sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ALCOBAÇA NAS BARRICADAS-1975



-Rio Maior. Aqui começa Portugal
-As alianças do dr. Cunhal
-Leiria
-Incidente (esfaqueamento mortal) em Caldas da Rainha por razões político-partidárias
-Alcobaça PRESENTE!

Em comunicado distribuído em Alcobaça, o PPD convidava os seus militantes e simpatizantes a comparecerem e a incorporarem-se, ao princípio da tarde de 21 de Julho de 1975, no funeral do comerciante António Ramalho Junior, que morreu em consequência de ferimentos contraídos durante uma discussão em que se envolveu por razões partidárias. O PPD de Alcobaça fez-se representar por uma delegação composta por Fleming de Oliveira, Silva Carvalho, Firmino Franco e Carvalho Lino, entre outros, tendo apresentado condolências aos companheiros da Concelhia do PPD de Caldas da Rainha.
O Ramalho, incitava a população de Caldas da Rainha a tomar de assalto a sede do PC, quando Mário Fernandes de Sousa, também comerciante, após uma breve troca de palavras, o esfaqueou no peito, com uma faca de ponta e mola. O homicida era militante do PC e a vítima adepto do PPD.

Nesse mesmo dia, cerca de 10.000 pessoas assistiram em Leiria a um comício do PPD, enquanto que a sede do PC era guardada por militares armados. Após a intervenção de vários oradores, entre os quais Ferreira Junior e Oliveira Dias, que criticaram as opções do MFA, sob o slogan socialismo sim, ditadura não, isto é do povo não é de Moscovo, Cunhal para a Sibéria, foi aprovada uma moção para ser entregue ao MFA, na qual o PPD exigia a constituição de um governo que garanta o exercício das liberdades e da democracia, a imediata remodelação dos meios de informação, transformando-os em órgãos nacionais, isentos e imparciais, medidas de respeito e dignificação da Assembleia Constituinte, a destituição das Câmaras e Juntas arbitrariamente constituídas e a instauração de novos corpos administrativos em eleições que constituam a vontade do povo.

Na tarde de 13 de Julho, cerca de 200 pessoas, a mando de caciques locais, assaltaram as sedes do PC e FSP, de Rio Maior, de onde resultaram cinco feridos, todos do PC.
Quando souberam que estavam a decorrer estes acontecimentos, Américo Malhó e Jorge Mateus, foram dos Montes ver o que se passava. Sempre que possível, não perdiam uma oportunidade, até diziam que já estavam a ganhar-lhe o gosto e podiam dizer, com legitimidade, que tinham cicatrizes feitas nas trincheiras partidárias.
Antes de chegarem à entrada da vila, depararam com um grupo de soldados um dos quais os mandou parar, sair do carro e abrir a mala para ver o que continha. Américo Malhó disse que a não abria, tanto mais que o carro que conduzia, um Peugeot, não era seu, mas do amigo e conterrâneo Jorge Mateus. O soldado, com ar irado e ameaçador, disse-lhes que ou a abriam ou lhes dava um tiro. Como Américo Malhó e o Jorge Mateus continuavam a nada fazer, diziam para o militar, abre-a tu se quiseres, o soldado tentou abrir a mala, para o que colocou a arma ao ombro. Américo Malhó, saído à pouco da P.M., com toda a facilidade, sacou-a e disse ao soldado então diz lá agora, quem é que dá um tiro?
Depois de lhe terem sacado a arma, meteram no carro o pobre diabo que, mudo e calado, nem protestava, e rumaram em direcção ao centro de Rio Maior, aonde se propunham soltá-lo, com uma palmada no traseiro, sem todavia lhe restituírem a arma. Porém, quando entraram num café, viram outros militares armados, a cavaquear amenamente e tendo reconhecido um, que era dos Montes, o nosso conhecido 70, foi a este que o entregaram, com a arma e algum sarcasmo.

Zé Póvoa, Hermínio Fortes, António Malhó e Firmino Franco, queriam estar na primeira linha dos acontecimentos, pelo que també foram para Rio Maior. Ao chegarem perto de Rio Maior, pela EN 1, por alturas do Alto da Serra, já o trânsito estava condicionado, pelo que tiveram que deixar a viatura antes do cruzamento para Caldas da Rainha. Fizeram o restante caminho a pé até à entrada norte da Vila, onde começava a concentração de populares. O movimento ainda estava algo desorganizado, era apenas uma manifestação da CAP, contra a ocupação e controlo do Grémio da Lavoura, por elementos afectos ao PC. Os manifestantes queriam cortar o acesso de alimentos a Lisboa, ocupavam a via pública e, com determinação, não permitiam a passagem a qualquer viatura. Foi o início do famoso corte de estrada de Rio Maior que provocou a divisão do país em dois, com o forte slogan Aqui começa Portugal, ou seja, dali para baixo não era reconhecido como solo português, mas sim, terra ocupada por estranhos.
Com o passar do tempo os manifestantes tornaram-se mais organizados e objetivos, tomando força através da colocação de máquinas e viaturas pesadas, a obstruir a estrada.
Os montenses, que estiveram a dar o apoio, regressaram satisfeitos ao final do dia a casa, e para se prepararem para voltar à noite às barricadas, pois estavam cansados.

Dois dias depois, grupos de pessoas, onde se encontravam bastantes beneditenses conhecidos de José Vinagre que ficara na Benedita a trabalhar no seu estabelecimento comercial, rasgaram e queimaram maços de jornais transportados pelas carrinhas do Diário de Lisboa, destinados ao centro e norte, como desagravo pela forma tendenciosa como os vespertinos lisboetas DP e DL, relataram os assaltos às sedes do PC e FSP, por hábeis e perniciosos elementos agitadores contra revolucionários, na linha de um comunicado do COPCON.
O Povo de Rio Maior também emitiu um comunicado em que pretendeu justificar aquelas ações pois foi alvo de humilhante e insidiosa adjectivação, através da Rádio, TV e da Imprensa.
Os montenses passaram várias noites de vigília em Rio Maior, engrossando as fileiras dos resistentes. Ali, juntavam-se grupos à volta de fogueiras, onde não faltava pão, febras ou chouriço, sardinhas e vinho, trazidos por gente solidária e repartir comunitariamente. De vigília, com as armas por perto, passavam a noite entre histórias e anedotas. Também havia acordeão ou viola. Entre os resistentes encontravam-se pessoas que, não podendo passar, se juntavam a eles para conviverem e manifestarem o apoio. José Acácio dos Santos contava que, numa dessas noites, estava um senhor de meia-idade, sentado junto à fogueira, mas nada dizia, triste e de olhar fixo no fogo. Começaram a pensar se ele não pertencia ao outro lado da barricada, pelo facto do seu comportamento ser algo estranho, até que alguém não se conteve e perguntou-lhe o que se passava, se concordava ou não com eles. Ele respondeu, de forma simultaneamente altiva e dolorosa, que vinha do Porto para o Alentejo, onde possuía uma pequena herdade, tendo ficado ali retido. Entretanto, tinha recebido um telefonema da esposa a anunciar-lhe que a sua herdade tinha sido ocupada e que durante a ocupação, a mãe dele tinha morrido, ao ser arrastada à força para fora da sua casa. Era essa a razão da sua profunda tristeza, estava totalmente solidário com o movimento de Rio Maior, mas queria ir para junto da família enlutada.

