Senhoras e Senhores:
Ao tomarem a defesa
do absolutismo, os Monges de Alcobaça foram atingidos, pela queda de D. Miguel.
Aliás, já estavam “mais ou menos” condenados, tendo abandonado precipitada e definitivamente
o Mosteiro, em 16 de Outubro de 1833 (já o tinham feito, em parte, meses antes),
isto é, mesmo ainda antes da extinção (legal) das Ordens Religiosas, que
ocorreu, como se sabe em 1834, por decreto de “Mata-Frades”.
O Mosteiro de Alcobaça, a partir daí, ficou entregue a si
próprio, foi incendiado e saqueado desenfreadamente pela populaça, ao que se
diz ao longo dez dias, a mesma que, não muito antes, dera vivas ao “usurpador”.
Os monges desapareceram
de Alcobaça, acabaram os cistercienses em Portugal, sem jamais terem regressado.
É
no contexto da vitória dos liberais que a vida de António Luís Seabra está episodicamente
ligada a Alcobaça, o que é frequentemente ignorado, por alguns biógrafos e
historiadores. Nem o médico portuense Dr. Estevão Samagaio (seu trisneto, com
quem me correspondi há anos), refere a sua passagem por Alcobaça.
Em
1833 Seabra, em início de carreira, foi nomeado Procurador Régio, junto do
Tribunal da Relação de Castelo Branco e, em fins de Outubro, chamado à
Secretaria de Estado da Justiça e dos Negócios Eclesiásticos, cujo titular era o
poderoso (Grão-Mestre maçónico) José da Silva Carvalho. Seabra foi recebido pelo
ainda jovem Rodrigo da Fonseca Magalhães que lhe disse, que “o Ministro está
com o expediente e não lhe pode falar e me encarrega de dizer-lhe que tem
presente o seu requerimento em que pede ser despachado Procurador Régio da
Relação de Castelo Branco. O Ministro quer despachá-lo para esse lugar, mas
põe-lhe a condição de ir servir interinamente de Corregedor de Alcobaça, para
onde deve ir incessantemente”. Os monges haviam abandonado o Mosteiro que
estava a ser saqueado.
O Ministro Silva
Carvalho, tinha-o em elevado apreço pois, embora não fosse maçon, era
destemido, homem de ética e convicções. Quando a guerrilha miguelista campeava
por Santarém e Leiria e a do “Vaza”,
tentou a 6 de Janeiro de 1834 atacar Alcobaça na expectativa de reencontrar
apoio popular, conventual ou mesmo saquear, Seabra, não desmereceu juntar-se às
forças lealistas, apresentando-se como soldado. A Guerrilha do “Vaza”, integrando
pessoal de Santa Catarina, e alguns franceses que restavam em Peniche, era
muito atuante. Seabra, enquanto Corregedor de Alcobaça, deu apoio (em géneros
alimentícios), ao Corpo de Voluntários de Alcobaça (liberais), que desembarcou
na Praia da Pederneira (Nazaré) e ao comandado por José de Vasconcelos, mais
tarde Visconde de Leiria.
Quando
tomou posse, Seabra achou o Mosteiro “saqueado”, no que caracterizou de “vandalismo
inaudito”, pelo que “tratou de pôr a sequestro com honra e actividade”, os bens
que haviam escapado à pilhagem recente, pelo que removeu para as Casas da
Livraria, supostamente as mais seguras, os espalhados livros, paramentos e alfaias.
Assim,
mandou fazer um Auto de Exame à Livraria do Mosteiro “no que se achou que a
porta principal estava aberta e livre o acesso (…) a todas as pessoas que nela
quisessem entrar”.
Admito
Senhoras e Senhores, que mesmo antes de extintos os conventos, um ou outro
monge “mais necessitado”, escondesse nas pregas do hábito um pergaminho valioso,
um manuscrito com iluminuras, indo vende-lo a colecionadores ou alfarrabistas.
