segunda-feira, 30 de maio de 2022

Alcobaça em finais da Monarquia - tumulto na Câmara dos deputados

 

Alcobaça em finais da Monarquia

 

Em 3 de Julho de 1907, Câmara Municipal de Alcobaça protestou contra o estado (anormal) da administração pública decorrente da ditadura  de João Franco[1], para o que enviou a Lisboa uma delegação da sua Comissão Executiva de dois de vereadores, para pedir o regresso à normalidade democrático-constitucional, a qual foi acolhida com uma indiferença pelo secretário do ministro que a recebeu.

O Presidente da Câmara, em 30 de dezembro de 1907, perante o arrastar da situação, anunciou que abandonava, tal como os vereadores, a gestão da Câmara, em protesto contra a violação constitucional e das leis regulares do país.

 

O Deputado Afonso Costa virou-se para João Franco e disse implacavelmente : “O Senhor Presidente do Conselho[2] é mandatário do País e os membros do Parlamento, como representantes da nação são seus mandantes. Sª. Exª, como administrador ou procurador nosso, tem o dever de trazer à Câmara as contas dos adiantamentos feitos a eles[3]. A Nação ordena, e declarara indispensável, que essas pessoas reponham as quantias desviadas com todos os juros sem exceção de uma só verba; declara formalmente que não consentirá no aumento da lista civil, nem em qualquer regularização, nem em outro modo acomodatício de pagamento. E mais ordena do Povo, solenemente, que logo que tudo esteja pago, diga o Senhor Presidente do Conselho ao Rei: Retire-se senhor, saia do País, para não ter que entrar numa prisão em nome da lei”.

Das galerias, soaram fortes aplausos, que a Mesa não conseguiu dominar, pelo que Afonso Costa prosseguiu: “ Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI ”.

Soou a campainha, e o Presidente da Câmara dos Deputados  Tomás Pizarro de Mello Sampaio[4] declarou que “ou o senhor Afonso Costa retira a frase ou tenho de lhe aplicar o Regimento”.

Afonso Costa, repisou a injúria no mesmo tom, sobrepondo-se ao tumulto que criara e grassava: “Por muito menos rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI”.

O tumulto aumentou nas galerias, que os contínuos queriam esvaziar. Os deputados republicanos gritavam que era ilegal mandar sair o público, encontrando-se a sessão aberta e não se deviam suspender os trabalhos. Mais uma vez a voz de Afonso Costa fazia-se ouvir acima de qualquer outra:

A.C.:

-“Eu respondo pelos meus actos!

PRESIDENTE:

-V. Exª não pode falar… Convido-o a retirar-se do edifício das Cortes”.

A.C.: “Havemos de sair todos! Hão de prender-nos a todos! Esta a liberdade do governo e a liberdade da monarquia.

PRESIDENTE”:

”Em virtude da resistência do senhor Afonso Costa à intimação que lhe faço, em nome da Câmara, vou mandar entrar a força armada!”

Quando os soldados entraram na sala, num gesto largo e teatral, Afonso Costa ao ser arrastado para o exterior, virou-se para eles de braços abertos e gritou: “Soldados, não tendes o direito de tocar num representante do povo. E acrescentou: “Soldados! Com a minha voz e as vossas armas baionetas, vamos proclamar a República, vamos fazer uma Pátria nova”.

Dirigindo-se a João Franco, e enquanto partia entre os soldados, Afonso Costa gritava de punho erguido: “Esta é a sua liberdade!”.

 

O Deputado António José de Almeida, ainda tentou convencer os militares – que apelidava de filhos do Povo –, a proclamarem nesse momento a República. Este e outros incidentes, difundidos e ampliados pelos republicanos, levaram a agitação a muitos pontos do País. Em Alcobaça, tudo em que participava António José de Almeida era seguido com atenção. Nas Cortes, Afonso Costa e Alexandre Braga, foram julgados e condenados por ofensas ao Rei na suspensão dos direitos parlamentares por 30 dias.

