sexta-feira, 13 de novembro de 2020

A CENSURA E OS TRIBUNAIS POLÍTICOS

 

A CENSURA E

OS TRIBUNAIS POLÍTICOS

 

Fleming de Oliveira


Apesar da censura não se aplicar previamente, aos livros, estes eram
apreendidos, retirados do mercado e os seus autores ou editores sujeitos penalizações. Foi o que aconteceu com Aquilino Ribeiro, “um beirão de Terras do Demo, tão manso quanto bárbaro, terno quanto feroz, fradesco, libertário e citadino”, no dizer de Urbano Rodrigues. “Quando os Lobos Uivam” é uma obra de ficção, saída a público em fins de 1958, que aborda cruamente alguns aspetos do sistema jurídico-político do Estado Novo, de uma forma que este nada apreciou. O Regime considerou o livro injurioso para com as instituições e a autoridade, concretamente a PIDE e os Tribunais, movendo-lhe um processo-crime. O M.P. acusou Aquilino Ribeiro, que se autoconsiderava um “obreiro das letras”, de crimes contra o bom nome de Portugal, de fazer a apologia de atos contra a segurança do Estado, de injúrias, de ofensa à honra de agentes de autoridade e de abuso de liberdade de imprensa.

A defesa de Aquilino suscitou a questão do funcionamento do sistema judicial do Regime, considerando a acusação uma questão meramente política. Em Portugal, correu um abaixo-assinado subscrito por cerca de 300 intelectuais, a reclamar o arquivamento do processo. Em França, François Mauriac, também escreveu em sua defesa.

Por essa altura, Aquilino ainda declarou numa entrevista que “eu sou um pouco como os velhos robles de cerne revesso. Não consinto machadada. A machadada salta muitas vezes na mão de quem a maneja contra tais árvores”.

Com 74 anos de idade, Aquilino Ribeiro viu-se em 1959 na barra do Tribunal Criminal Plenário de Lisboa, acusado de delito de opinião. Para a acusação “a censura terá somente por fim impedir a subversão da opinião pública e deverá ser exercida por forma a defende-la de todos os fatores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum”.

Para o Advogado de Aquilino Ribeiro, Heliodoro Salgado, “mais do que provar umas pretensas ofensas a tais e tais pessoas ou denunciar um ataque a certa estrutura política, o que parece procurar-se é coartar o direito de um escritor fazer qualquer obra de ficção em que por transposição imaginativa tome posição acerca dos problemas que respeitem ao meio em que está integrado. Quer dizer, pretende-se relegar o artista à situação de simples escrevinhador de histórias, que não têm outra função senão a de divertir o bom burguês satisfeito com a vida e com o mundo. Acabar-se-á de uma vez para sempre com a liberdade de pensar, e ninguém pense mais em emitir juízos quanto à sociedade em que vive, passando todas as estruturas a ser inatacavelmente perfeitas, e nelas tudo correndo

panglossicamente pelo melhor. Seria o último estádio de um lento processo com fim de esmagar toda e qualquer manifestação de inteligência, de aniquilar o indivíduo como ser pensante e de o acorrentar bovino e passivo ao arado de que o Poder segura a rabiça. A obra literária, tornada meio de embrutecimento e de nirvanação, iria caindo aos poucos num formalismo académico, num anedotário para bacocos, todas as formas destituídas, a preceito, de conteúdo. E adeus literatura, adeus cultura, adeus personalidade nacional”.

 

A advocacia nos Tribunais Criminais Plenários era difícil e perigosa, como veremos com este caso exemplar. Poder-se-ia falar de muitos, mas o que implicou o Dr. Manuel João da Palma Carlos, teve especial repercussão. Ouvimos falar dele, pela primeira vez, ainda estudante liceal, através do Advogado portuense, Dr. Eduardo Ralha.


Palma Carlos defendia no Tribunal Criminal Plenário de Lisboa alguns acusados, que aliás se encontravam em cumprimento de penas, salvo Humberto Lopes, em liberdade sob caução, agora acusados de pertencerem a uma célula comunista, a funcionar dentro do Forte/Prisão de Peniche.

Após a leitura da sentença, Palma Carlos requereu que o seu constituinte Humberto Lopes continuasse em liberdade e, como o tribunal o indeferiu, pretendeu ditar para ata no sentido de ser explicitada a razão do indeferimento e supostamente alicerçada na pretensa perigosidade do réu. A verdade é que, tanto para o M.P., como para os juízes Desembargadores, nada mais havia a explicar, a acrescentar, “o requerimento não tinha pertinência e, em consequência, nem iria ficar registado em ata”.

Palma Carlos, que veio depois do 25 de Abril a ser Embaixador de Portugal em Cuba e Procurador Geral da República, era também um Advogado corajoso, afirmou em alto e bom som que “podem V. Exªs julgar como lhes apetecer, com prova ou sem prova, mas o que não podem é deixar de consignar na ata, o que na audiência se passa”.

