sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

CICLISMO E ALCOBAÇA

 

CICLISMO E ALCOBAÇA

 

Durante alguns anos, a corrida Porto/Lisboa que se realizava anualmente a 10 de Junho, foi considerada a prova velocipédica principal, até ser criada a Volta a Portugal cuja primeira edição teve início em 26 de abril de 1927, que passou a ser a mais importante do calendário nacional. A Volta a Portugal em bicicleta beneficiou do entusiasmo suscitado pelo Raid Hípico a Portugal, que se disputou durante dezoito dias, sob sol e chuva, umas vezes a pé, outras a cavalo montado, dada a rivalidade entre o caldense por nascimento, mas cavaleiro por paixão José Tanganho que montava o Favorito e o Cap. Rogério Tavares no Emir 

Com cerca de 330 km numa única tirada, a Porto/Lisboa era a segunda clássica velocipédica mais longa do mundo, levando incontáveis espetadores a certos pontos estratégicos, como a subida de Santa Clara/Coimbra, a Rampa da Padeira/Aljubarrota, as lombas de Vila Franca do Rosário, antes de tingir a Malveira e a Calçada de Carriche. A Porto/Lisboa, teve a primeira edição em 1911, e como vencedor o francês Charles George, do Clube Lusitano, que demorou cerca de 18 horas a fazer o percurso. Como escreveu Abílio Gil Moreira nessa primeira edição não houve cuidado em escolher o traçado Porto/Coimbra, de tal modo que uns atletas vieram pelos Carvalhos/S. João da Madeira e outros por Espinho/Cortegaça. Assim, esta edição não foi homologada, graças às ditas anomalias, apesar de a terem concluído 14 exaustos ciclistas. Algumas dificuldades do trajeto, que nada tinha de comum com o atual, foram sendo atenuadas com o tempo pela melhoria das estradas, onde primava o doloroso piso não alcatroado ou o traçado acidentado que acompanhava a orografia. A Porto/Lisboa realizou-se ainda em 1912 e 1913, organizada pela UVP/FCP, tendo sido interrompida em 1923, ano em que o vencedor foi José Conceição, do Bombarralense. Foi este um ano muto difícil com grande instabilidade política, económica e social e as pessoas estavam menos disponíveis para folguedos, pelo que a sua passagem por Alcobaça teve menos animação que das outras vezes. Aliás, a Câmara Municipal deu fraca cobertura à divulgação do evento, bem como à sua organização, nomeadamente em termos de policiamento e segurança. Nas primeiras vezes, a prova suscitou grande entusiasmo e muitas foram as formas que o povo de Alcobaça teve para homenagear os heróis do pedal que não ganhavam dinheiro e cujo grande objetivo era a fama ou um troféu, para embelezar a sala de estar da casa, mostrar aos filhos ou amigos. Em Alcobaça, as pessoas concentravam-se na berma da estrada em frente ao Mosteiro com improvisados grupos de bombos, batiam palmas, incentivavam os atletas, montavam pequenas bancas para os abastecer com  água ou mesmo vinho do porto, ou sólidos, enquanto os mais arrojados invadiam a estrada e tentavam de bicicleta acompanhar os corredores durante alguns quilómetros. O ciclismo dava as suas primeiras pedaladas no Sporting Clube de Portugal, graças a Soares Júnior, que viria a ser seu Presidente. Em 1912, a seção de ciclismo do SCP conquistou a primeira vitória significativa, quando Laranjeira Guerra ganhou a Porto/Lisboa. Tratou-se do corredor que, tal como conta Abílio Gil Moreira fazia sempre uma pausa em Leiria, não só para se alimentar, como também para um massajador da região lhe sacudir os músculos das pernas, isto mesmo por cima das ceroulas, peça de vestuário de que ele não prescindia em tal prova. Na verdade, os corredores da Porto/Lisboa tinham de pedalar uma noite inteira para poderem chegar de dia a Lisboa, em estradas não alcatroadas, em bicicletas muito pesadas pelo que as ceroulas eram importantes para os proteger do frio.

 






sexta-feira, 14 de maio de 2021

HERÁLDICA, DO LIBERALISMO AOS NOSSOS DIAS PASSANDO POR ALCOBAÇA



 Apresentação no Museu do Vinho de Alcobaça, no dia 22 de maio de 2021 pelas 16h 



segunda-feira, 26 de abril de 2021

MIGUEL TORGA (I) A Guerra Civil de Espanha e Alcobaça - Fleming de Oliveira

 

MIGUEL TORGA

(I)

A Guerra Civil de Espanha e Alcobaça


1)-A Guerra Civil em Espanha foi acompanhada com atenção e preocupação em Alcobaça, onde havia apoiantes de um lado e do outro da barricada.

Em agosto de 1936, os Sindicatos Nacionais de Operários Portugueses, controlados pelo governo, realizaram em Lisboa um grande comício anti bolchevista que foi difundido em direto pela Emissora Nacional. A Câmara Municipal de Alcobaça, por iniciativa do presidente o indefetível nacionalista Manuel da Silva Carolino, providenciou para que um altifalante fosse colocado numa janela do edifício, a fim de transmitir os discursos. O alegado objetivo deste comício e sua difusão, consistia em “desmontar a informação canalizada pelos colossos da propaganda internacional que têm provocado uma justificada repulsa”.

A 29 de Novembro seguinte, uma comissão composta pelo Presidente da Câmara, Dr. Joaquim Nascimento e Sousa, Dr. José Nascimento e Sousa, Dr. Rodolfo Bacelar Begonha, Prof. Bernardo Correia de Almeida e Alberto dos Santos Carvalho, organizaram uma manifestação anticomunista que, segundo o “Ecos do Alcoa”, juntou muita gente, num “consolador repúdio pelas doutrinas marxistas, apoio aos nacionalistas espanhóis, numa lição de civismo que a nossa terra deu a todo o País e dum modo especial a todas as terras do nosso lindo distrito”.

