quinta-feira, 31 de março de 2022
segunda-feira, 28 de março de 2022
ALCOBACENSE AMÉRICO d’OLIVEIRA, NA ROTUNDA (4-5 de OUTUBRO)
ALCOBACENSE AMÉRICO d’OLIVEIRA, NA ROTUNDA (4-5 de OUTUBRO)
Américo d’Oliveira, propagandista da
República, para cuja causa contribuiu com dinheiro, maçon e carbonário – natural
de Alcobaça, pintor amador especializado em marinhas,
quando foi radicar-se em Lisboa, por alturas de 1900, colocou um anúncio no Semana Alcobacense declarando que
pretendia vender tudo o que aqui tinha, afinal o que recebeu do pai Bernardino
Lopes de Oliveira, entretanto viúvo, que foi viver para Braga, com as 2 filhas –
teve ação relevante já no dia 4 de outubro, na Rotunda ao lado de Machado dos
Santos, que ao admitir o eventual falhanço do golpe, o incentivou com sucesso,
permanecendo a seu lado, até à vitória se consumar. Efetivamente, as coisas não
correram bem aos sublevados que se tinham concentrado na Rotunda. Perante a
ausência dos principais dirigentes e em face dos boatos que começavam a
fervilhar, alguns consideraram que se deveria levantar o acampamento.
Em 1908,
Américo d’Oliveira, fundou em Alcobaça e custeou o jornal O Republicano,
do qual terão saído apenas seis exemplares e tinha como principal redator Raul
Proença, que vivia em Alcobaça. Este, figura cimeira do pensamento político
português no primeiro quartel do século XX, marcou a intervenção
cívica durante a I República, cujos vícios criticou. Proença combateu o sidonismo e a Ditadura Militar
que,
em 1927, o condenou ao exílio em Paris. Tendo regressado a Portugal em 1932 já acometido da grave doença mental que o levaria ao
internamento no Hospital
do Conde de Ferreira,
no Porto, aí faleceu.
Um grupo
de amigos e correligionários de Américo d’Oliveira, ofereceu-lhe no sábado, 21
de Janeiro de 1911, no Grande Hotel de Inglaterra, Lisboa – um dos mais
conceituados da capital, situado na esquina da Praça dos Restauradores com a
Rua do Príncipe, hoje Rua do Jardim do Regedor, e que com o 5 de Outubro,
sofreu bastantes danos, embora tenha reaberto ao fim de poucos dias – um
banquete de homenagem pelos serviços prestados à República, aquando do
movimento que a implantou. Diversos brindes foram proferidos salientando a ação
de Américo d’Oliveira, de quem o Ministro António José de Almeida, que assistiu
ao jantar, frisou que era um dos mais heroicos combatentes da Revolução, ao
qual a História haveria de fazer inteira justiça.
O semanário lisboeta Colonial, querendo prestar homenagem ao revolucionário Américo d’Oliveira, inseriu o retrato num dos seus números, fazendo-o acompanhar de um artigo a salientar a coragem e determinação no decorrer do 4 de outubro, na Rotunda.
Nos primeiros momentos da revolta, Machado
Santos corre o acampamento e não encontra um oficial, a quem se pudesse
entregar o comando.
Foi
um momento de dolorosa angústia para o heróico marinheiro, republicano desde
muitos anos e um doido pela grande ideia.
O que
ele sofreu nesses momentos, ao ver que o movimento ia talvez fracassar, diante
delle que estava ali resolvido a praticar todas as loucuras!
Olhou
em volta de si e viu Américo de Oliveira, que procurava o mesmo que ele: uns
galões de ouro.
Com a
mesma ideia dirigem-se para outro.
-Estamos
perdidos! Exclama Machado dos Santos. Estamos sós! Que fazer?
Américo
de Oliveira exclamou, num ímpeto:
-Tocar
a unir, e perguntar aos sargentos se aceitam o seu comando!
Machado
dos Santos exultou, já não estava só, tinha ali ao lado um companheiro heróico.
Silenciosamente, mas com grande decisão, caíram nos braços um do outro, e foi
com uma voz potente de comando de Machado dos Santos mandou tocar a unir.