O juiz-presidente, tal como os demais “asas” do coletivo, considerou gravemente impróprias, ofensivas, essas palavras pelo que logo instaurou ao Advogado um processo sumaríssimo, para ser imediatamente julgado, como aconteceu. No Estado Novo e nos Tribunais Plenários, era possível passar, sem transição, de advogado ou mesmo de testemunha a réu, assistir a decidir com total arbitrariedade, ver eliminado da ata o que não fosse conveniente, mandar expulsar e recolher aos calabouços os réus que pretendessem exprimir-se com alguma liberdade. O tribunal considerando ofensivas as expressões de Palma Carlos condenou-o “apenas”, a sete meses de prisão, a igual período de multa a 40$00 por dia e “a um ano de proibição do exercício da advocacia, contado este após cumprida a pena de prisão”. Em recurso, que subiu diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, veio a decisão a ser parcialmente revogada, no referente à pena de prisão, bem como à proibição do exercício da advocacia. A pena de multa manteve-se, todavia, pelo que Palma Carlos tendo-se recusado a pagá-la, preferindo cumprir a pena de prisão, veio a ser suportada pela Ordem dos Advogados, que lhe manifestou apoio e solidariedade. 




segunda-feira, 9 de novembro de 2020

FLEMING DE OLIVEIRA DESTACA JARDIM DE ESCOLA JOÃO DE DEUS E PUBLICA "ELES NÃO MORRERAM DESCALÇOS, NOTICIA EM 'O ALCOA'

 


NAMORAR EM TEMPOS DE COVID, POR MARIA AZEITONA

 

A entrada da pandemia no nosso mundo não foi em aspeto algum fácil para nenhum país, mas acredito que para Portugal e os que cá habitam tenha sido especialmente árduo. Somos um povo muito acolhedor, os turistas o confirmam, e realmente a base deste sentimento quase maternal e afetivo que sentem, provém muito do contacto físico que mantemos com todos, como um aperto de mão ou o famoso cumprimento com os dois beijinhos.

Bom, para pessoas a que durante a vida foi ensinado que era sempre boa educação cumprimentar toda a gente quando chegam a um local ou etc, aceitar a nova realidade foi, e continua a ser, um trabalho bastante complicado.

Como já expus todos tivemos de mudar de hábitos desde que nos deparámos com esta nova realidade, incluindo principalmente, os casais de namorados. Não para aqueles que estão numa idade talvez mais avançada e vivem até mesmo juntos, mas especialmente para os namoros adolescentes. Como é óbvio ainda dependemos de alguém, seja de um pai, uma mãe, uma avó, etc… E, portanto, as nossas escolhas nunca podem ser feitas inteiramente por nós.

Muitos dos casais tiveram de estar quase 5 meses separados, durante a época de confinamento o que os pôs como que à prova. Houve alguns que, infelizmente, não aguentaram a pressão de estarem tanto tempo afastados, e os que ainda continuam juntos vivem diariamente com a insegurança de pôr a segurança deles ou das famílias em perigo. Esse é o maior problema, as cadeias de contágio que podem ser causadas “apenas” por duas pessoas que estão juntas.

O mesmo acontece em grupos de amigos, no meu caso, por exemplo, mantivemos sempre o contacto durante os meses de confinamento, por redes sociais, por jogos de computador, mas como é óbvio nada se igualava aos tempos em que nos podíamos juntar em casa de alguém e estar horas e horas a conversar, sem nos apercebermos sequer do passar do tempo, sentíamos a falta de nos vermos pessoalmente, parecia que por mais que tentássemos era quase impossível manter a ligação que tínhamos. Felizmente correu tudo bem, e quando houve a fase inicial de desconfinamento pudemos ir, com todas as medidas de segurança, beber o primeiro café juntos em 5 meses, é verdade que tudo estava diferente à nossa volta, mas naquela hora que os nossos pais nos deram permissão para sair, tudo pareceu estar a voltar à normalidade dentro dos possíveis.

Acho que é isso que causa a insegurança ser ainda maior, o medo que nos provoca a ideia de podermos por em risco a saúde das pessoas que mais gostamos, pelo que é de facto um grande dilema.

Será que devemos pôr parte da nossa felicidade que partilhamos com uma pessoa à frente daqueles que estão connosco em casa e que nos fazem igualmente felizes e são essenciais para a nossa existência e bem-estar? É realmente uma questão muito complicada e que sinceramente não acho fácil encontrar uma solução completamente justa para nós e para nós e aqueles com quem convivemos.



A Maria frequenta o 12º ano e presta-me em regime de part-time alguma colaboração. Trata-se de uma menina esforçada e com boas perspetivas profissionais e pessoais pelo que a publicação neste espaço é um pequeno estimulo.


quarta-feira, 14 de outubro de 2020

ELES NÃO MORRERAM DESCALÇOS - ÚLTIMA PUBLICAÇÃO DE FLEMING DE OLIVEIRA




 Este livro pode ser enviado pelo correio sendo o custo de 10 euros por exemplar mais os respetivos portes.



quinta-feira, 8 de outubro de 2020

 

A partir de meados de setembro de 2020 a Maria Honório Azeitona passou a colaborar comigo em apoio de secretariado junto apresento a sua fotografia. 





sexta-feira, 18 de setembro de 2020

BRUXAS: NÃO ACREDITO EM BRUXAS… MAS…

 

NÃO ACREDITO EM BRUXAS… MAS…

 

 

 

 

 

Com cerca de 25 anos e casada há mais de quatro, Maria Helena, empregada de balcão numa casa comercial, ainda não tinha filhos, para grande desgosto seu, do marido e pais. O médico da Caixa disse-lhe que não encontrava nada que o impedisse. Mas Maria Helena andava desgostosíssima, com receio de perder o marido que adorava crianças, pelo se abriu com uma vizinha, referindo o angustioso problema que se interpunha na sua vida e na sua felicidade.