Ao
tempo da vinda de Seabra para Alcobaça, o Presidente da Câmara Municipal
encontrava-se encarregado do municiamento da tropa estacionada na Vila (incluído
um Corpo de Voluntários Nacionais-liberais), pelo que lhe requisitou azeite da
Quinta do Referteleiro (afeta ao Mosteiro) que, além de pouco, era todavia de “péssima
qualidade” .
A
Seabra deve-se o fornecimento de “trinta mil e tantas rações de pão, carne e
vinho com que foram municiadas, por mais de um mês, as tropas constitucionais”.
Afinal,
era o Mosteiro, “pau para toda a obra”. Depois dos miguelistas, passou-se para
os liberais. Mas já era tarde.
Mandou
medir e guardar por pessoa idónia, os frutos e géneros, que havia nos celeiros
e adegas, bem como nas Quintas do Cidral e do Vimeiro, afetas também ao
Mosteiro.
Por
essa altura, enviou pessoal a Peniche, Caldas da Rainha e outros locais
referenciados, para recuperar livros e arquivos da antiga Biblioteca do
Mosteiro que os franceses haviam pilhado e vendido.
As
medidas que Seabra adotou, acarretaram aceradas e prolongadas polémicas, que
culminaram em calúnias, injúrias e processos judiciais, matéria que levou ao
conhecimento da Câmara de Deputados e onde fez a defesa. Leia-se “OBSERVAÇÕES
DO EX-CORREGEDOR DE ALCOBAÇA ANTÓNIO LUIS SEABRA SOBRE UM PAPEL ENVIADO Á
CÂMARA DOS SENHORES DEPUTADOS, À CERCA DA ARRECADAÇÃO DE BENS DO MOSTEIRO
DAQUELLA VILLA”.
A
Seabra era imputado pelos opositores, principalmente por um declarado inimigo,
o Pe. Antunes Pinto, ter facilitado o extravio de inumeros bens conventuais.
Num
opúsculo de desagravo, contendo peças de um processo judicial que Seabra veio
intentar contra o “Braz Tisana” (muito virulento jornal satírico do Porto), que
ao longo de vários anos e artigos o ofendeu, por razões políticas,
transcreve-se a carta que (o alcobacense e portuense por profissão, pois era
Conservador do Registo Predial) Dr. António Lúcio Tavares Crespo, escreveu a um
amigo referindo que um dos caldeiros (cujo extravio foi imputado malevolamente
a Seabra e que deu azo a uns versos jocosos que Pinho Leal cita no “Portugal
Antigo e Moderno”), fora roubado em Janeiro de 1834 (neste mês Seabra cessou
funções em Alcobaça), antes da entrega das pertenças do Mosteiro à Junta de
Melhoramento Temporal e quem terão sido os autores.
Vieram
ainda em defesa de Seabra, a Câmara Municipal de Alcobaça, e outros autarcas da
área dos antigos Coutos.
O
Conselheiro Francisco Botto Pimentel, que sucedeu a Seabra no cargo de
Corregedor de Alcobaça, em 1867 certificou que, “algum tempo depois de eu ter
chegado a Alcobaça, o Governo mandou que informasse sobre a arrecadação dos
bens do Mosteiro (…). E que o grande caldeirão foi roubado já depois de Vossa
Excellencia ter sido demitido”.
O
Mosteiro de Alcobaça, segundo o entendimento defendido com argúcia e sucesso
por Seabra, não se encontrava em situação jurídica semelhante à de outros do
País, cujas ordens religiosas foram extintas, pois em 1833, era um mosteiro
abandonado, cujos bens pertenceram originalmente à Coroa e a quem deveriam
reverter, de acordo com a cláusula de doação de D. Afonso Henriques. Seabra
defendia que as autoridades eclesiásticas não deveriam beneficiar com os
despojos das Ordens Religiosas, ao invés do entendimento da Junta de
Melhoramento e do Pe. Antunes Pinto, pois D. Afonso Henriques teria pretendido
evitar que os Monges de Alcobaça, abandonassem o mosteiro, como acontecera em
S. Pedro de Mouraz, de efémera duração, cujos monges se retiraram, sem
previamente o avisar, e que por isso ficou altamente descontente. Apesar dos
maus tratos que não foram de somenos importância, este entendimento salvou o
edifício, que não se transformou numa ruína, lixeira ou local de extração de
pedra.