Em Rio Maior, a Secção do PS, com data de 7 de Novembro de 1975, emitiu um comunicado em que,
(…) Os militantes do PS da Secção de Rio Maior, constituída por operários, camponeses, trabalhadores rurais, na sua esmagadora maioria, dão o seu incondicional apoio às objectivas afirmações do Secretário Geral, Camarada Mário Soares, considerando a sua intervenção no Frente a Frente com o sr. Dr. Álvaro Cunhal, traidor da classe operária, que ostensivamente não vê a realidade portuguesa extremamente válida para a contribuição da resolução da crise política actual, vindo a propósito, lembrar ao PC:
-Que, após o 25 de Abril os comunistas portugueses foram recebidos na sociedade de braços abertos, nomeadamente no caso de Rio Maior.
-Que antes do 13 de Julho de 1975 (incidentes de Rio Maior) os Partidos Políticos aqui implantados viviam um salutar clima de democracia, tendo até, todos, organizado diversas actividades em conjunto, recreativas, culturais e até políticas.
-Que perante uma convocação para um plenário de agricultores, com a assistência do IRA, delegação de Alpiarça, no referido dia 13, em que o PC tomou para si a responsabilidade da organização fazendo convocatórias à socapa e mandando umas circulares entre 6000 agricultores inscritos no então Grémio da Lavoura, para o plenário, o clima político, salutar, estragou-se pois o POVO, que o sr. Dr. Cunhal diz considerar acima de tudo, descobriu as suas manobras.
-Que o PC a nível de Rio Maior, também pretendia ser a VANGUARDA do processo político, e não a vanguarda dos trabalhadores portugueses, tão, dizemos nós, dominado por PC’s.
-Que isto vem reafirmar ou confirmar, a declaração do Camarada Mário Soares, ao dizer que os lugares chaves da vida Portuguesa estavam ou ainda estão, entregues a um só partido.
-Que o PC, na verdade, tinha intenção de se infiltrar em todo o aparelho de Estado e dai contrariar a seu belo prazer a revolução portuguesa, sem se importar de regar os cravos de 25 de Abril com o generoso sangue dos portugueses.
-Que disso é uma prova o assalto às armas, facto que o sr. dr. Cunhal sempre se esquivou a definir a posição do seu partido, no Frente a Frente realizado na T. V.
-Os ódios fomentados em Portugal desde o 25 de Abril, precisamente por o PC não aceitar as regras do jogo, são um índice de que a sociedade portuguesa está em crise moral aliada à crise económica a que o PC não é ilibado de responsabilidades com o seu sistemático incitamento aos honestos trabalhadores portugueses, a ocuparem terras, que, se o PC não sabe devia saber, não têm possibilidades técnicas, de desenvolver.
-Isto é um convite ao suicídio, e não um pacto com os trabalhadores.
-Os trabalhadores militantes do PS em Rio Maior repudiam as afirmações do sr. dr. Cunhal, quando diz que o seu partido tem uma aliança com a direita.
-Por outro lado disse que o PS tinha uma aliança com o MRPP e AOC o que é falso.
Serão estes partidos
de direita?
-O programa do PS, é claro, quando diz que é pela liberdade e respeito por todas as ideologias.
-Será que o sr. dr. Cunhal confunde alianças com respeito pela maneira de pensar dos outros?
-Os trabalhadores militantes do PS em Rio Maior repudiam a auto-nomeação de um Partido Político como único defensor da classe operária.
-Os trabalhadores militantes do PS em Rio Maior repudiam a discriminação feita pelo sr. dr. Cunhal ao Povo Português, e aqui também incluem os militares, na sua classificação de reaccionários e progressistas.
-Os trabalhadores militantes do PS em Rio Maior solidarizam-se com o secretário-geral do PS, camarada Mário Soares, na defesa intransigente do socialismo em liberdade e na sua determinação em querer, acima de tudo, salvar este país da situação em que presentemente se encontra.(…)



FLEMING DE OLIVEIRA

UMA CARTA APÓCRIFA PARA A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE “EX-MILITANTE” DO MDP/CDE




Basílio Martins, foi protagonista de um incidente porventura lamentável, mas sem consequências.
Em 12 de Setembro de 1975, o Diário da Assembleia Constituinte publicou uma carta, lida no Período de Antes da Ordem do Dia, como tendo sido escrita por si:
Basílio José Martins, jornalista da Voz de Alcobaça, ex-militante do MDP/CDE, apoia a Assembleia Constituinte e repudia a conduta demagógica e antipopular dos membros do PCP e MDP/CDE.

Medeiros Ferreira, in História de Portugal, ed. Círculo de Leitores, defende que uma das principais discussões sobre o Regimento da Constituinte teve a ver com a existência ou não, da chamada Hora Prévia, em que se jogou a natureza política da Assembleia.
Isto relacionava-se com a questão das competências políticas gerais da Assembleia, em suma, de se defender como Octávio Pato, que se trata de uma mera Assembleia Constituinte e não um Parlamento, com outros objectivos. Esta carta de Basílio Martins, lida e registada no Período de Antes da Ordem do Dia, insere-se como uma manobra, embora apócrifa, de intervir no momento político. O mesmo Basílio Martins veio expressamente, a refutar a carta tendo solicitado de imediato o desmentido à própria Assembleia e a sua divulgação no jornal O Alcoa. O assunto teve nulo impacto local, apesar de, no dizer do visado, as reacções foram variadas. Uns-de cruz gamada no olhar vitorioso-acreditavam e sorriam satisfeitos; outros-seguros-disseram que já esperavam; outros ainda, achavam muito bem (até começaram a cumprimentar melhor…).


FLEMING DE OLIVEIRA

-MARCELO CAETANO, -HERÓIS DE ÁFRICA, -MONUMENTO AOS COMBATENTES NA BENEDITA



A vinda de Marcelo Caetano à Benedita, no ano de 1973 que referimos com algum detalhe na nossa obra NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS. Alcobaça e Portugal, constituiu um evento muito marcante, de modo que a Junta, entendeu, por bem, colocar um medalhão em bronze com a sua efígie, no largo principal, mandada fazer em Lisboa.
Mudaram-se os tempos e, portanto, as vontades, e em Março de 1975, com discrição, a Junta de Freguesia mandou retirá-lo do local. Durante a campanha para a Assembleia Constituinte, a placa da Rua Heróis do Ultramar, na Benedita, foi suja com tinta preta. Discutido o assunto em Assembleia de Freguesia foi decidido, por maioria, mandar pintá-la e manter o nome da rua.

Manuel Violante, então com 35 anos e já, como hoje, vendedor de calçado, mais conhecido como Gineto (palavra que de acordo com o dicionário corresponde a um animal carnívoro, semelhante à raposa), havia em princípios de Maio de 1975 feito em casa uma matança de porco, tendo solicitado ao amigo, Joaquim Carocho, dono de um talho, que lho desmanchasse. Quando ia levar o animal ao talho, viu dois homens, um com os pés em cima dos ombros do outro, a partir com uma picareta a placa da Rua Heróis do Ultramar, que já tinha sido vandalizada, tempos antes com tinta preta. Incomodado com a situação e a estupidez do ato, pois como muitos outros rapazes de Benedita e da sua geração prestara serviço militar em Angola, reprovou com veemência os indivíduos mas, como estava sozinho e sem ninguém à vista, resolveu ir ao Café do António do Carmo, pedir ajuda, o que não conseguiu, pois os presentes eram apenas uns velhotes, que jogavam a sueca.
Quando regressou ao local, já a pedra se encontrava partida, perante o ar espantado e também incomodado de algumas pessoas que, entretanto, haviam chegado a quem se foram rapidamente juntando muitas mais, dir-se-ia mesmo sem exagero umas centenas. Incapaz de se conter, o Gineto ainda tentou tirar desforço físico de um dos rapazolas, aos quais já se havia juntado um tal Adelino Nicolau, conhecido localmente pelo Manguinhas, que não tendo participado directamente no acto iconoclasta, fora sem dúvida o seu mentor. Mas os presentes supuseram ser este o autor material, pelo que o perseguiram, obrigando-o a refugiar-se no primeiro lugar que encontrou, o Café Talacha, cujo dono nada tinha a ver com o assunto e o repudiava, mas que mesmo assim, viu partida uma montra de vidro com o lançamento de um paralelepípedo. Como os ânimos continuavam cada vez mais exaltados, Luís Nicolau, o pai do Adelino Nicolau, decidiu telefonar para o RI 5, Quartel de Caldas, a pedir proteção para o filho, o que veio de certa forma a acontecer, tendo esse feito deslocar à Benedita, um jeep com uns três ou quatro militares armados, que todavia não precisaram de intervir, apesar de continuarem a chegar ao local cada vez mais pessoas, nomeadamente de Rio Maior.
Nessa noite, realizou-se um concorrido Plenário no Salão Paroquial, onde foi decidido recolocar na rua uma nova placa, a expensas dos vândalos/energúmenos, o que aconteceu no dia 1 de Junho de 1975.
O ambiente na Benedita passou a tornar-se tão difícil para o Adelino Nicolau, que foi viver para Lisboa e, ainda hoje trinta e cinco anos passados, só raramente vem à terra e envergonhadamente de fugida.
De acordo com José Vinagre, estes acontecimentos tiveram, localmente, bastante repercussão, pelo que o 25 de Abril tendo ali colhido de início bastantes adesões, passou a acarretar preocupações e reservas.

