sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

-UM SACRISTÃO APRESSADO E MARIA SERRANA EM MONTES/ALCOBAÇA QUE BATIZAVA-

-UM SACRISTÃO APRESSADO E
MARIA SERRANA EM MONTES/ALCOBAÇA QUE BATIZAVA-

Fleming de Oliveira

Afonso Antunes, pedreiro e agricultor remediado dos Montes, porque tinha andado três anos na escola e feito o exame de 1ºgrau, ajudava como sacristão no ofício dominical. Era tio da Maria Serrana, atarefada cozinheira para casamentos ou batizados, competente enfermeira e parteira, mãe de 7 filhos de pais diferentes, o que não lhe retirava respeitabilidade ou confiança popular.
O Batismo, foi instituído por Jesus, como se pode ler no Evangelho segundo S. Mateus, toda autoridade sobre o Céu e sobre a Terra me foi entregue. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. Eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos.
Ao nascimento sucedia quase de imediato o batismo, pois o medo maior não era tanto da morte do bébé (facto tão vulgar como inelutável neste Portugal de antigamente) encarada com conformismo, mas da outra morte, o que era inaceitável, a da perdição da alma. O Batismo traduzia-se, pois, numa manifestação do amor para com o novo ser e não o ministrar seria escandaloso, imperdoável.
O Batismo sendo a receção na Igreja ao novo ser e imperdoável não o ministrar, impunha-se que a parteira soubesse batizar, se necessário ainda que com o bebé dentro do ventre materno.
Normalmente, o Batizado é realizado na Igreja. E quem o ministra são os Sacerdotes, Diáconos e outros cristãos credenciados. Dada a elevada taxa de mortalidade infantil em Portugal no início do século XX, muito especialmente entre os recém nascidos, a Maria Serrana ia procurar Ti Afonso e solicitar-lhe na falta de um padre, que os batizasse, pois tratava-se de uma emergência. O procedimento de Ti Afonso Antunes era sempre o mesmo. Começava por perguntar o nome que iria ser dado. Os pais escolhiam o nome e da mesma maneira, escolhiam os padrinhos se houvesse tempo ou em alternativa neste caso, um Santo da sua devoção. Com um copo de água e uma pequena mecha de algodão ou algo que a pudesse substituir, Ti Afonso realizava a cerimónia, molhando o algodão na água e colocando-o ao de leve na cabeça da criança por três vezes, dizendo a formula sacramental: José ou Maria (o nome do batizando), eu te batizo em nome do Pai, colocava o algodão molhado na cabeça da criança, do Filho,  colocava o algodão molhado outra vez, e do Espírito Santo, colocava-o pela terceira vez. A criança estava Batizada. Mas podia acontecer que sobrevivesse. Nesse caso os pais iam contar a ocorrência ao Padre, que autorizava a criança ser submetida à parte complementar do batismo (a liturgia da palavra, a unção com óleo dos catecúmenos), para que o seu nome fosse devida e regularmente inscrito no Livro de Registo de batizados da Paróquia.
A necessidade de obedecer à pressão social (onde se inseria a necessidade de zelar pelo destino da alma) era frequentemente mais poderosa que a solicitude para com a criança. Funcionava o batismo como rito de socialização, para além de ser ainda considerado um protetor físico para si e família.
A cerimónia do batizado, em geral, era realizada com a presença dos avós e padrinhos. A madrinha, muitas vezes uma das avós, dava o fato e o padrinho, se podia, um fio de ouro, um anel ou medalhinha em prata. A mãe normalmente não assistia ao batizado ou por se encontrar convalescente ou para não dar azar, pelo que quem transportava a criança à Igreja era a parteira. Havia na Alta Estremadura quem chamasse de comadre à parteira (noutros sítios do País de parceira), pois que era esta a madrinha de pia, a que levava a criança até ao sacramento batismal. Nos Montes, era frequente serem os padrinhos quem escolhia o nome da criança, embora por uma questão de cortesia, essa tarefa fosse deixada aos pais.
A transmissão dos apelidos não era muito consensual, nem tinha regras comumente utilizadas. Tinha-se um só sobrenome, sendo por vezes o pai a transmitir o seu aos rapazes e a mãe às raparigas, perpetuando-se os das duas parentelas, até que passou a generalizar-se transmitir o da mãe e pai por esta ordem, predominando o último.
Rolls-Royce e batizado de Lusitânia. Sacadura Cabral era o piloto e Gago Coutinho o navegador. Este último havia criado, e utilizaria na viagem, um horizonte artificial adaptado a um sextante, a fim de medir a altura dos astros. A primeira etapa da viagem foi concluída sem incidentes, no mesmo dia, em Las Palmas.