Na
Sacristia e no Mosteiro em geral, guardavam-se preciosidades únicas, como vasos
sagrados, alfaias, ferramentas que se extraviaram, enquanto algumas foram a
tempo de constituir coleções de arte ornamental, no Museu Nacional de Belas
Artes.
Mas
emblemática, emblemática, era a Biblioteca, notável pelo número e qualidade das
obras, que iam desde o século XII ao século XVIII. O período filipino, as
invasões francesas e o saque de 1833, foram os grandes responsáveis por perdas
inestimáveis pela importância histórico-literária ou artística.
Quem
foi António Luís Seabra? Os juristas da minha geração, mas especialmente os mais
velhos, sabem-no bem, pois constituiu uma enorme referência, não por ter
passado por Alcobaça, mas como juristo (civilista).
Seabra
foi Magistrado, Deputado, Legislador, Ministro, Reitor da Universidade de
Coimbra (entre tudo, segundo o próprio, a distinção que mais apreciou), principal responsável pela
elaboração do primeiro Código Civil Português,
por mutos conhecido por “Código de Seabra” e que esteve em vigor durante 100
anos (isto é, entre 1866 e 1966).
O
furto de livros, manuscritos, incluindo alguns salvos em 1833 por Seabra,
realizado pelo Dr. Arnaldo Faria de Ataíde e Melo na primeira metade do século
XX, e que na Biblioteca Nacional desempenhava as funções de “Chefe da Seção de
Manuscritos e da Seção dos Reservados”, está praticamente esquecido. A primeira
vez que ouvi referir este assunto foi no escritório do meu sogro, onde eu já
trabalhava, e remonta a 1975 ou 1976, o qual tinha um colega em Lisboa, com
boas relações na Polícia Judiciária.
Em
fins de Setembro, de 1948, o Governo do Estado Português da Índia, precisando
de elementos para a elaboração de um estudo monográfico sobre o território,
enviou um ofício à Biblioteca Nacional para lhe serem facultadas cópias de
certos documentos da “Coleção Pombalina” e de alguns Códices Alcobacenses.
Constatou-se, então, que faltava o Códice nº 132, que descrevia o itinerário
por terra do franciscano goês Frei Tristão da Cunha, até Portugal bem como,
pelo menos, 25 Códices Alcobacenses, além de Iluminuras, Manuscritos,
Incunábulos, Livros de Horas, de Música e de Missa, e ainda gravuras.
O
Cor. Augusto Botelho da Costa Veiga, Diretor da Biblioteca Nacional, participou
o caso à Polícia Judiciária, tendo as investigações começado de imediato.
Ouvidos, os que trabalhavam na Biblioteca Nacional, passou-se uma busca ao
gabinete do Dr. Arnaldo de Ataíde e Melo, então acamado em casa. Para surpresa
dos investigadores, foram descobertos na sua secretária, partes de livros e de
pergaminhos, ainda com os carimbos da Biblioteca Nacional, bem como folhas de
livros, iluminuras, algumas rasgadas com os desenhos e frontiscípios cortados,
nos locais onde as obras são carimbadas. Foi ainda encontrada correspondência
de pessoas com quem o Dr. Ataíde e Melo transacionava, como a carta de uma que
lhe participava ter oferecido obras a um antiquário londrino, que as não
comprou por ter suspeitado da proveniência.
Quando
soube do caso, o Dr. Salazar, ficou irritado, tendo mandado chamar a S. Bento o
Ministro da Justiça (Pires de Lima), ordenando-lhe que diligenciasse junto da
Polícia Judiciária, com vista a um pronto e cabal esclarecimento.
