segunda-feira, 21 de dezembro de 2020
sexta-feira, 13 de novembro de 2020
A CENSURA E OS TRIBUNAIS POLÍTICOS
A CENSURA E
OS TRIBUNAIS POLÍTICOS
Fleming de Oliveira
Apesar da censura não se aplicar previamente, aos livros, estes eram apreendidos, retirados do mercado e os seus autores ou editores sujeitos penalizações. Foi o que aconteceu com Aquilino Ribeiro, “um beirão de Terras do Demo, tão manso quanto bárbaro, terno quanto feroz, fradesco, libertário e citadino”, no dizer de Urbano Rodrigues. “Quando os Lobos Uivam” é uma obra de ficção, saída a público em fins de 1958, que aborda cruamente alguns aspetos do sistema jurídico-político do Estado Novo, de uma forma que este nada apreciou. O Regime considerou o livro injurioso para com as instituições e a autoridade, concretamente a PIDE e os Tribunais, movendo-lhe um processo-crime. O M.P. acusou Aquilino Ribeiro, que se autoconsiderava um “obreiro das letras”, de crimes contra o bom nome de Portugal, de fazer a apologia de atos contra a segurança do Estado, de injúrias, de ofensa à honra de agentes de autoridade e de abuso de liberdade de imprensa.
A defesa
de Aquilino suscitou a questão do funcionamento do sistema judicial do Regime,
considerando a acusação uma questão meramente política. Em Portugal, correu um
abaixo-assinado subscrito por cerca de 300 intelectuais, a reclamar o arquivamento
do processo. Em França, François Mauriac, também escreveu em sua defesa.
Por essa altura, Aquilino ainda declarou numa entrevista que “eu sou um pouco como os velhos robles de cerne revesso. Não consinto machadada. A machadada salta muitas vezes na mão de quem a maneja contra tais árvores”.
Com 74
anos de idade, Aquilino Ribeiro viu-se em 1959 na barra do Tribunal Criminal
Plenário de Lisboa, acusado de delito de opinião. Para a acusação “a censura terá somente por fim impedir a
subversão da opinião pública e deverá ser exercida por forma a defende-la de
todos os fatores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa
administração e o bem comum”.
Para o Advogado de Aquilino Ribeiro, Heliodoro Salgado, “mais do que provar umas pretensas ofensas a tais e tais pessoas ou denunciar um ataque a certa estrutura política, o que parece procurar-se é coartar o direito de um escritor fazer qualquer obra de ficção em que por transposição imaginativa tome posição acerca dos problemas que respeitem ao meio em que está integrado. Quer dizer, pretende-se relegar o artista à situação de simples escrevinhador de histórias, que não têm outra função senão a de divertir o bom burguês satisfeito com a vida e com o mundo. Acabar-se-á de uma vez para sempre com a liberdade de pensar, e ninguém pense mais em emitir juízos quanto à sociedade em que vive, passando todas as estruturas a ser inatacavelmente perfeitas, e nelas tudo correndo
panglossicamente pelo melhor. Seria o último estádio de um lento processo com fim de esmagar toda e qualquer manifestação de inteligência, de aniquilar o indivíduo como ser pensante e de o acorrentar bovino e passivo ao arado de que o Poder segura a rabiça. A obra literária, tornada meio de embrutecimento e de nirvanação, iria caindo aos poucos num formalismo académico, num anedotário para bacocos, todas as formas destituídas, a preceito, de conteúdo. E adeus literatura, adeus cultura, adeus personalidade nacional”.A advocacia nos Tribunais Criminais Plenários era difícil e perigosa, como veremos com este caso exemplar. Poder-se-ia falar de muitos, mas o que implicou o Dr. Manuel João da Palma Carlos, teve especial repercussão. Ouvimos falar dele, pela primeira vez, ainda estudante liceal, através do Advogado portuense, Dr. Eduardo Ralha.
Palma Carlos defendia no Tribunal Criminal Plenário de Lisboa alguns acusados, que aliás se encontravam em cumprimento de penas, salvo Humberto Lopes, em liberdade sob caução, agora acusados de pertencerem a uma célula comunista, a funcionar dentro do Forte/Prisão de Peniche.
Após a leitura da sentença, Palma Carlos requereu que o seu constituinte Humberto Lopes continuasse em liberdade e, como o tribunal o indeferiu, pretendeu ditar para ata no sentido de ser explicitada a razão do indeferimento e supostamente alicerçada na pretensa perigosidade do réu. A verdade é que, tanto para o M.P., como para os juízes Desembargadores, nada mais havia a explicar, a acrescentar, “o requerimento não tinha pertinência e, em consequência, nem iria ficar registado em ata”.
Palma
Carlos, que veio depois do 25 de Abril a ser Embaixador de Portugal em Cuba e
Procurador Geral da República, era também um Advogado corajoso, afirmou em alto
e bom som que “podem V. Exªs julgar como
lhes apetecer, com prova ou sem prova, mas o que não podem é deixar de
consignar na ata, o que na audiência se passa”.