A imprensa de Alcobaça, o único semanário que em maio de 1937 se publicava, o referido “Ecos do Alcoa”, destacava a “grande ofensiva lançada pelas pseudodemocracias europeias contra as forças de Franco que mercê, da sua indómita bravura, alcançaram retumbantes vitórias na região da Biscaia, ocupando alguns dos seus principais centros mineiros. O motivo aparente de tão injustificado clamor é a anunciada destruição da cidade de Guernica, pátria das liberdades…bascas, mas muito especialmente a de uma simbólica àrvore, a cuja sombra se reuniam os legisladores do Euzkadi. Esse o motivo aparente que já não ilude ninguém, pois à nossa consciência repugna acreditar que os homens vocifrem imprecações contra a destruição de uma árvore, por muito respeitável que ela seja e não tenham feito ouvir os seus mais clamorosos protestos perante o furor encandescido que revelaram os espantosos bombardeamentos do Alcazar de Toledo, sagrada relíquia que, além do seu alto valor material, encerrava épocas inteiras da maravilhosa História de Espanha, do Convento de Guadalupe, da Catedral de Córdoba, de dezenas de monumentos de maravilha e, muito recentemente do Santuário de Santa Maria de La Cabeza onde se encontravam cerca de 800 mulheres e crianças que a falsa caridade dos demo-bolchevistas internacionais deixou durante perto de dez infindáveis meses, à mercê das granadas e bombas de aviação que há mais de um mês, atingiam a espantosa cifra de três mil e quinhentas (…). Fora Tartufos…”

2)-Miguel Torga, um dos mais representativos escritores contemporâneos portugueses, foi uma voz de peso, que se ergueu em Portugal contra alguns episódios da Guerra Civil de Espanha. Em 1975, pouco antes da morte de Francisco Franco, voltou a verberar o fuzilamento de dois “etarras”, no que foi um dos últimos actos sanguinários do regime.


Atravessou, a Espanha em plena guerra civil, dando conta das impressões que lhe causou o conflito em livros como A Exposição de Paris de 1937.

Participou na campanha de Humberto Delgado, em 1958, não obstante ser avesso à militância política e não apreciar os políticos como tal, por nunca os considerar como figuras intocáveis, como por vezes “se gostam de autorrever”. Talvez, assim, se compreenda esta passagem no Diário VIII, “estes trinta anos de poder pessoal acostumaram-nos de tal maneira à canga que só através de outro poder individual sonhamos, quando sonhamos, a libertação”. Sempre se mostrou pronto para tomar posição contra medidas que privavam os portugueses de liberdades cívico-políticas, sendo que a “liberdade é uma penosa conquista da solidão”.

Quando Caetano sucedeu a Salazar, escreveu no Diário XI: “A rádio acaba de transmitir a notícia de que Salazar, em coma foi exonerado e substituído na Presidência do Conselho. Na história do Mundo nada aconteceu, mas na de Portugal acabou o reinado, uma época-trágica como se há-de ver- uma maneira específica de governar, qualquer que seja a vontade do sucessor. As circunstâncias, uma inteligência impassível, um certo sentimento de grandeza pessoal, o conhecimento satânico do preço dos homens, a obstinação, o oportunismo, a ousadia, a crueldade e o desprezo podem num dado momento fazer do mais apagado individuo um chefe providencial. Mas quando o ídolo ou o déspota, obrigado pela força ou pela erosão do tempo, é removido do pedestal, leva anos, às vezes séculos, a surgir outro.

E em julho de 1970, no mesmo Diário, registou que “morreu Salazar. Mas tarde demais para ele e para nós, os que o combatíamos”. Conheceu e foi amigo de alguns políticos. O Presidente Ramalho Eanes foi, mais que uma vez, visitá-lo a S. Martinho de Anta, e quando Samora Machel se deslocou a Portugal, foi Torga o cicerone na visita ao Douro.

(continua) 

 

MIGUEL TORGA

(II)

A DEMOCRACIA E OS PARTIDOS

FLeming de OLiveira

 

1)- Foi proposto, em 1960 com Aquilino Ribeiro, ao Prémio Nobel da Literatura, sendo a sua candidatura subscrita pelo reputado professor da Universidade de Montpellier, Jean-Baptiste Aquarone.

Recusou, em 1969, o Grande Prémio Nacional de Literatura, por ser atribuído pelo Regime e subscreveu o Manifesto dos Escritores ao País, pela restituição da liberdade, contra a máquina repressiva e as prisões políticas. Mas aceitou receber nesse ano o Prémio Literário Diário de Notícias, entregue pelo Diretor Dr. Augusto de Castro. Um PIDE informou em julho de 1947 que Adolfo Correia Rocha, “conhecido literariamente por Miguel Torga” (a própria mulher também o tratava por Miguel…), era “anti situacionista, de ideias avançadas, mas moralmente nada consta”. Torga quis “ser de todos, em vez de camarada de poucos”, na sua poesia de resistente e cântico à liberdade.



2)-O Pompeu dos Frangos, na Malaposta, foi local de muitos jantares, encontros – por exemplo com Jorge Amado – e tertúlias.

Aquando do seu aniversário reuniu em 1993, entre outros, Mário Soares, a quem deu a direita à mesa. Ouvi contar que o bolo comemorativo representava o seu livro “Nihil Sibit”, reproduzia alguns versos e o encontro foi tanto mais emocionante, quanto Torga sabia que o seu fim estava próximo.

Já bastante doente, sofria de cancro, foi “outra vez hospitalizado. Pode-se enganar a vida. A morte é que não”. Em Dezembro de 1993, escreveu que “Aproxima-se o fim//E tenho pena de acabar assim//Em vez a natureza consumada//Ruína humana, //Inválido do corpo,//E tolhido da alma//Morto em todos os órgãos e sentidos (…)”.

2)-O 25 de Abril não lhe granjeou, de início, grande entusiasmo. Escreveu no Diário XII, “Golpe militar: Assim eu acreditasse nos militares. Foram eles que, durante os últimos macerados cinquenta anos pátrios, nos prenderam, nos censuraram, nos apreenderam e asseguraram com as baionetas o poder à tirania. Quem poderá esquecê-lo? Mas pronto: de qualquer maneira é um passo. Oxalá não seja duradoiramente de parada”.