-Menina Helena,  sabe uma coisa … Não leve a mal o que lhe vou dizer, mas eu conheço uma  pessoa que trata dessas coisas…

-Que coisas, Dª. Rosa?

-Bem… Ela não é bem uma bruxa, mas é muito boa, já salvou muitos casamentos! Ela vai ver que no seu caso anda aí qualquer coisa estranha. Ela percebe dessas coisas, diz-lhe tudo e como resolver. Até já trabalhou com um médico.

-Dª. Rosa, eu não quero…

-E não é careira, leva só 20$00. A menina  Lena se quiser diga-me, que eu falo com ela!

Antes de ir ainda falou comigo e com um motorista da praça que conhecia muita gente, inclusivamente um padre italiano que vivia em Fátima. Mas ao que constava ao taxista, este era especialista em exorcismos. Não interessava portanto à menina Lena. E eu não soube “encaminhá-la”.

O cliente pagava 20$00, como primeiro passo para acabarem os problemas, mas os resultados ou demoravam por vezes aparecer ou nem apareciam. Assim foi prevenida pela amiga que lhe disse que as moças têm sempre muita pressa, há assuntos que não se resolvem de pé para a mão ou porque não cumprem as prescrições. Maria Helena tentou saber se havia muitas queixas. Não, não constava que alguém se tivesse queixado. O grupo não poderia ser grande, mas convinha que fossem sempre mais do que duas pessoas. Havia que respeitar a mesa de três pés, nunca dizer graçolas ou rir, ainda que com nervoso. Uma vez com os dedos sobre o tampo de madeira, sem carregar, não se podiam cruzar as pernas, pois doutro modo não passava o fluido. Crucifixos e medalhinhas como a que Maria Helena trazia ao pescoço, também era conveniente retirar, porque “isso não é lá muito católico”. As sessões faziam-se com pouca luz, normalmente da parte de tarde. Quando Maria Helena chegou estavam duas pessoas na sala de espera, enquanto uma molhada de seis se curvava sobre a mesa. A bruxa explicava que era necessário fazer-se uma invocação prévia, um aquecimento, chamar por alguém que tivesse morrido, etc., para depois se passar à exploração das potencialidades da mesa. Todos se sentavam em volta da mesa, acotovelando-se, e colocavam as pontas dos dedos das mãos, levemente no tampo mas sem carregar, tendo o cuidado de permitir que um dedo do próximo tocasse no seu, para fechar o circuito. Maria Helena, fora avisada que, mal a mesa se começasse a mover, não se poderia romper o contacto com o tampo, e devia-se acompanhar o movimento, pois se se largasse a mesa, esta imobilizar-se-ia. E claro, isso era importantíssimo não poderia haver gracinhas, nem risinhos nervosos, sob pena de a mesa parar de trabalhar. Ó mesa, diz-me lá isto, diz-me lá isto ou aquilo... Ser interpelada com rudeza não era conveniente, outrossim deveria ser apaziguada com elogios.

Havia, um código para as respostas, por exemplo uma pancada dos pés da mesa significava sim, duas não. Isto às vezes obrigava a que Maria Helena secretariasse a mesa (ela tinha experiência como balconista), e anotasse o que ela ia indicando, até formar palavras coerentes. Por vezes, nem se esperava que a palavra fosse completada e perguntava-se à mesa se ela não quereria dizer isto ou aquilo, ao que ela poderia responder com um simples sim ou um não. Era ao participante que cabia, em última instância, reconhecer o espírito, e só ele é que o podia fazer com segurança. Os motivos pelos quais o espírito entrava em contacto, podiam ser vários. O morto está inquieto. O morto não cumpriu uma promessa. O morto experimenta dificuldades no outro mundo. O morto está com saudade da vida na Terra. O morto tem um espírito mau que vem molestar os vivos e se possível levar alguém consigo.

Foi contada a Maria Helena o caso de um defunto que voltou, por discordar da forma como as partilhas foram feitas e, isso abriu os olhos aos herdeiros. Quando se trata de um espírito mau, a bruxa pode ter de se deslocar a casa da vítima, para poder confrontá-lo. Ele vocifera, ameaça, não se quer convencer, tenta recusar compromissos. Mas bem trabalhado acaba por ceder. A bruxa já conhecera casos destes, que eram especialmente trabalhosos e de resultados ingratos.

