quarta-feira, 12 de julho de 2023

EÇA DE QUEIROZ, O TEMIDO Dr. GODINHO, O PADRE AMARO E LEIRIA.

 
EÇA DE QUEIROZ, O TEMIDO Dr. GODINHO, O PADRE AMARO E LEIRIA.

 

No dia 17 de Junho de 2023, foi apresentado no Juncal o livro EÇA DE QUEIROZ, O TEMIDO Dr. GODINHO, O PADRE AMARO E LEIRIA.

 

Bacharéis, Magistrados, Advogados, Tabeliães, Escrivães, Meirinhos, Homens de Leis, aparecem amiúde, na obra queirosiana.

Como viu ele essa gente?

Com o aristocratismo indolente e dandy de um Carlos da Maia, com o apuro intelectual de um Fradique Mendes ou com o espírito das rimas mordazes de Sá de Miranda ou de Gil Vicente? Que ideia fazia dessas pessoas que lidam com o papel selado? Pretendeu elogiá-las? Denegri-las? Ou tão só representá-las?

 

A entrada d’O Crime do Padre Amaro no universo escolar foi muitas vezes retardada e até censurada, em particular durante o Estado Novo, sob o pretexto de uma moralidade a que sobrava hipocrisia e a que faltava lucidez.

 

Em Leiria, Amaro rezava missas como se impunha mas o seu pensamento, devaneio e ocupação eram a Amélia.

 

É n´O Crime (…) que aparece o temido leiriense Dr. Godinho, respeitável chefe de família, cuja eloquência arrancou inúmeros desventurados ao cutelo da lei. Homem pronto a levantar falsos testemunhos, e cujo desamor pela Igreja e seus ministros se sintetiza na ordem dada aos redatores d´A Voz do Distrito: Em tudo o que cheire a padre, para baixo! Havendo escândalo conta-se! Não havendo, inventa-se!

 

Eça de Queiroz faleceu em 16 de Agosto de 1900 em Paris e foi sepultado em Lisboa. Em setembro de 1989, os seus restos mortais foram transladados do Cemitério do Alto de São João/Lisboa para um jazigo de família no cemitério de Santa Cruz do Douro (Tormes), Baião.

A Assembleia da República em janeiro de 2021 aprovou por unanimidade um projeto de resolução para conceder honras de Panteão Nacional aos restos mortais de Eça de Queiroz em reconhecimento e homenagem pela obra literária ímpar e determinante na história da literatura portuguesa.

 

A obra pode ser adquirida via flemingdeoliveira@gmail.com ou 962925444 




UM PAPA EM PORTUGAL

 

UM PAPA EM PORTUGAL

 

FLeming de OLiveira

O ambiente era de tensão, entre o Governo Português e o Vaticano, nesses tempos finais do salazarismo, embora a maioria dos portugueses não se apercebesse disso.

“Oficialmente nada sei, mas, pessoalmente, creio que o Papa” (Paulo VI) “virá a Portugal, caso não haja implicações internacionais que o não permitam”, declarou, com cautela, o leiriense Cónego José Galamba de Oliveira, vice-presidente da comissão central das comemorações do cinquentenário das aparições.

Os rumores de uma visita papal a Portugal começaram a circular durante a cerimónia da entrega por Paulo VI da Rosa de Oiro ao Santuário de Fátima e, embora sem confirmação oficial, passaram a ter acolhimento muito favorável nas autoridades eclesiásticas portuguesas. A viagem foi publicitada na Audiência Geral de 2 de maio de 1967 e apresentada como uma “peregrinação para honrar Maria Santíssima e invocar a sua intercessão em favor da paz na Igreja e no Mundo. A peregrinação rapidíssima, terá caráter privado. Sua Santidade o Papa, partirá para Fátima no dia 13, e o avião aterrará no aeródromo de Monte Real. Depois de celebrar missa e falar aos fiéis, regressará a Roma no mesmo dia”.

