República acarretou alguma emoção nos
primeiros tempos, apesar dos exageros relativamente a personalidades
respeitáveis, à Igreja corporizada no clero, mas a guerra na Europa acarretou
um pequeno, mas nada generalizado, refrear de ímpeto militante.
Quando se deu a queda da Monarquia, a
notícia foi recebida por uma elite local, sem grande surpresa mas com emoção,
que ficou muito agradada ao ver José Eduardo Raposo de Magalhães, nomeado Governador
Civil de Leiria. A República foi proclamada em Alcobaça a 6 de outubro de 1910
perante populares que se juntaram frente ao edifício da Câmara Municipal,
depois de confirmada a queda da Monarquia, apesar vários rumores que circulavam
pela vila, tendo competido a Santiago Perez Ponce y Sanchez como referimos
anunciar a implantação da República e submeter ao “sufrágio popular” José Coelho da Silva para Administrador do
Concelho. Mais tarde Santiago Ponce terá confessado que este fora o momento
mais emocionante da sua vida e que, por mais anos que tivesse, não voltaria a
sentir igual emoção.
Santiago Ponce y Sanchez era
Presidente da Comissão Municipal Republicana e “facultativo ” municipal. Foi naquela
qualidade que esteve em Lisboa a representá-la e a Alcobaça nos funerais de
Miguel Bombarda e Cândido Reis. O Centro Republicano também se fez representar
com três dirigentes nessa manifestação de respeito e de saudade e aconselhou os
militantes republicanos a usarem um fumo preto no braço. Santiago Ponce y
Sanchez “distinto cidadão, antigo,
solícito e dedicado republicano, que nunca se não poupou a esforços ou
canseiras na propaganda e defesa do seu absorvente ideal político” que a
República não esqueceu, veio a ser nomeado diretor do Asilo Dª. Maria Pia[14],
em Xabregas/Lisboa.
Quem era Santiago Ponce y Sanchez?
No século XIX e mesmo nos inícios do
XX, muitas casas de Lisboa não possuíam água corrente. Aceder à água,
nomeadamente em andares elevados, era um trabalho penoso que muitos lisboetas
não queriam fazer, pelo que os galegos aproveitaram para criar aquilo a que
hoje se poderia chamar um nicho de
mercado, isto é, serem aguadeiros. Aquilino Ribeiro in “Lápides Partidas” [15]refere o galego de
Porriño/Tui, que escreveu à mulher dizendo que “a terra é boa, a xente é tola, a auga é deles e nòs vendemoslla”.
Na literatura portuguesa da altura, os galegos eram parte recorrente da
paisagem humana lisboeta. Os avós paternos de Santiago Ponce y Sanchez, vieram
da Galiza para Lisboa, em meados do século XIX, não como aguadeiros, mas para
trabalhar na restauração. Outros parentes foram para Madrid. O negócio correu
bem, o que lhes permitiu mais tarde mandar o neto estudar medicina na Escola
Médico-Cirúrgica, o qual terminado o curso veio a ser provido como facultativo
municipal em Alcobaça, onde não conhecia ninguém. Santiago Sanchez, foi bem
aceite nos meios políticos e sociais de Alcobaça, não apenas republicanos, pela
educação, inteligência e dedicação à causa pública.
J. E. Raposo de Magalhães, filho de João
de Magalhães e de Maria Silvéria Raposo, era neto do último “Ouvidor dos Coutos de Alcobaça” [16], José Emílio de Magalhães, cargo
hereditário na família desde o século XVIII.
Estudou
na Universidade
de Coimbra, onde se
licenciou em Engenharia Civil em 1862, sendo Bacharel em Filosofia e
Matemática.
Aí,
estabeleceu especiais relações com Afonso Costa e, embora mais novo, com alguns
personagens da Geração de 70. Desde cerca os 25 anos, administrou os bens da
família materna, que veio a herdar, importantes proprietários, com fortuna
feita na madeira, e arrematadores de propriedades agrícolas e florestais
do Mosteiro
de Alcobaça após a
extinção das ordens religiosas. Construiu as adegas que vieram a integrar o
Museu do Instituto Nacional da Vinha e do Vinho, em Alcobaça, durante os
últimos anos encerrado, mas ao que se espera com perspetivas de reabrir, e foi
um dos pioneiros da técnica da pasteurização em Portugal. Ganhou com
os seus produtos agrícolas, medalhas em exposições internacionais.
O seu neto, [17]que
aliás conheceu muito mal, recordou que em 1880, José Eduardo Raposo de
Magalhães, integrava o pequeno escol republicano de Alcobaça, sendo em 1907
membro do recém-criado Centro Republicano Democrático de Alcobaça, cuja
Direção, eleita em 12 de dezembro de 1907, era constituída por José Ferreira da
Silva, Sebastião Vazão, Manuel Serrano de Figueiredo, Joaquim Ferreira da
Silva, José de Sousa Vitorino. O Conselho Fiscal era presidido por António de
Sousa Neves e integrava Manuel Pereira dos Santos e João António Vasco. José
Eduardo Magalhães foi eleito Presidente da Assembleia Geral, a par de Eurico
Araújo e Aniceto Rosa, e integrou as listas do PRP, para as Cortes, embora não
tenha sido eleito. Por alegados motivos de saúde. Seria mesmo motivos de saúde?[18].
J. Ed. Raposo de Magalhães afastou-se durante algum tempo, da atividade
político-partidária, recusando integrar as listas da Comissão Municipal de
Alcobaça, para o triénio de 1909/1911. Com o 5 de Outubro de 1910, foi
escolhido por António José de Almeida para exercer as funções de Governador
Civil de Leiria, o que aconteceu até 17 de junho de 1911, em que foi pediu a
exoneração. O curto mandato de José Eduardo Raposo de Magalhães, foi assinalado
por incidentes, reclamações e denúncias contra órgãos administrativos do
Distrito de Leiria, que o levou, que mandasse instaurar sindicâncias à Câmara
Municipal de Figueiró dos Vinhos, ao Hospital D. Leonor em Caldas da Rainha, à
Administração da Confraria da Nazaré e à Administração do Concelho da Batalha.