Não obstante a sua simplicidade e credulidade, Maria Helena extraiu algumas conclusões pragmáticas sobre o funcionamento da mesa. Não valia a pena perguntar coisas que nenhum dos presentes soubesse, pois, nesse caso, as respostas eram disparatadas ou erradas. Mas desde o momento que algum dos presentes conhecesse a resposta, embora mais ninguém a soubesse, a mesa respondia em geral corretamente. Ficou demonstrado que as previsões do futuro imediato raramente ou nunca eram corretas. Ninguém acertou na lotaria. Só ao fim da terceira sessão coletiva (a mesa não colaborava em sessões individuais), é que Maria Helena percebeu que o seu mal-estar decorria de o espírito de seu falecido pai, pretender entrar em contacto com ela, para lhe dizer que devia refazer partilhas, sob pena de enquanto o não fizesse, não conseguir engravidar. Para fazer o espírito ir-se embora e sossegado, Maria Helena, decidiu refazer as partilhas com o irmão e foi tratar do assunto ao meu escritório.

Querem saber o final?

Maria Helena, no ano seguinte, deu à luz um robusto menino, com três quilos, convidou a minha filha mais velha para madrinha e de vez em quando aparecia no meu escritório, para conversar e tomar conselhos.

CAÇADORES: PELO MENOS, É BEM ACHADA…

 

PELO MENOS, É BEM ACHADA…


Luís, acabara de fazer 16 anos. Um primo, sabendo do seu entusiasmo pela caça, oferecera-lhe uma velha arma calibre 16, que anunciava ter mais de 70 anos, uma arma pequena de 2 canos e com cães exteriores, que já pertencera a um avô comum. 

Depois de muita ansiedade, o pai acompanhado do Sr. Francisco “farmacêutico”, chegou a casa e anunciou que, finalmente, lhe tinha conseguido licença de uso e porte de arma. Foi uma ótima notícia para o rapaz, pois a caça abria no dia seguinte, ou seja, o dia 1 de Outubro. Havia algum tempo, que Luís acompanhava o pai e dois colegas, e até tinha a licença de caça, com direito a fotografia e tudo, e que tinha custado 29$00! Desse modo podia levar um pau na mão, pois ninguém da venatória o incomodava. Doravante as coisas soavam mais fino. Foi agitado o sono daquela noite. Muito antes das 6 horas, lá partiram os quatro a pé. Luís estava vaidoso com uma arma a sério, cartucheira à cintura, e o barulho nas pedras da estrada, graças à carda metálica das botas de cabedal.  Várias vezes tinha pedido à mãe para não esquecer o bornal com um pequeno farnel, e um odre de refresco de água com café adocicado.

Ao romper o dia chegaram finalmente ao destino. Mas nesse dia a caça era pouca, para não dizer quase nenhuma. Nos outros anos, lá aparecia um coelhito de vez em quando, que servia para animar os cães. Mesmo assim, Luís não desanimou e o seu entusiasmo mantinha-se intacto. Largaram os 4 cães, o galego, o faísca, o ladino e o raio. Como se lembra deles. Ainda hoje, passados tantos anos, parece estar a vê-los dar as primeiras correrias de alegria ao serem desatrelados, após a caminhada. Andavam no monte havia já mais de uma hora. Os cães cumpriam o seu dever, procurando no mato um coelho que teimava não aparecer, não porque fosse matreiro, mas, provavelmente porque não existia mesmo. A dada altura o Luís afastou-se um pouco dos companheiros, e passou para o outro lado do cabeço. Após caminhar algumas dezenas de metros, foi surpreendido com um ruído que nunca tinha escutado, e viu saltar mesmo a frente, uns quatro ou cinco pássaros. Apontou a arma e disparou o seu primeiro tiro como caçador e, para aumentar a satisfação e orgulho, não obstante o fumo provocado pela pólvora preta, que usava, viu cair perto de si um pássaro. Não hesitou. Colocou a arma no chão e correu a apanhar a ave, sem se lembrar porém que ainda tinha mais um cartucho para disparar e que isso lhe permitiria a abater outra peça. Pegou eufórico na ave, na arma e correu para os colegas a gritar, “apanhei um pássaro enorme”.

Mas a alegria aumentou muito, quando o Sr. Francisco “farmacêutico”, exclamou “é uma perdiz”. Percebeu, então, que a partir daquele momento tinha-se tornado num caçador de perdizes.

Desde então, muitos outros factos aconteceram, alguns bem curiosos, que às vezes recorda. As épocas de caça sucediam-se umas às outras, com maior ou menor sucesso, e cada uma com as histórias mais ou menos verdadeiras.

O episódio que me contou, refere-se possivelmente à época 1993/94, sendo testemunhado por companheiros que com ele rumaram ao Alentejo, no último dia do calendário para caça de salto à lebre. Luís, homem feito, tinha um perdigueiro com pouco mais de um ano, mas que revelava já boas aptidões, com lances um pouco largos, mas com uma paragem segura e uma busca perfeita, lateralizando bem.

