quarta-feira, 23 de maio de 2018

A EUTANÁSIA EM DEBATE (PRÓS E CONTRAS)

A EUTANÁSIA EM DEBATE
(PRÓS E CONTRAS)

FLeming de OLiveira

-A AR tendo agendado para o dia 29 de maio de 2018, o debate e a votação na generalidade das iniciativas legislativas do PS, do BE e do PAN, sobre a legalização da eutanásia, entendo que ninguém deve ficar alheio ao tema. Assim, preparei este texto para os leitores de o Região de Cister, que apreciaria que fosse base para promover um debate neste jornal, durante o qual se tentaria colher uma ideia do que entendem os leitores e os alcobacenses em geral.
-Independentemente da forma como é praticada, legalizada ou não, a eutanásia constitui matéria controversa, “fraturante” como se costuma dizer, existindo sempre irremediável e insanavelmente prós e contras, ainda que mutáveis com o tempo e a evolução da sociedade.
É recorrente denominar de fraturantes temas que suscitam grande polémica, questionam atitudes e comportamentos ou põem em causa valores tidos como indiscutíveis para amplos sectores da opinião pública e da sociedade. Também é recorrente serem controversos entre partidos políticos, organizações sociais, países e mesmo religiões. E porque atravessam partidos e grupos, da esquerda à direita, novos e menos novos, suscitam muitas vezes a necessidade de referendo, no pressuposto de que os programas eleitorais partidários, são comedidos pelo melindre dos temas, não suficientemente explícitos e os eleitores, quando votam, não os têm em conta. Alegando que temas, como por exemplo o aborto ou a eutanásia, são questões de pura consciência, tentam retirá-los da alçada dos políticos e entendem que é o povo que deve pronunciar-se sobre a opção legislativa.
Conheço um deputado (aliás do PSD), que entende, ao ser chamado a votar uma lei desta delicadeza e complexidade, jurídica, ética e moral, não se sentir para tal mandatado. E acrescenta que o PSD (CDS pediu e os restantes partidos aceitaram que a votação sobre a legalização da eutanásia seja feita um a um. Todos os deputados contam), não sufragou o tema nas últimas eleições legislativas, tal como os restantes partidos, e que a eutanásia não é matéria de consciência individual. Sendo assim, um tema fraturante quanto este deveria ser decidido num referendo nacional.
Errado!, entendo eu, embora sem uma convicção muito forte.
-Com referendo ou não, ao abordar a questão da eutanásia não posso esquecer a consciência de cada um, alicerçada no conhecimento disponível à luz da liberdade de decisão pessoal, com o apoio da orientação de quem honestamente esteja capacitado para uma orientação.
Sabendo-se que a nossa sociedade está fraturada/dividida, cabe ao poder político o dever de legislar sobre a temática, tendo em conta o conhecimento científico disponível e a disponibilizar as diversas dimensões ético-políticas. Compete ao Estado, através dos seus órgãos de poder e de administração, organizar o acompanhamento pedagógico para que os portugueses (ainda que através dos seus deputados), decidam com toda a liberdade a lucidez possível.
Certo!, entendo eu, embora sem uma convicção muito forte, podendo assim ser-me imputada mais uma das minhas contradições.
-A eutanásia consiste afinal em quê? No ato de facultar a morte sem sofrimento a um indivíduo cujo estado de doença é incurável, normalmente associado a um imenso sofrimento físico e psíquico."Eutanásia ativa" como um conjunto de ações que têm por objetivo pôr termo à vida, acertadas entre o doente e o profissional que vai realizar o ato.
"Eutanásia passiva" não provocando deliberadamente a morte, conjuntamente com a interrupção dos cuidados médicos, farmacológicos ou outros, leva o doente a falecer.
"Suicídio assistido", ocorre quando o doente provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da ajuda de terceiros.