Felizmente,
os heróicos sargentos aceitaram sem relutância o comando de um oficial da
marinha, que nem sequer era combatente. De tal modo eles queriam ir para a
frente!.
Américo
d’Oliveira participou no 28 de maio de 1926, tendo sido um dos dois que, com
Mendes Cabeçadas, foi ao Palácio de Belém parlamentar com Bernardino Machado, a
entrega do poder. Foi o editor de Arquivo Nacional, que Rocha Martins dirigiu de 1932 a 1943, semanário que
divulgava, aliás sem grande profundidade factos, acontecimentos, biografias e
memórias de contemporâneos e de figuras de outras épocas, quase sempre marcadas
pela controvérsia.
Partido
Republicano não tinha delegação em Alcobaça, o que não impedia ação política
por parte de membros ou dirigentes. O Centro Democrático Republicano apenas
seria constituído em 1907, pelo que até aí os republicanos reuniam-se
informalmente, na farmácia ou em casa de Natividade. Por isso Os abaixo
assinados, constituídos em comissão para levarem a efeito a organização do
partido republicano no concelho de Alcobaça, tomam a liberdade de convidar para
uma reunião que se há-de efectuar no dia 25 do corrente, todos os cidadãos
republicanos e maiores de 21 anos do mesmo concelho, a fim de se eleger a
respectiva comissão municipal e encetar outros trabalhos concernentes á
referida organização.
A
reunião terá lugar em Alcobaça, à 1 hora da tarde na casa onde existiu a antiga
fábrica de papel, à Levada, pertencente ao Sr. Francisco Xavier de Figueiredo
Oriol Pena.
Alcobaça,
15 de Dezembro de 1906.
José
Eduardo R. de Magalhães
Antonio
de Sousa Neves
Santiago
Perez Ponce y Sanchez
João
Ferreira da Silva
Affonso
Ferreira
Nota-São
considerados cidadãos republicanos, além dos que se acham inscritos como
subscritores do partido, todos quantos assinaram as mensagens de adesão
enviadas ao comício de Leiria e ao banquete em homenagem aos deputados
republicanos, e bem assim aqueles que, desejando aderir, compareçam á reunião
do dia 25 e nessa ocasião se inscrevam no respectivo cadastro partidário, a fim
de poderem votar na eleição da comissão municipal.
BUSTO DA REPÚBLICA E ALCOBAÇA
BUSTO DA REPÚBLICA E ALCOBAÇA
Com a República, houve que
encontrar outros Símbolos Nacionais.
A questão dos símbolos
foi controversa e a ela o Governo Provisório deu imediata atenção. Se queria cortar com os
símbolos do anterior regime, criar fraturas culturais, nunca esteve em causa
deixar de manter viva a ideia de uma Nação com um passado glorioso e tradição a
respeitar.
Simões
d’Almeida (sobrinho) artista de Figueiró dos Vinhos, modelou o Busto da
República em 1908, dois anos antes da proclamação da República. E nem o concurso público lançado pela Câmara
Municipal de Lisboa em 1910, visando a criação de uma imagem oficial que
representasse a República, a ser utilizada nas cerimónias pelo novo regime – e
cujo prémio foi conquistado por Francisco Santos – retiraria ao busto de 1908 a
aura e a fama popular que granjeara. Seria o busto de Simões d’Almeida que
contínua e profusamente se difundiria para fins propagandísticos, bem como o
que figuraria em todas as reproduções oficiais ou oficiosas.. A partir de 1912, o Busto da República, da autoria de Simões de Almeida, tornou-se um padrão
oficial da imagem da República Portuguesa e a ser considerado um dos símbolos
nacionais, tal como o retrato do Chefe de Estado, o Brasão de Armas, a Bandeira e o Hino. Chegou a ser
obrigatório a existência de uma reprodução do Busto da República, em local bem
visível, nos edifícios públicos. Todavia, ao invés do que aconteceu com os
demais símbolos, o uso deste foi caindo em desuso, sendo, hoje, raro
encontrá-lo.
O Busto da República, original de 1908, foi oferecido pelo autor em 1911 a um clube da
sua terra natal – Figueiró dos Vinhos –, o Clube Figueiroense
Esse busto, o original, assinado e datado por Simões d’Almeida (sobrinho),
encontra-se exposto no Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Figueiró
dos Vinhos.