Sobre o processo de descolonização, pronunciou-se em julho de 1974, no sentido que “vamos finalmente dar independência aos povos colonizados. Uma independência que sem dúvida lhes irá custar caro, mas não há nenhuma que seja barata”. Ainda sobre este tema, um dos pontos de divergência com o PS, escreveu que “fomos descobrir o mundo em caravelas e regressamos dele em traineiras. A fanfarronice de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos deu este resultado: o fim sem a grandeza de uma grande aventura. Metade de Portugal a ser o remorso da outra metade”.

No Verão Quente, publicou no jornal A Luta (pró PS), o poema Lamento, “ah, meu povo traído//Mansa colmeia//A quem ninguém colhe o mel (…) e num outro, Liberdade, Liberdade, que estais em mim//Santificado seja o vosso nome (…)”.

Nunca se inscreveu em nenhum partido, pois “o meu partido é o Mapa de Portugal”.


Torga assumindo a responsabilidade cívica, para que “uma ditadura não desse lugar a outra ditadura”, participou em comícios socialistas e presidiu em Coimbra ao primeiro celebrado por este partido, em 1 de junho de 1974, graças ao empenho de Manuel Alegre.

A propósito das eleições para a Assembleia Constituinte, escreveu no Diário XII, “eleições sérias, finalmente. E foi nestes cinquenta anos de exílio na Pátria, a maior consolação cívica que tive”. Nesta campanha eleitoral, discursou num comício do PS em Coimbra.

Os responsáveis do PS, manifestaram em geral grande apreço e respeito por Miguel Torga, que nunca nele se filiou, “sem nome possível numa ficha partidária”, embora se identificasse com os seus grandes princípios ideológicos e programáticos. A sua conceção de socialismo, radicava na “sabedoria ancestral do comunitarismo agrário e pastoril”. Combateu, pela a escrita e palavra, os que antepunham a construção do socialismo à edificação da democracia, pelo que em 6 de março de 1975, note-se antes do golpe pró-comunista de 11 de março, registou no jornal A Capital, que “é necessário interromper, sem demora, esta corrida leviana que nos leva à perdição”.

Em novembro de 1985, escreveu no seu Diário IV que “há uma coisa que nunca poderei perdoar aos políticos: é deixarem sistematicamente sem argumentos a minha esperança”. A grande divergência com o PS, terá estado relacionada com a adesão de Portugal à CEE pelo que, Soares chegou a deslocar-se a Coimbra para lhe refrear o euroceticismo. Inútil, já que Torga repudiou a militância europeia, como fizera com as outras, inclusive a Socialista/PS.

Disse, numa entrevista ao jornal francês “Liberation”, na edição de 11 de fevereiro de 1988, que “quis sempre manter-me um homem independente. Sentimentalmente, sou socialista, mas, no fundo, permaneço um anarquista. Um rebelde”.

3)-A poesia foi e será sempre universal. Transversal, atravessou de forma imparável todos os tempos e sociedades, as ideologias e as correntes de opinião, como se fosse a voz dos deuses. Ela foi o suporte dos grandes anseios e dúvidas da Humanidade. Nenhum Hino capaz de mobilizar as energias de um Povo, utilizou tão bem outra arma para o exaltar na alma coletiva. A poesia tem a vitalidade das situações eternas, acompanhou os homens nos momentos de desalento, na solidão das trincheiras, das grades de uma prisão, na subversão e claro… no amor. Torga SEMPRE!

 

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Almada Negreiros, Morra o Dantas, morra! Pim! Zip, Zip - Fleming de Oliveira


José Almada Negreiros, filho de um tenente de cavalaria, Administrador de Concelho em São Tomé, terra natal de sua mãe, aí nasceu e passou parte da infância.

Depois da morte da mãe, em 1986 veio com o pai viver para Portugal, o qual em 1900 foi nomeado encarregado do Pavilhão das Colónias, na Exposição Universal de Paris. Os filhos ficaram no Colégio dos Jesuítas, em Campolide.

Em 1911, com a República, o Colégio foi extinto, pelo que José entrou para a Escola Internacional de Lisboa onde irá desenvolver o seu trabalho, publicando nesse ano, o primeiro desenho, n’ “A Sátira”, bem como o jornal manuscrito “A Paródia”, do qual foi o único redator e ilustrador.

Por alturas de 1913 conheceu Fernando Pessoa, com quem veio a editar a “Orpheu, juntamente com Mário de Sá-Carneiro e outros.

Júlio Dantasmédicopoetajornalista e dramaturgo, tido em certos meios como a maior figura da intelectualidade portuguesa da época, afirmou que a Orfeu era feita por “gente sem juízo”. Irónico, mordaz e provocador, Almada respondeu-lhe com o “Manifesto Anti-Dantas”, onde escreveu que “uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi. É um coio d’indigentes, d’indignos e de cegos, e só pode parir abaixo de zero! Abaixo a geração! Morra o Dantas, morra! Pim!”

Em Portugal, já Salazar ocupava o poder, Almada, começou a ser solicitado para colaborar com as grandes obras do Estado. O Secretariada da Propaganda Nacional/S.P.N., encomendou-lhe o cartaz a apelar ao voto na Constituição de 1933. O mesmo, irá organizou mais tarde a exposição “Almada-Trinta Anos de Desenho”, e convidou-o a apresentar-se na “Exposição Artistas Portugueses”, realizada no Rio de Janeiro em 1942. O S.P.N., viria a atribuir-lhe o “Prémio Columbano” pela tela “Mulher”.

A partir daqui, Almada dedicou-se, principalmente, ao desenho e à pintura. Pintou, os vitrais da Igreja de Nossa Senhora de Fátima/Lisboa, que o público mais tradicionalista não apreciou, o renomado retrato de Fernando Pessoa, os painéis das Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha Conde de Óbidos, os frescos na Escola Patrício Prazeres, as fachadas dos edifícios da Cidade Universitária, os cartões para as tapeçarias do Tribunal de Contas e do Palácio da Justiça, de Aveiro.