Em Portugal, a “eutanásia ativa” é considerada crime, previsto no Código Penal, embora configurável ou como homicídio privilegiado, ou como homicídio a pedido da vítima.
No primeiro caso, que tem por fundamento a diminuição sensível da culpa do agente, a pena da prisão é reduzida, quando comparada com a que se aplica ao homicídio simples, se ocorrer um dos motivos determinantes do autor nele previstos, alguns dos quais consistem em aquele ter sido dominado, ao cometer a conduta, por “compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral”.
No segundo caso, que constitui um tipo específico de homicídio com uma atenuação ainda maior da pena abstrata aplicável, o agente é “determinado por pedido sério, instante e expresso” da vítima. Considera-se que neste caso a culpa é diminuta, justificando a benevolência do legislador.
Entendo a nossa lei (por enquanto…) como equilibrada, porque se o suicídio é algo que não é punido em si, embora seja um mal pelo que quem ajuda a cometê-lo pratica um crime. Admito, todavia, como altamente improvável que, à luz deste quadro legislativo, alguém que levasse um amigo ou familiar a uma clínica na Suíça, onde se pratica legalmente suicídio assistido, pudesse ser acusado e punido quando regressasse a Portugal, porque levar alguém em viagem não é uma causa de morte.
Não tendo Portugal descriminalizado a prática da eutanásia e do suicídio assistido, admite todavia o “testamento vital”, que consiste na formulação em vida de um “documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente”.
-O tema não é novo, nem os argumentos jamais serão decisivos.
Quem argumenta a “favor da eutanásia”, parte do princípio da autonomia (absoluta) da pessoa, na alegação do direito à autodeterminação, direito à escolha pela sua vida e pelo momento da morte. Uma defesa que assume o interesse individual acima do da sociedade que, nas suas leis e códigos, visa proteger a vida.
A eutanásia não defende a morte, outrossim uma escolha refletida (obviamente sem possibilidade de arrependimento) por parte de quem a concebe como melhor ou a única opção.
A dor, sofrimento e o esgotamento do projeto de vida, são situações que podem levar as pessoas a desistirem de viver e conduzem-nas a pedir o alívio da dor, a dignidade e piedade no morrer, porque não reconhecem qualidade na sua vida.
Muitos são também os argumentos (embora também não decisivos) “contra a eutanásia”, desde os religiosos, éticos, os políticos e sociais. Do ponto de vista religioso, a eutanásia é uma usurpação do direito à vida humana, um exclusivo reservado a Deus o único que concede e pode tirar a vida.  
Na perspectiva da ética médica, tendo em conta o “Juramento de Hipócrates”, segundo o qual se considera a vida como um dom sagrado, sobre a qual o médico não pode ser juiz, a eutanásia é considerada homicídio. Cabe pois ao médico, cumprindo o “Juramento”, assistir o paciente, fornecendo-lhe os meios necessários à sua subsistência.
-A eutanásia, um assunto que desde sempre tem sido discutido, afinal foi utilizada por povos primitivos, segundo alguns autores. No século XX na Europa (na Alemanha Nazi com grande impacto), usou-se este procedimento para eugenia, eliminando os que para a sociedade não seriam “prósperos ou úteis”.
Nem sempre um ser humano com uma determinada patologia grave quer morrer. Muitas vezes acontece o contrário, tenta lutar contra a Morte, aceita ficar diminuído desde que sobreviva, e aceita sobreviver mesmo que saiba ou sinta que a doença o levará um dia, não muito distante.
Contrariando a tendência de luta a todo o custo, em alguns casos surgem doentes que realmente estão cansados de viver, que não aguentam mais sentirem-se "um fardo", ou sozinhos, apenas acompanhados por um enorme sofrimento de ordem física, psíquica ou social.