Essa isenção, mal aceite por alguns correligionários, traduziu-se, entre o
mais, na alegada proteção conferida a monárquicos, prisão de arruaceiros
republicanos que impediam as reuniões daqueles, o que acarretou a intervenção
pessoal do Ministro do Interior, António José de Almeida, para os soltar.
As dissensões no Governo Provisório começavam cedo a
manifestar-se e as fraturas programáticas, ideológicas e de caráter pessoal
vieram a público. A união que juntara os revolucionários no derrube da
monarquia, revelou-se precária e António José de Almeida, tentou resistiu ao
controlo do Estado pelos republicanos mais radicais, negando-se a preencher o
aparelho com meros revolucionários, independentemente da competência
profissional, que no seu enunciado não deveria prevalecer sobre a militância
político-partidária. O alcobacense Américo d’Oliveira, herói da Rotunda, viu
ser-lhe recusado um emprego como fiscal dos caminhos de ferro, o que levou a
mal e a esfriar as relações com António José de Almeida[19]
que discursara no jantar de homenagem a Américo d’Oliveira. Com a promulgação
da Lei Eleitoral para a Assembleia Constituinte, foi acusado de favorecer a
eleição de monárquicos, o que não aconteceu, pois estes não concorreram. Foi
bastante reprovado por defender amnistias a contra revolucionários e grevistas,
bem como pelas críticas à Lei da Separação, que reputou de exagerada e lhe
acarretou tensão nas relações com Afonso Costa.
A participação de Delegados Especiais do Governo
Provisório, na fiscalização das assembleias de voto na área do Círculo de
Leiria, o que considerou uma afronta aos brios partidários e cívicos do povo do
Distrito, bem como manipulações impróprias
por parte de elementos do Diretório Republicano nas listas do partido,
terão sido determinantes no pedido de demissão de Raposo de Magalhães,
levando-o a regressar a Alcobaça.
Na sessão de 31 de maio de 1911, o Vice-Presidente da
Câmara Augusto Rodolfo Jorge, redigiu a seguinte proposta: “A Comissão Administrativa da Câmara
Municipal de Alcobaça lamentando profundamente a resolução tomada pelo grande
governante deste Distrito e lamentando ainda mais a causa que deu lugar a essa
resolução, que mais uma vez demonstra o quanto é nobre e independente o seu
caráter e o seu sentir, em seu nome, e em nome de todo o povo do Concelho que
representa, tem a honra de lhe manifestar a sua admiração pela forma impecável
como desempenhou o seu importante lugar ao qual, pelo Bem da Pátria e elevação
da República, sacrificou a sua saúde e os interesses da sua importante casa ”.
Esta proposta foi saudada na Câmara, com a exceção do
vereador José de Magalhães que se retirou no momento da votação, pelo que foi
decidido deslocarem-se à residência de José Eduardo Raposo de Magalhães, a fim
de lhe dar conta da deliberação e prestar-lhe homenagem.
Na Sessão de 7 de junho de 1911, o vereador Ceslau Ribeiro dos Santos, fez a seguinte exposição:
“Lamento que não
pudesse assistir à última sessão desta Câmara, por julgar essa ocasião a melhor
oportunidade de lamentar o meu enérgico protesto contra a atitude do Governo,
mandando delegados seus fiscalizar as assembleias eleitorais onde o predomínio
republicano era evidente, considerando essa fiscalização uma afronta e alta
desconsideração ao sincero e leal caráter do partido republicano deste
Concelho, que tantas provas tem dado do seu honrado civismo. E ao mesmo tempo
desejo fazer sentir nesta sessão quanto é o meu enorme pesar, que me vai na
alma, pela demissão do ex-chefe deste Distrito, Ex.mo Sr. Dr. José
Eduardo Raposo de Magalhães, por a considerar um desaire, ou até mesmo um
desastre, na boa orientação dos serviços da República do mesmo Distrito. Em
vista pois tão lamentáveis ocorrências que ferem e magoam o coração de todos
quantos o sangue puro lhes punha nas veias pela prosperidade da Pátria,
proponho (o que foi aprovado
por unanimidade): que se lance na ato um
voto de louvor ao mesmo Ex.mo Sr. Dr. José Eduardo Raposo de
Magalhães, pela sua nobre resolução e bem assim ao Sr. José Coelho da Silva,
que lhe seguiu o exemplo, pedindo a demissão de administrador do Concelho” .
O Centro Republicano de Alcobaça, nomeou uma comissão de
personalidades locais com o objetivo de lhe fazer chegar uma mensagem de
desagravo, apreço e estímulo, da qual também faziam parte o Governador Civil
interino/Eduardo Martins da Cruz, o proprietário/José de Oliveira Zúquete, o
notário/João Pereira Gomes, o Vice-Presidente da Câmara Municipal de
Leiria/José Jacinto de Assunção e o Administrador do Concelho/Gaudêncio Pires
de Campos.
Para festejar a vitória da lista “oficial” do Partido Republicano, onde já havia várias e profundas
clivagens, houve manifestações de regozijo na Vila, com um cortejo a partir do
Centro Republicano onde a Fanfarra de Alcobaça tocou “A Portuguesa” e foi servido uma taça de champanhe aos amigos correligionários. Este
cortejo dirigiu-se, também, a casa de José E. Raposo de Magalhães que desceu
para agradecer.
A Filarmónica da Maiorga, no dia seguinte, acompanhada
de populares e empregados da Companhia de Fiação e Tecidos, aonde não faltou
Fernando Alípio Sá, no meio de vivas e foguetes, dirigiu-se para o Centro
Republicano que festejava o seu 4º. aniversário com a presença da sua pequena
banda.