Em junho
de 1910, o fotógrafo alcobacense Carlos Gomes reproduziu fotograficamente o
Busto da República, que se encontrava exposto no Quartel, vendendo cada
reprodução ao preço de 500 reis. Na montra da Farmácia Campeão, veio a ser exposto
um Busto da República, numa reprodução em bronze que, segundo os devotos
republicanos, constituía um elegante adorno de sala, tão perfeita era a modelação, tão
bem lançada e artística é a cabeça altiva e insinuante. Encarregava-se do
seu fornecimento a Casa Catalá, de Lisboa, que tinha como proprietário o
alcobacense António Lopes de Oliveira, custando cada exemplar a módica quantia de 12$500 Reis. Na Sessão de 2 de Fevereiro de
1914, foi autorizada a Comissão Executiva da Câmara Municipal a adquirir um
Busto da República para a sua Sala das Sessões, sendo o mesmo que ainda lá se
encontra. O Centro Republicano também adquiriu um exemplar, tendo feito uma
subscrição.
Também
foi dada muita importância à Bandeira verde e vermelha – hasteada pela primeira vez na Festa da
Bandeira, a 1 de Dezembro de 1910 –, ao Escudo – com 5 quinas e 7 castelos, à Esfera
Armilar, ao Hino Nacional - A Portuguesa , à Moeda– o escudo –, ao Calendário
– com os feriados, festas nacionais e municipais–, à Divisa – Saúde e
Fraternidade –, à Festa da Árvore, ao Panteão Nacional – a Igreja de Santa
Engrácia foi escolhida como monumento para o instalar –, às condecorações – a
Torre e Espada foi a única Ordem que se manteve –, à Toponímia, à Numismática
ou à Filatelia.
Oportunamente
continuaremos este tema.
quarta-feira, 23 de março de 2022
Tempos muito censurados de Fleming de Oliveira - comentário de Rui Rasquilho
O ÚLTIMO LIVRO DE FLEMING DE OLIVEIRA
por Rui Rasquilho
Um livro é
sempre uma interpretação do mundo, uma vereda interior alinhada entre muros. O
livro de Fleming de Oliveira não é, todavia, um romance, é antes um exercício
de investigação e observação local.
Após haver
estudado e refletido sobre duas vertentes sociais nacionais, dois caminhos que
contribuíram a seu modo e a seu tempo para o atraso português, a Inquisição e a
Censura, escreveu «Tempos muito censurados, a Inquisição e o Estado Novo».
É um título
benévolo para um texto que aborda fórmulas pouco moderadas de castigo
arbitrário e controle social, duas vertentes dramaticamente persecutórias ao
serviço de objetivos de poder, em épocas históricas diferentes.
No seu 16º
livro Fleming de Oliveira circula com atenção por estes dois modelos
repressivos registando os seus ecos, alinhando-os em documentos e testemunhos,
criando histórias várias que estimulam a continuidade da leitura cuja projeção
narrativa depende da nossa atenção.
O livro é
escrito na linha habitual do autor, o tratamento da história regional, uma
lente sobre a nacional, de dois períodos dos dois programas condicionantes da
liberdade e construção de medo social e violência.
Fleming
incentiva-nos ao exercício da memória sobretudo quando confrontamos o livro com
a guerra arbitrária que vai destruindo o nosso quotidiano. Sorte temos hoje a
vivermos pela informação, através da palavra e da imagem, do relato e do
testemunho.
Entre
outros casos o autor debruça-se sobre o Judaísmo, referindo a política cínica
de D. Manuel e a perseguição atroz imposta aos refugiados que se acolheram a
Portugal após a sua expulsão pelos seus sogros, os Reis Católicos de Espanha.
Cuidadosamente o autor evoca a Bula de Sisto IV, de 1478, que cauciona a sua
desastrada política dezanove anos depois.
São cinco
os capítulos da parte primeira do livro que nos falam, entre outras vilezas
humanas, da “humilhação pública, elemento fundamental nos autos de fé”.