No dia 5 de Abril, partiram rumo à Ilha de São Vicente/Cabo Verde. Lá se demoraram até ao dia 17, para efetuar reparações no hidroavião, tendo partido do porto da Praia/Ilha de Santiago, rumo ao minúsculo Arquipélago de São Pedro e São Paulo/Brasil, onde amararam. O mar, bastante agitado, causou danos ao Lusitânia. Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram recolhidos pelo cruzador República da Marinha de Guerra Portuguesa, que os salvou, tal como aos livros, sextante, cromómetro e outros instrumentos e os conduziu a Ilha de Fernando de Noronha. Para perpetuar o ocorrido, os aviadores portugueses deixaram nos penedos um padrão de chapa de ferro, cravado a letras de latão: Hidroavião Lusitânia – Cruzador República. Apesar de exaustos pelo voo e pouso acidentado, os portugueses comemoraram o achamento dos penedos em pleno Atlântico Sul, com total precisão apenas com recurso a navegação astronómica e ao sextante.
Com a opinião pública portuguesa em delírio e a brasileira também muito envolvida nesta aventura, o Governo Português viu-se compelido a enviar outro hidroavião, o Pátria, para prosseguir a viagem a partir da Ilha de Fernando de Noronha. Desembarcado, montado e preparado, o aparelho a 11 de Maio, Gago Coutinho e Sacadura Cabral descolaram de Fernando de Noronha. Entretanto, novo acidente os acometeu, quando tendo retornado e sobrevoando os penedos de São Pedro e São Paulo para reiniciar o trecho interrompido, uma avaria no motor os obrigou a amarar de emergência, tendo permanecido nove horas como náufragos, até serem resgatados por um cargueiro inglês. 
Reconduzidos a Fernando de Noronha, aguardaram até 5 de Junho, quando lhes foi enviado um novo hidroavião para que a viagem prosseguisse até ao Rio de Janeiro. Tendo levantado voo, a 17 de Junho amarou em frente à Ilha das Enxadas/Enseada da Guanabara.
Aclamados como heróis nas cidades brasileiras onde amararam, os aeronautas portugueses concluíram com êxito não apenas a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, mas pela primeira vez na História da Aviação, tinha-se viajado sobre o Atlântico, apenas com o auxílio da navegação astronómica, a partir do avião. Embora a viagem tenha consumido um total de setenta e nove dias, o tempo de voo foi de apenas sessenta e duas horas e vinte e seis minutos, tendo sido percorridos 8.383 quilómetros. A travessia realizou-se, na verdade, em várias fases, no intervalo das quais os hidroaviões eram assistidos. Contudo, consideraram-se quatro etapas, visto que, graças a problemas mecânicos e condições naturais adversas, foram utilizados três hidroaviões.
-FESTA NA CELA
No próprio dia 17 de Junho, ao saber-se na Cela da chegada dos dois aviadores ao Rio de Janeiro, houve enorme regozijo com uma salva de 21 morteiros, toque de sinos e música na rua.
No dia seguinte de madrugada, foram lançados mais 21 morteiros e às 11 horas o Pároco da Freguesia Pe. Manuel Silvestre celebrou uma Missa de Ação de Graças, a que assistiram as crianças das escolas e respetivos professores, bem como elementos da Junta de Freguesia, Direção do Centro Republicano da Cela e povo. Na homilia, o Pe. Manuel Silvestre falou durante 20 minutos, aludindo ao significado e importância do feito e festejos, enaltecendo os aviadores e espírito aventureiro dos portugueses.
Pelas 15 horas, realizou-se uma sessão na pequena sede do Centro Republicano da Cela, situada numa sala ao lado da Junta de Freguesia, onde se encontravam expostos os retratos de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, tendo-se lançado vivas aos dois heróis, à Pátria/República Portuguesa e ao Brasil. A Filarmónica da Cela, que atuava no coreto, interpretava de vez em quando o Hino Nacional, no que era acompanhada com os cânticos das crianças mobilizadas.
À meio da tarde, iniciou-se um cortejo cívico com povo e entidades que presentes, com excepção do Pe. Manuel Silvestre que não pactuava com os que, embora republicanos como ele, por acinte hostilizavam a Igreja. Também se realizaram corridas pedestres, de saco e outros divertimentos[FdO1]  do agrado popular, bem como foi distribuído pão, vinho e assado um carneiro.
Às 21 horas, a partir do Centro Republicano da Cela, cuja sala se encontrava iluminada acetilene, começou um baile. E, com o baile se deram por terminados os festejos na Cela, com animação e ordem. A Junta de Freguesia da Cela e o Centro Republicano (com oito militantes inscritos), cujos titulares eram os mesmos, ainda propuseram à Câmara Municipal que diligenciasse trazer a Alcobaça e à Cela, os gloriosos aviadores. Mas a Câmara respondeu que não havia verba, pelo que a ideia foi posta de parte.
Por esta altura o agricultor José Ferreira, de Casal da Maceda, bebeu veneno, o que lhe foi fatal. Segundo correu, isso aconteceu porque tendo sido fiador de um genro, este não pagou a letra e o credor avisou que lhe iria penhorar a casa, no que ele não teve dúvidas em acreditar. Mas também houve quem assegurasse, que o ato desesperado, foi devido à ameaça da mulher em o abandonar. Seja como for, este incidente não impediu os festejos, embora a polémica sobre se o falecido poderia ser enterrado no cemitério da Cela se tivesse prolongado por uns dois dias, sendo resolvida pelo Pe. Silvestre, no sentido de isso acontecer.

Apesar desses eufóricos intervalos, havia muita gente capaz de aceitar uma alternativa que o populismo, a demagogia ou o golpismo lhe punha adiante. Nessa altura, muitos com responsabilidades estavam a demitir-se do seu papel e a atear um fogo que não conseguiriam apagar. O País havia chegado a um ponto crítico, aquele em que a corda, de tão esticada, ameaçava partir-se. Dezena e meia de anos sucessivos de sacrifícios e instabilidade político-social, pulverizara o que pudesse existir de confiança popular no regime e a esperança de um final feliz. Um país pode viver em sufoco durante um certo tempo, se tiver no horizonte uma perspetiva de melhorias, mas não pode viver asfixiado por um garrote que não cumpre os objetivos para que era justificado, quando se dá conta que aquilo que o espera é somente mais instabilidade e empobrecimento.

