sábado, 30 de março de 2024
sexta-feira, 22 de março de 2024
PRISÂO PERPÉTUA? CAMILO MÓRTAGUA
PRISÂO PERPÉTUA?
FLeming de OLiveira
Em tempo de campanha
eleitoral, para obter efeito, dizem-se coisas, muitas coisas mesmo, umas
corretas, outras descuidadas ou mesmo falsas.
Esta última campanha
não foi exceção. E só por ter terminado, abordo o assunto.
Mariana Mortágua
(BE), para “ilustrar” uma entrevista invocou, mais uma vez, a família, sem verdade
ou rigor.
Inconscientemente?
Não creio, pois trata-se de pessoa culta.
O irrequieto Camilo
Mortágua, seu pai, participou
num dos golpes mais famosos contra o Estado Novo, a “Operação Dulcineia”, iniciada na madrugada de 22 de
janeiro de 1961, sob o comando do Cap. Henrique Galvão e inspirada por Humberto Delgado. Orquestrada pela Direção Revolucionária Ibérica de Libertação, consistiu em tomar de assalto
o paquete Santa Maria, que transportava turistas em
viagem de cruzeiro para Miami.
A 10 de
novembro de 1961, com Hermínio Palma Inácio e outros, desviou à mão armada um avião da TAP, que
efetuava o voo Casablanca-Lisboa, com o objetivo de sobrevoar a baixa altitude Lisboa
e outras cidades portuguesas para lançar panfletos contra regime. Mais de 100
mil foram largados sobre Lisboa, Setúbal, Barreiro, Beja e Faro.
A 17 de maio
de 1967, Camilo Mortágua, Palma Inácio, António Barracosa e Luís Benvindo
assaltam a filial do Banco de Portugal, na Figueira da Foz, de onde desviaram
cerca de 30. 000 contos (quantia bastante avultada ao tempo) alegadamente com o objetivo de financiar ações
contra o regime salazarista talvez através da LUAR Daquela quantia, ainda que em termos meramente
políticos, tanto quanto sei nunca foram “prestadas
contas”….
Camilo Mortágua, em abril de 1975 participou
na ocupação da Torre Bela/Azambuja, a maior área de terra
agrícola murada de Portugal, com 1.700 hectares, propriedade do Duque de Lafões, processo documentado no
filme Torre
Bela no
qual aparecem personalidades como José Afonso e a que refiro no meu A GREI E A
TERRA-Dicionário Histórico e Biográfico dos Tempos
de Brasa (1974-1975)
Mariana Mortágua, afirmou
que, durante o Estado Novo o seu pai, não só tinha feito “política na clandestinidade”,
o que é verdade, como foi “condenado a prisão perpétua pela PIDE”, o que é
falso. Aliás não cabia à PIDE a “tarefa de condenar”.
Importa esclarecer, liminarmente,
que a prisão perpétua foi abolida em Portugal em 1884, 32 anos depois de ter
sido abolida a pena de morte e nunca foi reinstaurada, nem objeto de tentativas.
Mortágua
foi condenado à revelia, em cúmulo jurídico (não cúmulo aritmético) na pena de 17 anos de prisão maior,
com sete dias de multa a 10$00 por dia, na sequência da tomada de assalto ao Santa Maria. Pelo assalto à agência do
Banco de Portugal na Figueira da Foz, foi julgado e condenado, também à
revelia, a 20 anos de prisão. Não consegui apurar
o cúmulo jurídico final, que suponho mesmo assim não ter ultrapassado 20 anos.
Ao cúmulo
jurídico de penas subjaz uma pluralidade de crimes que estão, entre si,
numa relação de concurso (real). O concurso de crimes é punido com uma pena única.
Vou tentar ser mais claro, como resulta do que aprendi na
universidade e resultou da minha prática profissional como advogado de
barra. O cúmulo jurídico tem lugar quando, posteriormente à condenação no
processo de que se trata, se verifica que o agente, anteriormente a tal
condenação, praticou outro ou outros crimes. Em caso de pluralidade de crimes pelo
mesmo agente é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que
cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.
Mortágua foi
amnistiado, alegadamente por ter cometido crimes políticos, tipo legal que a
lei portuguesa não contempla mais.