 

A notícia deste memorável acontecimento, chegou a Alcobaça no dia seguinte, trazida de Lisboa por Américo d’Oliveira[5], tendo sido recebida com cautela dados os inusitados termos, e possíveis efeitos. Todavia, quando na sexta-feira retomaram os seus lugares nas Cortes (não esperaram 30 dias), os Deputados Afonso Costa e Alexandre Braga, foi expedido para Lisboa o telegrama de solidariedade:

“Drs. Afonso Costa e Alexandre Braga, câmara dos deputados – Lisboa.

Republicanos de Alcobaça saúdam os seus deputados e, confiando que eles continuarão a servir o país e a honrar o seu mandato como até aqui, esperam que se não repetirá a injusta violência de que foram vítimas, e nós com eles.

(a) Raposo de Magalhães[6] .

 



[1] Natural de AlcaideFundão, era formado em Direito pela Universidade de Coimbra. Ocupou vários cargos na magistratura  (delegado do procurador régio, Alcobaça entre outras comarcas), nas Alfândegas e no Tribunal Fiscal e Aduaneiro. Eleito deputado às Cortes, rapidamente subiu na vida política ocupando vários postos ministeriais e a presidência do conselho de ministros. Face à greve académica de 1907 na Universidade de Coimbra e à crescente agitação social, o apoio parlamentar dos progressistas é retirado e os ministros progressistas demitem-se: ao contrário do que prometera na ano anterior, em vez de governar à inglesa, João Franco passa a governar à turca (2 de Maio de 1907) passando a uma situação de ditadura. A agitação social cresceu e foi denunciada uma conspiração promovida por republicanos e dissidentes progressistas (28 de Janeiro de 1908). A 1 de Fevereiro de 1908 dá-se o regicídio, levando o rei D. Carlos I e seu herdeiro, Luís Filipe, Príncipe Real de Portugal a serem assassinados à chegada a Lisboa.

João Franco responsabilizado pelo extremar de posições e pela falta de segurança pública demite-se, sendo substituído -a 4 de Fevereiro por um governo de acalmação presidido por Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

 

[2] João Franco.

[3] Referia-se à controversa questão dos adiantamentos à Casa Real.

[4] Deputado pelo Partido Regenerador-Liberal, de João Franco, que havia assumido a Presidência da Câmara dos Deputados, entre 1906 e 1908,

[5] Filho de Bernardino Lopes de Oliveira. Desempenhou papel importante na Rotunda, ao lado de Machado dos Santos.

[6] José Eduardo Raposo de Magalhães, após a proclamação da Republica  seria o primeiro Governador Civil do Distrito de Leiria. Revelou, no entanto, pouco apego ao cargo, já que abandonou a função ao fim de escassos meses, para se fechar até à sua morte, 32 anos mais tarde, na sua quinta da Cova da Onça.

-Foi indicado para Governador Civil por António José de Almeida, Ministro do Interior.

Eurico dos Santos Granada

Eurico dos Santos Granada nasceu na Pederneira a 11 de janeiro de 1910, tendo ido, com poucos meses. para Figueiró dos Vinhos, com os pais.

A convite de José Malhoa, seu pai foi trabalhar para a vila, como artífice do ferro. Aos 9 anos ficou orfão de pai, tendo por isso regressado à Nazaré, para casa dos uns tios paternos, com quem viveu uns anos.

Os tempos eram duros e por isso, depois de ter completado o ensino primário, veio com 14 anos trabalhar para Alcobaça, iniciando  carreira comercial como empregado na firma João Ferreira da Silva. Alguns anos mais tarde foi admitido, como sócio.

Em 1933 casou-se com Olivia Isidoro, com quem partilhou mais de 60 anos de vida.

Na década de 1960, abriu com outros comerciantes, o primeiro supermercado em Alcobaça.