Nem sempre com a coerência e oportunidade desejáveis, o certo é que o MFA havia já emitido, a propósito de outra situação, que:

O MFA TUDO FARÁ PARA QUE OS HERÓIS NÃO SEJAM ESQUECIDOS

As Forças Armadas, não obstante se terem oposto à continuação de guerras no Ultramar, sentem-se frontalmente atingidas quando, de qualquer forma são visadas, através daqueles que, no campo da batalha, souberam cumprir o seu dever militar. O MFA vector dinamizador das Forças Armadas, e que com elas se identifica, não renega, não renegará, nem autorizará que sejam renegados os seus heróis do Ultramar. Pelo contrário, tudo fará para que não sejam esquecidos.

A 16 de Maio de 2010, mais de 35 anos passados sobre o fim da Guerra, foi inaugurado na Benedita um monumento ao Combatente do Ultramar (entre 1961 e 1974 foi cerca de um milhão de portugueses os que passaram como combatentes por África), numa cerimónia concorrida, representativa, digna e emocionante, onde este presente o Gen. Altino Pinto de Magalhães.
A conceção da obra de escultura, pelo jovem arquitecto beneditense Renato Franco da Silva, que apresentou à apreciação da Liga dos Combatentes (núcleo de Alcobaça), referia-se à construção de um monumento a edificar no largo do cemitério da Benedita. Aliás, no Concelho de Alcobaça existem outros memoriais, ainda que menos imponentes. Pelo País além, existem mais de cento e trinta.
Renato Franco da Silva, que nasceu quase com o 25 de Abril, e não passou pelo mato africano, apreendeu de uma forma notável, a importância do seu trabalho no contexto histórico nacional e local em que se ia inserir, e assim a frente/entrada do cemitério, as características naturais do terreno em declive, a orientação solar e as árvores foram factores determinantes para a execução do projecto. Formalmente a edificação apresenta uma forma paralelipipédica quase pura, composta por duas naves em paralelo na horizontal que acondicionam entre si uma passadeira em relvado que termina junto à base da árvore, existente, mais a nascente. O declive natural do terreno visa promover um afundar/sepultar natural dos blocos, terminando junto da árvore, central ao corredor, numa atitude de renascer, de ressuscitar, de esperança.
Os oito blocos que compõem as naves, quatro a cada lado, remetem a um formato tumular, sendo reforçada esta intenção pela aplicação dos símbolos de cada parcela do Ultramar Português:
1)-Angola, São Tomé, Guiné e Cabo Verde (a ocidente);
2)-Moçambique, Timor, Índia e Macau (a oriente).
A disposição dos mesmos, segue a ordem dos paralelos do Mapa-Mundo, com os símbolos gravados em relevo na pedra ou fundidos em bronze.
Nos oito blocos/túmulos aparecem também gravados os nomes das vítimas de combate, que pertenceram à Benedita, sendo a localização das gravações no centro no lado interior de cada bloco, respeitando o local de óbito.
Na pedra de fecho, elemento central, aparece a gravação de Monumento ao Combatente, em conjunto com o símbolo da Liga dos Combatentes. Nos topos nascente das duas naves poderão ser também gravadas inscrições alusivas à memória dos militares.



FLEMING DE OLIVEIRA

(II) O 1º DE MAIO DE 1975 EM ALCOBAÇA -Várias versões. -A festa era só para os escolhidos ?




Timóteo de Matos em diferentes momentos, veio a sofrer todas as punições constantes dos Estatutos do PC, excepto a da expulsão, certamente porque não tenho feitio para defender continuamente a opinião da maioria, só porque é a da maioria.
Só em Março do ano seguinte, voltou ao Partido, perante uma acesa discussão sobre a sua expulsão da Concelhia, reentrando pela mão de dois dirigentes do Comité Central, Osvaldo Castro e Lancinha, dirigente e homem de grandes qualidades, infelizmente já falecido e de quem vim a ser muito amigo e companheiro de muitas lutas e de alguns momentos de grande alegria. Voltei pois, cheio de força, de ideias e de ideais. Que diabo! Os tempos que se seguiram ao 11 de Março, eram necessariamente, para qualquer revolucionário, por mais ofendido que se encontrasse, tempos que não podia ignorar. Estar de fora nessas lutas, teria sido para mim inimaginável, embora deva confessar que nunca fui daqueles que confiavam que o socialismo fosse instalado em Portugal, assim já ali, ao virar da esquina. Sempre via (e ainda vejo) o PCP mais como um partido com uma influência decisiva na sociedade e na política portuguesa, mas muito mais no aspecto de não deixar descambar tudo para a direita, o que necessariamente aconteceria com o PS que temos, do que na assumpção do poder, num momento em que o capitalismo está por cima, pesem embora os óbvios disparates e manigâncias em que cada vez se enterra mais, na ânsia de sobrevivência.
A partir daí, e durante cinco ou seis anos, manteve-se em bastante actividade, tendo chegado a membro da Comissão Nacional de Desporto.
O PC, no Concelho de Alcobaça, atingiu, no seu melhor momento, os cerca de duzentos e cinquenta militantes, com considerável força no norte e centro e muito pequena no sul do Concelho onde, especialmente nas freguesias da Benedita, Turquel e Vimeiro, ser comunista equivalia a ter problemas no dia a dia.
Depois do 11 de Março, as nacionalizações, a reforma agrária, manifestações gigantescas e o PREC, a luta entre a direita e a esquerda agudizaram-se. É opinião de Timóteo de Matos, agora de conteúdo muito benévolo/reciclado, enfim cauteloso e politicamente correcto, que em todos os casos em que duas facções entram em confronto, a razão deixa frequentemente de imperar e as respostas são, muitas vezes, desproporcionadas em relação às acções que pretendem combater. Em Portugal, a linha do PC em relação à PIDE e ao fascismo em geral, sempre foi, após o 25 de Abril, a da defesa do julgamento justo e não a da vingança. Substituir, nos comícios, a palavra de ordem MORTE À PIDE! por JUSTIÇA! foi coisa que a extrema-esquerda nunca pode tolerar e que a maioria dos militantes comunistas tiveram dificuldade em engolir.
Timóteo de Matos justifica-o, porque acabava-se de ver o que ocorrera no Chile de Allende, onde a extrema-direita tinha perseguido selvaticamente os elementos da esquerda e os democratas em geral, os comunistas portugueses, ou melhor, alguns deles, não deixaram, aqui e ali, de responder com violência às provocações e, por vezes, serem eles próprios a iniciarem-nas. Mas pode dizer-se que, na Revolução Portuguesa, os que estavam do lado dos vencedores levaram mais do que deram.
Logo no 1º de Maio de 1975 as coisas azedaram.
Estava marcada uma manifestação, pelas ruas de Alcobaça, integrada numa festa na Praça D. Afonso Henriques, com razoável número de presenças e em que recordo que o actor José Viana foi um dos animadores. Da Praça partia-se para a manifestação, junto ao Café Trindade e à então sede do PPD. Como é sabido, nestas manifestações, o colorido de bandeiras e faixas tem papel primordial, em conjunto com as palavras de ordem que se gritam e o número de manifestantes. E lá estavam as bandeiras de alguns sindicatos, de alguns partidos de extrema-esquerda, também do PS e grande quantidade do PC. Aconteceu então descerem da sede do PPD com o fim de se integrarem na manifestação com outros manifestantes da sede do seu partido, Gonçalves Sapinho com uma bandeira nacional e Fleming de Oliveira empunhando a do PPD. Fruto do acaso, a distribuição das bandeiras? Ou “ratice” maior de Gonçalves Sapinho? O que é certo é que a presença da bandeira do PPD foi contestada imediatamente por parte do funcionário do PCP (Manuel Beja) que se atribuía o papel de comandante da manifestação e que era portador de um megafone para melhor iniciar as palavras de ordem. Não estavam pelos ajustes os do PPD e travaram-se de razões os de um e outro lados. Razões de rua, bem gritadas, mal ouvidas, as coisas aqueceram e o megafone experimentou a dureza de duas ou três cabeças. Lembro-me que o principal agredido foi o Dr. Fleming. Não me recordo, mas estou em crer que a bandeira se manteve na manifestação, até ao fim.
Manuel campos, inscrito no MDP/CDE, mas sem renegar totalmente o Estado Novo, reconhece que neste 1º de Maio, houve turbulência em Alcobaça, que não aprovou. Não participou na manifestação, tendo-se limitado a assistir do passeio, mas destaca o momento em que viu um grupo no qual seguia à frente o dr. Fleming, com uma bandeira do PPD, se ter envolvido em desavença com outro afecto ao PC.
Quanto aos acontecimentos com Natália Evangelista, embrulhada na bandeira laranja e correndo ao longo da rua, não se apercebeu de nada, mas ouviu falar deles.
Com a finalidade de esclarecer a opinião pública sobre a verdade das comemorações do 1º de Maio em Alcobaça, que alegadamente deveriam ser de concórdia e unidade entre os trabalhadores, independentemente do credo político, a Secção de Alcobaça do PS, veio a público informar que este foi contactado no sentido de organizar com o PC e o MDP/CDE, os respectivos festejos. O PPD, obviamente, não foi convidado, o que não o impediu de comparecer na festa. O PS defendeu que as comemorações deveriam ser apenas obra dos trabalhadores, levada a cabo por intermédio dos sindicatos, embora com o apoio dos partidos, que participando, não deveriam assumir a direcção dos trabalhadores. Acontece que acabou por não ser esse o entendimento que prevaleceu pelo que só o respeito pela classe operária, impediu que, pelo menos, no seu dizer o PS não abandonasse a organização.
O PS informou os alcobacenses que discordou da instalação de stands dos partidos com fins lucrativos, aliás no seu stand apenas foram distribuídos cravos vermelhos, e alertou para o perigo que poderia resultar da inclusão de bandeiras partidárias no desfile. O PS tinha razão e o mau exemplo não lhe pode ser imputado.
As comemorações foram, enfim, programadas nas costas do PS, sendo a reunião uma mera e vazia formalidade, pois que terminou na madrugada do dia 29 e o programa deu entrada na tipografia na manhã desse mesmo dia.
Tudo isto acarretou, segundo o PS, graves incidentes, imputados à cegueira partidária de alguns como PC e MDP/CDE.