Após mais ou menos meia hora o início da jornada, o perdigueiro fez uma paragem. Luís tomou posição, acelerou o passo na tentativa de ganhar terreno e acompanhar de perto animal, que encetou uma busca mais cautelosa e direcionada, a bom vento. Estavam numa encosta não muito íngreme, semeada de aveia com algumas zonas bem crescidas. Ao chegar ao cimo, o cão parou, ficou seguro, e quando Luís se preparava para descobrir caça, saltou uma lebre à frente. Retraiu-se na tentativa de atirar na melhor distância, e ao desenrolar do animal, disparou. A lebre deu uma cambalhota, endireitou-se e correu ainda na zona de tiro. Refeita a pontaria, apertou o gatilho, mas o tiro não saiu. “Adeus lebre, que vais à tua vida”. Depois de verificar o que se teria passado, constatou que a extração do cartucho do primeiro disparo não fora bem feita. Indiferente ao episódio o perdigueiro arrancou no rasto do animal e Luís desanimado com a oportunidade perdida, retomou o lugar na linha. Quando se refez do desaire, olhou em redor e qual não foi o seu espanto, quando lá bastante longe no cimo dum cabeço, descobriu o cão, com algo na boca. Depois de percorrer a distância que os separava, chegou o cão com a lebre que dera como perdida.



EM QUE SE TRATA DE GAMBUZINOS E PÃO

 

EM QUE SE TRATA DE GAMBUZINOS E PÃO

 

 

 

1)-Francisco (Chico), gosta de contar a partida da caça aos gambuzinos que, há perto de setenta anos, pregou ao primo Tó, ambos com uns oito ou nove anos que, recém-chegado de Lisboa, veio passar as férias de Verão perto de Alcobaça, em casa dos avós. Não sabendo o que eram os gambuzinos, Tó na sua ingenuidade citadina imaginava serem uma espécie de mistura entre um pirilampo e um ouriço-cacheiro. Chico começou por dizer ao primo que a caça aos gambuzinos é rigorosamente proibida pela GNR, pelo que o não podia contar a alguém. Assim, logo depois do jantar, algo excitados, foram para o campo, onde procuraram árvores com tocas, buracos no solo ou buracos nas rochas. O pobre rapaz, acabou por ficar umas duas ou três horas de apito na boca, lanterna e saca aberta nas mãos, à espera que o Chico, batedor experimentado como se reclamava, fizesse o cerco e assim pusesse a correr na sua direção, os famigerados e assustados bichos. A aventura tinha começado quando o Chico lhe deu um apito de louça (era o único que tinha à mão) e uma saca de serapilheira, que foi buscar ao celeiro do avô, e se muniu de latas e paus para fazer barulho. Tó abandonado naqueles preparos prosseguiu sozinho a caçada, apurando o ouvido ao mínimo ruído. A experiência acabou quando o frio, o medo ou o cair em si, o trouxeram à realidade.

Este instante, constituiu para o Tó um momento de perda da inocência (que diz que bem lhe serviu na banca, onde veio a trabalhar), pois a partir daí o mundo não seria mais o que parecia, como reconheceu sem acrimónia. Desabou um dos pilares que sustentava a sua infantil e lisboeta visão do mundo e da realidade. Tó acabou por crescer com a expressão na boca, vai “caçar gambuzinos”.

2)-Os portugueses, como Salazar bem sabia, têm no pão um emblema forte da sua dieta. Ainda hoje, são zelosos guardadores da epopeia do pão, símbolo dos seus anseios, nas palavras de políticos e poetas, “a paz, a saúde e a habitação”. O preço do pão, foi um barómetro do descontentamento e o único produto a que Salazar nunca permitiu subir o preço. Assim, como não deixou aumentar o preço do pão, foi necessário fabricar um pão mais leve, vendido ao mesmo preço do de meio ou de um quilo. Enganava-se o cliente, mas tornava-se viável o negócio.

Embora o pão continue a ser especialmente apreciado, a profissão de padeiro encontra-se, definitivamente, em crise. Pelo mundo fora, a profissão teve que se adaptar ao desenvolvimento da sociedade, da tecnologia e do comércio, sofrendo com novos padrões de vida e competição. O processo de adaptação às mudanças começou no final dos anos de 1960, com o aparecimento de tecnologias, como o fogão elétrico e os armários para impedir o excesso de fermentação. A profissão, que fora baseada na habilidade manual, no olfato e na visão, passou a ser controlada e substituída por equipamentos, como balanças e termómetros.

Alberto, industrial de panificação à moda antiga, ora reformado, salienta que no passado havia uma “íntima relação entre o padeiro e o pão, pois aquele tinha que usar os sentidos para descobrir se o pão estava no ponto. No meu tempo, havia que sentir com as mãos a textura da massa e conhecer o cheiro próprio para avaliar se o pão estava pronto. Com as novas máquinas, a vida dos padeiros foi facilitada e, ao invés de acordarem às duas da manhã como acontecia, poderam acordar (pelo menos) às quatro, mas agora isto mesmo acabou”.

Apesar do desenvolvimento da profissão, os padeiros portugueses tradicionais, sofreram uma crise a partir dos anos de 1980, quando nutricionistas começaram a apregoar que o pão engorda. Com a expansão dos supermercados, o comércio tradicional e a sua forma de aquisição começaram a modificar-se. Hoje, há pão fresco, variado e saboroso a toda a hora. A venda de pão assemelha-se à de uma confeitaria.