Foi um homem estimado pelos que com ele privaram, quer pela sua dignidade, quer pelo seu temperamento alegre e comunicativo. Apelidado de comerciante honesto e embaixador da alegria, percorreu durante anos como viajante, os concelhos de Alcobaça, Nazaré e Porto de Mós, onde grangeou amigos.

Era um contador de histórias. Os que melhor o conheciam, sabiam que muitas vezes era ele o protagonista dessas peripécias. Ator de teatro (amador) e declamador, participou em eventos de solidariedade, alguns destinados a juntar receitas para ajudar pessoas doentes, impedidas de trabalhar e sem meios de subsistência. Era frequentemente acompanhado nestes gestos solidários, pela filha mais velha, Julieta Granada, que cantava o fado.

Outras vezes, visitava a cadeia, levando um pouco de alegria, aos que estavam privados da liberdade.

Registe-se aqui o escrito em O Alcoa, de Orlando Pedrosa, de Eurico Granada se pode dizer ser uma figura popular inconfundível, possuindo aquela graça natural, que só os eleitos possuem.

Suas filhas, definem-no como homem de convicções democráticas, de coração aberto aos outros, abraçou a Fé em Cristo no final da sua vida. Um pai amoroso e querido, que de todos foi amigo. Solícito a ajudar, desfeito a desculpar, a confiar desmedido. Recordamos a ternura do seu olhar, seu ar de dança ao andar. Sempre alegre e a brincar, disfarçava as agruras, decerto para não chorar. Com ele, a vida era mais doce. Ensinou-nos, com seu sorriso amável, o valor incalculável do amor e da amizade.

Faleceu em 18 de outubro de 1997.

Maria Judite Isidoro Granada Costa

Maria Judite Isidoro Granada Costa, nas suas próprias palavras, esclareceu-nos que, o ano de 1944 estava no seu início e o mês de janeiro dava os primeiros passos, quando no dia 12 nasceu. Surpresa talvez para seus pais que gostariam de ter um rapaz, pois já tinham uma menina com 9 anos. Nasceu em casa como era hábito nesse tempo. Foi crescendo rodeada de muitos mimos de seus pais, Olívia Isidoro e Eurico Granada e de sua irmã Julieta Granada. O seu lar era rico em paz, carinho e muita ternura. O ouro do seu berço era uma forte e inquebrantável liga de amor. Nascera numa dura época em que a 2ª guerra mundial continuava a ceifar vidas, mas não se lembra de ter sentido qualquer falta. O que nessa altura não sabia, também devido à sua  tenra idade, era que para  poder comer um pouco de carne ou pão, sua mãe ou a sua irmã passavam longas horas nas filas de racionamento, das célebres senhas. Seu pai era comerciante e ganhava para sustentar a família.

Não pode deixar de referir que em sua casa havia sempre um ou outro animal, encontrado abandonado e socorrido, passando a fazer parte da família.

Com 6 anos de idade, entrou para a escola primária-Escola Primária Oficial do Asilo da Infância Desvalida do Dr. Álvaro Possolo e este nome significava que a essa  escola estava agregado um lar de crianças do sexo feminino que a frequentavam. Situava-se também na rua onde nasceu-Rua Frei Fortunato.

Gosta de pensar nessa sua primeira escola, um Livro com muitas páginas e dezenas de histórias. Histórias vividas, de amizade e companheirismo, de meninas que cresceram juntas, partilharam sonhos, viveram quimeras. Era o seu pequeno mundo, que se estendia à sua família e amigos e ía um pouco mais além do lugar onde vivía. Do restante mundo em constante turbilhão pouco ou nada sabia. Era o tempo em que sem televisão, as histórias infantis escutadas com os ouvidos encostados ao rádio, faziam parte do seu imaginário.