O juiz-presidente,
tal como os demais “asas” do
coletivo, considerou gravemente impróprias, ofensivas, essas palavras pelo que
logo instaurou ao Advogado um processo sumaríssimo, para ser imediatamente
julgado, como aconteceu. No Estado Novo e nos Tribunais Plenários, era possível
passar, sem transição, de advogado ou mesmo de testemunha a réu, assistir a
decidir com total arbitrariedade, ver eliminado da ata o que não fosse
conveniente, mandar expulsar e recolher aos calabouços os réus que pretendessem
exprimir-se com alguma liberdade. O tribunal considerando ofensivas as
expressões de Palma Carlos condenou-o “apenas”,
a sete meses de prisão, a igual período de multa a 40$00 por dia e “a um ano de proibição do exercício da
advocacia, contado este após cumprida a pena de prisão”. Em recurso, que
subiu diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, veio a decisão a ser
parcialmente revogada, no referente à pena de prisão, bem como à proibição do
exercício da advocacia. A pena de multa manteve-se, todavia, pelo que Palma
Carlos tendo-se recusado a pagá-la, preferindo cumprir a pena de prisão, veio a
ser suportada pela Ordem dos Advogados, que lhe manifestou apoio e
solidariedade.
segunda-feira, 9 de novembro de 2020
NAMORAR EM TEMPOS DE COVID, POR MARIA AZEITONA
A entrada da pandemia no nosso
mundo não foi em aspeto algum fácil para nenhum país, mas acredito que para
Portugal e os que cá habitam tenha sido especialmente árduo. Somos um povo
muito acolhedor, os turistas o confirmam, e realmente a base deste sentimento
quase maternal e afetivo que sentem, provém muito do contacto físico que
mantemos com todos, como um aperto de mão ou o famoso cumprimento com os dois
beijinhos.
Bom, para pessoas a que durante a
vida foi ensinado que era sempre boa educação cumprimentar toda a gente quando
chegam a um local ou etc, aceitar a nova realidade foi, e continua a ser, um
trabalho bastante complicado.
Como já expus todos tivemos de
mudar de hábitos desde que nos deparámos com esta nova realidade, incluindo
principalmente, os casais de namorados. Não para aqueles que estão numa idade
talvez mais avançada e vivem até mesmo juntos, mas especialmente para os
namoros adolescentes. Como é óbvio ainda dependemos de alguém, seja de um pai,
uma mãe, uma avó, etc… E, portanto, as nossas escolhas nunca podem ser feitas
inteiramente por nós.
Muitos dos casais tiveram de
estar quase 5 meses separados, durante a época de confinamento o que os pôs
como que à prova. Houve alguns que, infelizmente, não aguentaram a pressão de
estarem tanto tempo afastados, e os que ainda continuam juntos vivem
diariamente com a insegurança de pôr a segurança deles ou das famílias em
perigo. Esse é o maior problema, as cadeias de contágio que podem ser causadas
“apenas” por duas pessoas que estão juntas.
O mesmo acontece em grupos de
amigos, no meu caso, por exemplo, mantivemos sempre o contacto durante os meses
de confinamento, por redes sociais, por jogos de computador, mas como é óbvio
nada se igualava aos tempos em que nos podíamos juntar em casa de alguém e
estar horas e horas a conversar, sem nos apercebermos sequer do passar do
tempo, sentíamos a falta de nos vermos pessoalmente, parecia que por mais que
tentássemos era quase impossível manter a ligação que tínhamos. Felizmente
correu tudo bem, e quando houve a fase inicial de desconfinamento pudemos ir,
com todas as medidas de segurança, beber o primeiro café juntos em 5 meses, é
verdade que tudo estava diferente à nossa volta, mas naquela hora que os nossos
pais nos deram permissão para sair, tudo pareceu estar a voltar à normalidade
dentro dos possíveis.
Acho que é isso que causa a
insegurança ser ainda maior, o medo que nos provoca a ideia de podermos por em
risco a saúde das pessoas que mais gostamos, pelo que é de facto um grande
dilema.
Será que devemos pôr parte da
nossa felicidade que partilhamos com uma pessoa à frente daqueles que estão
connosco em casa e que nos fazem igualmente felizes e são essenciais para a
nossa existência e bem-estar? É realmente uma questão muito complicada e que
sinceramente não acho fácil encontrar uma solução completamente justa para nós
e para nós e aqueles com quem convivemos.