-GAGO COUTINHO E SACADURA CABRAL.FESTEJOS EM CELA/ALCOBAÇA-

-GAGO COUTINHO E SACADURA CABRAL.FESTEJOS EM CELA/ALCOBAÇA-

Fleming de Oliveira


Em Julho de 1920, foi aberta na secretaria da Câmara Municipal de Alcobaça, uma lista de inscrição para os alcobacenses pudessem concorrer para a aquisição de um aparelho destinado a fazer o percurso aéreo Lisboa/Guiné/Rio de Janeiro/Lisboa. Ao fim de dois meses, constatou-se que o produto apurado, tal como a nível nacional foi pouco significativo e a ideia foi abandonada. O projeto passou a ser outro.
A grande viagem teve início no Rio Tejo, às 7h de 30 de Março de 1922 , empregando um hidroavião monomotor, equipado com motor Rolls-Royce e batizado de Lusitânia. Sacadura Cabral era o piloto e Gago Coutinho o navegador. Este último havia criado, e utilizaria na viagem, um horizonte artificial adaptado a um sextante, a fim de medir a altura dos astros. A primeira etapa da viagem foi concluída sem incidentes, no mesmo dia, em Las Palmas.
No dia 5 de Abril, partiram rumo à Ilha de São Vicente/Cabo Verde. Lá se demoraram até ao dia 17, para efetuar reparações no hidroavião, tendo partido do porto da Praia/Ilha de Santiago, rumo ao minúsculo Arquipélago de São Pedro e São Paulo/Brasil, onde amararam. O mar, bastante agitado, causou danos ao Lusitânia. Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram recolhidos pelo cruzador República da Marinha de Guerra Portuguesa, que os salvou, tal como aos livros, sextante, cromómetro e outros instrumentos e os conduziu a Ilha de Fernando de Noronha. Para perpetuar o ocorrido, os aviadores portugueses deixaram nos penedos um padrão de chapa de ferro, cravado a letras de latão: Hidroavião Lusitânia – Cruzador República. Apesar de exaustos pelo voo e pouso acidentado, os portugueses comemoraram o achamento dos penedos em pleno Atlântico Sul, com total precisão apenas com recurso a navegação astronómica e ao sextante.
Com a opinião pública portuguesa em delírio e a brasileira também muito envolvida nesta aventura, o Governo Português viu-se compelido a enviar outro hidroavião, o Pátria, para prosseguir a viagem a partir da Ilha de Fernando de Noronha. Desembarcado, montado e preparado, o aparelho a 11 de Maio, Gago Coutinho e Sacadura Cabral descolaram de Fernando de Noronha. Entretanto, novo acidente os acometeu, quando tendo retornado e sobrevoando os penedos de São Pedro e São Paulo para reiniciar o trecho interrompido, uma avaria no motor os obrigou a amarar de emergência, tendo permanecido nove horas como náufragos, até serem resgatados por um cargueiro inglês. 
Reconduzidos a Fernando de Noronha, aguardaram até 5 de Junho, quando lhes foi enviado um novo hidroavião para que a viagem prosseguisse até ao Rio de Janeiro. Tendo levantado voo, a 17 de Junho amarou em frente à Ilha das Enxadas/Enseada da Guanabara.
Aclamados como heróis nas cidades brasileiras onde amararam, os aeronautas portugueses concluíram com êxito não apenas a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, mas pela primeira vez na História da Aviação, tinha-se viajado sobre o Atlântico, apenas com o auxílio da navegação astronómica, a partir do avião. Embora a viagem tenha consumido um total de setenta e nove dias, o tempo de voo foi de apenas sessenta e duas horas e vinte e seis minutos, tendo sido percorridos 8.383 quilómetros. A travessia realizou-se, na verdade, em várias fases, no intervalo das quais os hidroaviões eram assistidos. Contudo, consideraram-se quatro etapas, visto que, graças a problemas mecânicos e condições naturais adversas, foram utilizados três hidroaviões.
-FESTA NA CELA
No próprio dia 17 de Junho, ao saber-se na Cela da chegada dos dois aviadores ao Rio de Janeiro, houve enorme regozijo com uma salva de 21 morteiros, toque de sinos e música na rua.
No dia seguinte de madrugada, foram lançados mais 21 morteiros e às 11 horas o Pároco da Freguesia Pe. Manuel Silvestre celebrou uma Missa de Ação de Graças, a que assistiram as crianças das escolas e respetivos professores, bem como elementos da Junta de Freguesia, Direção do Centro Republicano da Cela e povo. Na homilia, o Pe. Manuel Silvestre falou durante 20 minutos, aludindo ao significado e importância do feito e festejos, enaltecendo os aviadores e espírito aventureiro dos portugueses.
Pelas 15 horas, realizou-se uma sessão na pequena sede do Centro Republicano da Cela, situada numa sala ao lado da Junta de Freguesia, onde se encontravam expostos os retratos de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, tendo-se lançado vivas aos dois heróis, à Pátria/República Portuguesa e ao Brasil. A Filarmónica da Cela, que atuava no coreto, interpretava de vez em quando o Hino Nacional, no que era acompanhada com os cânticos das crianças mobilizadas.
À meio da tarde, iniciou-se um cortejo cívico com povo e entidades que presentes, com excepção do Pe. Manuel Silvestre que não pactuava com os que, embora republicanos como ele, por acinte hostilizavam a Igreja. Também se realizaram corridas pedestres, de saco e outros divertimentos[FdO1]  do agrado popular, bem como foi distribuído pão, vinho e assado um carneiro.
Às 21 horas, a partir do Centro Republicano da Cela, cuja sala se encontrava iluminada acetilene, começou um baile. E, com o baile se deram por terminados os festejos na Cela, com animação e ordem. A Junta de Freguesia da Cela e o Centro Republicano (com oito militantes inscritos), cujos titulares eram os mesmos, ainda propuseram à Câmara Municipal que diligenciasse trazer a Alcobaça e à Cela, os gloriosos aviadores. Mas a Câmara respondeu que não havia verba, pelo que a ideia foi posta de parte.
Por esta altura o agricultor José Ferreira, de Casal da Maceda, bebeu veneno, o que lhe foi fatal. Segundo correu, isso aconteceu porque tendo sido fiador de um genro, este não pagou a letra e o credor avisou que lhe iria penhorar a casa, no que ele não teve dúvidas em acreditar. Mas também houve quem assegurasse, que o ato desesperado, foi devido à ameaça da mulher em o abandonar. Seja como for, este incidente não impediu os festejos, embora a polémica sobre se o falecido poderia ser enterrado no cemitério da Cela se tivesse prolongado por uns dois dias, sendo resolvida pelo Pe. Silvestre, no sentido de isso acontecer.

Apesar desses eufóricos intervalos, havia muita gente capaz de aceitar uma alternativa que o populismo, a demagogia ou o golpismo lhe punha adiante. Nessa altura, muitos com responsabilidades estavam a demitir-se do seu papel e a atear um fogo que não conseguiriam apagar. O País havia chegado a um ponto crítico, aquele em que a corda, de tão esticada, ameaçava partir-se. Dezena e meia de anos sucessivos de sacrifícios e instabilidade político-social, pulverizara o que pudesse existir de confiança popular no regime e a esperança de um final feliz. Um país pode viver em sufoco durante um certo tempo, se tiver no horizonte uma perspetiva de melhorias, mas não pode viver asfixiado por um garrote que não cumpre os objetivos para que era justificado, quando se dá conta que aquilo que o espera é somente mais instabilidade e empobrecimento.