Terminou a 4ª classe com dez anos e ficou em casa tentando, teimosamente, contrariar a vontade de seu pai, que não queria que ela continuasse a estudar. Ele, seu pai, que era o melhor pai do mundo, dizia que as meninas deviam aprender a costurar e a bordar, duas “coisas” que ela abominava (sem ofensa para ninguém). Com o apoio de sua mãe e irmã conseguiu convencê-lo e inscrever-se na Escola Técnica de Alcobaça, onde fez o Ciclo Preparatório. Foi depois estudar para Leiria e como seu pai era comerciante, como já foi referido, resolveram inscrevê-la no curso Geral do Comércio. Quando terminou, entrou para o Magistério Primário também em Leiria-1962, que terminou em 1964. Entretanto, a fim de poder contribuir para o orçamento familiar, foi dando explicações, como nessa época se dizia. Lembra-se de ter oferecido à sua mãe uns lindos sapatos comprados com o primeiro dinheiro que ganhou.

Relembrando a infância e as suas brincadeiras, lenço-queimado, rodinhas, cabra-cega entre outras, a que mais gostava era a de brincar às escolas e que lhe permitia ser professora.

Assim acabado o curso teve oportunidade de realizar, verdadeiramente, o seu sonho, ser professora.

Foi numa escola primária do concelho de Alcobaça, que durante alguns anos exerceu as suas funções. Apesar das dificuldades, dados os poucos recursos em materiais didáticos, inexistência de funcionários auxiliares, de limpeza da escola, entre outros, foram anos inesquecíveis. As suas alunas, cerca de 40, foram as primeiras flores do seu jardim, que foi crescendo em múltiplos matizes e doces aromas.

Por motivos pessoais, casamento, mudou para Lisboa em 1972, vivenciando então, as experiências de uma grande cidade: transportes apinhados, longas distâncias de casa à escola, filas de carros quase parados, gente correndo sempre apressada, sempre cansada... Por outro lado existia um sem número de opções apelativas e difíceis de selecionar, espetáculos, cinema, exposições de arte, conferências, museus.

Teve a grande oportunidade de se matricular no curso de História da  Faculdade de Letras de Lisboa, em 1975, que terminou em 1979. Mais um sonho que se tornou realidade.

Continuou a dar aulas, agora no ensino secundário, lecionando a disciplina de História.

Na Escola Secundária da Damaia, onde exerceu durante dez anos, fez uma profissionalização no exercício de dois anos. Lecionou em mais duas escolas e nos últimos onze anos de serviço, fixou-se em Massamá na Escola Secundária Stuart Carvalhais, de onde passou à aposentação.

Os seus alunos eram para si, em primeiro lugar pessoas a quem devia todo o respeito. Só respeitando seremos respeitados. Empenhou-se numa prática pedagógica apontada para o sucesso dos alunos, como a melhor forma de realização profissional, tendo sempre presente a falibilidade do seu ser, como pessoa, mas a certeza de que quando a nossa vida é pautada pelo amor ao próximo, as dificuldades transformam-se em vitórias.        

Em inícios da década de oitenta, fundou juntamente com outros professores a Associação Portuguesa de Professores Cristãos Evangélicos, sem qualquer fim lucrativo, tendo como objetivo a formação de professores numa vertente pedagógico/cristã, condição relevante na transmissão de valores e na formação dos jovens.

Abraçou o Cristianismo por convicção e fé depois de uma real experiência com Jesus.

É membro da Igreja Evangélica Batista de Alcobaça, onde colabora, integrando um grupo de crentes, na orientação de Estudos Bíblicos, que lhe tem permitido fortalecer a sua caminhada com Deus.

Em regime de voluntariado, durante 20 anos, exerceu cargos no corpo diretivo da Fundação Vida Nova, instituição fundada pela Igreja Batista de Alcobaça e vocacionada para o ensino de crianças, desde o Berçário até às Atividades de Tempos Livres.

Apoiou, também em regime  de voluntariado, uma instituição de  proteção a crianças, no concelho de Sintra e mais recentemente assistência a idosos, como voluntária do Coração Amarelo.      