A Maria frequenta o
12º ano e presta-me em regime de part-time alguma colaboração. Trata-se de uma
menina esforçada e com boas perspetivas profissionais e pessoais pelo que a publicação neste espaço é um pequeno estimulo.
quarta-feira, 14 de outubro de 2020
ELES NÃO MORRERAM DESCALÇOS - ÚLTIMA PUBLICAÇÃO DE FLEMING DE OLIVEIRA
Este livro pode ser enviado pelo correio sendo o custo de 10 euros por exemplar mais os respetivos portes.
quinta-feira, 8 de outubro de 2020
sexta-feira, 18 de setembro de 2020
BRUXAS: NÃO ACREDITO EM BRUXAS… MAS…
NÃO ACREDITO EM
BRUXAS… MAS…
Com
cerca de 25 anos e casada há mais de quatro, Maria Helena, empregada de balcão
numa casa comercial, ainda não tinha filhos, para grande desgosto seu, do
marido e pais. O médico da Caixa disse-lhe que não encontrava nada que o
impedisse. Mas Maria Helena andava desgostosíssima, com receio de perder o
marido que adorava crianças, pelo se abriu com uma vizinha, referindo o
angustioso problema que se interpunha na sua vida e na sua felicidade.
-Menina
Helena, sabe uma coisa … Não leve a mal o que lhe vou dizer, mas eu
conheço uma pessoa que trata dessas coisas…
-Que
coisas, Dª. Rosa?
-Bem…
Ela não é bem uma bruxa, mas é muito boa, já salvou muitos casamentos! Ela vai
ver que no seu caso anda aí qualquer coisa estranha. Ela percebe dessas coisas,
diz-lhe tudo e como resolver. Até já trabalhou com um médico.
-Dª.
Rosa, eu não quero…
-E
não é careira, leva só 20$00. A menina Lena se quiser diga-me, que
eu falo com ela!
Antes
de ir ainda falou comigo e com um motorista da praça que conhecia muita gente,
inclusivamente um padre italiano que vivia em Fátima. Mas ao que constava ao
taxista, este era especialista em exorcismos. Não interessava portanto à menina
Lena. E eu não soube “encaminhá-la”.
O
cliente pagava 20$00, como primeiro passo para acabarem os problemas, mas os
resultados ou demoravam por vezes aparecer ou nem apareciam. Assim foi
prevenida pela amiga que lhe disse que as moças têm sempre muita pressa, há
assuntos que não se resolvem de pé para a mão ou porque não cumprem as
prescrições. Maria Helena tentou saber se havia muitas queixas. Não, não
constava que alguém se tivesse queixado. O grupo não poderia ser grande, mas
convinha que fossem sempre mais do que duas pessoas. Havia que respeitar a mesa
de três pés, nunca dizer graçolas ou rir, ainda que com nervoso. Uma vez com os
dedos sobre o tampo de madeira, sem carregar, não se podiam cruzar as pernas,
pois doutro modo não passava o fluido. Crucifixos e medalhinhas como a que
Maria Helena trazia ao pescoço, também era conveniente retirar, porque “isso não é lá muito católico”. As sessões faziam-se com pouca luz, normalmente da parte
de tarde. Quando Maria Helena chegou estavam duas pessoas na sala de espera,
enquanto uma molhada de seis se curvava sobre a mesa. A bruxa explicava que era
necessário fazer-se uma invocação prévia, um aquecimento, chamar por alguém que
tivesse morrido, etc., para depois se passar à exploração das potencialidades
da mesa. Todos se sentavam em volta da mesa, acotovelando-se, e colocavam as
pontas dos dedos das mãos, levemente no tampo mas sem carregar, tendo o cuidado
de permitir que um dedo do próximo tocasse no seu, para fechar o circuito.
Maria Helena, fora avisada que, mal a mesa se começasse a mover, não se poderia
romper o contacto com o tampo, e devia-se acompanhar o movimento, pois se se
largasse a mesa, esta imobilizar-se-ia. E claro, isso era importantíssimo não
poderia haver gracinhas, nem risinhos nervosos, sob pena de a mesa parar de
trabalhar. Ó mesa, diz-me lá isto, diz-me lá isto ou aquilo... Ser interpelada
com rudeza não era conveniente, outrossim deveria ser apaziguada com elogios.
Havia,
um código para as respostas, por exemplo uma pancada dos pés da mesa
significava sim, duas não. Isto às vezes obrigava a que Maria Helena
secretariasse a mesa (ela tinha experiência como balconista), e anotasse o que
ela ia indicando, até formar palavras coerentes. Por vezes, nem se esperava que
a palavra fosse completada e perguntava-se à mesa se ela não quereria dizer
isto ou aquilo, ao que ela poderia responder com um simples sim ou um não. Era
ao participante que cabia, em última instância, reconhecer o espírito, e só ele
é que o podia fazer com segurança. Os motivos pelos quais o espírito entrava em
contacto, podiam ser vários. O morto está inquieto. O morto não cumpriu uma
promessa. O morto experimenta dificuldades no outro mundo. O morto está com
saudade da vida na Terra. O morto tem um espírito mau que vem molestar os vivos
e se possível levar alguém consigo.