Terá também sido relevante no pedido de demissão, a
publicação do Decreto, de 4 de maio, de 1911. José Eduardo Raposo de Magalhães,
como agricultor e burguês mais que político, defendia um “nacionalismo agrário redentor, um
Portugal que precisava para além da mudança de regime, a emancipação económica
” contrariando a crónica dependência
do estrangeiro.
Magoado com o que qualificou
de facada pelas costas, liderou um movimento contra o diploma, para o que
chegou a editar e distribuir a suas expensas o opúsculo[20]
“Aos Proprietários e Lavradores do
Concelho d’Alcobaça - . Considerações
Acerca das Declarações, que lhes são Impostas pelo Decreto de 4 de maio de 1911
”, em que atacava a política fiscal governamental relativamente à
propriedade fundiária e agrária. A partir daqui, a política ativa deixou de
fazer parte dos seus objetivos e interesses imediatos, pelo que orientou a vontade
e energia, para os afazeres e gestão da propriedade agrícola. Todavia, veio a
integrar algumas Comissões Administrativas Municipais depois do sidonismo. Até morte
viveu, na sua Quinta da Cova da Onça/Alcobaça, situada na antiga cerca do
Mosteiro.
Raposo de Magalhães que, além de bom apreciador de música
também era intérprete, apreciava a ópera “A Serrana ” [21]inspirada num romance
de Camilo Castelo Branco, estreada com grande sucesso no Teatro São Carlos, em
março de 1899. É a peça musical mais conhecida de Alfredo Keil, com a óbvia
exceção de “A Portuguesa ”, a qual no
século XX, foi levada à cena mais onze vezes.
Raposo de
Magalhães, concluía que uma coisa era o que a propaganda republicana dizia
antes da implantação da República, o que depois era feito e o que era dito
sobre o que então fora dito.
Mas isto era,
é, um problema nacional.
Portugal era
um país timidamente industrializado e de pequenos centros urbanos.
A maioria da
população vivia no campo, onde fazia uma agricultura de subsistência e sem
horizontes. J. V. Natividade, no entanto, havia de descrever Alcobaça, com um carinho
muito salutarmente bairrista: “Neste
oceano de verdura aparece Alcobaça, cercada de pequenos montes, cobertos de
pujante vegetação, que a protegem como poderosa muralha natural. A casaria
branca parece erguer-se do seio dos rios que a cruzam e, como um bloco
gigantesco, o enorme mosteiro domina ainda hoje, como outrora, a povoação que se
estende a seus pés”.
Alcobaça não
era, todavia, um lugar no fim do mundo. Havia a estação de caminho de ferro em
Valado de Frades, a cerca de cinco quilómetros, embora servida por maus acessos
viários. Em cada verão, as famílias com mais posses, iam passar temporadas de
um a três meses de banhos, à Nazaré preferentemente ou a S. Martinho do Porto.
As senhoras e cavalheiros faziam compras em Lisboa.
BIBLIOGRAFIA E
OUTRAS FONTES UTILIZADAS:
·
Fernando Raposo de Magalhães, entrevista em Março de 2013
·
Fleming de Oliveira, “No
Tempo de Reis, Republicanos & Outros. A I República em Portugal &
Alcobaça”-Alcobaça 2014
·
Fleming de Oliveira, “Prefácio
de Os Monges Agrónomos do Mosteiro de Alcobaça” J. Vieira Natividade-Alcobaça
2013- Reedição da CaA
·
Hermano Saraiva, José-“História
de Portugal”
·
Jorge Aráujo, entrevista em Junho de 2013
·
Mattoso, José-“História
de Portugal”
·
Patriacado de Lisboa, informação em Julho de 2013
·
“Semana
Alcobacense”-anos de 1906 a 1923
·
Imagens:
Arquivo
do autor
Internet
(X)-Advogado,
antigo magestrado do MP, antigo Deputado, Presidente da Assembleia Municipal de
Alcobaça e autor de várias publicações.
(1)-A partir de
1839 o teatro e mais tarde o cinematógrafo, de Alcobaça, estiveram instalados
no Refeitório do Mosteiro, numa sala com 301 lugares, dos quais 120 nas galerias e 5
camarotes, e assim se manteve até 1929, altura em que foi desmontado. No tempo
da I República, foi denominado “Teatro
República ”.
O Teatro, no
Refeitório, fora instalado por iniciativa de um grupo de personalidades locais,
que abriram subscrição pública. As madeiras foram oferecidas pelo Conde de Vila
Real e o local escolhido, o antigo Refeitório dos Monges. O Governo entregou à
Câmara Municipal (Portaria do Ministério da Fazenda, de 4 de Agosto de 1837),
uma zona do Mosteiro não afeta ao culto. O Teatro foi inaugurado, em 6 de
Janeiro de 1840, com o drama histórico “Pedro,
o Grande /A Escrava de Marienburgo ”, interpretado por um grupo de
amadores.
Ao longo de
cerca de um século, muitas peças e filmes ali foram representadas e
apresentados, o que implicou obras, nem sempre compatíveis com as
caraterísticas do local, como foi o caso do pano de boca, mandado pintar em
1865, a um conhecido cenógrafo de Lisboa, e considerado muito caro, o que
motivou polémica local.
(2)-Com 19
anos, e dada forma trágica e sangrenta como chegou ao trono, D. Manuel
II colheu,
de início, alguma simpatia popular.
Mas isso não
era suficiente.
O rei, que não
fora preparado para tal, começou por demitir João Franco que falhou a tentativa
de governar “à inglesa ”, isto é sem
Parlamento, e nomear um governo, presidido pelo Alm. Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, no que ficou conhecido como Governo de Acalmação, que embora tenha
conseguido “acalmar”,
momentaneamente, os ânimos, teve efémera duração e não impediu o 5 de outubro.