Colabora desde 2012 com a Universidade Sénior de Alcobaça, onde leciona a disciplina de História.

Convívio familiar, convívio com os amigos, a ternura dos seus três gatos, a companhia de muitos livros, são condições imprescindíveis no dia-a-dia da sua vivência física.

Em todo o seu percurso, que continua a gostar de recordar, passaram apenas alguns dias...meses...anos?

A palavra-chave da sua vida: Amor.  

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Um alcobacense, bispo de Santarém - José Augusto Traquina Maria

 

Bispo José Augusto Traquina Maria,

nasceu a 21 de janeiro de 1954 em Évora de Alcobaça, lugar de Areeiro.

Na infância, frequentou o ensino no lugar de Areeiro, até aos 11 anos, idade em que se iniciou como empregado de comércio em Alcobaça, na firma Raimundo Ferreira Daniel, Lda. Enquanto trabalhador desta empresa, onde permaneceu até aos 17 anos, José Augusto iniciou, aos 14 anos de idade o Curso Comercial, na Escola Técnica de Alcobaça, concluindo-o seis anos mais tarde. Ainda com 18 anos de idade foi funcionário do estabelecimento comercial de Firmo Alberto Trindade, Lda, também em Alcobaça.

Em janeiro de 1975, foi chamado a cumprir serviço militar, no RI7/Leiria, e depois na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde foi Furriel Miliciano da Polícia do Exército. Em outubro de 1976 ingressou no Seminário de São Paulo em Almada, frequentando o Externato Frei Luís de Sousa, para concluir o Ensino Secundário e em outubro de 1980 a Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, onde fez a Licenciatura em Teologia. Posteriormente completou a frequência do Mestrado em Teologia Pastoral.

Ordenado presbítero em 30 de junho de 1985, pelo Cardeal-Patriarca D. António Ribeiro, José Traquina celebrou Missa Nova em Évora de Alcobaça a 14 de julho do mesmo ano. Foi formador no Seminário de Almada, durante sete anos, sendo depois, nomeado pároco de Bombarral em 1992. Em outubro de 2007 tomou posse como pároco de Nossa Senhora do Amparo de Benfica/Lisboa. A 17 de abril de 2014 foi nomeado Bispo titular de Lugura (diocese extinta no norte de África) e Auxiliar de Lisboa e a A 1 de junho de 2014 ordenado Bispo no Mosteiro dos Jerónimos sendo bispos ordenantes o Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, D. António Francisco dos Santos (Bispo do Porto) e D. Manuel Felício (Bispo da Guarda).

No brasão episcopal, D. José Augusto Traquina Maria tem como lema a citação bíblica de São Paulo Alegrai-vos sempre no Senhor.

Desde a ordenação episcopal D. José Traquina exerceu a sua missão como Bispo Auxiliar de Lisboa acompanhando a zona pastoral do Oeste. Foi nomeado 3.º Bispo de Santarém pelo Papa Francisco a 7 de Outubro de 2017,após a resignação por limite de idade de D. Manuel Pelino, que na mesma data passou a Bispo Emérito e, até à tomada de posse do novo Bispo, Administrador Apostólico da Diocese.

D. José Traquina tomou posse como Bispo Diocesano a 25 de Novembro de 2017 na Sé Catedral de Santarém, perante o Núncio Apostólico, D. Rino Passigato, o Bispo Emérito D. Manuel Pelino, o clero da Diocese e diversas autoridades e muitos alcobacenses.

Mantem contactos e relações muito estreitos com a terra que o viu nascer, bem como com a região de Alcobaça.

 


segunda-feira, 16 de maio de 2022

Tempos muito censurados - comentário de Eduardo Rui Serafim

 TEMPOS DE CENSURA


Todos os que publiquem notícias falsas serão punidos com 15 anos de prisão. E o que são notícias falsas? Todas aquelas que falem de guerra ou invasão. Estou naturalmente a referir-me ao actual estado da liberdade de informação na Federação Russa, com incidência nos trágicos acontecimentos que ocorrem na Ucrânia.