Foi
contada a Maria Helena o caso de um defunto que voltou, por discordar da forma
como as partilhas foram feitas e, isso abriu os olhos aos herdeiros. Quando se
trata de um espírito mau, a bruxa pode ter de se deslocar a casa da vítima,
para poder confrontá-lo. Ele vocifera, ameaça, não se quer convencer, tenta
recusar compromissos. Mas bem trabalhado acaba por ceder. A bruxa já conhecera
casos destes, que eram especialmente trabalhosos e de resultados ingratos.
Não
obstante a sua simplicidade e credulidade, Maria Helena extraiu algumas
conclusões pragmáticas sobre o funcionamento da mesa. Não valia a pena
perguntar coisas que nenhum dos presentes soubesse, pois, nesse caso, as
respostas eram disparatadas ou erradas. Mas desde o momento que algum dos
presentes conhecesse a resposta, embora mais ninguém a soubesse, a mesa
respondia em geral corretamente. Ficou demonstrado que as previsões do futuro
imediato raramente ou nunca eram corretas. Ninguém acertou na lotaria. Só ao
fim da terceira sessão coletiva (a mesa não colaborava em sessões individuais),
é que Maria Helena percebeu que o seu mal-estar decorria de o espírito de seu
falecido pai, pretender entrar em contacto com ela, para lhe dizer que devia
refazer partilhas, sob pena de enquanto o não fizesse, não conseguir
engravidar. Para fazer o espírito ir-se embora e sossegado, Maria Helena,
decidiu refazer as partilhas com o irmão e foi tratar do assunto ao meu
escritório.
Querem
saber o final?
Maria
Helena, no ano seguinte, deu à luz um robusto menino, com três quilos, convidou
a minha filha mais velha para madrinha e de vez em quando aparecia no meu
escritório, para conversar e tomar conselhos.
CAÇADORES: PELO MENOS, É BEM ACHADA…
PELO
MENOS, É BEM ACHADA…
Luís,
acabara de fazer 16 anos. Um primo, sabendo do seu entusiasmo pela caça,
oferecera-lhe uma velha arma calibre 16, que anunciava ter mais de 70 anos, uma
arma pequena de 2 canos e com cães exteriores, que já pertencera a um avô
comum.
Depois
de muita ansiedade, o pai acompanhado do Sr. Francisco “farmacêutico”, chegou a casa e anunciou que, finalmente, lhe tinha
conseguido licença de uso e porte de arma. Foi uma ótima notícia para o rapaz,
pois a caça abria no dia seguinte, ou seja, o dia 1 de Outubro. Havia algum
tempo, que Luís acompanhava o pai e dois colegas, e até tinha a licença de
caça, com direito a fotografia e tudo, e que tinha custado 29$00! Desse modo podia
levar um pau na mão, pois ninguém da venatória o incomodava. Doravante as
coisas soavam mais fino. Foi agitado o sono daquela noite. Muito antes das 6 horas,
lá partiram os quatro a pé. Luís estava vaidoso com uma arma a sério, cartucheira
à cintura, e o barulho nas pedras da estrada, graças à carda metálica das botas
de cabedal. Várias vezes tinha pedido à mãe para não esquecer o bornal
com um pequeno farnel, e um odre de refresco de água com café adocicado.
Ao
romper o dia chegaram finalmente ao destino. Mas nesse dia a caça era pouca,
para não dizer quase nenhuma. Nos outros anos, lá aparecia um coelhito de vez
em quando, que servia para animar os cães. Mesmo assim, Luís não desanimou e o
seu entusiasmo mantinha-se intacto. Largaram os 4 cães, o galego, o faísca, o
ladino e o raio. Como se lembra deles. Ainda hoje, passados tantos anos, parece
estar a vê-los dar as primeiras correrias de alegria ao serem desatrelados,
após a caminhada. Andavam no monte havia já mais de uma hora. Os cães cumpriam o
seu dever, procurando no mato um coelho que teimava não aparecer, não porque
fosse matreiro, mas, provavelmente porque não existia mesmo. A dada altura o
Luís afastou-se um pouco dos companheiros, e passou para o outro lado do cabeço.
Após caminhar algumas dezenas de metros, foi surpreendido com um ruído que
nunca tinha escutado, e viu saltar mesmo a frente, uns quatro ou cinco pássaros.
Apontou a arma e disparou o seu primeiro tiro como caçador e, para aumentar a
satisfação e orgulho, não obstante o fumo provocado pela pólvora preta, que
usava, viu cair perto de si um pássaro.
Não hesitou. Colocou a arma no chão e correu a apanhar a ave, sem se lembrar
porém que ainda tinha mais um cartucho para disparar e que isso lhe permitiria
a abater outra peça. Pegou eufórico na ave, na arma e correu para os
colegas a gritar, “apanhei um pássaro
enorme”.
Mas
a alegria aumentou muito, quando o Sr. Francisco “farmacêutico”, exclamou “é
uma perdiz”. Percebeu, então, que a partir daquele momento tinha-se tornado
num caçador de perdizes.