-MILITARES DE ALCOBAÇA NO CEP/I GUERRA-

-MILITARES DE ALCOBAÇA NO CEP/I GUERRA-

Fleming de Oliveira

-MONTES
Montes deu rapazes para o CEP, quase todos analfabetos, que foram para a guerra, sem saber como ou porquê. Poucos tinham ido a Lisboa e nenhum ao estrangeiro. A Leiria algumas vezes, de bicicleta ou comboio, mas não muitas. Era longe, dispendioso e para fazer o quê? Nunca tinham ouvido falar na Flandres ou no Kaiser. Estes jovens, desconhecedores de qualquer outra realidade, para além da sua aldeia natal, iriam ser obrigados a combater no conflito tecnologicamente mais avançado da História, em condições de grande inferioridade. Nem as fardas, feitas para serem usadas por homens mais encorpados, assentavam bem nos pequenos soldados portugueses dos Montes, concretamente aos irmãos Brusco, tidos como os mais fortes. De Afonso Costa, colhiam fraca opinião, tanto mais que tinham ouvido contar ao padre, que não pactuava com republicanos, como sendo uma certeza, que aquele os tinha vendido aos ingleses a um tanto por cabeça, como se se tratasse de carneiros. Não tinham problemas em andar descalços, pois as solas dos pés eram bem duras, pelo que as duras botas até incomodavam. Eram dedicados a uma agricultura de subsistência, onde predominava a cultura da vinha, mais vezes como servos, cujas técnicas e instrumentos e mantinham inalterados de geração para geração. Os pais de alguns tinham por vezes gado ou pinhais que davam resina, e esses eram os mais afortunados. Iam à missa de Domingo, mas, sempre que possível, quedavam-se à porta a fumar um cigarrito, ver passar as apressadas moças, vigiadas de perto pelas mães, que não abdicavam da mantilha de renda escura. Mas o que mais apreciavam eram as festas populares, como o S. Vicente, em Janeiro ou a Stª. Marta no Verão, onde não enjeitavam carregar o andor na procissão e depois ir acabar a tarde na tasca a beber uns copos de tinto, com os homens. Os seus nomes encontram-se registados contra o esquecimento, numa lápide em mármore preto colocada numa parede exterior da capela. Esta placa, veio substituir uma outra em mármore branco, afixada na capela demolida e remediado o grave e injusto lapso havido com o Ten.Cor. Brusco Júnior. Muitos deles, têm ainda familiares nos Montes e encontram-se sepultados no Talhão dos Combatentes, no cemitério de Alpedriz. Registe-se o nome desses heróis:
Ten.Cor. Brusco Júnior, 1º Sarg. Manuel Bernardo, 1º Cabo José de Sousa/João Machado/Francisco Fortes e Soldados Feliciano Brusco e irmão Joaquim Brusco/Francisco Loureiro/Joaquim Gaio/José Matos/ António Pereira/ e irmão José Pereira/António Ezequiel/e José Verdasca.
Heróis na verdade, pois confrontaram-se com a saudade, a dor, o medo, a alegria, a coragem, o alívio, a ferida, o pânico, a camaradagem, o ódio, a aventura e até mesmo a loucura. Os que regressaram a casa, raramente incólumes, eram homens orgulhosos e simultaneamente desgostosos por alguma indiferença que notaram, mas saudosos dos empolgantes momentos vividos em França, que todavia não pretendiam repetir. Era vulgar não falarem do tempo que passaram no front. Foram sem fatos, sem munições, sem calçado, sem armas adequadas, sem saberem porquê, mas provaram ao mundo que não havia cobardes no Exército Português, muito menos entre o pessoal dos Montes.
A sedução, a necessidade sexual ou o amor experimentados com a população feminina criaram momentos, mais ou menos longos, mais ou menos sentidos, de evasão ao repressivo quotidiano de guerra. Durante os momentos de descanso, seguramente alguns rapazes dos Montes, ajudaram os franceses que se conservaram nas quintas, sobretudo viúvas, velhos e, claro, muito gostosamente as belas moçoilas nas tarefas agrícolas, amanho das terras, limpeza de estábulos, guarda de gado, nas domésticas como compras, transporte de água ou reconstrução de casas afetadas pelos bombardeamentos.
João Machado, depois de desmobilizado, voltou à rotina agrícola, apesar de saber ler e escrever e, ao fim de algum tempo, casou-se. Quando teve a primeira neta, pediu candidamente à filha para lhe por o nome de Izata, supostamente o nome da namoradinha que deixou na estranja, ao que o genro se opôs terminantemente, com o argumento: Se você quisesse, deveria ter dado esse nome à sua filha.
Francisco Loureiro/Rodrigues, foi gaseado, ficou muito doente dos pulmões, nunca mais pode trabalhar. Não teve tempo de, juntamente com um camarada de Viseu, ir a Fátima, pois este tinha ouvido falar do aparecimento de uma Nossa Senhora e queria pagar uma promessa.
José Pereira, também conhecido por José Pereira Júnior para se distinguir do pai, foi gaseado na Flandres, pelo que quando regressou aos Montes, muito afetado dos pulmões, não tinha condições para trabalhar como servo. Passou a receber uma pensão de invalidez, tão insignificante que nem chegava para o tabaco de que não conseguia prescindir ou um copo de tinto. Não frequentou a escola, nem aprendeu a ler e escrever no Regimento de Artilharia de Leiria, com o qual foi mobilizado para França. Apesar de a sua especialidade militar ser a artilharia, com o CEP foi encarregado de tratar das mulas, que faziam o transporte de munições, combustíveis e víveres, em missões sujeitas a emboscadas, nas quais com frequência perdiam o material, confiscado pelo inimigo. Esta experiência permitiu-lhe que, quando regressado, passasse a ser ferrador e veterinário. Esteve ao mesmo tempo e consigo em França, o António irmão mais velho, que não foi gaseado e tal como este, encontra-se sepultado no talhão dos combatentes do cemitério de Alpedriz, com uma fotografia na lápide de pedra, que a viúva, para evitar confusões, mandou colocar.
Feliciano Brusco, também teve e deixou em França uma namoradinha. Regressado à terra natal, casou-se com a Palmira Loureiro, que não sabia ler nem escrever e ficara à espera. Quando esta faleceu, uma das filhas foi procurar uma fotografia do pai para a colocar na respetiva campa ao lado da mãe e escolheu a de garboso militar do CEP, com uma dedicatória, e que esta tinha há anos na mesa-de-cabeceira. Mas para grande surpresa, apurou que a dedicatória que nela existia era para a namoradinha francesa, o que a mãe, obviamente, nunca percebera.
Alguns destes homens podiam dizer que estavam cansados de terem ido a mais funerais que batizados.
Quando a Liga dos Combatentes passou a incluir outros ex-combatentes, que não da I Guerra, foi eleito Presidente da Direção do Núcleo de Alcobaça o ex-Cabo Mariano Ferreira dos Santos que tendo cumprido missão na Guiné entre 1966 e 1968, foi condecorado com uma Cruz de Guerra, de 4ª. classe, sucedendo-lhe o ex-Furriel Mil. António Carvalho Rainho que cumpriu missão em Angola em 1961/1964.