Tendo colaborado muitas vezes com o Estado Novo, Almada, não deixou todavia de registar que “as construções do Estado multiplicam-se, porém, as paredes estão nuas como os seus muros, como um livro aberto sem nenhuma história para o povo ver e fixar”.

Os seus últimos trabalhos, então com 75 anos, são o painel “Começar”, na Fundação Calouste Gulbenkian e os frescos da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra.

O único registo televisivo que dele existe, é a entrevista aquando da sua ida ao ZIP-ZIP, gravado ao vivo, sem a intervenção da censura prévia, no Teatro Vilaret. Almada, nunca tinha ido à televisão e não voltou a ir. No Zip-Zip, foi ele a revelação para inúmeros portugueses, que nem de nome o conheciam, e um bom teste foi ver que os seus livros ou sobre ele, se esgotaram na Feira do Livro. Fialho Gouveia lembrava que não foi fácil convencê-lo a ir ao programa, mas que, “depois de lá estar se sentiu bem e foi muito comunicativo”. Cerca de um mês mais tarde, Natália Correia mostrava-se “surpreendida com o suculento prato de espírito, finalmente servido pela TV”. Segundo alguns, nunca antes um programa de televisão havia conseguido impacto semelhante.

 

Corria o mês de abril de 1969. Coimbra começava a estar em polvorosa com a crise académica. Salazar tinha caído da cadeira, e o governo era chefiado por Marcelo Caetano. A censura não abrandava o cerco à liberdade de expressão. Ramiro Valadão era o homem a conduzir os destinos da RTP, de braço dado com o poder. Perante a estagnação que se vivia em Portugal, Raúl Solnado, Carlos Cruz e Fialho Gouveia propunham a realização de um programa diário, de estúdio e porta abertos. Ramiro Valadão foi perentório, “era complicado..., mas… porque não o fazer semanalmente?”

Daí a pouco nascia o Zip-Zip e lá estava Almada Negreiros. Pela primeira vez, o artista estava na televisão, para uma conversa que deixaria os portugueses suspensos. Um homem culto, especial e inteligente em poucas palavras dava respostas que faziam eclodir palmas do público. Na rua, onde muitos dos seus quadros estavam expost
os, Fialho Gouveia fazia uma reportagem percorrendo falando com os transeuntes. No estúdio, Almada assistia atento e curioso. 

As orientações de busca e criação de Almada Negreiros foram a beleza e a sabedoria, “pois a beleza não podia ser ignorante e idiota, tal como a sabedoria não podia ser feia e triste”. Mestre Almada, foi um pintor-pensador, executante de uma arte elaborada que pressupõe uma aprendizagem que não se esgota nas escolas tradicionais. Outrossim, uma aprendizagem que implica um percurso introspectivo e universal. Vulto cimeiro da vida cultural portuguesa durante quase meio século, contribuiu para a criação, prestígio e triunfo do modernismo artístico em Portugal. Na sua evolução como pintor, passou do figurativismo e da representação convencional, para a abstração geométrica, matemática e numérica que caracteriza as últimas obras.

 

domingo, 14 de fevereiro de 2021

HUMBERTO DELGADO, A CELA E ELEIÇÕES - FLEMING DE OLIVEIRA

Ouvi contar a um antigo Presidente da Câmara de Alcobaça, que em 1958 algumas mesas de voto no Concelho de Alcobaça, chegaram a aparecer mais boletins, do que total de inscritos nos cadernos eleitorais. Talvez por isso, corre a tese, que Delgado ganhou as eleições de 1958. Os resultados fornecidos pelo Regime, deram a nível nacional 75,8% dos votos a Américo Tomás e 23,6% a Humberto Delgado.



Todavia, muitos entendem que esta diferença, não é apenas o fruto de fraude stritu sensu, no momento do apuramento dos votos, mas também o efeito de uma enorme máquina manipulatória ou intimidatória, que se iniciava com o recenseamento eleitoral. Na prática, só era facilitado o recenseamento aos que eram de confiança. A oposição não tinha acesso aos cadernos eleitorais, encontrava-se impedida de fiscalizar o acto e competia-lhe distribuir pelos eleitores os boletins de voto. No dia das eleições, havia operações como a alteração dos resultados, fazendo circular transportes que permitiam que se arregimentassem pessoas ou que se votasse mais que uma vez.

De acordo com o antigo G.N.R. e falecido soldado Joaquim Meneses, que não gostava falar de política, embora ouvisse falar das chapeladas, isso era tema tabu na corporação. Sobre as eleições presidenciais de 1958, a imprensa de Alcobaça, foi bastante sóbria, referindo, de forma meramente circunstancial os candidatos da oposição, o Advogado de Lisboa, Arlindo Vicente, afeto ao PC (antes de desistir), bem como o Gen. Humberto Delgado, ainda tratado deferentemente como S. Ex.ª. Joaquim Meneses, encontrou-se algumas vezes, com Humberto Delgado, na sua quinta. A Igreja de S. Bento está na propriedade de Delgado. Aquando da festa de S. Pedro, deslocava-se para lá uma patrulha da G.N.R., de que Meneses fez parte várias vezes. Quando esta chegava, Delgado dava pessoalmente instruções à cozinheira para servir um bom almoço e ser bem tratado. Falava cordialmente, embora com banalidades com os elementos da patrulha, dizendo-lhes que ali só havia boa gente e para estarem à vontade. Meneses salientava que os elementos da G.N.R., antes de saírem em serviço no dia das eleições, tinham de ir votar, o que no seu caso fazia por dever de ofício. Ia votar nas listas da U.N., pois no dia anterior, o comandante do Posto, no cumprimento de instruções de cima, dizia-lhes que aonde o voto tinha de ser colocado.