Admito mesmo que um ser humano, ainda que a sofrer profundamente, se bem tratado, não peça a Eutanásia. Hoje em dia podem ser administrados analgésicos e outros fármacos que minimizam o sofrimento e efeitos da doença bem como intervenções técnicas, a uma pessoa em estado terminal.
-Talvez seja esta a esta altura para pensar que um dia podemos ser nós, um familiar ou um amigo próximo, a estar numa situação em que "não há mais nada a fazer".
Pessoas que se encontram nesta fase, sentem-se um peso pela doença e a necessidade de cuidados e pela preocupação e o cansaço estampados nos rostos daqueles que amam e estavam habituados a ver sorridentes.
Num país como Portugal, em que a morte tem perdido visibilidade, é excluída de práticas ancestrais, os familiares são afastados, as crianças não sabem o que é, os processos de luto são cada vez menos vividos e morre-se mais nos hospitais, no lar ou em casa dependente nos cuidados.
Porquê? Uns por opção e altruísmo, pelo manter do seu papel e estatuto social, como opção lúcida e reconhecida, outros por medo, por a família não aceitar ou não querer vivenciar essa última fase em que culmina a vida.
Num país em que esperança média de vida aumenta, em que a todo o momento se vende o light e o saudável, contrasta a realidade dos acidentes vasculares cerebrais como primeira causa de morte e as doenças de foro oncológico como segunda. Salvar, fazer uso dos meios, do conhecimento, dos dadores, de todos os recursos para salvar é lógico.
No entanto, os cuidados paliativos que visam a melhor qualidade de vida possível para o doente e para a família, pode ou não equivaler a definição de qualidade desses intervenientes, o que pode levantar dúvidas, despoletar as habituais polémicas associadas ao debate do tema. Quando se fala neste, as opiniões divergem, o debate acende-se e os extremos refutam com prós e contras.
Perante o tabu da morte e o afastamento da família como um elemento cuidador, existem inúmeros contextos e particularidades. A eutanásia continuará a suscitar grande controvérsia na sociedade, alinhando-se argumentos entre os que defendem a legalização e os que a condenam. Posto isto, entendo que há necessidade de fazer corresponder a moral à prática concreta da pessoa enquanto membro de uma sociedade e nos tempos que correm, com condicionalismos diversos e específicos, e refletir sobre essas práticas.
Afinal, e estamos todos de acordo, a vida humana é direito em qualquer sociedade.
Marcelo Rebelo de Sousa, reiterou que só se pronunciará sobre a eutanásia no fim dos trabalhos parlamentares.
-Ao ser confrontado com as declarações recentes do vice-presidente da Conferência Episcopal, Marcelo Rebelo de Sousa adiantou que “agora, neste momento, é o tempo de o parlamento se pronunciar, o parlamento irá pronunciar-se no dia 29 na generalidade e, depois, haverá, naturalmente, o processo próprio e eu esperarei. Quando me chegar às mãos qualquer diploma para eventual promulgação, veremos se chega ou não, eu aí pronunciar-me-ei”.
À pergunta se considera que a sociedade portuguesa já fez o debate pedido pela Igreja Católica, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: “Porque estamos ainda num momento em que ocorre a discussão parlamentar, e vai ocorrer, como sabem no parlamento é uma discussão que envolve primeiro a generalidade, depois a especialidade e, se for caso disso, uma votação final global, vamos esperar serenamente”.
Aprecio de há muito o Professor MRS a sua postura e argumentos, mas não creio como entende a Conferência Episcopal que depois de muitas horas de debate parlamentar, com os conhecidos/estafados argumentos a favor e contra, os que não conseguirem fazer vingar a sua opinião, ficam minimamente satisfeitos ou convencidos.
Eu não ficaria.