FLEMING DE OLIVEIRA

(I) O 1º DE MAIO DE 1975 EM ALCOBAÇA -Várias versões. -A festa era só para os escolhidos ?




A 1 de Maio de 1975, os Bombeiros Voluntários de Alcobaça, fizeram 87 anos de vida, pelo que organizaram um vasto programa que abrangia uma romagem ao cemitério, projecção de uns filmes com uns incêndios em que intervieram, baile, almoço-convívio, homenagens e a apresentação de uma nova ambulância. Ao mesmo tempo ficou a saber-se que se pretendia organizar um Corpo Feminino Auxiliar, aberto a meninas e senhoras com mais de 14 anos, indo começar em breve a instrução das primeiras aderentes.
Nesse dia a festa política, em Alcobaça, era só para alguns, pois o PC, MDP/CDE e outros, os organizadores da festa, não queriam a presença dos populares-democráticos, quer no comício da Praça D. Afonso Henriques, quer no desfile, muito menos aos portadores da bandeiras laranja.
Logo de manhã, a população de Alcobaça foi acordada pelo som estridente do foguetório lançado do Castelo e pela animação das bandas de música da Vestearia e da Maiorga, a desfilar pela rua.
Vamos ou não participar no desfile?
Como sempre, as questões discutiam-se na sede do PPD, como em plenário improvisado, pelo que após acalorado debate, em cima da hora, com as manifestações já a decorrer, foi decidido que o PPD, depois de grande instigação de Silva Carvalho e do casal Evangelista (Natália Evangelista saiu a empunhar uma bandeira do PPD, o que lhe acarretou momentos de glória quando alguém a quis tirar-lhe), e não obstante os apelos à moderação de parte de Gonçalves Sapinho, iria integrar o desfile, ainda que sujeito ao risco de uns mimos verbais e físicos, como aliás veio a acontecer, com Natália Evangelista e Fleming de Oliveira. Ao fim e ao cabo, à escala de Alcobaça, expressavam-se contradições de um processo que teve o seu ponto mais elevado no Estádio 1º de Maio, em Lisboa. Na verdade, ocorreram lá confrontos graves entre grupos de manifestantes alinhados com a Intersindical, que reclamavam a unicidade, a exclusiva representação dos trabalhadores e os defensores de um sindicalismo livre, com destaque para Mário Soares, Salgado Zenha e o PS. Os dirigentes do PS foram impedidos de entrar na tribuna do Estádio por militares e pelo PC. Como que à moda das claques de futebol, gritava-se do lado do PS socialismo sim, ditadura não e do MFA e PC socialismo sim, vigarice não.
(...) Quando Mário Soares, com Salgado Zenha e outros dirigentes do PS, se dirigiu à tribuna do Estádio 1º. de Maio, onde decorriam as festividades e onde se comemorava o que ali tinha acontecido um ano antes, não o deixámos entrar na tribuna. (...) Ele não ia entrar no palco para falar no Estádio 1º. de Maio. Aquele povo era nosso, e nós precisávamos dele. Na tribuna estavam, entre outros, o Presidente da República Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Álvaro Cunhal, para além dos dirigentes da Intersindical. Na véspera, o governo tinha aprovado o decreto da unicidade sindical. (...) Eles tinham chegado com a manifestação dos que não queriam a unicidade sindical. (...) Quando Mário Soares, com Salgado Zenha e outros dirigentes do PS, se dirigiu à tribuna do Estádio 1º. de Maio, onde decorriam as festividades e onde se comemorava o que ali tinha acontecido um ano antes, não o deixámos entrar na tribuna. (...) Ele não ia entrar no palco para falar no Estádio 1º. de Maio, cfr. Zita Seabra in Foi Assim.

Ao cair da tarde, em Alcobaça, lambidas algumas feridas e com os ânimos mais serenados, houve um espectáculo de variedades com um José Viana engagé, Ermelinda Duarte, Uma gaivota voava, voava, e a estreia da Orquestra Típica da Maiorga, sob a regência do Maestro Ricardo Cunha.
A Comissão Política Concelhia de Alcobaça do PPD, reuniu e emitiu um seguinte comunicado, pleno de expressões ideológicas, bem de acordo com a terminologia da época:

A RAZÃO DA FORÇA SUBSTITUI A FORÇA DA RAZÃO

Dominada por forças partidárias, comemorou-se também em Alcobaça, o 1º de Maio, a Festa dos Trabalhadores, monopolizada pelos apregoados antimonopolistas PC, MDP/CDE. O PPD de Alcobaça, consciente da sua responsabilidade e do apoio que o eleitorado inequivocamente lhe conferiu no País e, nomeadamente, no Distrito e no Concelho, pretendeu sem reservas, associar-se às manifestações, apesar de ter conhecimento prévio que a sua presença seria contestada por tais anti monopolistas PCP e MDP/CDE. Durante o comício que inaugurou as cerimónias, pelas 15 horas, com a presença do MFA, não se registaram incidentes, tendo estes surgido apenas durante o desfile que percorreu as ruas da vila. Inicialmente, verificaram-se insultos vários a militantes do PPD, os quais atingiram o ponto máximo diante do edifício da Conservatória do Registo Civil. Ali, as forças anti-democráticas organizaram o ataque físico comandado com altifalantes. Usando o microfone como arma, um destacado membro do PCP local, agrediu um militante do PPD o que fez também a soco e a pontapé. Dois militantes do PPD vieram a ficar feridos, tendo um deles ido receber tratamento no Hospital desta Vila. Pensamos que estas forças antidemocráticas agem apenas movidas por despeito e que a única via que se lhes oferece, e que aproveitam, é a razão da força. E isto tem de ser definitivamente desmascarado pelos verdadeiros democratas que só aceitam a força da razão.
ABAIXO O SOCIAL-FASCISMO!
ABAIXO A DITADURA!
VIVA A SOCIAL-DEMOCRACIA!
VIVA PORTUGAL!

De acordo com o Voz de Alcobaça, as coisas não se passaram assim. A festa foi muito solidária, abrangente e agradável, para um dia recordar com muito afecto. Bandas na rua, um comício, uma manifestação, uma tarde de pintura infantil, vários espectáculos e muitas horas de confraternização popular, assim foi assinalado o 1º de Maio de 1975, em Alcobaça.
Este programa foi organizado pelo PC, PS e MDP, correspondendo a um apelo da União dos Sindicados do Distrito de Leiria. No comício, que teve lugar pelas 15h, falaram Armando Correia, pela União dos Sindicatos Livres do Distrito de Leiria, Basílio Martins, do MDP/CDE, Rui Alexandre, do PC, Joaquim Matias Ferreira, do PS e Ten. Carvalhão, em representação do MFA.
Gilberto de Magalhães Coutinho, defendeu anos mais tarde que, na época, as coisas viviam-se muito intensamente, com paixão, e às vezes surgiam aqui e acolá excessos, comportamentos menos serenos, palavras menos correctas. Mas o panfletário/esquerdista Voz de Alcobaça, nas suas notícias passava ao lado desses pequenos pormenores.
Vergílio Ferreira, numa carta a Vasco Gonçalves, após as acidentadas comemorações do 1º de Maio de 1975, criticou a tese de contrapor uma cultura elitista a uma cultura popular, pois que cultura é uma só.
É bom que assim seja, para que nela ao menos nos sintamos irmãos e o povo tenha acesso ao que foi dos privilegiados.