O Núcleo de Alcobaça, a partir de finais de 2000, sob a presidência de Joaquim Romão, cargo que desde então ocupa com proficiência e dedicação, alargou a ação ao Concelho da Nazaré e parte do de Porto de Mós, tem a cargo 10 talhões em cemitérios, promoveu a construção de 7 monumentos e memoriais, fornece apoio médico a ex-combatentes com problemas de saúde mental, distribui produtos alimentares aos mais carenciados e, por vezes, alguns subsídios se o momento de caixa o permitir e a situação exigir.
Durante uma série de anos, o Talhão dos Combatentes, no cemitério de Alpedriz esteve bastante mal cuidado. Quando em determinada altura faleceu um ex-combatente e a família pretendeu sepultá-lo, vieram a faze-lo, por inadvertência, na cova de Feliciano Brusco. Os covatos inicialmente ocupados à medida dos falecimentos, estavam identificados apenas por um número, sem nome. A filha de Feliciano Brusco reclamou dessa intromissão, requerendo que o corpo estranho fosse removido, o que veio prontamente a acontecer. Daí em diante, cada covato passou a conter uma lápide com o nome e por vezes a fotografia do respetivo ex-combatente.
-COZ
Os militares da Freguesia de Coz que estiveram na Flandres constam de uma lápide mandada colocar na frontaria da entrada principal do Mosteiro, que relativamente à rua é perpendicular. Registe-se aqui os seus nomes: A.B. Ribeiro, Manuel R. Barros/que referiremos adiante, avô de Lurdes Fialho Matos, João F. Patrício, S.M. Santo, M.R. Santiago, J.G. Henriques, A. Pires, J.F. Barros., F.F. Ribeiro, A. Domingues, J. Freitas, J. Costa, A.M. Santo, J. Satiro, J.F. Patrício, M. Silva, A. Malhó, A.R. Santiago, A. Sousa, M. Caetano/o Pároco Capelão Militar, que já referimos e a quem se deve a colocação da lápide, M.P. Almeida, A.C. Serpor, B.R. Oliveira, S.S. Branca, J. Neto, J. Ribeiro, A.R. Marques, F. Pedro, J.S. Silva, E. Verdasca, A.H. Susano, A. Oliveira, C. Tavares, J. Pimenta e J. Duarte.
Faleceram em combate na Flandres, M. Malhó/2 de Julho de 1917 e J. Xavier/6 de Agosto de 1918, que não chegaram a ser transladados para Portugal.
M.R. Barros, de seu nome completo Manuel Ribeiro de Barros, natural de Coz, conhecido entre os vizinhos por Ti Manel Barros e proveniente de uma família de humildes agricultores, desde cedo se revelou pessoa interessada pelo mundo, pois lia o jornal na casa do Senhor Afonso.
Chamado a cumprir serviço militar, foi mobilizado como soldado do CEP e pelos bons serviços e valentia no teatro de operações, foi promovido a 2º. Sargento. Regressado são e salvo a Coz, casou e continuou a desenvolver atividade na agricultura, ao mesmo tempo que se interessava pela vida pública, e mantinha especiais relações com o Pe. Manuel Caetano, que sedimentou na Flandres.
Com dedicação e zelo, foi durante dezoito anos Presidente da Junta de Freguesia de Coz sem retirar proventos materiais, e embora tenha colaborado com o Estado Novo, não pertenceu à União Nacional ou à Legião Portuguesa, bem como promotor de eventos sociais, como representações teatrais e récitas musicais de sucesso na terra e redondezas. Obras como o relógio da torre da igreja, a pavimentação da rua principal, a luz elétrica ou a escola primária (ainda que por vezes sem professor), foram efetuadas com o dinheiro resultante dos teatros e récitas que organizava. Em casa, recebia os Bispos que se deslocavam a ministrar o Crisma, servindo-lhes refeições e alojamento, tal como as professoras que vinham lecionar, algumas das quais enquanto permaneceram em Coz, nunca viveram noutro local. O povo de Coz, não o esqueceu, dando o seu nome à rua que desemboca na antiga residência, ao lado da sede da Junta de Freguesia.
O sold. M. Silva, terminada a Guerra ficou a deambular alguns anos em França, trabalhando na construção civil e constituindo muito provavelmente família, até que antes da II Guerra, veio a Portugal visitar a família portuguesa e para se radicar. Nessa altura, a polícia política deslocou-se a Coz, deteve-o para ser interrogado, por suspeitas quanto ao seu passado em França, alegadamente junto de meios anarquistas. Realizados inquéritos, confirmou-se uma vida sem rumo, um simplório que nunca se preocupou com a política em França, muito menos se envolveu em atividades contra o regime português.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
-MAIORGA
A lápide com os nomes dos militares da Maiorga que combateram na Guerra, foi mandada fazer e colocar no Largo dos Combatentes, em 11 de Dezembro de 2005, por iniciativa de Joaquim Romão do Núcleo de Alcobaça. Vieram a esta cerimónia, o Gen. Altino de Magalhães, o Ten. Gen. Joaquim Chito Rodrigues e esteve presente a Banda de Música da Maiorga. Combateram na Guerra, os maiorguenses, cujos nomes constam da referida lápide: Soldados António Pereira Guerra/António da Costa/ António Carlos Araújo/António Dias/António Ganilho/António Matias de Sousa/Artur Lopes/Armindo Ribeiro/Bruno Valentim/Calisto Calado/César B. Coelho/Cândido Elias/Firmo Calado/Francisco Dias/ Francisco Elias/Francisco Oliveira/Henrique Calado/Júlio Henriques Reis Godinho/Joaquim Cruz/Joaquim Félix/Joaquim Ramos Guerra Júnior/João dos Santos/João de Sousa Nazário/José Caetano/José de Sousa Matias/José de Sousa/José dos Santos/José da Silva Gomes e Vitorino Coelho Serrano, 1º. Cabo Alfredo Aniceto e Segundos Sargentos António Fadigas da Silva/António Carvalho e Joaquim Carvalho. Desde 1968, no dia 10 de Junho, no Largo dos Combatentes, tem sido feita uma homenagem aos antigos combatentes, seguida de uma romagem ao cemitério.
A Guerra foi afinal uma grande devoradora de vidas humanas. A participação de Portugal, na Guerra, agravou os conflitos político-sociais, a instabilidade governativa, acarretou situações de fome especialmente nos meios urbanos, sendo frequentes os assaltos a armazéns e lojas, onde existiam produtos de primeira necessidade. Além do agravamento das condições de vida da população, a situação sanitária também se deteriorou.
As epidemias ou surtos epidémicos, como a varíola febre tifóide, tifo e disenteria, foram fator causador de muitas mortes. Especialmente, em 1918, as Taxas de Mortalidade em geral e Mortalidade Infantil em particular foram das mais elevadas deste período histórico que temos estado a estudar, com muitos mortos, causados pela gripe espanhola a que se juntaram outros pela degradação das condições de saúde, como as más condições de vida da população, com uma alimentação pobre e uma má qualidade de alojamento, sobretudo nos grandes centros urbanos. O pão era ao mesmo preço, mas mais leve, e o peixe, carne, manteiga, eram vendidos a preços elevados, devido a impostos e taxas alfandegárias, que o Governo à falta de outra solução não rejeitava.