Desde
então, muitos outros factos aconteceram, alguns bem curiosos, que às vezes
recorda. As épocas de caça sucediam-se umas às outras, com maior ou menor
sucesso, e cada uma com as histórias mais ou menos verdadeiras.
O
episódio que me contou, refere-se possivelmente à época 1993/94, sendo
testemunhado por companheiros que com ele rumaram ao Alentejo, no último dia do
calendário para caça de salto à lebre. Luís, homem feito, tinha um perdigueiro
com pouco mais de um ano, mas que revelava já boas aptidões, com lances um
pouco largos, mas com uma paragem segura e uma busca perfeita, lateralizando bem.
Após
mais ou menos meia hora o início da jornada, o perdigueiro fez uma paragem.
Luís tomou posição, acelerou o passo na tentativa de ganhar terreno e
acompanhar de perto animal, que encetou uma busca mais cautelosa e direcionada,
a bom vento. Estavam numa encosta não muito íngreme, semeada de aveia com
algumas zonas bem crescidas. Ao chegar ao cimo, o cão parou, ficou seguro, e
quando Luís se preparava para descobrir caça, saltou uma lebre à frente.
Retraiu-se na tentativa de atirar na melhor distância, e ao desenrolar do
animal, disparou. A lebre deu uma cambalhota, endireitou-se e correu ainda na
zona de tiro. Refeita a pontaria, apertou o gatilho, mas o tiro não saiu. “Adeus lebre, que vais à tua vida”.
Depois de verificar o que se teria passado, constatou que a extração do
cartucho do primeiro disparo não fora bem feita. Indiferente ao episódio o
perdigueiro arrancou no rasto do animal e Luís desanimado com a oportunidade
perdida, retomou o lugar na linha. Quando se refez do desaire, olhou em redor e
qual não foi o seu espanto, quando lá bastante longe no cimo dum cabeço,
descobriu o cão, com algo na boca. Depois de percorrer a distância que os
separava, chegou o cão com a lebre que dera como perdida.
EM QUE SE TRATA DE GAMBUZINOS E PÃO
EM QUE SE TRATA DE GAMBUZINOS E PÃO
1)-Francisco (Chico), gosta de contar a partida
da caça aos gambuzinos que, há perto de setenta anos, pregou ao primo Tó, ambos
com uns oito ou nove anos que, recém-chegado de Lisboa, veio passar as férias
de Verão perto de Alcobaça, em casa dos avós. Não sabendo o que eram os
gambuzinos, Tó na sua ingenuidade citadina imaginava serem uma espécie de
mistura entre um pirilampo e um ouriço-cacheiro. Chico começou por dizer ao
primo que a caça aos gambuzinos é rigorosamente proibida pela GNR, pelo que o
não podia contar a alguém. Assim, logo depois do jantar, algo excitados, foram
para o campo, onde procuraram árvores com tocas, buracos no solo ou buracos nas
rochas. O pobre rapaz, acabou por ficar umas duas ou três horas de apito na
boca, lanterna e saca aberta nas mãos, à espera que o Chico, batedor
experimentado como se reclamava, fizesse o cerco e assim pusesse a correr na
sua direção, os famigerados e assustados bichos. A aventura tinha começado
quando o Chico lhe deu um apito de louça (era o único que tinha à mão) e uma
saca de serapilheira, que foi buscar ao celeiro do avô, e se muniu de latas e
paus para fazer barulho. Tó abandonado naqueles preparos prosseguiu
sozinho a caçada, apurando o ouvido ao mínimo ruído. A experiência acabou
quando o frio, o medo ou o cair em si, o trouxeram à realidade.
Este instante, constituiu para o Tó um momento
de perda da inocência (que diz que bem lhe serviu na banca, onde veio a
trabalhar), pois a partir daí o mundo não seria mais o que parecia, como
reconheceu sem acrimónia. Desabou um dos pilares que sustentava a sua infantil
e lisboeta visão do mundo e da realidade. Tó acabou por crescer com a expressão
na boca, vai “caçar gambuzinos”.
2)-Os portugueses, como Salazar bem sabia, têm
no pão um emblema forte da sua dieta. Ainda hoje, são zelosos guardadores da
epopeia do pão, símbolo dos seus anseios, nas palavras de políticos e poetas, “a paz, a saúde e a habitação”. O preço
do pão, foi um barómetro do descontentamento e o único produto a que Salazar
nunca permitiu subir o preço. Assim, como não
deixou aumentar o preço do pão, foi necessário fabricar um pão mais leve,
vendido ao mesmo preço do de meio ou de um quilo. Enganava-se o cliente, mas
tornava-se viável o negócio.