Alberto aprendeu o ofício com os mais velhos, trabalhando de início como assistente em funções menores, como limpeza. Já preparado na arte, abriria o seu próprio negócio. À medida que a sociedade se transformou, evoluíram também as necessidades e desejos. Um português come em média metade da quantidade que há 50 anos atrás. Apesar de os padeiros serem continuamente desafiados, a população portuguesa mesmo não citadina, não cosendo mais o pão, mantém a tradição de o consumir pão todos os dias, ainda que em menor quantidade, porque está nas raízes de sua cultura e dieta.




 

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Em que se fala de Fado e de Tourada

 

EM QUE SE FALA DE FADO E DE TOURADA

Fleming de Oliveira




 

1) -Pessoas há, que ainda alegam que o Fado serviu o Estado Novo.

Não terá sido bem assim, pois as relações entre ambos não foram totalmente isentas de conflitos. O regime saído do golpe de 28 de maio teve algumas dificuldades em dedilhar os acordes sociais do fado. Como é que a ideologia moralista do regime, enfrentaria uma manifestação de raízes populares, bairristas e que simultaneamente se desenvolvia com plangências e lamentos em antros de prostituição, marginalidade e vadiagem?


A realização de um espetáculo público de fado podia depender de uma autorização da Comissão da Censura. O Fado sentia-se perseguido e depois da meia-noite, mesmo no ambiente de taberna, tinha de ser tocado baixinho, de portas fechadas. Clandestino o Fado?

Com a profissionalização do Fado, passou a ser necessário ter carteira para se atuar em público, pelo que se deveriam calar as vozes roucas e avinhadas dos rufias, reivindicando-se a figura do fadista honesto, trabalhador, embora não se impedisse que os operários cantassem, desde que ensaiassem na oficina ao som de martelos e bigorna ou ao raspar da polaina.

Os puritanos do regime não se pouparam em o denegrir, como por exemplo António Ferro com epítetos como Fado Relice Nacional//Miséria Moral e Musical//Canto de Criminais//Elegia de Taberna// Cárcere e Alcouce//Lenga-lenga Monótona e Reles Dos Tristes e Desgraçados, De Estúrdios e Brigões.

2)-Para sobreviver, o Fado teve como muito boa e honrada gente de se submeter ao Regime, daí a fama injusta de o servir acefalamente, e ser por arrasto um símbolo da identidade nacional. Nem letras dos fados escapavam ao exame da Inspeção-geral dos Espetáculos, na procura de encontrar matéria de propaganda subversiva.

A fama de serventuário do regime não demorou a se impor como expressão da alma nacional, elemento aglutinador de ideologias, munido de quadras do teor de Quem diz que o Fado é da Rússia//Concerteza se enganou//O Fado pertence à súcia//Foi Portugal que o gerou. Ou ainda Há quem diga mal do Fado//Por maldade ou por rudeza//Mas ele tem conquistado//Toda a cena portuguesa.

O Fado com o decorrer do tempo haveria de cantar e justificar o seu destino, afinal porque tudo isto é Fado.

Recorde-se, por exemplo, o que aconteceu com uma noite de fados marcada para o dia 9 de dezembro de 1939, no Café Mondego, em Lisboa. As letras haviam sido enviadas para a Inspeção-geral dos Espetáculos/ Serviço de Censura, a fim de serem aprovadas, antes da exibição em público. O fado Tejo, Canção da Saudade, da autoria de Aureliano Lima da Silva, mereceu a aprovação da Censura. Já um outro do mesmo autor, A Guitarra, foi aprovado com cortes. Na primeira quadra, cantava-se Querida guitarra//Alma bizarra//És imortal, mas omitia-se o final, a tua história//É a glória de Portugal. A última quadra sofreu também um corte, cantando-se a guitarra querida//A tua vida//Está gravada dentro de nós eliminando-se por que és a voz//da pátria amada.

3) -Diferente destino, teve o Fado Socialista (de seu nome), escrito em 1927, por Ramada Curto, que seria obviamente proibido. A letra não deixava ao censor margem para hesitações, já que abordava Gente rica e bem vestida//P’ra quem a vida é fagueira//Olhem qu’existe outra vida//N’Alfama e na Cascalheira! (…)Mas um dia hão-de descer//Os lobos ao povoado…//Temos o caldo entornado//Vai ser bonito de ver//Não verá quem não viver//O fogo d’essa fogueira//Soa a hora derradeira//De quem é feliz agora…//Às mãos da gente que chora.

Mas, se alguns dos cortes da censura eram óbvios pelas mensagens consideradas subversivas, outros eram menos compreensíveis. Condescendemos que se diga que na perspetiva do Regime, o Fado tenha tentado desempenhar uma função de apaziguamento, de tensões ou mesmo de revolta, ao proporem-se rumos de vida fatalista, inevitável e conformista, Deixa-os lá//Não te metas na questão//Se o mar ralha com a rocha//Quem se lixa é o mexilhão.