A Polícia Judiciária
ao fim de pouco tempo, conseguiu recuperar obras em alfarrabistas do Chiado e
em casa particulares. Soube-se que Ataíde e Melo, vendeu folhas avulsas a
preços entre 3$00 e 5$00. Foi detido o alfarrabista Salvador Romana,
proprietário da Livraria Barateira, da Rua Nova do Almada, bem como Alice
Bastos, que funcionava como intermediária e comissionista.
Ataíde e Melo na Introdução
ao “Inventário dos Códices Alcobacenses” (onde é referido o Códice nº 132),
lastimou o desaparecimento de raridades bibliográficas da Livraria do Mosteiro
de Alcobaça, como no tempo dos filipes, das invasões francesas, e depois, da
extinção das Ordens Religiosas, até darem entrada na Biblioteca Nacional ou
Torre do Tombo.
Quem
imaginava a Secção de Manuscritos ou a dos Reservados, como uma espécie de
Templo destinado a iniciados, onde se guardava a sete chaves uma parte
considerável das nossas história, cultura e língua (memória coletiva), estava
bem fora da realidade! Tenho fotos desse tempo, que me deixam “arrepiado”
quanto à forma como era arquivado e guardado esse valiosíssimo acervo. Também
ainda me recordo como era assustava o estado da Torre do Tombo quando
funcionava no Palácio de S. Bento.
Pressionada
pelo escândalo, a Ordem dos Advogados, viu-se compelida a transmitir ao País a
surpresa pelo facto de uma pessoa com o passado do Dr. Ataíde e Melo, estar a
desempenhar funções com este tipo de responsabilidade, ele que fora expulso da
OA e condenado na restituição de diversas quantias a vários queixosos.
A
Polícia Judiciária foi deter Ataíde e Melo em casa, levando-o para a enfermaria
da Cadeia do Limoeiro. Porém, não chegou a comparecer a julgamento no Tribunal
da Boa-Hora em fins de 1953, por ter falecido.
Ataíde e Melo ficou
abatido, mas não surpreendido com a prisão, passando a colaborar com a Polícia
Judiciária, o que permitiu a recuperação de algumas obras ainda em Portugal,
mas não de outras, saídas para a Inglaterra, Bélgica e França. Mais tarde,
foram referenciadas na Holanda, obras pertencentes à Biblioteca Nacional de
Lisboa.
Os Códices
Alcobacenses, eram vendidos por Ataíde e Melo a mil ou dois mil escudos,
conforme tivessem ou não iluminuras. Segundo alfarrabistas do Chiado, ouvidos
ao tempo, os Códices se fossem postos legalmente à venda, valeriam nunca menos
de três mil contos cada.
Com o tempo vieram
ao conhecimento da Polícia Judiciária algumas situações marginais e mesmo “caricatas”.
Foi o caso de um lisboeta das Avenidas Novas, que tendo comprado uma iluminura,
achou o boneco mais apropriado para o colar num “abat-jour”. E o da aquisição
de um exemplar de um foral quinhentista, por um Habsburg, que passou de avião
por Lisboa. E ainda que Ataíde e Melo se apropriou de obras não catalogadas,
vendendo-as a particulares ou à própria Biblioteca Nacional.
Qual a razão de
Ataíde e Melo para mutilar as obras que desviara?
A
verdade é que não havia reagente químico que fizesse desaparecer o carimbo da
Biblioteca ou de outros locais por onde haviam passado.
Senhoras
e Senhores:
Entendo não ser a História
Local um ramo menor, pelo que não, não posso falar de História Nacional ou
Universal, esquecendo a História Local pois, que é a partir da História Local
que se chega à História Universal. De resto, e num outro contexto, já o havia
salientado Miguel Torga: “O local é o universal sem paredes; (...) quanto mais
local, mais universal”.