(CONTINUA)


Fleming de OLiveira

O COMDT. RAMIRO CORREIA VAIADO EM ALCOBAÇA -AS CAMPANHAS DE DINAMIZAÇÃO CULTURAL




Em meados de Maio ou Junho de 1975, o Comdt. Ramiro Correia, devidamente fardado e na companhia de mais dois camaradas, passou a meio da tarde por Alcobaça, de ou para Lisboa, ocupando um Volkswagen preto, e cujo motorista não abandonou, e entrou no Café Trindade, para tomar um café.
Por acaso, cruzou-se com Carvalho Lino. Em breve, juntaram-se à porta alguns populares, que começaram a mimosear aquele militar, com impropérios e gestos obscenos. As pessoas reconheceram ali o rosto das Campanhas de Dinamização CulturallAcção Cívica do MFA e Ramiro Correia, esse generoso Capitão de Abril, o comandante-médico que até fazia versos (…) no dizer de Vasco Gonçalves e que em Caldas da Rainha tinha um excelente e dedicado seguidor, o Cap. Gonçalves Novo.

No sentido de orientar as massas trabalhadoras no sentido do marxismo, a 5ª Divisão do EMGFA, promoveu uma ampla acção de dinamização cultural que teve início em finais de 1974 e se prolongou pelo ano seguinte. Tal ação estendeu-se por todo o país, nomeadamente rural, dinamizada por um conjunto de oficiais e soldados conotados com a ala radical do Movimento, e pretendia incutir na população, a necessidade da revolução assumir um cunho marxista, no estilo de uma democracia popular.
Depois de expulso do Conselho da Revolução e de lhe ter sido retirada a direcção da 5ª Divisão, foi desgraduado do posto de capitão-de-mar-e-guerra por Portaria do Conselho da Revolução, em 21 de Outubro de 1975. Poucos meses depois deu-se o 25 de Novembro e a Codice - Comissão Dinamizadora Central, estrutura da 5ª Divisão, foi extinta, juntamente com as últimas e desacreditadas campanhas de dinamização.
Malquisto pelo poder saído do 25 de Novembro, e depois de uns meses durante os quais escreveu o panfletário MFA e Luta de Classes, Ramiro Correia e família seguiram para Maputo onde foram colocados, ele e mulher, médicos, no Hospital Central, pois que Moçambique aparece-me no horizonte como experiência de solidariedade internacional.
Para muitos portugueses, Ramiro Correio continua conotado com as despudoradas lavagens ao cérebro, denominadas Campanhas de Dinamização Cultural, promovidas pela 5ª Divisão do EMGFA, em colaboração com a Direcção-Geral da Cultura e Espectáculos.

Vasco Gonçalves, enquanto Primeiro-Ministro e seu protetor, entendia que um dos principais objectivos desta iniciativa era levar os militares, o MFA, às populações e apoiá-las no desenvolvimento, nas tomadas de consciência dos problemas que elas tinham. (…) Pretendíamos, sobretudo, transformar as ideias de fundo dessas populações. Não pretendíamos transformar essas populações em socialistas ou em comunistas. Queríamos transformá-las em gente democrática, gente aberta a analisar as situações e arrancá-las de toda aquela carga de fascismo que durante 48 anos tinha pesado sobre elas.
Os alcobacenses que se juntaram à porta do Café Trindade não esqueciam uma presença recente na RTP, com Ramiro Correia a explicar que a alcatifa em casa, o carro ou o frigorífico eram bens de luxo com que a burguesia untava a sua ganância de classe e que, em consequência, havia que a punir de todas as maneiras e feitios, inclusivamente a maneira fiscal.
Mas ele era como Frei Tomás...

Num dos cartazes que desenhou, João Abel Manta pareceu representar a esperança e a confiança que Vasco Gonçalves depositava na iniciativa, ao atribuir-lhe uma centralidade no célebre cartaz MFA-Vasco-Povo-Povo-Vasco-MFA (1975), onde surge ladeado por duas figuras híbridas, meio soldado, meio povo, reforçadas pela frase Força, Força Companheiro Vasco/Nós Seremos a Muralha de Aço. Vasco Gonçalves referindo-se a este cartaz disse que o cartaz é muito terno, eu era o companheiro Vasco, mas para certo sector da população, não para o país.


FLEMING DE OLIVEIRA

UM DOUTOR GANHAR O MESMO QUE UM CAVADOR ? -NEM NOS NOVOS TEMPOS




Altino do Couto Ribeiro, natural de Alcobaça, aonde nasceu há mais de 90 anos, fez a sua vida pessoal e profissional em variados locais, desde Alpedriz, Caldas da Rainha e Coimbra.
Quando ocorreu o 25 de Abril, era proprietário de uma empresa de cerâmica, a ALTICOR, Ldª, com sede em Alpedriz, que chegou a ter ao serviço 54 trabalhadores e manteve até 1981, altura em que a vendeu e se reformou.

Embora o seu grande prazer, fosse a pesca desportiva de mar, foi na cerâmica que desenvolveu a atividade profissional. Trata-se de uma personalidade interessante, a quem já nos referimos, com algum detalhe, na obra No Tempo de Salazar, Caetano e Outros. Alcobaça e Portugal. Grande conversador e contador de histórias, gosta de relembrar alguns episódios insólitos, absurdos ou impensáveis, ocorridos nos tempos do PREC, na sua condição de empresário.

Pouco depois de 11 de Março de 1975, no meio da euforia exaltante que se vivia, Altino Ribeiro passou a frequentar regularmente a Delegação do Ministério do Trabalho, em Leiria, quer por força da ação da Inspeção, quer pela menos boa ou leal ação de alguns delegados sindicais, que se pretendiam intrometer na empresa. Esta era considerada por empresários ou trabalhadores, como modelar no distrito, graças à mecanização, bom gosto e qualidade dos artigos.
Mesmo assim, Altino Ribeiro recebia com frequência avisos postais, para comparecer na Delegação do Ministério do Trabalho, para tratar de assuntos do seu interesse. Normalmente essas convocatórias eram para meio da manhã, e prolongavam-se, sem vislumbre do termo para a parte da tarde, com os incómodos e despesas inerentes.
No dia-a-dia, de manhã antes de sair de casa, Altino levava consigo o almoço numa marmita que aquecia e tomava com o demais pessoal, no respetivo intervalo. Em Leiria, quando tinha que almoçar, frequentava o Capelinha do Monte, perto do Hotel Lis. Num determinado dia, pouco depois de 11 de Março de 1975, estando em Leiria, por solicitação do Ministério do Trabalho numa reunião inconclusiva e infindável, teve que ficar para almoçar, o que fez no referido restaurante. De outras vezes que lá esteve, conhecia de vista um senhor que normalmente almoçava sozinho, e que ouvia tratar por doutor, que soube ser da Vieira de Leiria, embora desconhecesse, concretamente, quem era e a profissão. Quando chegou naquele dia, o restaurante estava quase cheio, pelo que apenas encontrou disponível uma mesa de canto, aliás perto do referido doutor.
Entretanto, chegou uma cinquentona com uma molhada de papéis que, na falta de outro lugar, pediu licença para se sentar à mesa, ao que ele anuiu. Sobre a mesa e com à vontade, colocou os papéis que trazia espalhando-os desajeitadamente. Sem que Altino se tivesse apercebido do que ambos haviam conversado, notou que o doutor se levantou de repente e irritadíssimo, tanto mais que a cadeira aonde estava se virou no chão, e em voz alta começou a barafustar: Ganhar o mesmo que um cavador? E a mim quem me paga o tempo que gastei a queimar pestanas e a estudar ao longo da noite?
Altino e os demais comensais, estupefactos, perceberam que a dita senhora, aliás bem conotada politicamente, terá dito que um doutor deveria ganhar o mesmo que um cavador, pois ambos tem barriga e família para cuidar.
Ao mesmo tempo que barafustava, o doutor fazia manguitos, e virado para a senhora, dizia-lhe toma, toma, ora toma !
Esta, talvez surpreendida pela reação, calou-se, e não pronunciou mais qualquer palavra. Mesmo antes de ter terminado o almoço, o doutor pagou a conta, foi-se embora e, tanto quanto Altino apurou, nunca mais aquele voltou ao restaurante.
Pessoas que estavam presentes, imediatamente passaram a comentar entre si com um certo ar de censura, que o doutor não se tinha ainda ajustado aos novos tempos que se viviam…


FLEMING DE OLIVEIRA

SANEAMENTOS NO PC DE ALCOBAÇA-1974/1975 -LCI, revisionistas, estalinistas e afinal vamos aos copos.