4)-O ano de 1973 teve, na área da música ligeira, o que se poderá chamar uma pequena novela, com ação e suspense. Tudo se passou no Festival RTP da Canção, quando Fernando Tordo cantou Tourada, com versos de Ary dos Santos. Não seria esta a canção mais bonita do 10º. Festival TV, mas foi com certeza a mais espetacular. Que uma canção destas tivesse alcançado o primeiro lugar num concurso da televisão portuguesa constituiria, diríamos nós agora, um apelo à reflexão, à avaliação das contradições que o regime manifestava.

Foi, todavia, com alguma naturalidade que correu a notícia de que a censura tinha intervindo, criando à RTP um problema delicado. A escassos dias do Concurso Eurovisão, a RTP/Portugal ficava sem representante. Luís Andrade recorda que, numa derradeira tentativa para retirar o veto que a censura impusera à canção vencedora, decidiu ir, com expor as suas razões a Ramiro Valadão (Presidente da RTP). As mais convincentes terão sido o puxar de um gravador e dar som a Tourada. Terminada a passagem, Ramiro Valadão confessou não ver mal algum em que a canção representasse a RTP mas, por descargo de consciência, pegou no telefone e entabulou conversa com o Secretário de Estado, César Moreira Baptista. Desligado o telefone, Valadão disse a Luís Andrade que por minha ordem a canção passa.

5)-E ...porque tudo o mais são tretas, como rezava a letra, Fernando Tordo partiu para Luxemburgo, onde obteve um 10º. lugar, entre 17 concorrentes.

Um Pescador e Caçador Ambientalista

 UM PESCADOR E CAÇADOR AMBIENTALISTA

 

FLeming de OLiveira

 

 

 

Quem não tem um tio, cunhado, parente ou amigo armado a pescador, que chega cheio de historias, “que estava à beira-rio ou no mar, fiquei horas e horas a lutar com o bicho, mas na hora em que o fui tirar da água, acabou por partir a linha e o deixei escapar com o anzol, e assim não foi possível trazer para casa o maior peixe da minha vida. Nunca mais vi um igual”?

Assim, começam muitas vezes os pescadores antes de contar algo em que só eles viram ou acreditam, “Manel eu vou contar-te uma coisa, em que não vais acreditar”. Como o velho Altino e o ditado, “é tudo história de pescador”, pois que muitas das histórias são temperadas com uma boa dose de exagero. Existe normalmente um detalhe na procura de condimentar o peixe, aumentar seu comprimento ou valorizar o esforço desenvolvido, como dizia o meu amigo Altino. O único pescador de confiança que dizia ter conhecido como não mentiroso, foi o Salvador, da Castanheira, seu companheiro em muitas pescarias e bom conhecedor dos pesqueiros no mar da Nazaré.

Mas os caçadores também são mentirosos ou exagerados. O Altino, também caçador, contou-me um diálogo entre o Antunes e o Bernardes.

- “Ontem, matei dez coelhos e dez perdizes.

-Eu tive também na Nazaré uma sorte muito boa. Pesquei seis robalos e três chernes.

-Também és pescador? Não sabia…

-Não. Também sou mentiroso”.

Gozar a brisa do mar e a paisagem, ver o tempo passar, falar sozinho ou com os colegas, comer uma bucha e beber um trago, eis o que muito motivava um pescador como o Altino, afinal um ritual comum aos da pesca desportiva. “Durante a pesca tenho momentos de lazer, descanso, reflexão e sinto-me mais próximo da natureza”, contava o Altino que nunca se preocupou com grandes filosofias, nem em apanhar peixes grandes ou raros.

Altino foi pessoa com mais de cinco décadas bem dedicadas a pesca desportiva sempre e só de barco (nunca pescou em água doce), tinha boas histórias para contar, aliás como de caça. Mas, a contrariar a crença popular de pescador aldrabão, as suas histórias não eram normalmente exageradas, parece-me. Mais do que a quantidade ou o tamanho dos peixes ou os temporais que o assolaram, como aquele em que no Mar entre Pedras, a ondulação ficou de repente tão grande que não se via terra e se encontrava sozinho no barco, o que por elas perpassava era a preocupação com a preservação ambiental, pois sabia bem que a degradação do meio ambiente e a pesca predatória, afastaram os peixe, “antigamente não faltava pescado”, onde antes eram encontrados com abundância. Além dessa preocupação, as suas histórias revelavam a paixão, que fez com que o que para si era apenas um desporto ou mera diversão (a sua profissão foi a indústria de cerâmica), ganhasse um espaço, como que sagrado se fosse religioso, o que não era o seu caso. Altino era contra os “covos”, gaiolas com grades que se colocam na água, onde os peixes ou polvos entram engodados, e dos quais não saem mais. Antigamente os “covos” tinham que ser levantados até 1 de setembro, sob pena de pesada multa, eventualmente até prisão. Hoje em dia encontram-se impunemente durante todo o ano.

sábado, 11 de julho de 2020

“A Castro”, Amélia Rey-Colaço e A. Lopes Vieira em Alcobaça



1) Perdurou durante bastante tempo na memória dos alcobacenses, a representação, de “A Castro”, de António Ferreira, no adro do Mosteiro a 25 de Agosto de 1935.