Do ponto de vista da comunicação social, a visita papal foi, provavelmente, o acontecimento mais mediático a que, até então, se assistira e que veio atenuar a política isolacionista do Estado Novo e também fonte de inspiração e estímulo para os que se lhe opunham.

Salazar terá “jurado” a Franco Nogueira que enquanto fosse vivo, Paulo VI não viria a Portugal, que lhe recusaria o visto de entrada.

À partida, era expectável que a visita do Papa se prestasse a ser fortemente capitalizada pelo regime. Mas também acabou por se revelar mobilizadora e benéfica para as oposições, que reconheciam os seus anseios e preocupações no discurso de Paulo VI que liderava um movimento de renovação da Igreja, que assumira a causa dos mais fracos e denunciava as injustiças decorrentes de um capitalismo feroz e alheado do progresso dos povos, que por isso fomentava a revolta e a guerra.

Conforme o embaixador de Portugal em Roma, António de Faria, o Pontífice tardou todavia a dar o “sim” à deslocação.

O primeiro a receber no Vaticano um arcebispo de Canterbury  (na época, Geoffrey Fisher)  foi porém João XXIII, a 2 de dezembro de 1960. O primeiro encontro entre um Pontífice e um Primaz da Comunhão Anglicana desde 1559, foi um marco do ecumenismo. Mas, curiosamente, um evento do qual não existe nenhuma fotografia. Afinal a Igreja também faz “birras”…

Conta-se que o parecer favorável de João XXIII ao encontro (o pedido vinha do próprio Fisher)  gerou turbulência na Cúria, pelo que não foi destacado fotógrafo para o acontecimento. Não foi uma decisão improvisada, mas sim preparada por anos de atenta reaproximação, mas que nem a fórmula de uma “visita de cortesia” foi suficiente para torná-la menos explosiva.

Paulo VI foi o primeiro Papa a fazer com regularidade, viagens para fora do Vaticano. Antes de Fátima, foi à Terra Santa, à Assembleia Geral de ONU, em 1963 ao Congresso Eucarístico em Bombaim, o que Franco Nogueira, qualificou como “um agravo gratuito, no duplo sentido de que é inútil e injusto para com um país católico”.

A deslocação a Fátima, à partida, não foi apreciada pelo governo português. Permanecia o agravo entre a Índia e Portugal, pois aquela tinha invadido e ocupado Goa, Damão e Diu em dezembro de 1961, e, apesar da tentativa do Papa em procurar mostrar que a ida a Bombaim não era um gesto hostil a Portugal e ao catolicismo português, provocou uma forte reação por parte de Salazar e do Governo.

A visita papal a Portugal deveria ser um momento de glória, nunca de embaraço. Não foi uma visita de Estado, o Pontífice decidiu não ir a Lisboa, não pernoitar em Portugal mas aceitar ser convidado do Bispo de Leiria. Enfim, para mostrar o distanciamento face ao regime político português.

Assim que correu a notícia da visita papal, o país entrou em efervescência a preparar a receção que, além da solenidade protocolar propriamente dita, se queria envolta em exuberantes manifestações populares de carinho e apoio à sua pessoa (e ao regime…), bem como ao propósito da peregrinação, a paz no mundo e o entendimento dos homens.

O regime controlava a comunicação social, pelo que pode ao seu estilo apresentar e fazer o enquadramento da visita, valorizando a vinda em si e apagando sinais desse distanciamento junto da população. Era importante confirmar a imagem de um Portugal católico e leal, sendo a multidão uma manifestação de apoio ao regime.

Essa postura, foi a que passou para consumo interno.

 

AGITAÇÃO EM FRANÇA

 

AGITAÇÃO EM FRANÇA

Cumprimentos aos nossos leitores

 

FLeming de OLiveira

 

A agitação social que recentemente se registou em numerosas cidades francesas, parece-me ser o momento para abordar a sua dimensão real e causas, antes de fazer o levantamento dos desafios que se colocam para levar a cabo uma nova política de integração sociocultural, cujas lacunas insofismavelmente se revelam.