Se já sabíamos do grau de liberdade de expressão na Rússia e da relação que o poder político – Putin, bem entendido – estabeleceu com os seus opositores, com o sistemático recurso ao encarceramento e à eliminação física sempre que conveniente, basta acrescentar que o que ali se passa configura o panorama característico das ditaduras que pululam pelo mundo fora e de que a Rússia é hoje exemplo gritante: gritante, porque nos choca e martela os nossos espíritos, gritante, porque faz gritar das mais variadas formas milhões de ucranianos.

Nós, neste momento com 48 anos de democracia, não desconhecemos este quadro de contornos e tintas hipócritas: vivemos outros tantos anos de ditadura, com traumáticas consequências. Entro, assim, de modo mais directo, no tema que aqui nos reúne: o dos tempos muito censurados. A censura pairava de forma consciente ou inconsciente nas nossas mentes, na nossa linguagem de todos os dias; a censura revelava-se como um dos processos mais cínicos de que se servem os regimes totalitários. Um processo cínico porquê? Porque se podia falar, mas não se podia dizer. Esta distinção não é uma subtileza retórica. Tal como hoje, na Rússia, não são autorizadas as palavras ´guerra’ e ‘invasão’, mas tão-só a expressão ‘operação militar especial’, no país de Salazar e Caetano era proibido dizer ‘guerra colonial’, embora se falasse em guerra do Ultramar e em guerra contra os terroristas da Guiné, Angola e Moçambique. Tudo eufemismos: exprimir por palavras suaves realidades duras e cruas ou, dito de outro modo, mascarar os factos.

Em sentido mais estrito, a censura exercia-se sobre os órgãos de comunicação social com um crivo muito severo. A tudo o que era publicado tinha de ser aplicado o carimbo ‘VISADO PELA COMISSÃO DE CENSURA”; depois, na versão pretensamente

primaveril de Marcelo Caetano, essa carga negativa herdada de Salazar foi mitigada em EXAME PRÉVIO, a exemplo da PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado, que passou a designar-se DGS – Direcção Geral de Segurança. Mais eufemismos.

Por vezes, os instrumentos da repressão tornavam-se, eles próprios, ridículos. Quantas centenas de vezes os órgãos de imprensa, o teatro, o cinema, as editoras, as canções fintaram a censura e os seus inteligentes executantes! Nem sempre impunemente. Ainda há dias, o Presidente da República lembrava um desses episódios: quando era director do semanário Expresso, em 1973, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu um dia que não se cumpririam quaisquer cortes ordenados pela censura. Não tardou o telefonema do director do Exame Prévio a pedir-lhe satisfações, declarando mesmo:

– O sr. dr. está doido. – E justificou, dizendo que o director do semanário não tinhacumprido os 180 cortes assinalados pelo lápis azul.

– Tantos? Eu fiquei com a sensação de que eram uns três ou quatro – respondeu Marcelo Rebelo de Sousa.

As consequências não se fizeram esperar: a partir dali, passou a ser exigida a prova de página, ou seja, o jornal tinha de sujeitar ao Exame Prévio cada página pronta a entrar na rotativa (cf. TSF, 27.04.2022, noticiário das 23h00). Explicava Marcelo Rebelo de Sousa uns anos antes a outro órgão da imprensa: “A sanção de prova de página era muito pesada, porque não era só submeter cada uma das provas a censura; era também a sua maquetagem, os títulos, a inserção, os anúncios, as legendas das fotografias, as fotografias, a própria página que era escolhida… Tudo!…” (JPN, 21.04.2004). 

Assim, havendo inevitavelmente alterações a fazer, tal processo implicava um atraso substancial na saída do Expresso, acontecendo mesmo ser posto em circulação ao meio-dia de sábado em Lisboa, não chegando já aos outros pontos do país no próprio dia, mas na segunda-feira seguinte. Os prejuízos que daí advieram começaram a asfixiar financeiramente o semanário e a sua sobrevivência estava mesmo a ser posta em causa, quando ocorreu um 25 de Abril salvador (cf. JPN, 21.04.2004).