segunda-feira, 14 de maio de 2018

Não gosto de "certa" linguagem - Região de Cister















Ultimamente tenho visto televisão e cinema, mais do que era normal. Vi documentários e filmes, alguns premiados com os Óscares da Academia, com tramas interessantes, boa ação e um ponto de vista perspicaz, mas… Mas, ao fim de cinco minutos, sintome agredido com tantos “palavrões”, uma autêntica chuva deles, que me levou a pensar, qual a razão destes palavrões? O meu Filho, pai de filhos também, mas de outra geração esclareceu-me que isso é necessário, para ser “honesto”, e conferir um ar mais “realista” … Bem sei que há pessoas que parecem incapazes de comunicar sem usar uma linguagem suja, mas no que me diz respeito não só me aborrece esse tipo de linguagem, como me indigna um abuso que degrada a língua e os nossos costumes. Parece-me que a obscenidade vocabular é, além do mais, uma forma “barata” de atrair a atenção, não passando de um recurso de quem não tem melhor vocabulário para se exprimir. O que é que há de honesto em substituir palavras da língua-padrão por termos escatológicos? Será que não se pode admitir a existência e o exercício do sexo, sem os descrever em linguagem “chula”? Sempre que se fala da absorvente e eterna relação entre o homem e a mulher há necessidade de se usarem expressões como as que se vêm rabiscadas nos sanitários públicos? Não há muito tempo, um grupo de pais considerou alguma linguagem de Válter Hugo Mãe (que me abstenho aqui de reproduzir) no livro “O Nosso Reino” imprópria para adolescentes de 13 e 14 anos e protestou contra a inclusão, entre as leituras recomendadas para este nível etário, pelo Plano Nacional de Leitura/PNL Compreendo a preocupação destes pais, mas não tanto a simplicidade do contra-argumento simplista que, “estão desfasados daquilo a que os adolescentes se encontram expostos graças à omnipresença da internet, e a todo o tipo de conteúdos a que, sem filtros nem barreiras, ali conseguem encontrar”. Admito ser conservador, mas tenho reservas em acompanhar, sem mais, a postura dos que considerem os filhos imaturos para lerem determinadas obras e os orientem noutras. Sou totalmente a favor de não tratar os jovens como “estúpidos”. Mas, como Pai e Avô, sei que lhes falta muita informação, que a grandeza e a complexidade humanas estão contidas em alguém de 14 anos de idade, e que assim não se deve fazer de conta, liminarmente, que existem crian- ças com essa idade, ao invés de atentar no esplendor do aparecimento de um ser muito perto de estar inteiro. As duas associações de professores de Português vieram a terreiro defender, conjuntamente, que “vivemos num tempo em que a liberdade é amea- çada por esse mundo fora e é nestes tempos que o papel do professor se intensifica na luta permanente contra a hipocrisia, o preconceito e todas as formas de discriminação”. No concernente às críticas sobre a inclusão do livro na lista de livros recomendados em leitura autónoma pelo PNL, as ditas associações defendem que “é na escola, através dos professores, que começa a construção da verdadeira democracia, se derrubam as barreiras sociais, e se expõem as fragilidades de uma visão enviesada e preconceituosa da realidade”. São centenas os livros que integram o PNL, pelo que admito que ocorram erros de avaliação quanto ao respetivo mérito ou oportunidade. Se me for permitido pelo nosso Diretor Joaquim Paulo fazer mais um comentário (a que não confiro conteúdo ou intenção políticos) direi que desejaria encontrar uma equipa, aliás paga com o nosso dinheiro, apta a escolher livros recomendados às diferentes faixas etá- rias, em suma, produzir um trabalho criterioso e que, em torno do livro e da leitura, se têm alimentado, lobbies longe de justificar o que com eles é despendido. E a forma como reagem às críticas demagógicas (aqui o comentário tem conteúdo político), é uma evidência de que continuam a existir estruturas no MEC mais centradas em servir-se a si, ou a quem por lá anda, do que em prestar serviço público.

IMORAL, ILEGAL, AMORAL, CORRUPÇÃO, ETC.