Conforme o Dec.- Lei 173/74 de
26 de Abril, Tendo a Junta de Salvação
Nacional assumidos os poderes legislativos que competem ao Governo, decreta,
para valer como lei, o seguinte:
Artº
1º
1.
São amnistiados os crimes políticos e as infracções disciplinares da mesma
natureza.
2. Para o efeito do disposto neste decreto-lei,
consideram-se crimes políticos os definidos no artigo 39º, § único, do Código
de Processo Penal, com inclusão dos cometidos contra a segurança exterior e
interior do Estado.
Jorge
Sampaio atribuiu-lhe a condecoração de Grande Oficial da Ordem
da Liberdade, a 10 de junho de 2005.
Em nenhuma das condenações de
Mortágua se verificou uma pena de prisão
perpétua.
O que Mariana Mortágua poderia
querer dizer, embora incorreto do ponto de vista técnico-jurídico, é que tanto
o anterior, como o atual Código Penal, preveem, além das penas de prisão e de multa,
medidas de segurança.
As medidas de segurança destinam-se
a pessoas com perturbações mentais e
que em liberdade poderiam ser perigosas para si ou para outrem.
Estas medidas não têm um limite
temporal, como as penas, e findo esse limite deve ser reavaliado com critérios
médicos, se há ou não há razão para manter a medida de segurança. Durante o
Estado Novo, eram aplicadas aos
opositores políticos e, embora não existisse prisão perpétua, havia
presos (políticos) que ficavam sujeitos a uma reclusão que não tinha nada que
ver com a saúde.
Seja como for, nunca Camilo Mortágua
cumpriu efetivamente pena de prisão.
segunda-feira, 18 de março de 2024
quarta-feira, 13 de março de 2024
A GREIE A TERRA DicionátioHistórico e Biográfico dos Tempos de Brasa (1974-1975)
Nos cinquenta anos do 25 de abri de 1974,
intentei uma visão de momentos que o contextualizaram, o precederam e o
seguiram.
O livro que se apresenta, uma síntese sobre
o período compreendido entre 25abr1974 e 25nov1975, contém a pretensão de ser
legível e inteligível, sem constituir aborrecimento para o leitor, e evocar
Alcobaça e a região (ainda que em prejuízo dos grandes centros populacionais)
como exemplo do movimento social e político que lhes esteve associado,
explorando as motivações dos autores a atores. Para tal desenvolvi um trabalho
de reconstituição de fatores que estiveram na sua origem, tanto a partir de
fontes escritas, como da memória oral, sem esquecer a minha. Foram rastreados
os processos de construção da militância, notando o seu carácter essencialmente
popular e rural, mas também o modo como a exigência do ideal se cruzou com a
moralidade e a intimidade. Para além das entrevistas efetuadas há anos e aqui
reutilizadas, recolhi novos depoimentos. Dar voz aos intervenientes, sem
descriminação consciente, foi um dos objetivos, contrastando com a bibliografia
e o discurso oficiais.
A parcialidade e subjetividade que rodeiam
este trabalho podem ser imputadas pela crítica. Nesta temática, não existe
imparcialidade, nem neutralidade ou escolhas objetivas, incolores ou asséticas,
pois cada autor é movido por questões existenciais, identitárias, pela
emotividade que rodeia o episódio vivido e contado e pela forma como se insere
no seu percurso de vida. A presente intervenção, em suma, não é inócua, nem
passiva, a seleção das questões, a condução para as diferentes temáticas, com
menor ou maior habilidade, empatia e competência determinam o resultado que se
apresenta e que, interpretado e vivido por outro, teria certamente resultados
diferentes dos meus. Trabalhar com pessoas falecidas não diminuiu a
responsabilidade, pelo contrário. A fonte oral, permite uma apreensão calorosa
do que significava, muto especialmente no Norte/Centro de Portugal do último
quartel do século XX, ser lavrador,
proprietário, profissional liberal e outras categorias ocupacionais, cuja
correspondência com as atuais, não se consegue estabelecer facilmente. A
História não pode ser apenas o que conta uma pessoa, é o resultado do confronto
de diferentes opiniões. A instrumentalização em prol de causas específicas, é
negativa para a ciência que é a História. Não é de esperar que o historiador
dos tempos do PREC ou o de hoje, ainda que seja o mesmo, utilize idêntica
linguagem ou assuma os mesmos conceitos.