Terminados as festivas e unitárias comemorações do 25 de Abril e do 1º de Maio de 1974, arrancou em força e no terreno, à luz do dia, a organização do PC, a nível nacional e em Alcobaça onde, no início do Verão, se fez um comício no Cineteatro.
Abriu uma sede no local onde ainda hoje se mantém, por cima da Farmácia Campeão, e a Comissão Concelhia começou a funcionar em pleno, incumbindo Timóteo de Matos de superintender na angariação de fundos e na organização da célula dos professores. O seu controleiro, expressão que vinha do tempo da clandestinidade, era o corpulento Manuel Beja. Embora tendo passado a ser funcionário, Beja nunca conseguiu libertar-se de ser, afinal, um simples controleiro. Para ele, Timóteo de Matos, não passava de um intelectual o que, à data, não era cartão de apresentação no Partido. O PC, não dispensava, mesmo em democracia o controlo, pois a confiança foi sempre um problema difícil de resolver, dado não ser fácil confiar em absoluto em alguém. O Verão de 1974 passou-se entre lutas verbais com a direita, que em Alcobaça era representada pelo PPD, pois o CDS estava ainda em gestação, com algum PS e extrema esquerda, constituída por uma infinidade de partidos, aliás pouco representativos e efémeros, como FEC (ML), LUAR, AOC, OCMLP, UDP, MRPP, LCI, MES.

Foi no fim desse Verão que as coisas se começaram a complicar entre Timóteo de Matos e a estrutura local do PC. Na primeira reunião da Comissão Concelhia, após 28 de Setembro, Timóteo de Matos acusado pelo controleiro, de se ter alheado dos acontecimentos, foi afastado da comissão local.
Não surtiu efeito a sua defesa e, humilhado, sobretudo porque não correspondia à verdade, teve de abandonar a Comissão Concelhia com efeitos imediatos, o que significou o abandono, também imediato, da própria reunião em que estava a participar.
Saiu da sala, desceu as escadas em direcção à rua e logo no primeiro patamar, quem havia de encontrar, subindo em sentido contrário, e com ar decidido?
Os seus amigos José João Costa e Rui Perdigoto (hoje médico e Professor).
-O que é que querem daqui?
-Olha lá, não chateies! Vimos, em representação da LCI, protestar contra a provocação dos teus camaradas.
-Não digam disparates. Em Alcobaça vocês os dois não representam a LCI. Vocês são a LCI.
-Olha-me este provocador! Arreda lá, que a gente quer subir e esfregar este cartaz no focinho dos teus camaradas!
-Lá em cima? Querem mas é levar na tromba, é o que é! Não vale a pena subirem! A concelhia está em reunião.
-Em reunião? Se a concelhia estivesse em reunião, também tu lá tinhas de estar.
-Fui expulso…
-O quê? Do Partido!?
-Não! Só da concelhia!
-Espera aí…

Um sorrisinho maroto desenhava-se na cara espantada do Zé João, enquanto o Perdigoto olhava, parado e incrédulo.
-Verdade? Estás mas é a gozar!
A cena era surrealista.
Na verdade os dois decididos ativistas, empunhando o resto de um cartaz da LCI, arrancado de uma parede, tendo por cima colado um outro resto de um cartaz do PC, pretendiam ir à sede (Centro de Trabalho) fazer uma entrada triunfal, com piropos do género estalinistas de merda!
E ali estava eu pior que estragado, o suposto estalinista, acalmando os intrusos, meus amigos que se regozijavam com a minha expulsão e a quem eu tentava livrar de uma mais que certa capoeira de murros, já que, conhecendo-os como conhecia, sabia que, tendo já no bucho umas boas imperiais, não se calariam e iriam por ali a fora com doses de impropérios e provocações redobradas. O mais certo era descerem as escadas com ajuda e não por vontade própria e, por isso, lá lhes fui dizendo que esquecessem o Trostky e o Estaline e que o melhor era descermos os três e irmos ao Luís, da Piçarra, enxugar mais umas canecas.
E assim fizeram, especialmente porque a curiosidade e sede eram grandes.
Como é que é isso de um gajo ser expulso da concelhia?
Estalinistas de merda! Expulsarem o meu amigo…, insurgia-se o Zé João, disposto a subir de novo as escadas, animado de enorme fervor militante.

A Liga Comunista Internacionalista (LCI), fundada em 1973, tendo como primeiro líder João Cabral Fernandes, considerava-se como a secção portuguesa da IV Internacional, de cariz trotskysta e esteve mais tarde na génese do Partido Socialista Revolucionário. Nunca soubemos, porém, para além de uns chavões, o que é que Rui Perdigoto e companhia pensavam, diziam ou queriam. Será que eles próprios tinham mesmo alguma ideia?

O que pensavam sobre Estaline, que matava os adversários reais ou imaginários, para atemorizar e servir de exemplo? Ou Krutchov, que depois de eliminar Beria, prendia-os, embora tenha implementado formas de perseguição e tortura, supostamente, mais moderadas? É certo que para Perdigoto, mais tarde conceituado médico e realinhado com o PSD, ainda não tinha chegado o tempo de Breznev, que inventou os asilos psiquiátricos para curar os dissidentes. Pois, como é que, sem profundas perturbações mentais, se podia negar a realidade prodigiosa do socialismo, a magna sabedoria dos líderes, a inquestionável racionalidade do comunismo? Só um louco, demente, doente, podia repudiar a força do Sol da Terra, Os Amanhãs que Cantam?
Logo o lugar desses marginais era o manicómio.
-Deixa-te disso, pá! Anda daí!, retorquiu-lhe Timóteo de Matos, tentando evitar o escândalo.
-Bem, que se f…!
E lá seguiram os três, rumo às imperiais, porque um militante, nem por isso deixa de ser um apreciador de um bom copo. E, ao passar pelo caixote do lixo, já entre o apaziguado e o curioso, virou-se o Zé João para o Perdigoto:
-Dá cá essa porra !
E, com ar muito teatral, atirou ao caixote os pedaços rasgados, ao mesmo tempo que, displicente, ruminava um que se f… o cartaz.

E viva os copos!

Fleming de OLiveira


-O LICEU FEMININO (Guiomar de Lencastre) EM LUANDA DEPOIS DO 25 DE ABRIL. -Laura Benevides. -As (duras) tarefas sociais.





A família de Laura Benevides, estava há três gerações em Angola.
Não tinha interesses, salvo algum dinheiro, parentes ou amigos em Portugal. Sentia-se bem naquela terra. Era a sua, não tinha, nem queria outra.
No ano de 1973, Laura com dez anos entrou para o liceu D. Guiomar de Lencastre, vulgo liceu feminino, estabelecimento que se orgulhava da educação que proporcionara a jovens e futuras mulheres durante duas décadas, pois fora criado em 1954.
Em 1973, já se podiam usar as batas curtinhas, e as suas eram tão curtas, que minha mãe mandava fazer uns calções, para estar em condições quando fosse chamada ao quadro ou estivesse no recreio.
Mas Laura calcula que era a mãe que não gostava de a ver de bata pelos joelhos, pois as suas perninhas, pareciam-se como dois pauzinhos de vassoura.
Em 1974, começaram os confrontos em Luanda e o liceu, que devia ser um espaço de formação e estudo, transformou-se em acampamento de desalojados e feridos. Foi o tempo de alguns amigos começarem a partir bruscamente para Portugal, de fugas, perdas e lutos. Mas para outros, em contrapartida, de sonhos, alegrias, esperanças e celebrações de vida. Misturaram-se prazeres e dores, nascimentos e despedidas, despiram-se as vestes da ingenuidade trazida da infância e das ilusões exponencialmente romanceadas pelo sonho vivido quente e intensamente. Os que ficaram tiveram de ajudar no que fosse preciso. E era muito.

Laura, continuava a ir todos os dias ao liceu, sempre que possível levada pelo pai, apesar dos tiros e do risco que isso comportava. Mas não queria faltar.
Em Junho de 1975, o liceu abriu portas para servir de abrigo a quem vinha fugido da guerra. Nas salas de aulas, escutaram-se gemidos, outras línguas e viram-se panos de todas as cores. Na cerca, nos jardins interiores, na Sala de Lavores e até perto do tanque onde se podia espreitar os jacarés, ao pé da sala de Canto Coral, cuidava-se de pessoas.
E procurava-se cuidar por inteiro, apesar de faltar tudo.