IMORAL, ILEGAL, AMORAL, CORRUPÇÃO, ETC.
FLeming de OLiveira




Não é um procedimento ilegal, é sim imoral”, ouvimos frequentemente dizer a propósito de personalidades públicas, em jeito de melhor justificação.
Muito interessante, na verdade como desculpa esfarrapada, mas a minha empregada doméstica que não tem estudos, sabe distinguir, entre IMORAL e ILEGAL.
“D. Laurinda”, perguntei-lhe um dia destes, “Para si o que é ilegal pode não ser imoral? Se um ato ou ação é considerado imoral, onde é legal?” 
Posta a questão assim, sofisticadamente, a D. Laurinda começou a titubear e teve enorme dificuldade em me explicar.
Sem pretender iniciar um minicurso de deontologia, vou referir, liminarmente, que a moralidade é alegadamente, um dos pilares da nossa Administração Pública. Assim, sendo “imoral” um ato administrativo, não poderá/deverá surtir efeitos, ainda que seja “legal”. Claro que, por vezes, o ato em concreto não tem uma avaliação inequívoca em termos de imoralidade, seja por parte do senhores juízes ou senhores administradores.
A diferença entre ato imoral e ilegal, como aliás sabe e percebe a D. Laurinda, embora com alguma dificuldade em se expressar, está em que neste há um desrespeito a um preciso procedimento ou formalidade da lei e naquele, seguem-se as formalidades que a lei determina, mas os fins visados pelo ato administrativo, ou os seus motivos determinantes, são contrários à moralidade pública.
Poderia carrear inúmeros exemplos. Um bastante simples e vulgar, é a nomeação de parentes para cargos em comissão. É legal nomear o filho para exercer um cargo de confiança em comissão, bastando que o ato da nomeação siga as formalidades previstas na lei. Mas, por razões óbvias, esse ato, embora legal, pode em determinadas circunstâncias ser imoral.
Uma pessoa imoral é sem pudor, revela imoralidade e está, frequentemente, ligado à libertinagem e obscenidades. Uma pessoa assim é, normalmente, reputada como devassa, indecente e desonesta, pois revela falta de caráter e de regras sociais.
Um ato imoral nem sempre é ilegal, como referi à D. Laurinda. Por exemplo, extorquir dinheiro de uma pessoa idosa através de um esquema fraudulento, é imoral e ilegal. Mas não pagar uma dívida porque o credor não fez prova da sua existência, é imoral. Tenho dúvidas, os tempos modificam a avaliação de comportamentos, se quem trai o/a namorado/a comete um ato imoral, sendo inequívoco não ser ilegal.
É importante referir que apesar de existir na sociedade uma noção de moral e imoral aceite pela maioria, inúmeras pessoas criam o seu próprio conceito de moral ou imoral, “estou de consciência tranquila”, como diriam o Engº. Sócrates ou Ricardo Salgado. Isto significa que o que é imoral para uma pessoa, pode não ser imoral para outra.
A imoralidade pode ser aplicada a várias áreas da vida. A imoralidade sexual, na minha perspetiva conservadora, consiste por exemplo em comportamentos imorais no âmbito sexual, reportando-se a um indivíduo que se entrega à luxúria lascívia.
Tudo que eu gosto é ilegal, imoral e engorda ".
Piadas como esta (e o que vale é que não passam de piadas), sobre o desconforto de ter um certo estilo de vida, têm sido cada vez mais comum nas conversas e agora nas redes sociais.
E o que é amoral? Amoral é a classificação atribuída a alguém sem noção de moral, ou seja, “não é contra nem a favor dos princípios da moralidade”.
Amoral é, em suma, o que está fora da moral, ou seja, é neutro no que se refere à ética.  Em um sentido prático, um indivíduo amoral vive sem as condições subjetivas exigidas para que os seus atos ou juízos sejam morais.
O amoral não tem conhecimento das normas (morais) e por isso o seu comportamento não é moldado de acordo com elas. Por outro lado, o imoral tem conhecimento das regras, mas mesmo assim pratica atos que são repudiados pela maioria da sociedade, como por exemplo o governante que aceita um suborno para quebrar uma regra e atingir um objetivo inconfessável.
Ética é um conjunto de conhecimentos extraídos do estudo do comportamento humano, ao tentar explicar as regras morais de forma racional, fundamentada, científica e teoricamente. É uma reflexão sobre a moral.
Moral é o conjunto de regras aplicadas no quotidiano e usadas continuamente por cada cidadão. Essas regras orientam cada indivíduo, norteando as suas ações e os seus julgamentos sobre o que é moral ou imoral, certo ou errado, bom ou mau.
Em termos práticos, parece-me que a finalidade da ética e da moral é muito semelhante. São ambas responsáveis por construir as bases que vão guiar a conduta do homem, determinar o seu caráter, altruísmo e virtudes, e ensinar a melhor forma de agir e de se comportar, em sociedade. Porque são do nosso partido ou do nosso clube.