-O APOIO RELIGIOSO NA I GUERRA. OS CAPELÃES MILITARES DE ALCOBAÇA-

-O APOIO RELIGIOSO NA I GUERRA.
OS CAPELÃES MILITARES DE ALCOBAÇA-


Fleming de Oliveira


Logo que Portugal entrou na Guerra, a imprensa católica iniciou uma campanha no sentido de incorporar no CEP, um Corpo de Capelães Voluntários, que acompanhasse os soldados e lhes prestasse apoio religioso. Os governos da República entendiam que a religião dizia respeito ao foro íntimo de cada um, devendo estar afastada de instituições, tal como a Escola e o Exército. Porém, numa conjuntura como esta, era difícil ao Governo incorrer no desagrado da maioria da população em matéria tão sensível, pelo que os católicos conseguiram ter na frente de batalha, como voluntários, os seus Capelães. No enorme caldeirão da guerra, debateram-se livres-pensadores, que viviam a descrença com um fervor nada inferior a militantes crentes, capelães católicos e protestantes, o que permitiu que militares portugueses e ingleses rezassem em conjunto ou que capelães portugueses oficiassem junto de civis franceses, ao lado do clero local.
Só após a partida do primeiro contingente do CEP, o Corpo de Capelães foi organizado, sendo estes graduados em Alferes, sem direito a soldo, situação que se manteve até que Sidónio Pais, determinou que fossem abonados com o soldo correspondente ao posto. Para suprir esta situação, foi constituída uma Comissão de Assistência Religiosa/CCAR, presidida pelo Cardeal Patriarca, D. António Mendes Belo, a fim de angariar fundos para subsidiar os capelães e custear as despesas de culto e assistência.
A CCAR pediu a intervenção do Papa Bento XV, para os Capelães Militares, que a concedeu em conjunto com outras faculdades, para exercerem o seu múnus, enquanto durasse a guerra, nomeadamente no respeitante às confissões, à celebração da Missa, às bênçãos, à récita do ofício e apoio psicológico.
A CCAR ainda solicitou ao Papa, no seguimento dos combates de Abril de 1918, em que muitos portugueses foram feitos prisioneiros e levados para a Alemanha, que interviesse a favor da sua sorte. Refira-se que existiram campos de prisioneiros para oficiais e outros para praças, campos disciplinares para oficiais e outros para praças, mas muito da vida dos prisioneiros de guerra portugueses, não decorria nesses campos, outrossim em trabalhos pesados como mão de obra barata, operários fabris, mineiros, ou em trabalhos agrícolas, se bem que os oficiais não eram obrigados a prestar trabalho. Os soldados na I Guerra estavam, em teoria, protegidos pela Convenção de Haia de 1907, que continha as primeiras regras internacionais de tratamento de prisioneiros de guerra. A 12 de Abril de 1918, encontravam-se em Lille, cerca de 3.000 prisioneiros portugueses, dos quais 230 eram oficiais, a aguardar o envio para campos na Alemanha e, aquando do armistício, cerca de 6.500. Os prisioneiros de guerra portugueses admitiram, quando libertados, que,  no momento da captura, pensaram que iriam morrer. Este receio decorria, em parte, das informações sobre a prática de atrocidades cometidas pelo alemão sobre soldados e civis, criando-se a consciência que a sobrevivência dependia da boa vontade daquele. A sobrevivência dos prisioneiros internados em campos, deveu-se em muito à ação da Cruz Vermelha Internacional, que lhes fazia chegar encomendas, com comida, tabaco e agasalhos. Em Portugal, o envio dessas encomendas, dependeu de iniciativas desenvolvidas pela Associação Cruzada das Mulheres Portuguesas, Cruz Vermelha Portuguesa, Triângulo Vermelho Português ou O Século. O Governo Português criou o Comité de Socorro aos Militares e Civis Portugueses Prisioneiros de Guerra, como forma de organizar as iniciativas, e coordenar ações humanitárias com as estruturas dos Aliados.
Em Alcobaça, a Sub-Comissão da Cruzada das Mulheres Portuguesas, sob a orientação genérica de senhoras conotadas com o Centro Republicano, vinha distribuindo alguns pequenos fundos pelas famílias mais necessitadas de mobilizados do concelho, com pensões que variavam de 1$000 a 5$000 mensais, bem como fornecia alguns materiais doados para confeção de roupa quente.
De um modo geral, o público que não tinha familiares na Guerra, graças à forte censura ignorava a penosa vivência por que passavam os prisioneiros portugueses, sujeitos a maus tratos físicos e psicológicos. Se a grande maioria, passou por um período médio de nove meses de cativeiro, muitos estiveram mais de um ano detidos até voltarem a Portugal. Os prisioneiros eram forçados a depender da comida fornecida pelos guardas, o que acarretava um estado permanente de carência alimentar. A fome causava nos prisioneiros depressão física e psicológica, que por vezes levava a que se confrontassem entre si, além de acarretarem doenças intestinais e de estômago. Em 1918, a Alemanha alimentava com dificuldade a sua tropa e população civil, o que deixava muito pouco  para os prisioneiros. A capacidade de resistência da população civil, começava a sofrer grande desgaste, com efeitos na coesão interna, apesar dos apelos nacionalistas do Kaiser e de alguns militaristas oficiais superiores. Houve também Capelães Militares portugueses feitos prisioneiros, o que viabilizou alguma assistência religiosa aos militares. Para o ofício da Missa faltava, porém, o vinho branco, terá comentado o Pe. Manuel Caetano quando regressado a Portugal, embora não tivesse passado por essa situação de prisioneiro.
Se é possível afirmar que os Capelães Militares não estiveram de facto tanto tempo nas trincheiras como os demais soldados portugueses, viveram, todavia, as mesmas condições, não só nos longos períodos de espera, como situações de combate. Aquando da Batalha de La Lys pelo menos 6, encontravam-se na primeira linha de trincheiras, o que justificou que viessem a ser louvados e condecorados, pelo espírito de desinteresse, abnegação e sacrifício com que se tem dedicado ao desempenho da sua missão.
-OS VALOROSOS CAPELÃES MILITARES (ALCOBACENSES)-