Alcobaça naturalmente está sempre presente e essa viagem deixo-a ao leitor.
Na parte
segunda a estrela é o Estado Novo, mais cinco capítulos, estes com conteúdo
muito mais próximo de nós, onde a narrativa e o testemunho se entrelaçam
criando mais emoção, por tudo estar mais perto de nós e percorrer o território
com descrições saborosas, a maioria delas desconhecidas dos leitores.
Os relatos
do reviralho à bomba, o MUD/Alcobaça, os apontamentos dos alcobacenses sobre a
passagem do comboio de militares a caminho da Marinha Grande e o consequente
atentado de 13 de Janeiro de 1931 para derrubar os postes de telégrafo e
desalinhar os carris (km 137,960).
O livro de
Fleming de Oliveira é um extraordinário filme ou, melhor ainda, um notável
álbum fotográfico do século XX.
Vamos então
ler o livro com a recomendação do autor que o escreveu bem. “Uma história cria
estereótipos. O problema não é que sejam mentiras (…) são incompletos. Fazem
uma história tornar-se a única história”.
ARRAIAIS NOS CAPUCHOS (arredores de Alcobaça), SANTOS POPULARES E W. BECKFORD
ARRAIAIS NOS CAPUCHOS (arredores de Alcobaça),
SANTOS POPULARES
E
W. BECKFORD
A população nesse difícil ano de 1890 aderiu, sem distinção de posses, classes ou credos políticos, e com entusiasmo, à Romaria do Senhor dos Aflitos, que se realiza no início de junho, nos Capuchos (Évora de Alcobaça). A festividade começou no sábado, com uma fogueira a preparar o dia seguinte, onde iria atuar, como cabeça de cartaz, a Filarmónica Alcobacense. A missa ao meio-dia, foi celebrada com a presença de muitos fiéis. Ao Evangelho, subiu ao púlpito o pequenino, gordinho e insinuante Prior da Freguesia que, com a sua palavra “elegante e empolgante”, marcou um ponto alto da festividade. Sim, a componente religiosa das festas era importante para os alcobacenses, mesmo republicanos neste caso salvo raras exceções.
A missa acabou. A
saída, a Filarmónica executou no adro alguns trechos de sabor popular, findos
os quais, se dirigiu com garbo, maestro na dianteira, para o arraial. Deu-se
então início ao assalto aos farnéis, este sim, um dos melhores, mais saborosos e
aguardados números do dia. Cada um, escolheu os melhores pontos para abancar,
se possível sob a copa hospitaleira de árvores corpulentas, ou estirou-se pela
relva que começava a despontar e livrava da dureza da terra ressequida. As
viandas saltaram das puceiras e dos cestos de vime, espalharam-se pelas toalhas
e mesas que encheram, numa azáfama digna de valentes exploradores, acompanhadas
por uns goles alentadores de um tinto espesso, escuro e forte que saía
alegremente e sem cerimónia dos sempre prontos odres de borracha, para as
sempre prontas gargantas. À medida
que iam chegando mais romeiros, o arraial aumentava de animação. A música
continuava a soar, pelo que a dança naturalmente irrompeu. Nada havia capaz de
vencer o ardor dos moços e dos menos moços alcobacenses, pelo que a alegria se estampou
nos rostos corados e ofegantes. O garrido das toiletes femininas conferia um tom atraente e inconfundível à
primavera que se aproximava rapidamente do verão.
O dia
não é eterno, e daí a pouco o arraial naturalmente voltou ao silêncio, povoado
apenas pelo rumorejar dos freixos, sob cujas copas frondosas se havia
verificado a gostosa refrega. No próximo ano cá estaremos de novo
Poesia,
dirão os circunspetos leitores de 2022. Sem dúvida, mas o que é a vida sem
poesia, mesmo em tempo económica e politicamente difíceis?
Por
romarias como esta, ainda perpassava o quadro, aliás nada poético, que W.
Beckford descreveu com severidade, “gente torcicolada, infecta, arrastando-se,
mostrando as chagas, lado a lado com famílias alegres e bem alimentadas. Eram
cegos, aleijados, chaguentos, leprosos, sem nojo uns dos outros. Pedia-se tudo,
desde um seio materno, até a borla de um caixão. Esses desgraçados eram, por
vezes, controlados por empresários que os mostravam como os ciganos ao urso nas
ruas citadinas”.