 

 

O saudoso Francisco Leonardo Eusébio foi sacristão da Cela, entre 1952 e 1956, altura em que era Pároco João de Sousa. Através dessas funções conheceu Humberto Delgado que indo à missa e não prescindia de cumprimentar na sacristia o Pe. João de Sousa, enquanto se desparamentava. Nas Festas de S. Pedro, havia romaria a partir da Capela de S. Bento, com sermão, missa cantada, procissão, e a participação da (extinta) Banda, que atuava num coreto improvisado, enquanto que o povo se distraía, na conversa e nos comes e bebes.


A procissão, saía da Capela, com a banda a tocar, ia até ao Largo da C.P., onde dava a volta. Por altura das festas, Delgado costumava convidar para almoçar, os principais responsáveis da organização, Igreja (padre e sacristão) incluída. Foi assim na qualidade de sacristão, que Francisco Eusébio foi algumas vezes almoçar a casa de Delgado e com ele trocou algumas palavras. Apesar de respeitar Delgado, mas não propriamente com as suas ideias políticas, Francisco Eusébio não participou na campanha eleitoral, porque sendo membro da União Nacional, não podia aparecer como opositor do regime. Mas também não queria aparecer a apoiar Delgado.

A eletricidade chegou à Cela, e graças ao empenho de Delgado. Dizia-se que num fim de semana em que este veio à quinta, terá dito ao motorista, que o caminho era sempre em frente Este terá levado a informação tanto à letra que o carro se despistou e caiu numa ravina. Ninguém saiu ferido, mas Delgado chegou a casa muito irritado e sujo, tendo este sido ao que se diz o grande pretexto para reclamar, com todo o peso da sua posição, a luz elétrica para a freguesia.

Quando nos anos trinta do século XX se levou a cabo o Plano de Rega dos Campos da Cela, o governo pretendeu lançar uma taxa sobre os utentes, a qual foi por considerada muito pesada e difícil de pagar. Sabe-se que Delgado interveio para a abolir, o que veio a acontecer, aliás era interessado como regante. Francisco Eusébio foi também tesoureiro da Junta e Regedor, nomeado pela Câmara presidida por Tarcísio Trindade. A Regedoria funcionava em sua casa. Como regedor, sem nada ganhar, competia-lhe fazer pessoalmente notificações, zelar pela manutenção em geral da ordem. Não obstante, ter de alinhar com o regime, louvava-se de nunca ter tido contactos com a PIDE, conhecido algum agente ou lidado com informadores, nem ter sofrido pressões para fazer ou deixar de fazer alguma coisa. A Cela era (é) uma terra de fraco desenvolvimento, com uma população essencialmente rural e as manifestações que, porventura, houvesse contra o governo, aconteciam aos domingos na taberna.

Não existem registos de notícias de grandes manifestações de apoio expresso em Alcobaça ao candidato Américo Tomás, mas outrossim à política do governo, salvo depois de se saber os resultados eleitorais, com os encómios habituais. É também impossível saber até que ponto os resultados aqui foram viciados, como reconhecia esse antigo Presidente da Câmara Municipal, pois a fiscalização das urnas foi inexistente, e as chapeladas vulgares. Dos 6.174 eleitores inscritos no concelho, votaram 4.755, dos quais 3.044 em Tomás e 1.704 no Gen. Delgado. O antigo G.N.R., Hermínio de Oliveira, falecido não há muito era uma personalidade estruturalmente diferente de Joaquim Meneses. Dizia ter saudades do exercício da autoridade à moda antiga. Meneses era alegadamente incapaz de tratar uma pessoa a bofetão ou pontapé.

 


A G.N.R. de Alcobaça, nos anos de 1960, como recordava Hermínio Oliveira, chegou a receber mandados para captura do General Humberto Delgado, quando ele viesse a casa na Cela Velha. Assim, com esse objetivo chegaram a sair algumas patrulhas, integrando-se nelas o soldado Hermínio Oliveira. O Gen. Delgado foi por elas visto a entrar ou sair de casa, mas, respeitando-o (nunca perdendo de vista o sentido hierárquico e da autoridade), a patrulha da G.N.R. não tomou qualquer iniciativa e ao regressar ao Posto, e tendo de apresentar o respetivo relatório, fazia consignar que a pessoa em causa, não fora vista, nem encontrada. Estes mandatos expedidos do Tribunal de Alcobaça repetiam-se ciclicamente, mas, Oliveira reclamava-se de nunca ter tomado nenhuma atitude, contra o General Delgado, que independentemente de saber ser um político da Oposição era considerado, antes do mais, uma pessoa de bem, de respeito, uma autoridade e importante para o País.

Mas a G.N.R. de Alcobaça não procedia desta maneira respeitosa, para com toda a gente. Embora não fosse prática legalizada ou mesmo reconhecida pelos comandos ou subalternos, a verdade é que esta corporação utilizava com frequência meios musculados.






sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A ALA LIBERAL E O MARCELISMO - Fleming de Oliveira

 

Em 28 de Setembro de 1969, a Comissão Distrital do Porto da União Nacional emitiu um comunicado onde referia ser possível realizar as transformações e reformas de que o País urgentemente carece na linha política do novo Chefe de Governo, necessariamente sujeitas à fiscalização crítica da Assembleia Nacional.


Na base deste inusitado comunicado, esteve a pena de Francisco Sá Carneiro, advogado relativamente jovem, sem curriculum político, filho de uma conhecida família portuense da alta burguesia, e de um distintíssimo advogado.