Manuel Rodrigues Silvestre, filho de José Rodrigues Silvestre e de Marcelina da Piedade, nasceu a 17 de Janeiro de 1869, tendo no dia 6 do mês seguinte sido batizado na igreja de S. Simão da Brogueira/Torres Novas (embora em certos registos militares apareça, identificado como Manuel Roiz da Silveira, seguramente por lapso). A partir de Outubro de 1882, iniciou estudos preparatórios e prosseguiu depois com o curso teológico, no Seminário de Santarém. Neste contexto, recebeu a tonsura e as ordens menores a 21 de Dezembro de 1889, o subdiaconado a 21 de Fevereiro de 1891 e o diaconado a 14 de Março do mesmo ano. A sua ordenação para presbítero ocorreu a 19 de Setembro de 1891. É recordado na Cela por, ainda novo, ter começado a sentir o peso da vida, reconhecendo que necessitava de lutar sem o auxílio estranho, sem cruzar armas, sem se entregar ao desânimo. Foi corajoso, trabalhou e… venceu. O Pe. Manuel Rodrigues Silvestre desempenhou o cargo de pároco, nomeadamente em Serra do Bouro e Tornada, Eira, Bucelas e Cela/Alcobaça, aqui falecendo a 15 de Junho de 1936. O Pe. Silvestre, adepto da República que se ofereceu em 2 de Fevereiro de 1917 para acompanhar o CEP, conjuntamente com outros capelães militares, criticou severamente o comando português, pelo facto de os cadáveres de militares nacionais estarem a ser cobertos com a bandeira inglesa, o que contribuiu para ser alterado esse estranho procedimento, que causava mal estar, bem como o que reputava de alguma indiferença ou incompreensão pelo seu trabalho e sacrifício no front. Valente, esforçado e abnegado, sofreu ao lado dos militares, e como eles, o esforço da guerra, tendo sido ferido no abdómen e braço na explosão de um engenho. Embora não gaseado, foi abatido em 14 de Janeiro de 1918, ao Corpo de Capelães Militares, o que muito o entristeceu. Regressado a Portugal, continuou a sua missão sacerdotal na Cela, sem que o governo da República, haja feito por ele mais que lhe prestar alguma assistência hospitalar, em Lisboa. Faleceu a 15 de Junho de 1936, encontrando-se sepultado em campa rasa, no cemitério da Cela, ao lado dos pais de Francisco Leonardo Eusébio que, por sua vez, informou que foi ainda por ele batizado em 1935. Ao que consta, o Pe. Manuel Silvestre, nunca se deu bem com o conservador e regressado Pároco de Alcobaça/Ribeiro d’Abranches, os Párocos da Benedita/Manuel dos Santos Canastreiro, de Aljubarrota/José António de Campos Júnior e de Caldas da Rainha/José Augusto Rosário Dias, a quem imputava não se terem oferecido como capelães militares.
Manuel dos Santos Canastreiro, nasceu a 14 de Abril de 1882. Com treze anos, ingressou no pequeno Seminário do Patriarcado de Lisboa e, mais tarde, cursou teologia no Pontifício Seminário Romano e Colégio Português em Roma. Na Pontifícia Universidade Romana obteve a licenciatura em filosofia, teologia e direito canónico. Foi ordenado em Lisboa, no dia 17 de Dezembro de 1910 pelo Bispo D. António Mendes Belo, ficando incardinado nesta diocese. O Pe. Manuel dos Santos Canastreiro, que não gozava de muita saúde, foi pároco encomendado na Benedita a partir de 1916 até 1930. Posteriormente paroquiou em Alcobaça e Maiorga. Esteve ainda à frente da paróquia da Pederneira, tornou-se vigário da Vara de Alcobaça e ocupou o cargo de Reitor do Santuário de Nª. Sª. da Nazaré. Enfim, era um inteletual e gostava de se assumir como tal. Faleceu subitamente no dia 5 de Agosto de 1944 em Lisboa, sendo pároco do Campo Grande.
José António de Campos Júnior, natural da freguesia de Alcobaça, era filho de José António de Campos, ferreiro de profissão, e de Gertrudes de Campos. Frequentou o seminário de Santarém e após a sua ordenação paroquiou em S. Vicente de Aljubarrota, entre 1908/1920. José António de Campos Júnior acumulou Pároco de Nª. Sª. dos Prazeres, em Aljubarrota entre 1919/1920. Gostava de ir à caça, mas afirmava-se radicalmente contra a guerra, inclusivamente com a participação portuguesa e Afonso Costa, que classificava como vendedor de carneiros, mesmo a partir do púlpito.
Por sua vez, José Augusto Rosário Dias, nasceu a 11 de Novembro de 1882. Com 14 anos, ingressou no seminário de Coimbra para efetuar os cursos preparatórios e de teologia. Com vinte e dois anos, foi ordenado presbítero e no mês seguinte admitido no Patriarcado de Lisboa. Nesta diocese, foi capelão no Hospital de Caldas da Rainha, coadjutor e pároco encomendado na paróquia das Caldas da Rainha, chegando a ser vigário da Vara. Dizia que a sua grande vocação era o ensino e que gostaria de ser professor se não fosse sacerdote. Também se assumia como contrário à intervenção de Portugal na Guerra, o que lhe acarretou alguns problemas com as autoridades civis. Faleceu a 29 de Novembro de 1939.
O Pe. Manuel Silvestre foi Presidente da Junta de Freguesia da Cela, tendo nessa qualidade mandado restaurar a igreja e subir a torre sineira, aonde existe uma placa alusiva. F. Leonardo Eusébio pretende vir a ser sepultado ao lado dos pais e do Pe. Silvestre, tendo já comprado o espaço necessário. Este, pela sua extraordinária afabilidade, deixou muitas e interessantes lembranças, nomeadamente quanto à forma de se deslocar. Numa altura em que já era relativamente vulgar as pessoas, com certo estatuto, deslocarem-se de carro ou mesmo de bicicleta, o Pe. Silvestre persistia em faze-lo de mula. Era proprietário da Quinta da Laranjeira, que explorava com a colaboração da governanta Joaquina Santa, vulgarmente conhecida por Joaquina Cebola. Esta, por vezes, não tinha dinheiro para pagar ao pessoal assalariado da quinta ou para fazer compras na mercearia pois o Padre, segundo lhe dizia, tinha gasto o dinheiro com pessoas carenciadas, pelo que lhe sugeria que pedisse fiado na venda, o que nunca foi recusado. A sua bolsa, que não seria provavelmente muito grande, apesar de se reclamar de ter o espaço do razoável, era um campo aberto a cobiças e não havia na Cela ou Bárrio, caloteiro de boa fama ou parodista na penúria, que não fosse à sua procura em busca de o enganar ou comover. Ele olhava a pessoa, que se lhe dirigia e só sabia perguntar, puxando de um rolinho onde trazia dinheiro: Quanto é ?