Era
raro o alcobacense que não se comovia perante um destes mendigos, e quanto mais
feliz e confiante se sentia, mais era capaz de ajudar.
Para
os Santos Populares, o negociante de suínos António Feliciano Machado, de
Chiqueda, organizou na horta ao lado da sua casa um baile campestre, animado
por um velhote, tocador de concertina, habitual nestes eventos, pago com 3
garrafões de vinho tinto e 1 de aguardente, que ali mesmo começou a consumir
por conta, e se prolongou até às primeiras horas da madrugada. A iniciativa
teve tanto êxito, apesar de uma briga entre duas vizinhas por causa de o marido
de uma requestar a outra, que o Machado a repetiu na noite de Santo António,
agora com a novidade de uma iluminação à veneziana. Em mesas corridas,
serviu-se vinho, sardinha assada que se esgotou rapidamente, acompanhada de pão
tipo caseiro da Vestiaria, e café.
Para
alguns alcobacenses, haveria de ser recordada durante bastante tempo a noite
que se seguiu, festejando o S. João, dada a animação de foguetes, fogos de
bengala e de rua. Para o sucesso, foi decisiva a atuação o Grupo Musical Ferreira Penteado, que a partir dez da noite,
percorreu diversas ruas, tendo chegado por volta da meia-noite à Fonte Nova,
onde tocou para rapazes e raparigas, que dançaram com entusiasmo. Depois veio
até ao Rossio, onde no coreto executou “mimosas
composições”, cujo desempenho lhe valeu palmas e pedidos de bis. Por volta
das duas da madrugada, o Grupo Musical FP despediu-se ao som do seu hino, pelo
que os retardatários, começaram a recolher a casa. Amanhã é dia de trabalho.
No dia
24, ainda se realizou no arraial dos Capuchos, a festa de S. João. Mais uma
vez, e como se esperava foi boa a concorrência popular, mas à cautela para
manter a ordem, e nos moldes habituais, foi destacada uma força de cavalaria,
comandada pelo estimado, o turquelense Alf. José Guedes. No
recinto, havia mesas com refrigerantes e barracas de comes e bebes, que fizeram
regular o negócio, animado pela Filarmónica Alcobacense, que se houve “plausivelmente”, apesar de desfalcada de
três importantes elementos.
TEMPOS MUITO CENSURADOS
TEMPOS MUITO CENSURADOS
TEMPOS MUITO CENSURADOS
TEMPOS MUITO CENSURADOS
Lancei em fevereiro de 2022
Ao que me tem chegado, tem sido bastante
apreciado, tanto por parte da Igreja, como de pessoas de vários quadrantes
político-ideológico.
Segue uma pequena ideia do seu conteúdo.
A História que aqui se apresenta num livro didático e não confessional por onde
desfilam personagens e factos que a marcaram, visa um público generalista, pelo que
esse foi o maior problema dado que não podia ter notas de rodapé de compactas
vinte linhas, mas as necessárias para contextualizar ou identificar fontes.
A
liberdade de expressão, tão natural hoje em dia em Portugal, faz esquecer
alguns dos instrumentos mais pesados da nossa história, como a Censura e a
Repressão.
O
Santo Ofício foi das instituições com maior impacto no quadro de muitos séculos
da sociedade portuguesa, cuja atuação marcou, de forma indelével, o espaço
social e cultural do Antigo Regime ao exercer uma censura moral, política e
religiosa.
A
Inquisição em Portugal – e aqui faremos uma incursão pelo Brasil –, monumento
de perene e abominável reminiscência, é um desses instrumentos que para
reivindicação do bom nome português deve imprescritivelmente ser tratado com
inteireza.
Não
somos nós, passados 200 anos sobre a extinção, os primeiros a irrogar aos inquisidores
as barbaridades contra as quais a natureza se revolta. Foram já alguns homens
desses tempos, mesmo ligados à Religião, com a descrição das ações criminosas.