Há pessoas, que de acordo com a mera conjuntura ou interesses pessoais, transformaram/qualificam basicamente certos portugueses numa classe de irresponsáveis que não respeitam suficientemente a sua profissão a ponto de os usar displicentemente como reféns no seu protesto salarial. Não é raro de todo que isso aconteça pelo que não entendo que “isto é um problema político” e não jurídico. Tem esses tanta razão que nem devem aperceber-se da falta de razão que têm.
Não é uma fatalidade portuguesa a corrupção, sem prejuízo de entender que o nosso regime será tanto mais democrático quanto limpo. Mas, enquanto continuarmos tão dúplices, tão compreensivos, a tolerar mais ou menos certos comportamentos desviantes de políticos, empresários ou desportistas, a gostar de mandar bocas inconsequentes, sem uma verdadeira sindicância no combate a conflitos de interesses, não haverá forma de impor a limpeza que o nosso sistema político-económico necessita e reclama. Quando muito, vai-se utilizando aqui e ali um exemplo, como é o recente caso Manuel Pinho (não estou a tomar posição sobre o seu caso), esquecendo/tolerando outros quando são do nosso partido ou do nosso clube…
Corrupção procedimento ilegal (punível criminalmente) e imoral, é transversal a todos os estratos sociais, partidos políticos e clubes.
Compreendo que António Costa queira circunscrever, invocando como isolados os casos de Sócrates e Pinho. Na mesma linha percebo que PSD e CDS queiram circunscrever ao PS a crise ética em que vivemos. A crise é mesmo do regime. Infelizmente, como sabemos, é verdade.
Não obstante o 25 de abril, permanece ou mesmo desenvolveu-se uma teia de interesses, em que política e negócios se misturam da pior maneira. É simplista e muito cómodo considerar o PS o único envolvido nestes esquemas e uma pena que não seja assim. É que essa promiscuidade é genérica, sendo casos destes (sabidos ou intuídos) às dezenas ou centenas. 
Se não podemos confiar que sejam os atuais políticos, por sua iniciativa, a regenerar o regime democrático e se não podemos contar com a sindicância dos jornalistas, salvo excecionalmente, teremos de ser nós a fazer a mobilização com esse fim. Embora não saiba bem como.