Embora
o pão continue a ser especialmente apreciado, a profissão de padeiro encontra-se, definitivamente,
Alberto,
industrial de panificação à moda antiga, ora reformado, salienta que no passado
havia uma “íntima relação entre o padeiro
e o pão, pois aquele tinha que usar os sentidos para descobrir se o pão estava
no ponto. No meu tempo, havia que sentir com as mãos a textura da massa e
conhecer o cheiro próprio para avaliar se o pão estava pronto. Com as novas máquinas, a vida dos padeiros foi
facilitada e, ao invés de acordarem às duas da manhã como acontecia, poderam
acordar (pelo menos) às quatro, mas agora isto mesmo acabou”.
Apesar
do desenvolvimento da profissão, os padeiros portugueses tradicionais, sofreram
uma crise a partir dos anos de 1980, quando nutricionistas começaram a apregoar
que o pão engorda. Com a expansão dos supermercados, o comércio tradicional e a
sua forma de aquisição começaram a modificar-se. Hoje, há pão fresco, variado e saboroso
a toda a hora. A venda de pão assemelha-se à de uma confeitaria.
Alberto
aprendeu o ofício com os mais velhos, trabalhando de início como assistente em
funções menores, como limpeza. Já preparado na arte, abriria o seu próprio
negócio. À medida que a sociedade se transformou, evoluíram também as
necessidades e desejos. Um português come em média metade da quantidade que há
50 anos atrás. Apesar de os padeiros serem continuamente desafiados, a população
portuguesa mesmo não citadina, não cosendo mais o pão, mantém a tradição de o consumir
pão todos os dias, ainda que em menor quantidade, porque está nas raízes de sua
cultura e dieta.
quarta-feira, 19 de agosto de 2020
Em que se fala de Fado e de Tourada
EM QUE
SE FALA DE FADO E DE TOURADA
Fleming de Oliveira
1) -Pessoas há, que ainda alegam que o Fado serviu o Estado Novo.
Não
terá sido bem assim, pois as relações entre ambos não foram totalmente isentas
de conflitos. O regime saído do golpe de 28 de maio teve algumas dificuldades
em dedilhar os acordes sociais do fado. Como é que a ideologia moralista do
regime, enfrentaria uma manifestação de raízes populares, bairristas e que
simultaneamente se desenvolvia com plangências e lamentos em antros de
prostituição, marginalidade e vadiagem?
A
realização de um espetáculo público de fado podia depender de uma autorização
da Comissão da Censura. O Fado sentia-se perseguido e depois da meia-noite,
mesmo no ambiente de taberna, tinha de ser tocado baixinho, de portas fechadas.
Clandestino o Fado?
Com
a profissionalização do Fado, passou a ser necessário ter carteira para se
atuar em público, pelo que se deveriam calar as vozes roucas e avinhadas dos
rufias, reivindicando-se a figura do fadista honesto, trabalhador, embora não
se impedisse que os operários cantassem, desde que ensaiassem na oficina ao som
de martelos e bigorna ou ao raspar da polaina.
Os
puritanos do regime não se pouparam em o denegrir, como por exemplo António
Ferro com epítetos como Fado Relice
Nacional//Miséria Moral e Musical//Canto de Criminais//Elegia de Taberna//
Cárcere e Alcouce//Lenga-lenga Monótona e Reles Dos Tristes e Desgraçados, De
Estúrdios e Brigões.
2)-Para
sobreviver, o Fado teve como muito boa e honrada gente de se submeter ao
Regime, daí a fama injusta de o servir acefalamente, e ser por arrasto um
símbolo da identidade nacional. Nem letras dos fados escapavam ao exame da
Inspeção-geral dos Espetáculos, na procura de encontrar matéria de propaganda
subversiva.
A
fama de serventuário do regime não demorou a se impor como expressão da alma
nacional, elemento aglutinador de ideologias, munido de quadras do teor de Quem diz que o Fado é da Rússia//Concerteza
se enganou//O Fado pertence à súcia//Foi Portugal que o gerou. Ou ainda Há quem diga mal do Fado//Por maldade ou por
rudeza//Mas ele tem conquistado//Toda a cena portuguesa.
O
Fado com o decorrer do tempo haveria de cantar e justificar o seu destino, afinal
porque tudo isto é Fado.
Recorde-se,
por exemplo, o que aconteceu com uma noite de fados marcada para o dia 9 de
dezembro de 1939, no Café Mondego, em Lisboa. As letras haviam sido enviadas
para a Inspeção-geral dos Espetáculos/ Serviço de Censura, a fim de serem
aprovadas, antes da exibição em público. O fado Tejo, Canção da Saudade, da autoria de Aureliano Lima da Silva,
mereceu a aprovação da Censura. Já um outro do mesmo autor, A Guitarra, foi aprovado com cortes. Na primeira quadra,
cantava-se Querida guitarra//Alma
bizarra//És imortal, mas omitia-se o final, a tua história//É a glória de Portugal. A última quadra sofreu também
um corte, cantando-se a guitarra
querida//A tua vida//Está gravada dentro de nós eliminando-se por que és a voz//da pátria amada.