De Alcobaça, ofereceu-se ainda em 25 de Fevereiro de 1917 como Capelão Militar o destemido e republicano Pe. Manuel Caetano, Pároco de Coz, tendo o Ministro da Guerra deferido o requerimento para ir prestar, como padre católico, os socorros espirituais aos nossos soldados que em França vão combater contra os nossos inimigos. Foi este sacerdote, quem tomou a iniciativa de tornar público via jornais, os nomes dos eclesiásticos do Concelho de Alcobaça, que se ofereceram para acompanhar os soldados portugueses que à admirável França vão defender a liberdade e a civilização contra o despotismo boche. À data da Batalha de La Lys, assegurava assistência religiosa à 6ª Brig. Inf.6 onde tinha o posto de Capitão Militar, na 2ª. Divisão, que era constituída pelo Batalhão Inf.1-Lisboa, Batalhão Inf.2-Lisboa, Batalhão Inf.5-Lisboa e Batalhão Inf.11-Évora, sem prejuízo de fazer serviço de socorrista debaixo de fogo. Na sequência da Batalha de La Lys e no cumprimento de uma arriscada missão de que fora encarregado, encontrou um oficial português gravemente ferido no rosto, inanimado, sem dar acordo. Conseguindo estancar-lhe o sangue, foi cumprir a missão cometida, pelo que depois, voltando ao local onde deixara o ferido, que continuava inanimado, carregou-o às costas até ao Posto de Socorros, aliás bastante distante, enquanto ia dentro do possível ajudando outros camaradas em dificuldades. O dito oficial veio a recuperar, embora tivesse ficado para o resto da vida com uma profunda e feia cicatriz que lhe marcava o rosto todo. Quando procurou saber a quem devia a vida, apenas apurou que se tratava de um capelão militar, e só muito mais tarde o respetivo nome. O oficial em questão, era o Alf. Jaime Trancoso Leote do Rego, filho do Comandante da Marinha de Guerra, Daniel Leote do Rego. Quando a guerra acabou o Pe. Caetano foi colocado em Alcanena, onde a perseguição e o ódio à igreja chegaram ao ponto de queimar a igreja paroquial e o prender. Mal a notícia chegou à Escola Prática de Torres Novas, onde o agora Ten. Leote do Rego fora colocado, este deslocou-se imediatamente a Alcanena, com um esquadrão de cavalaria[FdO1] , abraçou-o e soltou-o, perante o espanto popular. A partir deste incidente, o Pe. Caetano passou a ser visto de maneira muito diferente, nomeadamente por parte dos que o haviam perseguido rudemente e encarcerado. O Pe. Manuel Caetano foi louvado em Ordem de Serviço do CEP, de 5 de Junho de 1918, condecorado com a Cruz de Guerra de 2ª Classe e feito Cavaleiro do Ordem de Cristo com Palma. Foi este sacerdote quem promoveu a colocação de uma lápide na fachada do Mosteiro de Coz, contendo o nome dos militares da freguesia que combateram na Guerra, distinguindo entre eles os que sobreviveram e os que faleceram. O Pe. Manuel Caetano, filho de João Caetano e de Maria de Jesus Noiva, nasceu a 2 de Outubro de 1885, tendo sido batizado no dia 15 desse mês. Recebeu a primeira tonsura e as ordens menores a 16 de Março de 1907, a 6 de Novembro de 1909 efetuou a habilitação de genere e no dia imediato tomou a ordem de sub diácono. A 12 de Março de 1910, ascendeu ao diaconado e a 25 de Junho de 1911, pelas mãos do Bispo (futuro Cardeal Patriarca) D. António Mendes Belo, foi ordenado presbítero, ficando ao serviço da diocese de Lisboa. Exerceu o cargo de pároco em diversas freguesias do País, como Santa Eufémia de Coz, Lapas, Alcanena, Cem Soldos/Tomar, Santa Madalena de Tomar, Atalaia, Barquinha, Tancos, Praia do Ribatejo e Azeitão. Veio a falecer a 8 de Março de 1958, em Mira de Aire, terra de onde era natural.
O Pe. Caetano esteve em França ao mesmo tempo que o seu conterrâneo sold. Francisco Amadeu Soares, que foi ferido em combate. De volta à vida civil, Soares veio a fixar-se em Lisboa, e numa vida errática acabou a viver numa barraca nos arredores da cidade. Durante a década de 1950, sofreu um AVC e tendo sido hospitalizado, foi aproveitada a ausência para a mesma ser ocupada e mais tarde demolida. Sem pouso para viver, acabou por ser recolhido no Asilo de Mendicidade de Lisboa/Lar Residencial de Alcobaça, tendo aí sido visitado pelo Pe. Caetano. Em Dezembro de 1911, diziam os republicanos através do Semana Alcobacense que em Coz o povo da freguesia estava a sofrer um castigo aplicado pelos Patriarca de Lisboa e Vigário da Vara, porque tendo sido mandado retirar o pároco, que recolhia muita simpatia popular, a população não quis aceitar o outro que para ali foi mandado. Também diziam, que depois desta reação, não virá tão cedo outro padre para Coz, pelo que continuava a não haver missa no Mosteiro, para castigo do povo. Todavia, comentavam, embora sem graça e com acinte, que o Patriarca e o Vigário da Vara são excelentes cristãos ao darem ao povo castigos tão bons, pois que ao não haver missa, as pessoas almoçam melhor e com mais descanso, pelo que faziam votos porque sejam estes afinal os maiores males que venham à freguesia e aos seus habitantes.
Também se ofereceu em 11 de Fevereiro de 1917, para acompanhar o CEP com a 4ª Brigada de Infantaria coim quem seguiu em 27 de Abril de 1917, o Pe. Martim/Martinho Pinto da Rocha, Pároco de Alpedriz (nascido a 2 de Maio de 1877 em Proença a Velha), repatriado em Agosto seguinte, por motivos de saúde dado ter sido gaseado (foi julgado incapaz em 17 de Setembro de 1917), o que o não impediu de viver alguns anos, embora com sérias dificuldades pulmonares e sem apoio do Estado.  O Capelão Martim/Martinho Pinto da Rocha, ao ser repatriado em 1 de Agosto de 1917 foi substituído pelo Capelão António Tavares de Pina, o qual, voluntário em 29 de Jan. de 1917, seguiu em Junho para França. Em telegrama do comandante do CEP, endereçado ao Chefe da assistência religiosa Pe. José do Patrocínio Dias, cónego da Sé da Guarda, que à data da Batalha de La Lys,  assegurava assistência religiosa no Hospital de Sangue n.º 2, datado de 22 de Novembro de 1918,  indicava que os Pes. Ângelo Pereira Ramalheira (à data da Batalha de La Lys assegurava a assistência religiosa à 5ª. Brigada de Infantaria), e António Tavares de Pina ficavam adidos à tripulação de navios que evacuavam doentes.

Se a participação dos Capelães Militares foi, em geral, notável honrando o Igreja e o Exército, outros houve, embora em número reduzido, que não mereceram estes qualificativos. Em Outubro de 1917, o Capelão Militar Pe. Alexandre Pereira de Carvalho, foi expulso do CEP, na sequência de troca de correspondência, alegadamente, menos respeitosa. Realmente, mesmo então  incomodava, ver penalizado gravemente, um ministro da religião católica, homem a quem competiria seguir uma vida de virtudes, de mansidão e de paz, de obediência e tolerância. Só nessa condição pode o sacerdote atrair e conservar o respeito devido à sua elevada missão e obstar a escândalos, por mais breves que sejam, desvirtuar a sua classe.