A GUIDA FUGIU COM UM RAPAZOLA OU O PÉ DA LUIZINHA CARNEIRO


A GUIDA FugIu COM UM RAPAZOLA
OU
O PÉ DA LUIZINHA CARNEIRO

FLeming de OLiveira


Uma noite destas, em Coimbra, depois do jantar com uns casais em casa de uns amigos, enquanto se bebia mais um copo ia passando um telejornal, dando conta (como é habitual) dos horrores e desastres do mundo, entrecortados com apartes de aborrecimento e ar pesaroso dos circunstantes, um atentado suicida matara não sei quantos em Cabul, um terramoto matara duas mil pessoas na China, Puigdemont continua com mandato de captura, um grande incêndio está a lavrar na Galiza, etc., etc. 
A Leonor, muito expansiva, sobre quem normalmente mais convergem as atenções, de súbito levou as mãos à cabeça: Quem diria!!! Surpresos, olhamos atentos. E ela, na sua emoção explicava: A Guida, deixou o marido e fugiu com um rapazola que podia ser seu filho. Pelo menos em termos de idade. Mais ou menos…
A sala inteira alvoroçou-se. Todos nós conhecíamos a Guida, linda menina de minissaia, colega de curso dos anos 60, mas ninguém se interessava, de todo, por essas calamidades no mundo.
No dia seguinte, já em Alcobaça na esplanada do Bibi, ao voltar a página do jornal rápida e indiferentemente, sem ler propriamente o texto da notícia que referia em título os mais de 40 mortos no atentado suicida no Afeganistão, lembrei-me de Eça de Queirós (in Cartas Familiares e Bilhetes de Paris) e pensei para mim: Será que estou conquistado pela síndroma do “Pé da Luisinha Carneiro”?
Mas quem é a “Luisinha Carneiro”? Para explicar a associação de ideias, mal cheguei a casa fui reler o meu predileto Eça de Queirós.
"Bem recordo uma noite em que, numa vila de Portugal, uma senhora lia, à luz do candeeiro, que dourava mais radiantemente os seus cabelos já dourados, um jornal da tarde. Em torno da mesa, outras senhoras costuravam. Espalhados pelas cadeiras e no divã, três ou quatro homens fumavam, na doce indolência do tépido serão de Maio. E pelas janelas abertas sobre o jardim entrava, com o sussurro das fontes, o aroma das roseiras.
No jornal que o criado trouxera e ela nos lia, abundavam as calamidades. Era uma dessas semanas também em que pela violência da Natureza e pela cólera dos homens se desencadeia o mal sobre a Terra.
Ela lia as catástrofes lentamente, com a serenidade que tão bem convinha ao seu sereno e puro perfil latino. «Na ilha de Java um terramoto destruíra vinte aldeias, matara duas mil pessoas...» As agulhas atentas picavam os estofos ligeiros; o fumo dos cigarros rolava docemente na aragem mansa – e ninguém comentou, sequer se interessou pela imensa desventura de Java. Java é tão remota, tão vaga no mapa! Depois, mais perto, na Hungria, «um rio trasbordara, destruindo vilas, searas, os homens e os gados...». Alguém murmurou, através de um lânguido bocejo: «Que desgraça!» A delicada senhora continuava, sem curiosidade, muito calma, aureolada de ouro pela luz. Na Bélgica, numa greve desesperada de operários que as tropas tinham atacado, houvera entre os mortos quatro mulheres, duas criancinhas... Então, aqui e além, na aconchegada sala, vozes já mais interessadas exclamaram brandamente: «Que horror!... Estas greves!... Pobre gente!...» De novo o bafo suave, vindo de entre as rosas, nos envolveu, enquanto a nossa loura amiga percorria o jornal atulhado de males. E ela mesma então teve um «oh!» de dolorida surpresa. No Sul da França, «junto à fronteira, um trem descarrilando causara três mortes, onze ferimentos...» Uma curta emoção, já sincera, passou através de nós com aquela desgraça quase próxima, na fronteira da nossa península, num comboio que desce a Portugal, onde viajam portugueses... Todos lamentaríamos, com expressões já vivas, estendidos nas poltronas, gozando a nossa segurança.
A leitora, tão cheia de graça, virou a página do jornal doloroso, e procurava noutra coluna, com um sorriso que lhe voltara, claro e sereno... E, de repente, solta um grito, leva as mãos à cabeça:
– Santo Deus!...
Todos nos erguemos num sobressalto. E ela, no seu espanto e terror, balbuciando:
– Foi a Luísa Carneiro, da Bela Vista... Esta manhã! Desmanchou (torceu) um pé!
Então a sala inteira se alvorotou num tumulto de surpresa e desgosto.
As senhoras arremessaram a costura; os homens esqueceram charutos e poltrona; e todos se debruçaram, reliam a notícia no jornal amargo, se repastavam da dor que ela exalava!... A Luisinha Carneiro! Desmanchara (torcera) um pé! Já um criado correra, furiosamente, para a Bela Vista, buscar notícias por que ansiávamos. Sobre a mesa, aberto, batido da larga luz, o jornal parecia todo negro, com aquela notícia que o enchia todo, o enegrecia.
Dois mil javaneses sepultados no terramoto, a Hungria inundada, soldados matando crianças, um comboio esmigalhado numa ponte, fomes, pestes e guerras, tudo desaparecera – era sombra ligeira e remota. Mas o pé desmanchado da Luísa Carneiro esmagava os nossos corações... Pudera! Todos nós conhecíamos a Luisinha – e ela morava adiante, no começo da Bela Vista, naquela casa onde a grande mimosa se debruçava do muro, dando à rua sombra e perfume”.
Bom caros leitores, é um tal primor a descrição queirosiana, que fico quase sem ânimo de acrescentar um comentário.
Mas o que Eça sustenta, com graça e alguma malícia, tem uma grande parcela de verdade. Quer dizer, se a afetividade começa pelos  mais próximos, é natural que sintamos mais o que acontece em relação aos circunstantes.
Depois, sendo certo que a sensibilidade é algo que se impressiona com o que passa pelos sentidos, também o são as coisas que atingem a sensibilidade e causam uma impressão maior. Mas devemos distinguir a impressão, de um juízo. Por exemplo, se eu vir um automóvel passar por cima de um cão e o matar, o sangue jorrar até mim e os miolos aos meus sapatos, evidentemente isso causa-me uma sensação de destruição maior do que saber que a essa hora está a sair para o cemitério o enterro de um homem que conheço vagamente.
Quero enfim dizer, que isto é razoável, está na minha estrutura. Mas é razoável também que o ser humano qualquer dotado de razão e que conhece as limitações e contingências de sua estrutura, saiba restabelecer, na medida do necessário, a escala dos valores.
Mas verdade, verdadinha seja dita, os meus “chineses”, foram os afegãos mortos em Cabul, entretanto sepultados pela minha indiferença. E  Luisinha Carneiro” está, com o seu pé dorido, ansiosamente a aguardar tal como nós, a novidade picaresca que alguém traga da Guida.
Este é o mundo que temos e que nunca muda muito.