3)
-Diferente destino, teve o Fado
Socialista (de seu nome), escrito em 1927, por Ramada Curto, que seria obviamente proibido. A letra não deixava
ao censor margem para hesitações, já que abordava Gente rica e bem vestida//P’ra quem a vida é fagueira//Olhem qu’existe
outra vida//N’Alfama e na Cascalheira! (…)Mas um dia hão-de descer//Os lobos ao povoado…//Temos o caldo entornado//Vai
ser bonito de ver//Não verá quem não viver//O fogo d’essa fogueira//Soa a hora
derradeira//De quem é feliz agora…//Às mãos da gente que chora.
Mas,
se alguns dos cortes da censura eram óbvios
pelas mensagens consideradas subversivas, outros eram menos compreensíveis. Condescendemos
que se diga que na perspetiva do Regime, o Fado tenha tentado desempenhar uma
função de apaziguamento, de tensões ou mesmo de revolta, ao proporem-se rumos
de vida fatalista, inevitável e conformista, Deixa-os lá//Não te metas na questão//Se o mar ralha com a rocha//Quem
se lixa é o mexilhão.
Foi,
todavia, com alguma naturalidade que correu a notícia de que a censura tinha
intervindo, criando à RTP um problema delicado. A escassos dias do Concurso
Eurovisão, a RTP/Portugal ficava sem representante. Luís Andrade recorda que,
numa derradeira tentativa para retirar o veto que a censura impusera à canção
vencedora, decidiu ir, com expor as suas razões a Ramiro Valadão (Presidente da
RTP). As mais convincentes terão sido o puxar de um gravador e dar som a Tourada. Terminada a passagem, Ramiro
Valadão confessou não ver mal algum em que a canção representasse a RTP mas,
por descargo de consciência, pegou no telefone e entabulou conversa com o
Secretário de Estado, César Moreira Baptista. Desligado o telefone, Valadão
disse a Luís Andrade que por minha ordem
a canção passa.
5)-E
...porque tudo o mais são tretas,
como rezava a letra, Fernando Tordo partiu para Luxemburgo, onde obteve um 10º.
lugar, entre 17 concorrentes.
Um Pescador e Caçador Ambientalista
UM PESCADOR E CAÇADOR AMBIENTALISTA
FLeming de OLiveira
Quem não tem um tio, cunhado, parente ou amigo armado a pescador, que chega cheio de historias, “que estava à beira-rio ou no mar, fiquei horas e horas a lutar com o bicho, mas na hora em que o fui tirar da água, acabou por partir a linha e o deixei escapar com o anzol, e assim não foi possível trazer para casa o maior peixe da minha vida. Nunca mais vi um igual”?
Assim, começam muitas vezes os pescadores antes de contar algo em que só eles viram ou acreditam, “Manel eu vou contar-te uma coisa, em que não vais acreditar”. Como o velho Altino e o ditado, “é tudo história de pescador”, pois que muitas das histórias são temperadas com uma boa dose de exagero. Existe normalmente um detalhe na procura de condimentar o peixe, aumentar seu comprimento ou valorizar o esforço desenvolvido, como dizia o meu amigo Altino. O único pescador de confiança que dizia ter conhecido como não mentiroso, foi o Salvador, da Castanheira, seu companheiro em muitas pescarias e bom conhecedor dos pesqueiros no mar da Nazaré.
Mas os caçadores também são mentirosos ou exagerados. O Altino, também caçador, contou-me um diálogo entre o Antunes e o Bernardes.
- “Ontem, matei dez coelhos e dez perdizes.
-Eu tive também na Nazaré uma sorte muito boa. Pesquei seis robalos e três chernes.
-Também és pescador? Não sabia…
-Não. Também sou mentiroso”.
Gozar a brisa do mar e a paisagem, ver o tempo passar, falar sozinho ou com os colegas, comer uma bucha e beber um trago, eis o que muito motivava um pescador como o Altino, afinal um ritual comum aos da pesca desportiva. “Durante a pesca tenho momentos de lazer, descanso, reflexão e sinto-me mais próximo da natureza”, contava o Altino que nunca se preocupou com grandes filosofias, nem em apanhar peixes grandes ou raros.