Com o
Estado Novo, a censura foi muitas vezes aplicada com manha e rudeza, outras com
habilidade e arrogância. Para a justificar, estiveram disponíveis histórias
inventadas, inverosímeis juízos e desajeitados conceitos. O vexame, o opróbrio,
a prisão, o exílio, se não a morte, atingiram muitos cidadãos e famílias, tendo
havido casos que nem a verdade ou a justiça lhes foram consentidas. A censura e
a repressão para além de tentarem abafar a contestação popular, visaram moldar
o pensamento em conformidade com os valores e interesses do regime, com o
alegado pretexto do bem comum.
terça-feira, 8 de março de 2022
TERMAS E PRAIA
TERMAS E PRAIA
A Câmara Municipal de Alcobaça, em inícios de 1890, aprovou a
compra que o vereador J. Almeida e Silva fez de uma caldeira para os “Banhos da Piedade”, e registou, com
apreço, a sua oferta para proceder e dirigir o respetivo assentamento.
Os Banhos da Piedade
situam-se a cerca de dois quilómetros da vila, logo adiante à então Fábrica
Fiação e Tecidos. O percurso, como se dizia empoladamente a publicidade nos
jornais e na Farmácia Campeão, efetuava-se “entre
uma verdura opulenta e sem tréguas dos montes de elevada estatura ou das
planícies estendendo-se até onde a vista alcança, sendo um enlevo de que os
olhos não despregam”. Mas, verdade seja dita, a estrada era muito má, e
excelente para revolver o estômago…
As águas da Piedade gozavam, assegurava-se, de
uma antiga e merecida fama, pois as suas qualidades terapêuticas, têm a recomendá-las
uma larga e sólida reputação, dados os inúmeros casos em que provaram a
eficácia em padecimentos como a dispepsia, escrófula (infeção nos gânglios linfáticos ou linfonodos submandibular e cervical), gota, reumatismo ou
afeções uterinas, sem olvidar as manifestações hepáticas, úlceras atónitas,
congestões, bem como inflamações do fígado e baço.
A esposa do conhecido comerciante alcobacense
Júlio dos Santos Henriques, ao fim de cerca de dois meses de tratamentos aos
achaques de dispepsia começou a sentir-se muito melhor, o que anunciou com
satisfação a familiares e amigas que passaram a frequentar os banhos.
O Ten. Cor. João Serra Conceição, do quartel
de Alcobaça, também frequentou os Banhos da Piedade para aliviar uma doença de
fígado que bastante o apoquentava, o que levou que alguns dos seus colegas e subordinados
os viessem a utilizar com proveito.
Os Banhos da Piedade não entravam em
competição com os de mar. Os objetivos eram bem diferentes.
O hábito de ir a banhos de mar começou a
desenvolver-se a partir da segunda metade do século XIX. Ramalho Ortigão
escreveu que a questão “era um simples
pretexto para a peregrinação das famílias alegres em sítios frescos”. A
partir desta altura percebeu-se a importância de banhos e sol, como instrumento
de prevenção e tratamento de certas maleitas, bem como o papel retemperador do
espírito e corpo, tanto para adultos como para crianças. De acordo com o mesmo
autor, “a praia, assim considerada é um
claustro, um templo, onde se pratica uma religião, onde todas as mães se
deveriam devotar fervorosamente durante alguns meses do ano ao futuro, que não é
mais que a compleição, o temperamento, a energia e o vigor dos filhos. (…) As crianças regressam mais crescidas, mais
pesadas, mais fortes, e as mulheres mais dignas, mais saudáveis, mais novas e
mais belas”. (…)
No Oeste, a praia de banhos por
excelência era a Nazaré, sem prejuízo de
alguns veraneantes fazerem piqueniques na Foz do Arelho/Lagoa de Óbidos e S.
Martinho do Porto, ou na frescura de Tornada, aonde se deslocavam de comboio.
Chegado o Outono, terminada a época de banhos,
a família regressava a casa e à rotina do dia-a-dia, até ao próximo ano,
esperado ansiosamente.
Touros em Alcobaça
TOUROS EM ALCOBAÇA
Os
interesses da generalidade dos alcobacenses não se reduziam aos assuntos da política
e às dificuldades do quotidiano. As feiras, romarias, touradas, circos,
concertos da banda e outros divertimentos ocupavam um espaço importante nas
disponibilidades populares.