(3)-Os
republicanos alcobacenses apreciavam especialmente António José de Almeida,
especialmente depois de ter sido sua a proposta de nomear José Eduardo Raposo
de Magalhães, pelo Governo Provisório para Governador Civil de Leiria.
(4)-Aí foi servido um porto de honra que a Casa Ferreira
da Silva, tinha recebido de um fornecedor de S. João da Pesqueira.
(5)-Francisco Batista Zagallo, nasceu
em Ovar em 23 de maio 1850 e faleceu em Alcobaça, em 25 de maio 1910.
Licenciado em Medicina, pela Universidade de Coimbra em
1876, foi provido a facultativo municipal
de Alcobaça. Exerceu funções como Presidente do Montepio Alcobacense, Vereador
Municipal, Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça entre 1907/1909, deixou
marcas positivas no Asilo da Infância Desvalida do Distrito de Leiria, no Clube
Alcobacense, na Fanfarra, na Orquestra, na Confraria do Santíssimo, no Teatro e
na Liga de Instrução. Entre as realizações mais relevantes, destacam-se a
construção do Hospital e a Exposição/Kermesse dos Produtos Alcobacenses havida
no Claustro de D. Dinis de 1 a 13 de maio 1913, evento da maior projeção ao
tempo e do qual Zagallo deixou uma descrição interessante, ilustrada com
clichés de Manuel Vieira Natividade.
(6)-Não nos
foi possível encontrar esta foto.
(7)-A “Questão
dos Adiantamentos à Casa Real”, foi uma violenta polémica ocorrida nos
últimos anos da Monarquia, que envolvia a Família Real e cujo
aproveitamento pelos republicanos muito
contribuiu para o desgaste das instituições aos olhos da opinião pública.
Como a despesa da Casa Real ultrapassava
a verba que lhe era atribuída, e que não era alterada desde o reinado de D. João VI, os vários
Ministros da Fazenda foram, ao longo dos anos, concedendo adiantamentos e
abonos em dinheiro que, à margem da Lei e das Cortes, iam cobrindo os gastos reais.
(8)-Bernardino Lopes de Oliveira, abastado proprietário
com fortuna feita no Brasil, onde possuiu engenhos de açúcar que segundo
constou não recusavam o trabalho de africanos, tendo em 1886 sido empossado em
Alcobaça Provedor da Misericórdia/Provedor Honorário em 1900, convocou uma
reunião de alcobacenses, a quem salientou as muito deficientes condições de
funcionamento do Hospital, apesar das obras realizadas em 1851/1853 e os sondou
sobre a possibilidade de construção de um novo, espaçoso, arejado e moderno
sito na Roda, local aliás sugerido pelos facultativos
da terra.
Tendo em conta a excelente recetividade da ideia,
passaram de imediato a efetuarem-se contactos porta a porta, o que permitiu arrecadação
das receitas mínimas para o seu arranque. Alguns dos fundadores, com destaque
para B. Lopes de Oliveira ou Barreto Perdigão, utilizaram os seus bons contactos
fora de Alcobaça, para solicitarem e obterem apoios e donativos. A Câmara
Municipal cedeu o terreno, a Santa Casa da Misericórdia o saldo da sua gerência
e o produto da venda do edifício do hospital que funcionava desde, pelo menos
1617, na Rua do Castelo, o Hospital de S. Miguel (em 1776 fora transformado em
hospital concelhio) e o Governo a madeira de um pinhal do Estado. A 18 de abril
de 1888, na presença das autoridades civis, militares e religiosas e muitos
populares, foi lançada a primeira pedra, a 15 de agosto de 1890, inaugurado o
Hospital e, no dia seguinte, transferidos os doentes que se encontravam no
edifício velho da Rua do Castelo. Estava consumada uma obra para a qual muitos
alcobacenses, se não todos, contribuíram generosa e gostosamente e ainda iriam
faze-lo durante anos. Quem não teve condições para dar dinheiro, prestou contribuições
em trabalho.
(9)-Afonso Ferreira, era natural de Leiria e barbeiro de
profissão antes de entrar na vida política. Em Alcobaça, criou raízes de
natureza familiar e veio a assumir algum destaque nos meios republicanos,
enquanto deputado. Afonso Ferreira, veio a ser administrador da Roça Guégué, em
S. Tomé e Príncipe, onde aliás faleceu, a qual ainda existe, tendo o seu
principal edifício, o da administração, sido há anos adaptado a unidade
turística pelo Governo.
(10)-A Companhia de Fiação e Tecidos de Alcobaça, era a
única unidade empresarial de peso na região, e a sua Direção, com destaque para
o tempo de Fernando Alípio de Carneiro e Sá (1905/1947), possuía notável
sentido social e manifestava simpatia para com a República.
Este era muito estimado pelos cerca de 700 operários com
quem mantinha uma relação forte que determinou o sucesso da empresa e o seu bom
ambiente laboral.
Fernando Sá chegou a Alcobaça em agosto de 1899, para
tomar posse do cargo de diretor da Fiação e Tecidos, em substituição de
Francisco Casimiro de Magalhães Cruz, que se encontrava a exercer interinamente
o cargo, o qual regressou ao Porto, onde era diretor da respetiva Companhia que
aí tinha a sede.
Não conseguimos encontrar nenhuma referência a
movimentos reivindicativos, nomeadamente de tipo grevista, durante o tempo de
Fernando Sá.
Os empregados e operários da Fiação e Tecidos celebravam
com diversos festejos o 1º. de maio, para o que se constituía uma comissão, que
não descansava na organização, e normalmente obtinha o concurso das Bandas Filarmónicas
da Maiorga (de que alguns faziam parte) ou da Vestiaria. Para além das
diversões para o pessoal, deslocavam-se ao evento muitos curiosos para
partilharem o momento com essa grande
família de trabalhadores, em plena e alegre convivência, num dia votado ao
descanso e ao folguedo.