Num tempo veloz e fugaz, em que o isolamento e o
silenciamento de algumas experiências, nos levam a perder a memória coletiva
(sem memória coletiva um povo é alienado), rememorar e compartilhar memórias é
uma ação que adquire como que um caráter de resistência (passe o sentido forte
desta expressão), a memória compartilhada é uma forma de não sucumbir ao
esquecimento que o ritmo acelerado do tempo impõe. Nenhum país, nenhuma comunidade, ninguém, pode viver sem
memória, pois esta é que confere coesão.
Nos seus trabalhos de
investigação, os historiadores ditos locais, falam do passado, refletem o
presente e perspetivam o futuro das suas freguesias, vilas ou cidades. E gostam
de documentar os livros com gravuras e registos fotográficos, demonstrando uma
especial interesse para a efeméride. Em livros, que muitas vezes trazem a
chancela autárquica (felizmente ainda vai sendo esta uma preocupação do Poder
Local de Alcobaça), evocam eventos, as festas religiosas e profanas, os usos e
os costumes mais ou mesmo ancestrais da sua terra. Falam, com fé e amor, do seu
povo, cuja História analisam de forma, muitas vezes e, ainda bem,
apaixonadamente.
Face
à diversidade dos temas possíveis de abordar, em consonância com a trajectória
da vida das comunidades, a investigação não é linear, exigindo que se percorram
os locais onde a memória da presença humana se encontra preservada. Assim o fiz
e, dentro do possível, vou continuar a fazer.
Não
sou, nunca serei, nem pretendo ser um Historiador, ainda que local. Sou, quando
muito, um simples contador de histórias e assim, sem presunção, entendo e
enquadro os trabalhos que publiquei. Na minha vida profissional, creio ter-me
orientado, em provas dignas de credibilidade, sem prejuizo do direito de
escolher ou selecionar os fatos e examiná-los com o rigor necessário. Os
alcobacenses, comigo, vão revivendo a história da terra, não obstante continuar
a assumir-me como um “tripeiro”, descobrindo pormenores (nada menores, por
sinal l!!!) da vida de pessoas de quem se fala, que conhecem ou não
pessoalmente ou ainda de factos que viveram ou não.
Uma
história de acontecimentos, de datas e de pessoas ilustres, pouco nos serve por
si só, se não obtivermos a explicação e o entendimento necessário para
percebermos quais as consequências que tiveram, directa ou indirectamente, na
vida política e social da comunidade. Não alinho na tese de
contar a História, fundamentalmente, a partir da ação e do impacto dos chamados “Grandes Homens”, indivíduos muito
influentes, graças ao carisma, inteligência ou impacto político-social. Pelo
contrário, defendo a teoria que propõe que os eventos acontecem numa dada
circunstância de tempo, ou quando uma imensa quantidade de pequenos eventos
causam certos desenrolamentos. Embora seja bastante popular a crença em que a
história gira em torno de “Grandes Homens”, especialmente quando a sua “grandeza”
é determinada primariamente por “status político”, essa é uma visão restritiva,
que exclui a participação de grupos inteiros, entre os quais o operariado, as minorias étnicas ou culturais, e mesmo as
mulheres, enquanto género.
Qualquer
reconstrução do passado em que participei ou investiguei, sempre dependeu de um
conjunto de escolhas que tive de fazer, envolvendo a própria natureza do
trabalho a ser realizado, e a seleção das fontes que interessam para verificar uma prova alegadamente
fidedigna. Estou habituado, assim são os Advogados, a trabalhar para o “tempo
que corre”, e não para a eternidade, como aliás o Dr. Sílvio de Matos muito bem
sabe. Por isso, também não tenho a pretensão de fixar verdades absolutas,
interpretações eternas, pois a História será sempre reescrita, em face do
contexto do momento e, porque calculo que os Historiadores, aqueles que
acreditam que fazem ciência, escrevem para o desenvolvimento do conhecimento
coletivo e admitem que a História seja mal “tratada” (por si e por outrém).