A divulgação e o pressuposto foram condições que portuenses como Sá Carneiro, Pinto Machado, Joaquim Macedo e José da Silva, colocaram a Marcelo Caetano, para integrar as listas da União Nacional, pelo Porto. Com esta iniciativa era possível entrever já as ambições político-ideológicas de um grupo com origens urbanas, formação académica superior, profissionais liberais, afinidades com os sectores da Igreja pós-conciliar e que, mais tarde, ficaria conhecido como a Ala Liberal. Esse grupo, composto por aquelas personalidades, bem como outras mais, como os lisboetas Miller Guerra, Pinto Balsemão, Pinto Leite ou Magalhães Mota, assumia um projeto reformista que, apoiando Caetano, não deixava de se posicionar como voz crítica que promovia a abertura do regime, que erigia São Bento, não a SEDES, como palco privilegiado, contra ultras como Cazal-Ribeiro. Era à Assembleia Nacional, que estes candidatos concorriam, em eleições que Caetano prometia livres e a partir daí esperavam fazer as transformações que o País pós-Salazar carecia através de Iniciativas Legislativas, Projetos de Lei e Políticas, tão relevantes como Amnistia Para Delitos de Opinião, Presos Políticos, Alteração da Organização Judiciária, a Liberdade de Imprensa e Religiosa, a Atividade Cooperativa ou a magna Questão Africana. Em breve se constatou o falhanço do projeto da Ala Liberal, uma semi-oposição, que admitiu potencialidades de um órgão de soberania como a Assembleia Nacional, mas que veio a revela-se incapaz de se afirmar como centro da ação política. Nada mudara com Caetano, falharam as esperanças, outrossim algumas medidas pareciam mesmo ser um endurecimento, o que levou Sá Carneiro e Miller Guerra a abandonarem a Assembleia. A rutura entre o marcelismo e os liberais, acentuou-se na segunda sessão legislativa, Novembro de 1970/Julho de 1971, nomeadamente com a questão da revisão constitucional. Muitos daqueles liberais já haviam decidido não se recandidatar em 1973, pois assemelhavam estas eleições a uma farsa já vista. Quando virem ser impossível liberalizar, abandonaram a Assembleia Nacional regressando às atividades e profissões que sempre tiveram, sem todavia deixarem de intervir civicamente. O falhanço dos liberais foi a prova da impossibilidade de transformar o regime a partir de dentro. Os adversários de Salazar, que na ótica mitológica do regime, deveria colocar-se ao lado de um Fundador, de um Mestre de Aviz, de um Condestável e de outros que construíram os alicerces da Nação, eram tidos por meramente acidentais.

Participaram nas eleições de 1969, três listas da oposição, não partidos políticos proibidos constitucionalmente, mas Comissões Eleitorais, a C.D.E. (Comissão Democrática Eleitoral/pró PCP), C.E.U.D. (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática/liderada por Mário Soares). e C.E.M. (Comissão Eleitoral Monárquica, que reunia monárquicos da oposição, não afetos à Causa Monárquica).



Apesar dos resultados levarem as listas do regime a ocupar todos os lugares colocados a sufrágio, alguma coisa mudou, pelo menos aparente ou momentaneamente. A campanha foi curta, mas teve fugazes momentos de liberdade como aconteceu com República, A Capital ou O Diário de Lisboa. Emergiu à esquerda uma geração universitária, fruto de movimentos estudantis marcados pelo Maio de 1968 e pela crise de Coimbra, de 1969. À direita, apareceu uma sensibilidade com um grupo de Coimbra, no Política periódico de curta duração, aonde escreveram, Lucas Pires, José Miguel Júdice e Jaime Nogueira Pinto.

A imprensa de Alcobaça, afinal só O Alcoa, publicou uma lista de apoiantes da Oposição, e deu conta de alguns eventos. E noticiou que num domingo de Outubro de 1969, reuniram-se, numa jornada de propaganda, os candidatos a deputados pela oposição, umas 350 pessoas provenientes de todo o Distrito, onde Vasco da Gama Fernandes teve palavras pouco simpáticas para Tarcísio Trindade, recentemente nomeado Presidente da Câmara de Alcobaça. Seja como for, simpática ou não a notícia, o certo é que este no jornal de que era o único proprietário, O Jornal de Alcobaça, não se coibiu de responder truculentamente que temos de ser compreensivos e perdoar a este incansável tribuno pois calcula-se o nervosismo, preocupações e confusão que certamente vão no seu espírito, no atual momento que lhe não permitem discernir pessoas e situações .



UM HOMEM BOM E ALCOBACENSE PROFISSIONAL

 

Há tempos, depois de uma daquelas conversas vadias mas importantes, em que se fala de tudo e de nada, perguntei ao meu Amigo José Eduardo/JERO como gostaria um dia de ser recordado. Isso deixou-o de momento muito sério, disse-me que ia pensar no assunto e depois me diria. No dia seguinte, recebi o apontamento que vou divulgar, pois tenho a certeza que ele não se opunha e é uma homenagem mais que merecida a um Homem Bom, Solidário e Alcobacense Profissional.

 


Desde que me batizaram nos idos de 1940, o meu nome é José Eduardo Reis de Oliveira. Consta ainda da certidão de nascimento que nasci em Alcobaça, em 4 de abril de 1940.

JERO são as iniciais do meu nome, com que comecei a assinar os meus artigos como jornalista, por volta de 1958, na Página Desportiva do jornal O Alcoa.

Passados tantos anos, um e outro subsistem, embora nos tempos que correm quase toda a gente me trata por JERO.

Por onde andei ao longo destes anos todos? Não sei se isso tem algum interesse. Mas na dúvida posso esclarecer que andei quase sempre por Alcobaça, terra da minha paixão.

Profissionalmente estive ligado ao Ministério da Justiça (de 1958 a 1962 nos Tribunais da Covilhã e Alcobaça), ao Banco Pinto Sotto Maior (de 1966 a 1968 em Leiria e Lisboa) e à SPAL/Porcelanas de Alcobaça, SA, mais de 32 anos.

O tempo de maior afastamento de Alcobaça deveu-se ao cumprimento do serviço militar. Estive 4 anos fora de casa (de 1962 a 1966). Orgulho-me desses tempos. Fiz parte da C. Caç. 675, que esteve no Norte da Guiné de julho de 1964 até fins de abril de 1966. Fui Furriel Enfermeiro, louvado e condecorado, o cronista da C.Caç.675, escrevendo um Diário de 280 páginas que, em passado recente, um especialista na matéria, o Professor Universitário Beja Santos, pôs a hipótese de ter sido o primeiro livro impresso sobre a Guerra do Ultramar (1965).