Dividir tarefas era a operação principal e mais difícil. Era preciso dividir espaços, horas, até pensamentos e os pouquíssimos alimentos disponíveis. Dividir, sem apenas subtrair, fazendo os restos virar ganhos. Nos muitos nadas que enchiam os bolsos, era sempre possível descobrir-se alguma coisa mais e partir para novas operações.
Com 12 anos, Laura foi encaminhada para ajudar numa enfermaria. Um dia, puseram-lhe um frasco de álcool numa mão e um rolo de gaze com uma tesoura na outra. Enquanto, o enfermeiro limpava a ferida de uma mulher, com ar desesperado e olhos vítreos, ia-lhe dizendo para por álcool no algodão, enquanto vou ver se encontro a bala nas costas.
Laura sentiu, nesse momento, que não aguentava, podia desmaiar a todo o tempo, pelo que pediu que a colocassem noutro lugar e, assim, foi parar à cozinha, a descascar batatas. Mas como era uma menina-família, branca e sem prática, os encarregados não ficaram satisfeitos com o trabalho, pelo que foi recambiada, dessa vez, para a secção das crianças. Levava-as para a cantina e, depois de comerem, brincavam e cantavam, faziam jogos até adormecerem, entretendo-as para não pensarem nas mães ou pais feridos, estropiados, mortos ou desaparecidos.
Em tão pouco tempo, viu o que os seus pais sempre a haviam poupado. Mas mesmo assim não queria ou não podia vir embora. No caso afirmativo, para onde?

No largo em frente ao liceu, já não paravam os carros dos papás e as motos dos rapazes a ver o santo sacrifício da saída, mas ainda havia quitandeiras a vender mangas, abacaxi, abacates, micates e vendedores ambulantes. Os ardinas deixaram de passar. Quem iria comprar jornal?
No liceu, com os seus 12 anos a amadurecer rapidamente, Laura aprendeu que a vida pode mudar rapidamente de cenário.
Mais um ano decorrido, ao sábado passou a haver campanhas de limpeza, onde todos participavam. Não, não era obrigatório, mas Laura e outros rapazes e raparigas, brancos havia cada vez menos, gostavam da função e acreditavam que o país precisava que se arregaçasse as mangas.
O ambiente era definitivamente diferente.
Tão diferente dos tempos em que menina pequena ia com o pai ou a mãe de ou para as aulas. Parecia ter passado tanto tempo...
Morava perto do liceu. Por isso, tendo vindo para Portugal em 1980 para continuar os estudos, ainda assistiu à sua morte, lenta por degradação. Depois da dipanda, o Guiomar de Lencastre deu lugar ao Nzinga Mbandi. Hoje, nas suas instalações recuperadas em 2000, partilham-se outros saberes, falam-se de outros reis e rainhas. Laura Benevides, já voltou a Luanda duas vezes, mas vive em Lisboa, onde é professora de história, no ensino secundário onde ensina os reis e rainhas de Portugal.


Fleming de OLiveira


GUINÉ DEPOIS DO 25 DE ABRIL -Desculpe meu Alferes, mas tinha uma cara que parecia mesmo um deles!




Alguns dias depois do 25 de Abril, talvez um mês, na zona de Mansoa-Guiné, ainda aconteceu um episódio caricato, com a tropa portuguesa.
O cabo Fernando Matias, hoje em dia serralheiro mecânico em Espinho, estava, sem grandes preocupações, a acomodar-se dentro da cavidade do tronco de um poilão, a ajeitar a G3, quando apareceu sorrateiramente uma sombra no meio da folhagem, depois uma cabeça a olhar com olhos redondos e brilhantes. A guerra estava terminada, sabia bem. A sua estadia na Guiné era já só uma questão de tempo. O cabo Matias é uma personalidade curiosa que gostava, por exemplo, de ver os indígenas a lavrar (talhar) um tronco a fim de preparar uma canoa. Também gostava de ir à tabanca, ouvir o curandeiro explicar como com as várias partes da árvore se fazem remédios, embora sem nunca lhe ouvir divulgar a receita.
O sold. Jorge, que já não se encontra entre nós, instalado ao lado, e que até aí não se apercebera de nada, notou, então, que se estava a passar alguma coisa. Mas também não se terá preocupado. Afinal, era tão só um macaco que avançou nos ramos, sempre a olhar para o cabo. O cabo Matias pensou que o animal estava a assumir uma atitude sarcástica, provocatória ou de desprezo, pelo que pensou estás p´raí a reinar comigo. Já te f… Apontou-lhe a arma, o símio ergueu-se nas patas traseiras, como quem está com ares de superioridade. Matias baixou a arma, o macaco baixou as patas e voltou a fazer-lhe convite para ir embora. A comissão estava mesmo a acabar, a guerra acabara, a noiva esperava-o em Esmoriz e a última coisa que Matias desejava era ter chatices. O macaco pareceu, finalmente, entender. Rodou a parte dianteira do corpo, como para se afastar, mas, de súbito, saltou de ramo em ramo até ao chão, em quatro patas, com a cauda erguida, de frente para o cabo. Depois de um momento quieto, o animal voltou a girar sobre si próprio com pequenos saltos e postou-se bem de frente e a uns dois metros do cabo. Com a cauda ainda erguida, pareceu ao cabo que ele se preparava para saltar na sua direcção, pelo que não obstante a sua experiência de combate, mas possivelmente fruto de stress de cerca de dois anos em locais quentes, com dois tiros atingiu-o em cheio e mortalmente.
Imediatamente rebentou tiroteio de um lado e do outro da estrada. O cabo Matias levantou-se e desatou a berrar para a direita e para a esquerda: Pára! Pára! Pára fogo!
O fogo demorou um ou dois minutos a suster-se.
Chegou o Alf.Mil. Lopes da Siva, hoje em dia Solicitador de Execução em Lisboa, irritadíssimo a perguntar o que é que se passou.
-Foi o cabo Matias que matou um macaco.
-Ó sua grande besta, sua enormíssima cavalgadura! Fazer fogo aqui por causa de um macaco!
-Ó meu Alferes, tinha uma cara que parecia mesmo um sacana deles.


Fleming de OLiveira


A SEDE DO PPD EM ALCOBAÇA em 1974/1975 e seguintes -A porta blindada. -Os companheiros dos Montes. -Fleming de Oliveira, Gonçalves Sapinho, Zé Póvoa