Num momento de viragem como
este, é tempo de olhar para a nossa Cultura, Arte, Património e História com
olhos de ver, apreciar e defender o que é nosso, dinamizando valores. Uma
terra, como Alcobaça, tão rica em História e em momentos decisivos do percurso
do País, não pode deixar desaparecer os vestígios do passado. Não o digo para
vivermos no passado, claro que não, outrossim que temos de preservar a História
e trilhar um futuro, assumidamente com convicção.
É o momento de apostar nas
nossas riquezas e divulgá-las, com o ensino da História Local na Escola (será
mesmo uma utopia neste tempo de crise económico-financeira?), aproximando os
jovens do que é seu. Além disso, os nossos governantes, nomeadamente
autárquicos, têm o dever de defender o que é nosso, não deixando ao abandono o
Património.
O Club
Unesco sabe-o tão bem como os melhores, o património é ao mesmo tempo material
e imaterial. Material, pensa-se imediatamente no património construído.
Imaterial, associa-se às tradições orais, aos saberes e ao saber fazer. O Club Unesco sendo
uma associação que, a seu modo, pretende
participar na construção de uma sociedade melhor, fá-lo através iniciativas em
campos tão vastos como a ciência, a educação e a cultura.
Daí a importância que confere às iniciativas
que fazem recuar a ignorância, qualquer que seja a área em que se situe, e às
que promovem o direito às liberdades fundamentais e à dignidade da pessoa e dos
povos.
Se
o Club Unesco do Porto (aliás o primeiro existente em Portugal) concorda em
considerar que o património deve ser preservado como primeira condição da ação
cultural, a questão da valorização comercial do património e da sua relação com
o desenvolvimento económico, suscita reações diversas, mesmo por vezes opostas.
O restauro de uma peça de arte, de uma pequena igreja, a renovação de uma praça,
só farão real sentido se provocarem um afluxo turístico, ou podem ser
realizados para o simples prazer, para a cultura e fruição dos residentes? Uma
das componentes principais da cultura é o quotidiano, que é para muitos é
fundamentalmente o ambiente arquitetónico. Todavia, a qualidade estética deste
ambiente, eleva o nível cultural dos residentes.
A
política cultural dos poderes públicos, autárquicos incluidos, justifica-se,
frequentemente, pela ajuda que confere ao desenvolvimento. Daqui surge uma manifesta
ambiguidade pois não é tanto a elevação do nível cultural que se procura com o
estímulo da actividade económica para se concluir rapidamente que “o
desenvolvimento cultural não é um luxo sem o qual se pode passar, mas um motor
do desenvolvimento económico e social”. Todavia, a responsabilidade dos
decisores no estabelecimento dos programas conduz, ou deveria conduzí-los, a
uma reflexão quanto ao equilíbrio a obter entre a satisfação das necessidades
culturais e das económicas (não vou argumentar senhoras e senhores outra vez
com essa enorme maçada que é a “crise”). É verdade que a simbiose entre cultura
e economia passa muitas vezes pelo turismo, mas nada impede aos promotores de ações
culturais conciliar a necessidade de atrair um público exterior e a vontade de
satisfazer as aspirações do público local, como creio ter sido interpretado por
“GUIMARÃES 2012”.
Continuarei no meu combate
pela divulgação da nossa História, porventura quixotescamente ou sem resultados
palpáveis, mas com a certeza maior de ser importante não esquecer, nem apagar o
passado, pois ele faz parte da memória do nosso povo, da nossa terra e das
nossas raízes pessoais.
E muito obrigado ao Club
Unesco do Porto, e ao Dr. Sílvio de Matos por esta oportunidade.
E agora Senhoras e Senhores
vamos passar à música, com um Concerto de Ano Novo, a cargo da Academia de
Música de Alcobaça.
FLEMING DE OLIVEIRA
NO TEMPO DE MATA-FRADES,
VISCONDE DE SEABRA E OUTROS.
A Guerra Civil, O Furto dos Códices Alcobacenses e o
Mosteiro
CASA DO
INFANTE/CLUBE UNESCO DA CIDADE DO PORTO
5 de Janeiro de 2013