Depois fartei-me de trabalhar na SPAL, tendo tido a responsabilidade da direção comercial do mercado local. Gostei muito do que fiz. Não vesti só a camisola. A Empresa estava-me no sangue. Reformei-me em 2002.

Na Universidade da Vida cursei cidadania e passei a participar ativamente nas coisas da minha terra. Já estive na Direção de variadas instituições.

Dediquei muito do meu tempo ao jornalismo. Fui Diretor Adjunto do quinzenário regional O ALCOA de 2009 até maio de 2013 .

Escrevi e editei em Maio de 2009 o meu 2º. Livro Golpes de Mão’s. Foram quase 2 anos de trabalho, amplamente recompensados pelas palavras e gestos de muitos amigos. As tais coisas boas da vida que não há dinheiro que pague.

Em outubro de 2011 escrevi Alcobaça é Comigo, Um século e tal em histórias e historietas de gentes da minha terra. Foi, felizmente, outra experiência enriquecedora.

Em 9 de abril de 2014 recebi uma dedicatória, de que muito me orgulho num livro dos historiadores e ex-militares que cumpriram serviço militar na Guiné entre 1968 e 1970, Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos.

Num estudo sobre a História da Guiné portuguesa e da Guiné-Bissau (Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro) incluíram 8 páginas do meu livro-diário da CCAÇ 675, que consideram um documento histórico de referência na história recente da literatura portuguesa sobre a guerra colonial. Em 8 de Novembro de 2014 apresentei o livro sobre a Família Coelho, no Armazém das Artes.

Tenho um blog http//jeroalcoa.blogspot.com e sou ferrenho utilizador facebook, com 2 páginas que alimento diariamente desde 2009 e 2014, respetivamente, José Eduardo Oliveira-Praça da Amizade e Bom dia Alcobaça.

Também comprei uma máquina fotográfica e quase que já me sinto fotógrafo. Faço diariamente “montes ” de fotografias.

Para acabar refiro também dois retratos que os meus netos fazem a meu respeito.“ O meu avô escreve livros”, escreveu o Pedro.

A Mariana disse algo ligeiramente diferente: “Oh avó já sei por quem o avô está apaixonado. É pelo computador.”

Mandei fazer entretanto novos cartões-de-visita, onde refiro, além do meu nome, o que mais gosto de fazer na vida: - Alcobacense Profissional.

Atualmente sou Diretor Comercial do semanário Região de Cister, onde também colaboro com artigos de opinião.

Quanto a livros novos? Tenho dois na calha!

E por aqui me fico.

 

Adeus meu Caro Amigo!






domingo, 17 de janeiro de 2021

A ORQUESTRA TÍPICA E CORAL DE ALCOBAÇA E O SEU TEMPO - FLEMING DE OLIVEIRA

 


ARTIGO REFERENTE À COMEMORAÇÃO DO 75º ANIVERSÁRIO DO JORNAL O ALCOA

 





Asdrúbal Fortes Jorge, e A Pátria honrai que a Pátria vos contempla - Fleming de Oliveira

 

Asdrúbal Fortes Jorge, faleceu no dia 6 de janeiro de 2021. Residente em Montes, trabalhou para os Serviços Municipalizados da CMA, até se reformar e com ele muitas vezes me encontrei. Conheci a sua vida militar e como ela o afetou psicológica e fisicamente até

falecer.

Mobilizado para a Guiné em Junho de 1964, com a especialidade de Fuzileiro Naval e o Posto de Primeiro Grumete, interveio em operações todo o território, algumas delas com os Comandos Africanos, ao lado de Marcelino da Mata que os chefiava. Na sua opinião, Marcelino da Mata, considerava-se um “português como nós”, além de ser extremamente conhecedor da arte da guerra. Nessa comissão, Asdrúbal Fortes sofreu ferimentos num ombro, visto a operação em que participava na região de Cacine, ter sido atacada por engano por um avião português T6, com rockets e metralhadora de que resultaram 4 mortos e cerca de 40 feridos, todos portugueses.


Regressado a Portugal em Junho de 1966, no termo da sua comissão de serviço obrigatório, fez contrato para passar ao Quadro Permanente dos Fuzileiros. Foi promovido a Marinheiro e tendo voltado à Guiné em Abril de 1967, fez inúmeras operações. Nesta segunda comissão, encontrou-se de novo com Marcelino da Mata, na zona de Cacheu e Binta em “golpes de mão”. Em 23 de Dezembro de 1968, aliás dia do seu aniversário, foi ferido com gravidade, o que determinou a sua imediata evacuação para o Hospital de Bissau, aonde foi operado por três vezes aos intestinos, e depois transferido para Portugal, aonde esteve internado no hospital da Marinha durante cerca de dois longos e penosos anos. Dado como incapaz para o serviço militar, pela Junta de Saúde Naval, passou à reforma da qual recebia uma muito pequena pensão. Nunca repudiou, a divisa da Armada “A Pátria honrai que a Pátria vos contempla”.

 

Asdrúbal Fortes Jorge recebeu a Medalha de Cobre, pelo salvamento de um camarada que caíra à água e estava a ser arrastado pela corrente. Foi condecorado com a Medalha de Mérito Militar de 4ª. Classe e com Cruz de Guerra de 2ª. Classe. A Medalha da Cruz de Guerra, foi criada pelo Decreto n.º 2870, de 30 de Novembro de 1916, para premiar atos e feitos de bravura praticados em campanha. Esta condecoração recolheu notoriedade durante a Primeira Guerra  e durante a Guerra do Ultramar, apresentando em cada época um cunho ligeiramente diferente. Divide-se em 1ª, 2ª, 3ª e 4ª classe, por ordem decrescente de importância.