Fernando Alípio de Carneiro e Sá conseguia conferir à fábrica
e seu pessoal, um certo ar de bairro que os marcou enquanto esteve à sua
frente. Eram tantas as mulheres quanto os homens, o que era pouco vulgar ainda
no País industrial.
Fernando Sá, desempenhou destacadas funções em variadas
instituições de Alcobaça.
(11)-Só mais tarde é que o Quartel teve, como sua, uma
bandeira republicana/Nacional.
Em 7 de Dezembro de 1910, a Câmara Municipal de Alcobaça
deliberou encarregar um vereador de adquirir em Lisboa uma Bandeira Nacional,
para ser hasteada em dias solenes nos Paços do Concelho. Todavia, foi Alberto
Vila-Nova quem fez essa aquisição, aquando de uma deslocação à capital.
A Junta da Maiorga, só em Setembro de 1911, teve
condições materiais para adquirir na Cordoaria Nacional, em Lisboa, uma Bandeira
Nacional, a qual foi hasteada na sua sede depois de uma missa solene, numa
cerimónia popular onde se deram, Vivas à Pátria, à República e ao Governo
Provisório, se lançaram foguetes, abrilhantada pela Banda de Música local que
interpretou “A Portuguesa”, e ainda
por discurso do Pároco Pe. António Duarte Patoleia, que enalteceu a ideia da
República associada à de Pátria. Realizada a parte principal da festa, música e
povo percorreram algumas ruas da localidade em boa ordem, dirigiram-se à
habitação do Pe. Patoleia, onde foi servido um lanche a alguns convidados.
Outras Juntas de Paróquia do Concelho também adquiriram
a Bandeira Nacional, nalguns casos mediante subscrição popular
Tendo
em conta que o Reg. Cav. 4, sediado no Mosteiro, não possuía o respetivo
estandarte a que tem direito, e sobre o qual os oficiais e praças haveriam de
jurar defender a Pátria e a República, constituiu-se em meados de Junho de
1919, uma comissão composta por António Augusto Carvalho da Costa, António de
Sousa Neves, Aníbal Monteiro, Aquiles Taveira Pinto, Francisco Pereira, José
Ferreira da Silva /sobrinho e José Emílio Raposo de Magalhães, com o fim de
convidar os alcobacenses a adquiri-lo, contribuindo com os donativos de que
pudessem dispor.
Em Novembro de 1920,
já com um estandarte adquirido na Cordoaria em Lisboa, e a presença do Gen. Comdt.
da 7ª. Divisão Militar, do Comdt. do Regimento, oficiais, praças, representantes
das entidades civis do Concelho de
Alcobaça, da Nazaré, de Porto de Mós, de Leiria e de Caldas da Rainha e
público, entre o qual familiares de militares ex-combatentes, realizou-se no
Quartel do Regimento de Alcobaça, o descerramento de uma lápide com o nome dos
militares mortos em combate na I Guerra, pertencentes a esta unidade militar. O
Alf. J. Herculano Moura, cujo irmão mais velho tombou na Flandres e cujo corpo
não chegou a ser repatriado pois não foi encontrado, usou da palavra e
dirigindo-se aos camaradas e familiares dos que tombaram, destacou aqueles cuja
morte ali se honrava, tendo no fim ido beijar as mães ou noivas presentes.
Encerrou a cerimónia o alcobacense Ten. Cor. Umbelino Correia Guedes,
comandante da unidade, que agradeceu a presença de todos e salientou a
importância da cerimónia que ajudou a reforçar o espírito de corpo e a sua
relação com a população civil.
(12)-Desfile com archotes e fanfarra.
(13)-Foi a Câmara Municipal que arcou com os respetivos
encargos.
(14)-Avô do distinto médico de Alcobaça, Dr. Jorge
Araújo, que tem colaborado nestes “Cadernos”.
Nunca chegaram a privar, mas este gosta de honrar a sua memória, hoje em dia um
pouco esquecida.
Eurico Araújo, nasceu em Alcobaça a 23.10.1880 e faleceu
em 27.08.1948. Desde jovem, ativista republicano, foi eleito Presidente da
Comissão Executiva da Câmara Municipal de Alcobaça em 1914, cargo que
desempenhou até 1917. António José de Almeida impôs-lhe a condecoração de “Oficial da Ordem Militar de Santiago da
Espada ”, em 28.6.1919.
(15)-Trata-se de um Asilo para rapazes que se rege pelo
princípio de dar aos internados uma formação profissional adequada, que
dependia dos Serviços Centrais de Beneficência Pública, e que ainda se encontra
em funcionamento.
(16)-Nascido a 13 de
setembro de 1885 em Carregal de Tabosa-Sernancelhe, uma lápide assinala a casa
onde se julga que nasceu, filho do padre Joaquim Francisco Ribeiro, Aquilino
Ribeiro teve uma infância, ao que consta, de miúdo travesso, a tal ponto que foi possível encontrar na zona durante muito
tempo, pessoas que contassem histórias rocambolescas de menino destinado, pela
família, ao sacerdócio. A sua ida (1895) para o Colégio da Senhora da Lapa,
seria o início de um percurso que o levaria depois (1902) a Lamego, e mais
tarde a Viseu, para fazer estudos de Filosofia. Ainda vai passar pelo Seminário
de Beja, frequentado, ao
que consta, pelos mais alunos mais rebeldes. Em 1904 foi expulso do seminário,
depois de ter dado uma corrosiva réplica a uma acusação a um Padre que dirigia
a instituição.
Em “Um Escritor Confessa-se ”, publicado
postumamente, Aquilino Ribeiro descreve um tempo tão empenhado politicamente
quão aventuroso, do qual há também relato ficcional no romance “Lápides Partidas”, que prossegue a
história de “A Via Sinuosa”. É o
tempo que, embora com algumas intermitências, Aquilino passa em Lisboa, aonde
havia chegado em 1906, dividindo-se pela escrita, com artigos de opinião
publicados em jornais como o republicano “A Vanguarda”, ou pela redação, em parceria com José Ferreira da
Silva, do folhetim “A Filha do
Jardineiro”, uma ficção ao mesmo tempo de propaganda republicana e de
crítica corrosiva às figuras do regime monárquico, a começar pelo Rei D.