A propósito, se me permitem a recomendação, vale a pena visitar, até 19 de junho, aqui bem perto de nós, no Museu do Vinho, a exposição itinerante do Museu Nacional de Imprensa, intitulada «25 de Abril | Lápis Azul: A Censura no Estado Novo»; numa outra exposição, na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, mostram-se «Obras proibidas e censuradas no Estado Novo». Para não me alongar, dos autores ali representados, enumero apenas os de língua portuguesa: Jorge Amado, Natália Correia, Orlando da Costa, Vergílio Ferreira, Cármen de Figueiredo, Daniel Filipe, Tomás da Fonseca, Soeiro Pereira Gomes, Manuel Teixeira Gomes, Egito Gonçalves, Maria Lamas, Teixeira de Pascoais, José Cardoso Pires, Graciliano Ramos, Alves Redol, Bernardo Santareno, Miguel Torga.

E o escândalo nacional (também referido por Fleming de Oliveira no seu livro) que levou a tribunal Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, qu  ficaram então conhecidas pelas “Três Marias”, por terem publicado as Novas Cartas Portuguesas, obra considerada pornográfica pelo regime e, como tal, merecedora de punição? O crime era tão-somente assumirem-se como mulheres de corpo inteiro e mente esclarecida, insubmissas à superioridade masculina vigente e orgulhosas da sexualidade feminina. A continuação do julgamento tornou-se improcedente com a irrupção do 25 de Abril.

O desfile seria quase interminável. Porém, ao falar de escritores, não posso omitir o nome de António José da Silva, um elo de ligação à outra vertente da obra que aqui nos traz: a Inquisição, a faceta tenebrosa da repressão religiosa que pôs em conluio a coroa portuguesa e a Igreja Católica ao longo de séculos. António José da Silva, “O Judeu”, um dos maiores dramaturgos portugueses, cujas obras incorporavam a sátira, a linguagem do povo e a música. Quem não ouvir falar nas Guerras de Alecrim e Manjerona? António José da Silva, acusado de práticas judaizantes, morreu aos 34 anos, garrotado e depois queimado em auto-de-fé, em Outubro de 1739.

Regresso ao Estado Novo para me situar num episódio local que vem relatado em Tempos muito censurados (p. 153). Passo a citar: «Nestas eleições [em que se defrontavam as candidaturas de Norton de Matos e Óscar Carmona], realizadas no domingo 13 de fevereiro de 1949, alguns cidadãos – não muitos aliás – estiveram presentes em assembleias de voto do Concelho de Alcobaça a fiscalizarem as urnas em nome da candidatura de Norton de Matos, embora soubessem que não impediam totalmente a viciação do escrutínio. Entre eles, encontrava-se Eurico Granada, figura popular e reconhecido oposicionista. A certa altura, a GNR foi detê-lo e conduziu-o para o posto da PSP. Outras detenções também ocorreram noutras assembleias de voto, e cerca de 30 pessoas, pelo simples motivo de serem da oposição, foram levadas para o mesmo local, apesar de exercerem um direito elementar. Pouco depois chegou a Alcobaça uma camioneta com a finalidade de os transportar para o Governo Civil, para serem interrogados pela PIDE cuja delegação funcionava junto deste, bem como os respetivos calabouços. Conhecidas as ocorrências o povo reagiu, os sinos das igrejas das localidades onde ocorreram detenções tocaram a rebate e muitos, incluindo o pessoal dos estabelecimentos comerciais a funcionar – na altura abertos ao domingo – deslocaram-se para junto dos Paços do Concelho, em cujo edifício no 2º andar se encontrava o Posto da PSP, a fim de pressionarem as autoridades no sentido de não serem levados para Leiria. Entre esses populares, destacaram-se as aguerridas operárias – vulgo fabricantas – da Companhia de Fiação e Tecidos de Alcobaça, pelo que perante a pressão popular e a ameaça de tocarem os sinos do Mosteiro, os detidos vieram a ser libertados.»

