sexta-feira, 9 de novembro de 2018
Farturas que fazem bem à alma
FARTURAS FAZEM BEM À ALMA
Fleming de OLiveira
Desde que me lembro, fiquei rendido às barracas de feira, saltimbancos, circo ambulante e rulotes, graças ao “Senhor da Pedra” (Miramar), uma das romarias antigamente mais importantes da zona do Porto, hoje como muitas outras absolutamente descaracterizada, onde assentava um mundo de pavilhões de delicias, encantos, tentações e sonhos, tudo num cenário de tecnologias rudimentares, mas que mesmo assim funcionavam a contento.
Aprecio e respeito, pois considero ser uma questão de coragem e solidariedade, o pessoal que percorria o país levando a festas e arraiais a oportunidade de uma pequena evasão nos carrosséis com cavalinhos, pistas de carrinhos de choque, poço da morte, e outras fantasias como o vendedor da banha da cobra, sem esquecer os muito prosaicos matraquilhos. E as tendas a vender louça de barro, quando de chineses só sabíamos terem olhos em bico e serem amarelos.
O “Senhor da Pedra”, com a componente religiosa (sermão, missa cantada e procissão) e lúdica, era uma romaria tão relevante que o famoso “Cantares de Manhouce” gravou um disco com um número a ele dedicado, interpretado pela voz incomparável de Isabel Silvestre. Quem vai ao Senhor da Pedra “vai e torna a ir…”
Caros Leitores, até vos digo que acho mais harmoniosa e humana cada terra, enquanto se encontram barracas de feira.
Antigamente, com aquele nada conforme os rigores do “jet set”, tentavam-me as vendedeiras de doçarias vindas das funduras da tradição e do tempo e só já não me excitam a pituitária porque tudo se encontra envolvido em celofane, não se sujam as mãos e é muito assético.
Pelo gosto de viver com algum sabor reminiscente da infância, aguardo ainda com algum alvoroço a chegada da Feira de S. Bernardo e aí faço os possíveis fazer calmamente o circuito das farturas e dos churros, essa extraordinária atração mediterrânica a que não resisto. E quando estou com os meus netos, nunca dispenso uma deslocação às pipocas às cores e algodão doce. Já cheguei uma vez a interromper as férias, fora de Alcobaça, para não perder esta oportunidade. Mal me cheira a S. Bernardo, fico alerta ansiando a chegada dos barraqueiros trazendo alegria, o convívio e a degustação não conformada com as ementas saudáveis com que nos bombardeiam o juízo e o estômago. E quando vejo o apagar das luzes, o desmontar das tendas e o partir para outro destino, acontece que não consigo furtar-me ao chegar melancólico de alguma tristeza.
Agora que partiram esses tão simples encantos e neste início de outono, irei tentar confortar-me e procurar uma barraca de pão quente com chouriço, se possível cozido em forno a lenha. Se a não encontrar, tenho que convencer a minha Mulher a repor a funcionar o forno a lenha da minha casa dos Montes.
Nessa altura, convidarei o nosso diretor Joaquim Paulo. Quem não convido, seguramente, é o meu amigo e consciencioso médico Dr. Jorge Araújo, pois proibiu-me com ar circunspeto e por razões alegadamente muito sérias de comer gorduras. Mas eu respondi-lhe de pronto que “feitas com óleo vegetal não é gordura é natureza” e que esta alimentação “faz muito bem a alma”.
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