Foi considerada pela como “manifestação artística sem par”, aliás repetida com sucesso em 30 de Agosto de 1941. Segundo o Diário de Notícias, “Amélia Rey Colaço acabara de encontrar a expressão definitiva de um espetáculo nacional.

No templo gótico transformado pela magia da luz, aconteceu um milagre”.

Esta representação, grandiosa e imponente com encenação de Júlio Dantas, participaram cerca de 400 figurantes, que utilizaram os adereços do Torneio Medieval e do Cortejo realizado por Leitão de Barros, em junho de 1935 Lisboa. Em Alcobaça pode, assim, concretizar-se um projeto antigo de Amélia Rey Colaço, que foi considerado um ponto alto da sua já notável carreira.

O espetáculo começou com Palmira Bastos a dizer o poema de Afonso Lopes Vieira, escrito para o momento:

“Na Estremadura, coração de Portugal//Entre mosteiros e castelos e memórias//Alcobaça rebrilha entre as mais altas glórias,//Primeiro Afonso invocou Claraval.// Povo da nobre Vila! Ante vós neste adro//Vamos representar a tragédia de chama// E compor para vós o mais formoso quadro//Que o amor neste mundo inspirou quem ama.//Perto daqui, lá dentro, os túmulos de encanto//Monumentos que o mundo aqui vem admirar-//Vibram de beijos, de saudades e de pranto.//E assistem entre nós (noss’alma e adivinha)//Eternos na paixão, sombras dispersas no ar,//D. Pedro Rei do Amor, e Dona Inês Rainha!”. 

2) Amélia Rey Colaço teve uma carreira fulgurante, onde se contam sucessos como Salomé, Outono em Flor, Um Marido Ideal, Romeu e Julieta, A Visita da Velha Senhora, As Árvores Morrem de Pé e A Castro (na representação que veio a Alcobaça). 

Com mais de 80 anos, entrou na série de humor da RTP, Gente Fina é Outra Coisa. O seu último grande papel, representou-o com 87 anos na figura de Dª. Catarina na peça de José Régio, El Rei D. Sebastião. 


3)A segunda representação de “A Castro”, em Alcobaça, esteve inserida nos Festivais de Alcobaça, que não tiveram seguimento devido à Guerra. Afonso Lopes Vieira escreveu que “esta segunda tentativa de Grande Arte – no sentido mais português e mais europeu – faz-nos esperar que venha a criar-se nesta nobre vila o Ciclo Nacional de Teatro e Música, capaz de ser tão belo como os mais belos da Europa. Então haveria Portugal, documentado da maneira mais bela nas capacidades do seu espírito. Ajudemos, pois, com amor e saibamos ser gratos ao heroísmo artístico da empresa Rey-Colaço-Robles Monteiro”. Nesse Agosto de 1941, o Programa do Festival de Alcobaça incluiu na noite de 29, um Concerto de Música Espiritual na nave central do Mosteiro com áreas de Bach, o poema sinfónico de César Franck, a atuação do Cruz Fidelis, uma representação no claustro do Auto de Mofina Mendes (Gil Vicente), segundo programa “uma obra humana e divina a que a Virgem preside e em que a realidade destrói os arroubos de fantasia numa réplica interpretativa de um conto milenar oriental, numa encenação de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro”

A representação de “A Castro”, constituiu um notável e muito cuidadoso espetáculo em termos de efeitos de luz, guarda-roupa, adereços e cabeleireiro, onde além dos atores da tragédia (Amélia Rey-Colaço, Lucília Simões, Raul de Carvalho, João Villaret, Robles Monteiro, Igrejas Caeiro, Vital dos Santos, José Cardoso e Augusto Figueiredo), atuaram o Choro das Moças de Coimbra e Orquestra, sob a regência do conceituado Maestro René Bohet. O Diário de Notícias registou que “como em 1935, por uma noite de milagre, a CASTRO, volta a ser representada sobre o fundo evocador, dominador, impressionante de Stª. Maria de Alcobaça, monumento tão ligado à tragédia quinhentista de Ferreira, que já nos parece que sem ele faltaria à obra uma personagem. O mosteiro que guarda os túmulos de Pedro e de Inês, aguarda também um pouco de drama que a morte acabou e começou de novo, dando-a à imaginação dos interpretadores.


A luz, que é a cortina que se are para exibir o espetáculo, cria logo um ambiente roçando a pedraria e os vestuários e chamando o público para o campo da tragédia, valoriza a forma e o relevo do cenário e trá-lo também para a ação. O “Choro”, outra personagem essencial da obra, ora vivendo como comentador, ora como interlocutor, enleado na linha evolutiva, fecha-a num parêntesis camoniano, tão ajustados e próprios se acharam os versos do Príncipe ao comentário coral criado por Ferreira. Complemento do ambiente imaginado, poetização melódica dos versos do autor, como óleo de penetração sensível, a música intervém também acompanhando o lirismo dos ritmos – propositadamente irreal, nebulosa, indefinida quasi sonho, quasi imaginação – um cortejo fúnebre sobre o ponto final da morte de Inês, dará ao público a nota evocadora da interpretação passional das gerações que ainda souberam acrescentar em beleza uma História de Amor”.