O livro de Fleming de Oliveira tem esta grande virtude: a de pôr em diálogo os grandes acontecimentos com as vicissitudes mais próximas de nós, aquelas que condicionaram o dia-a-dia do cidadão comum em tempos muito opressivos, o que transforma esta obra num testemunho riquíssimo para memória futura.












In memoriam - João Raposo de Magalhães

 

João Neves Raposo de Magalhães, nasceu em Alcobaça a 3 de julho de 1922, onde fez a Instrução Primária no Jardim-Escola João de Deus. Em Lisboa frequentou o Liceu Camões, onde concluiu o Curso Liceal. Neste período, foi eleito Presidente da Juventude Escolar Católica/JEC. Matriculou-se na Escola Superior de Agronomia, mas desistiu no princípio do quarto ano porque, entretanto, casou-se com Maria da Luz de Barros e Sá Abreu.

Quando ocorreu o golpe de 11 de Março de 1975, administradores dos diversos bancos privados foram presos à ordem do poder revolucionário/CR. Para o evitar, João R. Magalhães –Jana, como era também conhecido– saiu do País e  foi para Angola que abandonou ao fim de pouco tempo, pelas mesmas razões. Instalou-se durante algum tempo na África do Sul e depois rumou ao Brasil, onde António Champalimaud – com quem há muito vinha trabalhando –, estava a construir a maior fábrica de cimentos da América do Sul. Auxiliou-o na gigantesca tarefa, mantendo-se no Brasil durante cerca de dois anos. Aí, J. Magalhães encontrou Linda Shubert Reindfleich, com quem veio a casar e ainda é viva em Lisboa.

Pouco depois daquela fábrica de cimento ter arrancado, João Magalhães voltou a Portugal, e pretendendo acompanhar a idosa Mãe abandonou o Grupo Champalimaud e instalou-se em Alcobaça.

Por esta esta altura (1980), o PSD de Alcobaça – , em detrimento de Fleming de Oliveira que encabeçou a lista para a Assembleia Municipal e depois integrou a lista de deputados à Assembleia da República – convidou-o candidatar-se numa lista da AD, à Presidência da Câmara Municipal de Alcobaça, eleição que ganhou com maioria absoluta, vencendo Miguel Guerra (PS). Manteve-se em Alcobaça durante dois anos como Presidente da Câmara, mas não acabou o mandato.

António Champalimaud, de regresso a Portugal, resolveu investir nas empresas que tinham sido suas, readquirindo a Companhia de Seguros Mundial Confiança e o Banco Pinto & Sottomayor, e convidando-o a voltar a trabalhar com ele. João Raposo de Magalhães aceitou o convite e voltou ao Conselho de Administração de ambas as companhias. Mais tarde, com a aquisição do Banco Totta & Acores e o Crédito Predial Português, passou, também a integrar a sua Administração.

J. Magalhães, era amigo de António Champalimaud e seu homem de confiança. Quando este morreu, foi instituída uma Fundação com o nome de seus pais, para a qual João Magalhães foi convidado a integrar o Conselho Geral. Foi consultor do Banco Santander Totta, administrador de muitas outras empresas, sendo que a sua atividade primordial foi a banca e as empresas a ela ligadas. Refira-se apenas uma, por ser da família, a CRISAL, de que em dois períodos diferentes foi Administrador e também Presidente do Conselho de Administração.

Jana Magalhães vivia em Lisboa, deslocava-se ultimamente muito raramente a Alcobaça, onde mantém a casa que era dos pais.

Faleceu em Lisboa em 9 de Maio de 2022




 

Tempos muito censurados

Tempos muito censurados 

Registo em Anais Leirienses