No referente, a louvores recebeu alguns coletivos bem como individuais. Entre os louvores que recebeu, gostava de destacar o de 3 de Junho de 1968, do Comandante de Defesa Marítima da Guiné, Comodoro Aníbal Almeida Graça e publicado na O.A.-11ª Série, nº 48/7-8-968:

“Louvo o Marinheiro FZE nº 10106 Asdrúbal Fortes Jorge, do Destacamento nº 10 de Fuzileiros Especiais, por ao longo do tempo que em prestou serviço nesta unidade, ter revelado possuir, em ação de combate, excecionais qualidades de coragem, desembaraço, sangue-frio e desprezo pelo perigo. Tendo feito grande número de operações da Unidade, seguindo no primeiro lugar da coluna, demonstrou sempre ter elevado senso tático, valentia e decisão debaixo de fogo. Nomeadamente numa operação realizada no IADOR, ao aperceber-se à distância dum grupo inimigo que preparava uma emboscada ao seu grupo de assalto, arrastou consigo a sua esquadra e a Esquadra da Metralhadora. Fixando o inimigo, causando-lhe um ferido e obrigando-o a debandar, só não conseguindo uma completa aniquilação, pelo facto de se terem esgotado as munições, ao mesmo tempo que as da metralhadora que o acompanhava. Digno de ocupar postos de maiores riscos, abnegado, leal, cumpridor e com espírito de sacrifício, considero o Marinheiro FZE 10106 um militar de muito mérito”.




quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

TI CATARINO LEMBRE-ME DAQUELE TEMPO… - Fleming de Oliveira

 

Lembro-me das conversas com o Inácio Catarino, que nasceu há mais de noventa anos nos Montes aonde fez a vida, seja na agricultura ainda com sete ou oito anos (nas férias escolares, na vindima ou apanha da fruta), mais tarde na Cova da Onça/ Casa Raposo de Magalhães como encarregado, ou durante cerca de dezoito anos na construção civil.

Era do tempo em que o amola-tesouras ia de terra em terra afiar as facas e tesouras, usando uma bicicleta que tinha uma roda que amolava/afiava o que fosse preciso. Fazia-se acompanhar de uma gaita que fazia um som característico que chamava as pessoas. Até se dizia que a presença do amola tesouras trazia chuva. Porquê? Não sei esclarecer.

Era do tempo em que os meninos ou meninas sabiam de onde vinham os pintos, como cortar canas, construir um moinho de água, apanhar rãs, distinguir os pássaros, os insetos ou répteis, bem como as árvores de fruto (uma pereira é diferente de uma macieira?). E também do frio ou calor que sentiam nos pés descalços, o que era, todavia, esquecido pelas intensas e emocionantes brincadeiras.

O jogo do pião, com o imprescindível bico de prego, era muito popular entre os rapazes.

E o jogo do eixo? Neste jogo, o número de participantes era variável, sendo que quanto maior fosse o número de jogadores, mais interessante se tornava. Embora existam diversas versões do jogo, a mais comum, consistia em fazer amochar um ou mais jogadores, curvados, apoiando as mãos ou os cotovelos nos joelhos. Este jogo consistia em saltar sucessivamente sobre todos os colegas (dizendo previamente “aqui vai eixo”), de forma a que todos saltavam e “amochavam”.

Catarino ao mesmo tempo que a jogar o pião ou saltar ao eixo, aprendeu com os mais velhos que, quem nos Montes “ensinou” a podar, foi um jumento. Um jumento T´i Catarino? Sim um jumento que roeu uma cepa, que depois veio a rebentar com mais força e deu melhores cachos. Era também do tempo em que o exame da terceira classe, marcava a escolaridade da maioria da população escolar, dos meios rurais. Recordava o professor Adelino, que dava aulas na recém-inaugurada escola masculina e que tinha um método infalível para ensinar a ler, escrever e contar. A sentença, de que não havia recurso, consistia em que cada erro implicava umas reguadas na mão com o uso da “menina dos cinco olhos”.


O professor Adelino bebia bastante, ainda que de manhã, o que se traduzia na forma como lidava com os alunos, a quem além de bofetadas utilizava a travessa de uma cadeira ou uma vergasta nas orelhas ou no traseiro. O professor ausentava-se com frequência da sala, ao que constava para matar a sua enorme e permanente sede, encarregando um aluno, filho de algum agricultor mais abonado e a quem devia favores, de vigiar os demais e apontar no quadro, as pretensas infrações de disciplina, que depois eram objeto de pronta sanção, quando chegava, a cambalear. Inácio Catarino dizia que não teve o diploma da quarta classe, pelo medo que o professor Adelino lhe inspirava e que nem a ameaça de chamar a Guarda ou lhe bater, caso não prosseguisse os estudos, o demoveu, no que foi apoiado pelos pais.

A temível palmatória ainda ensombra os pesadelos de alguns velhotes. Indiferente, atravessou grande parte do século XX ao serviço daquele tipo de professor que, desdenhava das novas correntes pedagógicas, da legislação reguladora, e a legitimava como um instrumento de manutenção da ordem e da propagação do conhecimento. “Palmatória ou menina dos cinco olhos”, seja qual for a designação, era um ícone da sala de aula e do método de ensino. Isto fez-me lembrar o velho professor primário, que quando se reformou a deixou no armário ao sucessor, e que me mostrava, não por ser usada, mas como recordação de uma época em que a autoridade (na escola, na política) estava sempre primeiro.


Catarino recordava-se do colega Joaquim Fortes que tinha botas de carneira com sola de pneu, muito boas para jogar à bola, mas que para caminhadas pareciam de chumbo, bem como do colega que teve umas botas para estrear no primeiro dia de aulas. Nesse dia choveu torrencialmente e as botas pareciam vir mesmo a calhar. Ao fim do dia, o rapaz chegou a casa desolado e com os pés molhados, pois as solas das botas estavam desfeitas. Eram afinal de cartão colado sobre uma sola inicial já gasta. Bem pintadas, com anilina preta e graxa, as botas tinham um aspeto muito bom. O rapaz fartou-se de chorar com o desgosto. Mas como tudo tem solução, foi ela encontrada na circunstância de o avô ser um habilidoso sapateiro. Arranjou um bocado de sola de borracha e, como tinha as ferramentas adequadas, formas, sovelas etc., foi ele quem colocou as novas solas nas botas que o rapaz usou enquanto lhe serviram.