Carlos.
(17)-Ouvidor dos
Coutos era um “magistrado ” nomeado
pelo Abade do Mosteiro, para na área dos Coutos tentar resolver os conflitos
entre os habitantes e entre estes e os monges, que não justificassem
intervenção judicial.
(18)-Fernando Raposo
de Magalhães que nos facultou interessantes informações (entrevista com o autor
em 2013).
(19)-Fernando Raposo
de Magalhães, que aliás não teve oportunidade de privar com o Avô, entende que
as razões foram políticas (idem).
(20)-Américo d’Oliveira propagandista da República, para
cuja causa contribuiu com dinheiro que herdou, maçon e carbonário, teve ação
relevante no dia 4 de outubro de 1910, na Rotunda ao lado de Machado dos
Santos, que ao admitir o eventual falhanço do golpe, o incentivou permanecendo
ambos lado a lado até à vitória se consumar,
Em 1908, Américo d’Oliveira vivendo ainda em Alcobaça,
fundou e custeou o jornal “O Republicano
”, do qual terão saído apenas seis exemplares e era principal redator Raul
Proença que também vivia em Alcobaça.
Um grupo de amigos e correligionários de Américo
d’Oliveira, ofereceu-lhe no 21 de janeiro de 1911, no Grande Hotel de
Inglaterra, em Lisboa, um banquete de homenagem pelos serviços prestados à República, aquando do
movimento que a implantou. Diversos brindes foram proferidos salientando a ação
de Américo d’Oliveira, a quem o Ministro António José de Almeida aludiu como um
dos mais heroicos combatentes da Revolução, ao qual a História haveria de fazer
justiça.
O semanário lisboeta “Colonial ”, prestou homenagem a Américo d’Oliveira, ao inserir o
retrato num dos seus números, acompanhado de um artigo a salientar a sua
coragem e determinação no decorrer do dia 4 de outubro, na Rotunda.
Américo d’Oliveira participou no 28 de maio de 1926,
tendo sido um dos dois que, com Mendes Cabeçadas, foi ao Palácio de Belém
parlamentar com Bernardino Machado, a entrega do poder.
Foi aina editor de “Arquivo Nacional”, que Rocha Martins dirigiu entre 1932 a 1943, semanário
que divulgava, aliás sem grande profundidade factos, acontecimentos, biografias
e memórias de contemporâneos e de figuras de outras épocas, quase sempre
marcadas por controvérsia.
(21)-Fernando Raposo de Magalhães não dispõe de nenhum
exemplar deste opúsculo, que também não encontramos nenhum na Biblioteca
Nacional (cfr. a mesma entrevista).
(22)-A ópera de Alfredo Keil, foi
a primeira com libreto em português, de autoria de Henrique Lopes de Mendonça,
co-autor de “A Portuguesa ”.
[1]
Advogado, antigo magestrado do MP, antigo Deputado,
Presidente da Assembleia Municipal de Alcobaça e autor de várias publicações.
[2]
A partir de 1839 o teatro e mais tarde o cinematógrafo, de
Alcobaça, estiveram instalados no Refeitório do Mosteiro, numa sala com 301 lugares, dos quais 120 nas galerias e 5
camarotes, e assim se manteve até 1929, altura em que foi desmontado. No tempo
da I República, foi denominado “Teatro
República ”.
O Teatro, no Refeitório, fora instalado por iniciativa de um
grupo de personalidades locais, que abriram subscrição pública. As madeiras
foram oferecidas pelo Conde de Vila Real e o local escolhido, o antigo Refeitório
dos Monges. O Governo entregou à Câmara Municipal (Portaria do Ministério da
Fazenda, de 4 de Agosto de 1837), uma zona do Mosteiro não afeta ao culto. O
Teatro foi inaugurado, em 6 de Janeiro de 1840, com o drama histórico “Pedro, o Grande /A Escrava de Marienburgo ”,
interpretado por um grupo de amadores.
Ao longo de cerca de um século, muitas peças e filmes ali
foram representadas e apresentados, o que implicou obras, nem sempre
compatíveis com as caraterísticas do local, como foi o caso do pano de boca,
mandado pintar em 1865, a um conhecido cenógrafo de Lisboa, e considerado muito
caro, o que motivou polémica local.
[3]
Com 19 anos, e dada forma trágica e sangrenta como chegou ao
trono, D. Manuel II colheu,
de início, alguma simpatia popular.
Mas isso não era suficiente.
O rei, que não fora preparado para tal, começou por demitir
João Franco que falhou a tentativa de governar “à inglesa ”, isto é sem Parlamento, e nomear um governo, presidido
pelo Alm. Francisco Joaquim
Ferreira do Amaral, no que ficou conhecido como Governo de Acalmação, que embora tenha
conseguido “acalmar”,
momentaneamente, os ânimos, teve efémera duração e não impediu o 5 de outubro.
[4]
Os republicanos alcobacenses apreciavam especialmente
António José de Almeida, especialmente depois de ter sido sua a proposta de nomear
José Eduardo Raposo de Magalhães, pelo Governo Provisório para Governador Civil
de Leiria.
[5] Aí foi servido um
porto de honra que a Casa Ferreira da Silva, tinha recebido de um fornecedor de
S. João da Pesqueira
[6] Francisco Batista
Zagallo, nasceu em Ovar em 23 de maio 1850 e faleceu em Alcobaça, em 25 de maio
1910.
Licenciado em
Medicina, pela Universidade de Coimbra em 1876, foi provido a facultativo municipal de Alcobaça.