Altino foi pessoa com mais de cinco décadas bem dedicadas a pesca desportiva sempre e só de barco (nunca pescou em água doce), tinha boas histórias para contar, aliás como de caça. Mas, a contrariar a crença popular de pescador aldrabão, as suas histórias não eram normalmente exageradas, parece-me. Mais do que a quantidade ou o tamanho dos peixes ou os temporais que o assolaram, como aquele em que no Mar entre Pedras, a ondulação ficou de repente tão grande que não se via terra e se encontrava sozinho no barco, o que por elas perpassava era a preocupação com a preservação ambiental, pois sabia bem que a degradação do meio ambiente e a pesca predatória, afastaram os peixe, “antigamente não faltava pescado”, onde antes eram encontrados com abundância. Além dessa preocupação, as suas histórias revelavam a paixão, que fez com que o que para si era apenas um desporto ou mera diversão (a sua profissão foi a indústria de cerâmica), ganhasse um espaço, como que sagrado se fosse religioso, o que não era o seu caso. Altino era contra os “covos”, gaiolas com grades que se colocam na água, onde os peixes ou polvos entram engodados, e dos quais não saem mais. Antigamente os “covos” tinham que ser levantados até 1 de setembro, sob pena de pesada multa, eventualmente até prisão. Hoje em dia encontram-se impunemente durante todo o ano.
sábado, 11 de julho de 2020
“A Castro”, Amélia Rey-Colaço e A. Lopes Vieira em Alcobaça
Foi considerada pela como “manifestação artística sem par”, aliás repetida com sucesso em 30 de Agosto de 1941. Segundo o Diário de Notícias, “Amélia Rey Colaço acabara de encontrar a expressão definitiva de um espetáculo nacional.
Esta representação, grandiosa e imponente com encenação de Júlio Dantas, participaram cerca de 400 figurantes, que utilizaram os adereços do Torneio Medieval e do Cortejo realizado por Leitão de Barros, em junho de 1935 Lisboa. Em Alcobaça pode, assim, concretizar-se um projeto antigo de Amélia Rey Colaço, que foi considerado um ponto alto da sua já notável carreira.
O espetáculo começou com Palmira Bastos a dizer o poema de Afonso Lopes Vieira, escrito para o momento:
Com mais de 80 anos, entrou na série de humor da RTP, Gente Fina é Outra Coisa. O seu último grande papel, representou-o com 87 anos na figura de Dª. Catarina na peça de José Régio, El Rei D. Sebastião.
3)A segunda representação de “A Castro”, em Alcobaça, esteve inserida nos Festivais de Alcobaça, que não tiveram seguimento devido à Guerra. Afonso Lopes Vieira escreveu que “esta segunda tentativa de Grande Arte – no sentido mais português e mais europeu – faz-nos esperar que venha a criar-se nesta nobre vila o Ciclo Nacional de Teatro e Música, capaz de ser tão belo como os mais belos da Europa. Então haveria Portugal, documentado da maneira mais bela nas capacidades do seu espírito. Ajudemos, pois, com amor e saibamos ser gratos ao heroísmo artístico da empresa Rey-Colaço-Robles Monteiro”. Nesse Agosto de 1941, o Programa do Festival de Alcobaça incluiu na noite de 29, um Concerto de Música Espiritual na nave central do Mosteiro com áreas de Bach, o poema sinfónico de César Franck, a atuação do Cruz Fidelis, uma representação no claustro do Auto de Mofina Mendes (Gil Vicente), segundo programa “uma obra humana e divina a que a Virgem preside e em que a realidade destrói os arroubos de fantasia numa réplica interpretativa de um conto milenar oriental, numa encenação de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro”.
A representação de “A Castro”, constituiu um notável e muito cuidadoso espetáculo em termos de efeitos de luz, guarda-roupa, adereços e cabeleireiro, onde além dos atores da tragédia (Amélia Rey-Colaço, Lucília Simões, Raul de Carvalho, João Villaret, Robles Monteiro, Igrejas Caeiro, Vital dos Santos, José Cardoso e Augusto Figueiredo), atuaram o Choro das Moças de Coimbra e Orquestra, sob a regência do conceituado Maestro René Bohet. O Diário de Notícias registou que “como em 1935, por uma noite de milagre, a CASTRO, volta a ser representada sobre o fundo evocador, dominador, impressionante de Stª. Maria de Alcobaça, monumento tão ligado à tragédia quinhentista de Ferreira, que já nos parece que sem ele faltaria à obra uma personagem. O mosteiro que guarda os túmulos de Pedro e de Inês, aguarda também um pouco de drama que a morte acabou e começou de novo, dando-a à imaginação dos interpretadores.
A luz, que é a cortina que se are para exibir o espetáculo, cria logo um ambiente roçando a pedraria e os vestuários e chamando o público para o campo da tragédia, valoriza a forma e o relevo do cenário e trá-lo também para a ação. O “Choro”, outra personagem essencial da obra, ora vivendo como comentador, ora como interlocutor, enleado na linha evolutiva, fecha-a num parêntesis camoniano, tão ajustados e próprios se acharam os versos do Príncipe ao comentário coral criado por Ferreira. Complemento do ambiente imaginado, poetização melódica dos versos do autor, como óleo de penetração sensível, a música intervém também acompanhando o lirismo dos ritmos – propositadamente irreal, nebulosa, indefinida quasi sonho, quasi imaginação – um cortejo fúnebre sobre o ponto final da morte de Inês, dará ao público a nota evocadora da interpretação passional das gerações que ainda souberam acrescentar em beleza uma História de Amor”.