Tendo em conta o efeito amplificador de imagens de incêndios e de violência que nos chegaram, era expectável títulos tão sensacionalistas como “A França a fogo e a fogo”, “Paris já está a arder”. Certos comentadores, aproveitaram a oportunidade para ajustar contas com o modelo de integração “à francesa”, sublinhando o carácter xenófobo e racista do país.

Falei um dia destes com um meu conhecido radicado em Marselha desde inícios de 1970 (bem sucedido empresário da construção civil, reformado e integrado com filhos, netos e 2 bisnetos, mas que nem por isso deixa de se assumir como português nado e criado no Marco de Canavezes, aonde vem todos os anos) cuja sorte como de muitos nossos compatriotas poderia ser eventualmente inquietante, no quadro destes acontecimentos. Pessoalmente não se sentiu inquieto. Os actos de violência, no seu entender, foram indiscutível e desproporcionadamente graves, gravíssimos, incontáveis automóveis queimados, edifícios públicos vandalizados, lojas saqueadas, polícias feridos e muitos de detidos. Os acontecimentos não tiveram dimensão política, étnica ou religiosa, que por vezes os “media” lhes quiseram atribuir para consumo interno ou externo, não se apercebeu corresponderem a um plano pré-concertado. A violência rebentou sem ligação entre grupos de adolescentes, imigrantes de segunda geração, que conhecem mal (ou nem conhecem) o seu país de origem e que atravessam uma crise de identidade. Alegam, conforme os casos, que não tem as oportunidades dos outros jovens franceses para estudar, para trabalhar (o que não é inverdade) ou dispor de habitação condigna (mas o problema não é apenas francês). O seu comportamento, reflexo desta frustração e alegadamente em direta retaliação à descriminação policial, não questiona, todavia, serem franceses de pleno direito.

O meu interlocutor, apesar da pequena escolaridade que obteve em Portugal, defende, talvez por isso, a educação como prioridade, a luta contra o insucesso escolar, o aumento das bolsas de mérito para os provenientes dos “bairros problemáticos”, a abertura do ensino profissional aos jovens em rutura escolar, e na boa conceção portuguesa, uma maior responsabilização dos pais.

Ele que vive numa casa confortável fruto de muita canseira, lado a lado com imigrantes espanhóis e franceses da pequena classe média com quem se encontra no café, gostaria de ver erradicados os blocos de cimento construídos por si e muitos portugueses nos anos de 1960 e 1970 para corresponder ao pico da emigração proveniente da Europa do sul.


Se hoje em dia não se sente discriminado socialmente como gosta de salientar, já não pode dizer o mesmo dos magrebinos que abundam em Marselha (mas que não frequentam o seu café), pelo que vê como necessária a criação de uma autoridade contra a discriminação e para a igualdade de oportunidades, munida de poderes sancionatórios.


Portugal sentiu-se tocado, mas não contaminado, pelos acontecimentos em França.

Portugal foi um país de emigração, nomeadamente para a França. Para milhares de compatriotas nossos que procuravam trabalho, fugiam à ditadura e à guerra de África, o “salto” foi difícil, mas o estabelecimento globalmente bem-sucedido, pelo que se constata que, tal como os descendentes, ocupam frequentemente posições de destaque.


A integração dos portugueses em França pode ser considerada um êxito, sem descurar problemas iniciais como os que conheci em 1966 no bairro de lata de Champigny (Paris) o que como burguês me chocou pelo inusitado, ou os que ainda podem subsistir. A França enfrenta hoje o desafio da adaptação da sua política de integração com o fim de satisfazer os que reclamam na sua maioria de forma pacífica, o desejo de serem franceses de pleno direito.  Vamos a ver os que pode acontecer nos próximos tempos.

Cumprimentos aos leitores de O AlCOA em França.