Em
agosto de 1909, havia grande entusiasmo pela realização de uma corrida de
touros, a realizar na praça da Vila, e na qual um aficionado da Golegã irá
montar um dos cornúpetos. Contrariamente
ao que seria de esperar, pois não fora anunciado, e para satisfazer vários
pedidos de amigos e admiradores, o vereador a cavaleiro Vitorino Froes, também
participou nesta corrida de touros, sendo muito aplaudido.
Outro atrativo irresistível, pelo menos assim anunciavam os cartazes distribuídos pela Vila, era a presença do famoso Monas, que irá lidar com bandarilhas alguns dos bichos propostos ao castigo dos arrojados turistas. Não deixava de ser um chamariz, o acessível preço das entradas, 240 reis para o sol e 160 reis para a sombra, bem como de 1$000 reis para os camarotes.
Em
agosto de 1922, realizou-se na Praça de Touros de Alcobaça com muito público,
entre o qual se distinguiam bastantes
senhoras e cavalheiros que vieram da Nazaré, uma vacada com dez animais de
um ganadeiro de Almeirim, na qual tomaram parte amadores de Alcobaça e de
Torres Novas. Antes do espetáculo, houve alguma confusão entre o público, pois
a organização não assegurou o respeito pela marcação dos lugares, especialmente
os da sombra. As vacas, embora maltratadas uma delas parecia sofrer de uma
pata, permitiram um aceitável trabalho por parte dos amadores da lide apeada, o
que já não aconteceu com o do cavaleiro Roberto Cunha, porque as vacas que lhe
saíram, não se prestavam para a lide a cavalo e fugiam. Isto motivou protestos
do público e do cavaleiro, que anunciou depois de espetáculo, numa taberna da
Vila onde se reuniu com uns amigos, que não voltava a tourear em Alcobaça, se
as vacas não fossem previamente sorteadas.
Por sua
vez, o cavaleiro amador Arnaldo Valério, de Torres Novas, teve azar, pois a sua
nervosa montada, chocou com uma vaca, caiu sobre ela e matou-a, a qual veio a
ser adquirida por José Pereira da Silva Rino, para distribuir a carne pelo
Hospital, Asilo de Infância Desvalida e pobres indicados pelo regedor.
Os
bandarilheiros que vieram da Benedita, bastante novos e com pouca prática,
mostraram apenas que eram valentes, o que lhes valeu a simpatia do público,
enquanto os de fora, também amadores, agradaram e receberam ovação. Dos
forcados de Torres Novas, salientaram-se quatro, pois os restantes apesar da
vontade de fazer boa figura, não o conseguiram, tendo um deles ficado ferido no
rosto e numa clavícula. Assistido no Hospital, teve alta antes do jantar, a
tempo de ir confraternizar com amigos.
Em
setembro, realizou-se outra corrida de touros, tendo como cabeça de cartaz o
amador caldense, António Emílio Geraldes Quelhas, que envergava uma vistosa
casaca à portuguesa. A Comissão que explorava a Praça de Touros de Alcobaça,
tornou público, a devido tempo, através da imprensa, cartazes afixados na
Praça, no escritório de Manuel Carolino e estabelecimento de Abílio da Silva
Ramalho, onde se vendiam os bilhetes de ingresso que, desta vez, garantia os lugares,
de modo a evitar que os compradores de bilhetes de sol fossem para a sombra.
Esteve
animada e concorrida a feira anual de S. Simão, para que contribuiu o
esplêndido tempo de novembro, embora frio. Fizeram-se importantes transações,
tanto em gado, como em diversos artigos de comércio como louças. Vendeu-se
grande quantidade de castanha e frutos secos. No Rossio, achava-se montada uma
barraca de fantoches proveniente de Leiria, que deve ter feito bom negócio,
especialmente pela afluência da pequenada. A vacada, deixou satisfeitos os
aficionados do costume. Enfim, foi uma feira cheia, muito do agrado dos
alcobacenses, onde não faltou a endiabrada batota à custa de incautos, apesar
de atenta vigilância policial.