Exerceu funções como Presidente do Montepio Alcobacense, Vereador Municipal,
Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça entre 1907/1909, deixou
marcas positivas no Asilo da Infância Desvalida do Distrito de Leiria, no Clube
Alcobacense, na Fanfarra, na Orquestra, na Confraria do Santíssimo, no Teatro e
na Liga de Instrução. Entre as realizações mais relevantes, destacam-se a
construção do Hospital e a Exposição/Kermesse dos Produtos Alcobacenses havida
no Claustro de D. Dinis de 1 a 13 de maio 1913, evento da maior projeção ao
tempo e do qual Zagallo deixou uma descrição interessante, ilustrada com
clichés de Manuel Vieira Natividade.
[7]
Não nos foi possível encontrar esta foto.
[8]
A “Questão dos Adiantamentos à Casa
Real”, foi uma
violenta polémica ocorrida nos últimos anos da Monarquia, que envolvia a Família Real e cujo
aproveitamento pelos republicanos muito
contribuiu para o desgaste das instituições aos olhos da opinião pública.
Como a despesa da Casa Real ultrapassava a verba
que lhe era atribuída, e que não era alterada desde o reinado de D. João VI, os vários
Ministros da Fazenda foram, ao longo dos anos, concedendo adiantamentos e
abonos em dinheiro que, à margem da Lei e das Cortes, iam cobrindo os gastos reais.
[9]
Bernardino
Lopes de Oliveira, abastado proprietário com fortuna feita no Brasil, onde
possuiu engenhos de açúcar que segundo constou não recusavam o trabalho de
africanos, tendo em 1886 sido empossado em Alcobaça Provedor da
Misericórdia/Provedor Honorário em 1900, convocou uma reunião de alcobacenses,
a quem salientou as muito deficientes condições de funcionamento do Hospital,
apesar das obras realizadas em 1851/1853 e os sondou sobre a possibilidade de
construção de um novo, espaçoso, arejado e moderno sito na Roda, local aliás
sugerido pelos facultativos da terra.
Tendo em conta a
excelente recetividade da ideia, passaram de imediato a efetuarem-se contactos
porta a porta, o que permitiu arrecadação das receitas mínimas para o seu
arranque. Alguns dos fundadores, com destaque para B. Lopes de Oliveira ou Barreto
Perdigão, utilizaram os seus bons contactos fora de Alcobaça, para solicitarem
e obterem apoios e donativos. A Câmara Municipal cedeu o terreno, a Santa Casa
da Misericórdia o saldo da sua gerência e o produto da venda do edifício do
hospital que funcionava desde, pelo menos 1617, na Rua do Castelo, o Hospital
de S. Miguel (em 1776 fora transformado em hospital concelhio) e o Governo a
madeira de um pinhal do Estado. A 18 de abril de 1888, na presença das
autoridades civis, militares e religiosas e muitos populares, foi lançada a
primeira pedra, a 15 de agosto de 1890, inaugurado o Hospital e, no dia
seguinte, transferidos os doentes que se encontravam no edifício velho da Rua
do Castelo. Estava consumada uma obra para a qual muitos alcobacenses, se não
todos, contribuíram generosa e gostosamente e ainda iriam faze-lo durante anos.
Quem não teve condições para dar dinheiro, prestou contribuições em trabalho.
[10]
Só mais tarde
é que o Quartel teve, como sua, uma bandeira republicana/Nacional.
Em 7 de Dezembro de
1910, a Câmara Municipal de Alcobaça deliberou encarregar um vereador de
adquirir em Lisboa uma Bandeira Nacional, para ser hasteada em dias solenes nos
Paços do Concelho. Todavia, foi Alberto Vila-Nova quem fez essa aquisição,
aquando de uma deslocação à capital.
A Junta da Maiorga,
só em Setembro de 1911, teve condições materiais para adquirir na Cordoaria
Nacional, em Lisboa, uma Bandeira Nacional, a qual foi hasteada na sua sede
depois de uma missa solene, numa cerimónia popular onde se deram, Vivas à
Pátria, à República e ao Governo Provisório, se lançaram foguetes, abrilhantada
pela Banda de Música local que interpretou “A
Portuguesa”, e ainda por discurso do Pároco Pe. António Duarte Patoleia,
que enalteceu a ideia da República associada à de Pátria. Realizada a parte
principal da festa, música e povo percorreram algumas ruas da localidade em boa
ordem, dirigiram-se à habitação do Pe. Patoleia, onde foi servido um lanche a
alguns convidados.
Outras Juntas de
Paróquia do Concelho também adquiriram a Bandeira Nacional, nalguns casos
mediante subscrição popular
Tendo em conta que o Reg. Cav. 4,
sediado no Mosteiro, não possuía o respetivo estandarte a que tem direito, e
sobre o qual os oficiais e praças haveriam de jurar defender a Pátria e a República,
constituiu-se em meados de Junho de 1919, uma comissão composta por António
Augusto Carvalho da Costa, António de Sousa Neves, Aníbal Monteiro, Aquiles
Taveira Pinto, Francisco Pereira, José Ferreira da Silva /sobrinho e José
Emílio Raposo de Magalhães, com o fim de convidar os alcobacenses a adquiri-lo,
contribuindo com os donativos de que pudessem dispor.
Em Novembro de 1920, já com um estandarte adquirido na
Cordoaria em Lisboa, e a presença do Gen. Comdt. da 7ª. Divisão Militar, do
Comdt. do Regimento, oficiais, praças, representantes das entidades civis do Concelho de Alcobaça, da
Nazaré, de Porto de Mós, de Leiria e de Caldas da Rainha e público, entre o
qual familiares de militares ex-combatentes, realizou-se no Quartel do
Regimento de Alcobaça, o descerramento de uma lápide com o nome dos militares
mortos em combate na I Guerra, pertencentes a esta unidade militar. O Alf. J.