Por essa altura (inícios de 1975), o PPD de Alcobaça deparou-se com a necessidade de colocar uma porta chapeada/blindada, oferecida pelos companheiros dos Montes, para defender a entrada da sua sede.
Alguns militantes mais ardorosos, chegaram a passar a noite na sede, em vigília, onde a luz, para despistar, com ou sem gente, nunca se apagava. As ameaças que pairavam sobre o PPD e alguns dirigentes locais não se limitavam aos punhos fechados de democratas embriagados com o perfume da revolução proletária, que via concretizar-se a sua opção por uma maior firmeza revolucionária. Havia agressividade, mas frequentemente de forma sub-reptícia que consistia em ir por detrás, lançar sementes de descontentamento, a coberto de um biombo ou fazer ameaças anónimas por escrito ou telefone. A esses democratas, pouco ou nada lhes interessava se o que propalavam era verdade.
Gostavam de ter público, como mestres na arte de representar e agitar.
Desses companheiros dos Montes, na política ativa já não existe nenhum.
José Acácio dos Santos (Zé Póvoa), tinha um filho, o Óscar Fortes Santos, hoje Presidente da Junta de Freguesia de Montes, que honra a memória do pai, gosta de recordar outros tempos e acontecimentos em que se envolveu na companhia deste e com os homens.
Em casa, antes do 25 de Abril, pouco se falava de política. Meu pai falava apenas do cuidado a ter com os bufos da PIDE, sem rosto mas sentia-se a sua presença. Meses mais tarde notei que aqueles que chegaram a ir lá a casa para convencer o meu pai a votar no Marcelo Caetano, coisa que ele sempre rejeitou, eram agora os mais aguerridos militantes de partidos de esquerda.
Óscar Santos, tinha acabado de fazer 12 anos e frequentava o segundo ano do ciclo preparatório, situado na ala esquerda do Mosteiro, quando se deu o 25 de Abril.
Às sete e meia da manhã os dois Chaimites estacionados frente ao Mosteiro, anunciavam qualquer coisa de diferente nesse dia e por volta das 10h00 da manhã, a professora de português deu-nos a notícia, estava em curso uma revolução para depor o governo, acabaram as aulas e viemos todos para casa.
Óscar Santos acompanhava o pai, ia a sessões de esclarecimento do PPD, agitava bandeiras, distribuía brindes e compartilhava os momentos de euforia ou de desalento.
Após o 11 de Março de 1975, teve inicio o, chamado, Verão Quente. Nessa altura frequentava o terceiro ano na escola Dª Inês de Castro. As greves de professores, dos alunos, dos funcionários, as RGA (reunião geral de alunos), entre outros acontecimentos, interrompiam frequentemente as aulas. Era uma festa e todos agradeciam, uns iam para o jardim, outros jogar, mas poucos ligavam para a política. Por iniciativa dos alunos mais velhos, criou-se uma rádio interna, uma sala de pingue-pongue, abriram uma porta para ligar o recreio dos alunos ao das alunas, abriu-se o bar, etc. Com a liberdade, veio o tabaco e as primeiras drogas, apareceram os primeiros grupos “etnográficos” como os “Hippies” que vestidos a rigor com as suas túnicas brancas até aos pés, de sandálias de couro feitas por eles e fartas cabeleiras sujas, passavam o dia sentados nas escadas de acesso do lado norte, numa de paz e amor. Make love, not war.
Em breve, Óscar Santos começou a perceber que a política estava a dividir as pessoas, desde logo na sua aldeia. Seu pai trabalhava na construção civil e tinha criado uma pequena empresa.
Eu tinha dificuldade em aceitar, que pessoas que meses atrás eram amigos, agora lhe desejassem a morte. O ódio dividia as pessoas, as famílias. Quem não era de partidos considerados de esquerda, era estigmatizado como fascista e reaccionário, existia medo. As ameaças chegaram ao ponto de quererem apoderar-se dos bens que nos pertenciam.
José Acácio dos Santos (Zé Póvoa), era uma pessoa rigorosa tanto no trato como na vida profissional, características que incutiu no filho. Democrata por natureza, gostava de encontrar soluções conciliatórias, se possível também na política, pelo que liminarmente excluía radicalismos e congregava simpatia entre os conterrâneos.
A formação que tinha em casa, de rigor e seriedade, contrastava com a liberdade desordenada do mundo exterior. No Verão Quente, tinha noção dos erros e dos exageros que se cometiam. Aprendi a respeitar quem lutava por convicções, mas não compreendia quem lutava contra pessoas. Essa, penso eu, foi a força que fez vencer a democracia nessa época. Venceram os que, convictos, acreditavam e lutavam pelo nosso país sobre aqueles que, sem convicções, apenas sentiam revolta.
Óscar Santos, viveu intensamente esse período e as lembranças ficaram bem marcadas na sua memória. Acompanhava o pai à sede de Alcobaça do PPD às sextas feira à noite, onde ocorriam participadas e animadas sessões de informação sobre o momento político.

Foram os companheiros dos Montes, neste caso com destaque para Francisco Catarino, quem arranjou o mobiliário para a sede, oferecido pela Sofamóvel, de Pataias.
Segundo correu, havia uma lista organizada pelo PC, com alguns nomes de PPD, que eram reputados dos mais incómodos a eliminar, encabeçada por Gonçalves Sapinho (vira casacas) e Fleming de Oliveira (reaccionário caetanista) e Rui Coelho (renegado esquerdista). Supostamente Silva Carvalho e Rainho e outros estavam de fora.
Porquê?
Nunca se apurou definitivamente se era apenas um boato de uma Matança, se correspondia a uma ação em preparação. Cremos que era só boato, semelhante a outros que correram na altura pelo País.
Um militante do PPD, Firmino Franco, recordou-me uma vez que encerrávamos as portas de protecção das janelas e varanda, o que sempre constituía um anteparo, embora fraco, para a violência de um rebentamento explosivo, como se receava.
Havia mesmo quem dissesse que o PPD iria sofrer ataques à granada e que a sede seria assaltada, para apreensão da lista de militantes e completar uma série de PPD a perseguir. Por essa razão, os ficheiros deixaram de estar guardados na sede, ficando durante algum tempo num cofre do escritório de Fleming de Oliveira e ainda existem.


ARMAS ABANDONADAS EM TEMPOS DE REVOLUÇÂO AÇÕES DE DINAMIZAÇÃO CULTURAL COM O CMDT. RAMIRO CORREIA E O 70




Na tarde de sábado, dia 1 de Fevereirode 1975, o Oficial de Dia, do Quartel de Caldas da Rainha, recebeu uma chamada telefónica denunciando a existência de armas escondidas em Pataias-Alcobaça. Assim, nessa noite, um piquete de 24 homens, em dois UNIMOG, um deles conduzido pelo 70 (na altura a cumprir serviço militar, atualmente residente na Póvoa, mas natural de Montes), comandado por um aspirante, procedeu em Pataias a uma busca nas instalações de duas fábricas, há anos desativadas, A Distribuidora de Garrafas e Garrafões e A Empresa Vidreira de Pataias. Segundo correu na sede do PPD, em Alcobaça, de acordo com dados fornecidos por um militante de Alpedriz, houve uma denúncia anónima de que naquelas dependências estavam guardadas armas e munições, furtadas ao exército. O certo é que, apesar de buscas aturadas, nada foi encontrado. Só havia lixo, muitolixo, pó e dois bidões com gasóleo e nenhum vestígio de presença humana recente. Terá sido para desviar a atenção de outras armas em boas mãos? Talvez, e o 70 que conhecia bem a zona e, por isso, foi escalado para conduzir uma viatura, também diz que nunca acreditou na veracidade da denúncia.

Quem é o 70, de quem voltaremos a falar mais vezes?
António Cerqueira Moiteiro, mais conhecido pelo 70, tem a alcunha que vem do tempo de seu pai, António da Silva Moiteiro, que, nos anos sessenta, ia com um rancho de mais de trinta homens e mulheres da zona de Alpedriz, para a colheita da azeitona na Quinta das Paulinas-Santarém, aonde ficavam a trabalhar por um período de dois a três meses.
Esta propriedade possuía um dos maiores olivais da Zona Centro. Para animar o numeroso pessoal da colheita, em serões e bailes, aparecia um indivíduo que tocava sanfona a troco de um copo e uma bucha e era muito apreciado, conhecido pelo 70, cuja origem da alcunha, nunca se apurou. Acontece que o 70 faleceu e, o António da Silva Moiteiro, que também tocava sanfona, herdou o lugar de músico junto dos trabalhadores da apanha, bem como a alcunha, que veio a transmitir aos descendentes, que hoje em dia não são conhecidos de outr forma, estejam onde estiverem, e que a não repudiam.
O 70, em meados de 1975 foi colocado no Quartel de Caldas da Rainha, e graças a alguns conhecimentos e a sua especialidade de condutor-auto foi colocado ao serviço do Conselho Administrativo. Foi então que conheceu o Cap. Gonçalves Novo, cujas principais funções consistiam na acção de Dinamização Cultural, inseridas nas diretrizes da 5ª Divisão do EMFA e do Cmdt. Ramiro Correia, que seguia zelosamente e à risca. Com o Cap. Gonçalves Novo saiu em várias sessões de dinamização pela região de intervenção do Quartel, que se realizavam em associações recreativas e desportivas. Essas sessões eram integradas por quatro elementos de palco chefiados Cap. Novo, um dos quais era um muito útil e atlético, embora pouco esclarecido, Alf. Soeiro, possuidor de conhecimentos e prática de artes marciais. Na verdade, em mais que uma sessão, a presença do Alf. Soeiro, impediu que o Cap. Novo e demais camaradas, fossem molestados físicamente, após discursos que não agradaram aos irritados e exaltados assistentes.
O 70 aquando de uma sessão de dinamização do MFA na Usseira, ficou no jeep que, aliás, nunca deveria abandonar se não desligar, para sair imediatamente e depressa, se o ambiente aquecesse, como aconteceu, mesmo antes do previsto.

FLEMING DE OLIVEIRA


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

COMO OS FLEMING DE OLIVEIRA ERAM BONITOS ANTIGAMENTE

PARTE II















































































































































































































VIVA A REVOLUÇÃO




E NOS TEMPOS DA A.D












TAMBÉM PASSAMOS PELA GUINÉ…
















…E PELA FIGUEIRA DA FOZ, TAMBÉM PASSA A NOSSA HISTÓRIA.


















FIM