Herculano Moura, cujo irmão mais velho tombou na Flandres e cujo corpo não
chegou a ser repatriado pois não foi encontrado, usou da palavra e dirigindo-se
aos camaradas e familiares dos que tombaram, destacou aqueles cuja morte ali se
honrava, tendo no fim ido beijar as mães ou noivas presentes. Encerrou a
cerimónia o alcobacense Ten. Cor. Umbelino Correia Guedes, comandante da
unidade, que agradeceu a presença de todos e salientou a importância da
cerimónia que ajudou a reforçar o espírito de corpo e a sua relação com a
população civil.
[11]
Desfile com
archotes e fanfarra.
[12]
Foi a Câmara
Municipal que arcou com os respetivos encargos.
[13]Avô do distinto
médico de Alcobaça, Dr. Jorge Araújo, que tem colaborado nestes “Cadernos”. Nunca chegaram a privar, mas
este gosta de honrar a sua memória, hoje em dia um pouco esquecida.
Eurico Araújo,
nasceu em Alcobaça a 23.10.1880 e faleceu em 27.08.1948. Desde jovem, ativista
republicano, foi eleito Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de
Alcobaça em 1914, cargo que desempenhou até 1917. António José de Almeida
impôs-lhe a condecoração de “Oficial da
Ordem Militar de Santiago da Espada ”, em 28.6.1919.
[14]
Trata-se de um
Asilo para rapazes que se rege pelo princípio de dar aos internados uma
formação profissional adequada, que dependia dos Serviços Centrais de
Beneficência Pública, e que ainda se encontra em funcionamento.
[15]-Nascido a 13 de setembro de 1885 em Carregal de
Tabosa-Sernancelhe, uma lápide assinala a casa onde se julga que nasceu, filho
do padre Joaquim Francisco Ribeiro, Aquilino Ribeiro teve uma infância, ao que
consta, de miúdo travesso, a tal ponto que
foi possível encontrar na zona durante muito tempo, pessoas que
contassem histórias rocambolescas de menino destinado, pela família, ao
sacerdócio. A sua ida (1895) para o Colégio da Senhora da Lapa, seria o início
de um percurso que o levaria depois (1902) a Lamego, e mais tarde a Viseu, para
fazer estudos de Filosofia. Ainda vai passar pelo Seminário de Beja, frequentado, ao que
consta, pelos mais alunos mais rebeldes. Em 1904 foi expulso do seminário,
depois de ter dado uma corrosiva réplica a uma acusação a um Padre que dirigia
a instituição.
Em “Um Escritor Confessa-se ”, publicado
postumamente, Aquilino Ribeiro descreve um tempo tão empenhado politicamente
quão aventuroso, do qual há também relato ficcional no romance “Lápides Partidas”, que prossegue a
história de “A Via Sinuosa”. É o
tempo que, embora com algumas intermitências, Aquilino passa em Lisboa, aonde
havia chegado em 1906, dividindo-se pela escrita, com artigos de opinião
publicados em jornais como o republicano “A Vanguarda”, ou pela redação, em parceria com José Ferreira da
Silva, do folhetim “A Filha do
Jardineiro”, uma ficção ao mesmo tempo de propaganda republicana e de
crítica corrosiva às figuras do regime monárquico, a começar pelo Rei D.
Carlos.
[16]
Ouvidor dos
Coutos era um “magistrado ” nomeado
pelo Abade do Mosteiro, para na área dos Coutos tentar resolver os conflitos
entre os habitantes e entre estes e os monges, que não justificassem
intervenção judicial.
[17]
Fernando
Raposo de Magalhães que nos facultou interessantes informações (entrevista com
o autor em 2013).
[18]Fernando Raposo de
Magalhães, que aliás não teve oportunidade de privar com o Avô, entende que as
razões foram políticas (idem).
[19]
Américo
d’Oliveira propagandista da República, para cuja causa contribuiu com dinheiro
que herdou, maçon e carbonário, teve ação relevante no dia 4 de outubro de
1910, na Rotunda ao lado de Machado dos Santos, que ao admitir o eventual
falhanço do golpe, foi incentivado permanecendo ambos lado a lado até à vitória
se consumar,
Em 1908, Américo
d’Oliveira vivendo ainda em Alcobaça, fundou e custeou o jornal “O Republicano ”, do qual terão saído
apenas seis exemplares e era principal redator Raul Proença que também vivia em
Alcobaça.
Um grupo de amigos e
correligionários de Américo d’Oliveira, ofereceu-lhe no 21 de janeiro de 1911,
no Grande Hotel de Inglaterra, em Lisboa, um banquete de homenagem pelos
serviços prestados à República,
aquando do movimento que a implantou. Diversos brindes foram proferidos
salientando a ação de Américo d’Oliveira, a quem o Ministro António José de
Almeida aludiu como um dos mais heroicos combatentes da Revolução, ao qual a
História haveria de fazer justiça.
O semanário lisboeta
“Colonial ”, prestou homenagem a
Américo d’Oliveira, ao inserir o retrato num dos seus números, acompanhado de
um artigo a salientar a sua coragem e determinação no decorrer do dia 4 de
outubro, na Rotunda.
Américo d’Oliveira
participou no 28 de maio de 1926, tendo sido um dos dois que, com Mendes
Cabeçadas, foi ao Palácio de Belém parlamentar com Bernardino Machado, a
entrega do poder.
Foi ainda editor de “Arquivo Nacional”,
que Rocha Martins dirigiu
entre 1932 a 1943, semanário que divulgava, aliás sem grande profundidade
factos, acontecimentos, biografias e memórias de contemporâneos e de figuras de
outras épocas, quase sempre marcadas por controvérsia.
[20]
Fernando
Raposo de Magalhães não dispõe de nenhum exemplar deste opúsculo, que também
não encontramos nenhum na Biblioteca Nacional (cfr. a mesma entrevista).
[21]
A ópera
de Alfredo Keil, foi a primeira com libreto em português, de autoria de
Henrique Lopes de Mendonça, co-autor de “A
Portuguesa ”.