terça-feira, 8 de maio de 2018

Fleming de Oliveira assinala centenário da Batalha de La Lys com palestra

Fleming de Oliveira apresentou, no passado sábado, no auditório da Biblioteca Municipal de Alcobaça, um trabalho histórico sobre a participação de “Alcobaça na Primeira Guerra Mundial”, a propósito das celebrações dos 100 anos da Batalha de La Lys, uma das mais sangrentas da História de Portugal. A iniciativa contou com o apoio do Núcleo de Alcobaça da Liga dos Combatentes, que manifestou o “agradecimento” ao facto de se “homenagear” os antigos combatentes e enalteceu o testemunho de várias pessoas que assistiram à palestra de Fleming de Oliveira. O alcobacense José Eduardo Reis Oliveira também prestou apoio à realização do evento e aproveitou a ocasião para oferecer dois documentos com mais de um século relativos ao processo de recrutamento do seu avô Ernesto Reis. O historiador Jorge Pereira de Sampaio aproveitou a iniciativa para declamar poemas da alcobacense Virgínia Vitorino sobre a guerra.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

RECORDANDO JoSÉ BARBARA, MOTOCICLISTA NA I GUERRA MUNDIAL E OUTROS MOTOCICLISTAS ALCOBACENSES, COMO “CHICO” PÁSCOA


RECORDANDO JoSÉ BARBARA,
MOTOCICLISTA NA I GUERRA MUNDIAL
E
OUTROS MOTOCICLISTAS ALCOBACENSES,
COMO “CHICO” PÁSCOA
(I)

JOSÉ BARBARA

Com a I Guerra, as forças armadas de vários países usaram em grande escala motocicletas com ou sem sidecar. Apesar de muito do conflito ter decorrido nas trincheiras, concretamente na frente ocidental, foram elas peça importante no arsenal aliado, especialmente utilizadas por unidades de infantaria que transportavam equipes de artilharia (pessoal e armamento) até uma posição mais estratégica. Equipes médicas utilizaram motocicletas de sidecar equipadas com uma maca, tanto para evacuar feridos, como para levar suprimentos.
As motocicletas, em geral foram usadas em missões de reconhecimento e patrulhas de segurança, mas entre essas funções, se não a mais valiosa, foi a entrega pessoal de mensagens. Mensageiros em motos passavam, com enorme risco por zonas de fogo, por cima de crateras, detritos e cadáveres, para levar a cabo a respetiva missão. A manutenção das motocicletas era, todavia, importante na guerra de trincheiras, pouco dinâmica, com poucos transportes de tropas em camião, e com muitas mensagens trocadas por via de estafetas montados em veículos de duas rodas.
A motocicleta começou a ser produzida com motor a vapor, antes de passar ao de gasolina. Essa mudança, mais que uma alteração técnica, permitiu acima de tudo uma abertura à produção em massa, nomeadamente para fins militares.  
A origem do sidecar, aquele carrinho lateral para se levar passageiro, surgiu junto com a própria motocicleta. A criação é do fim do século XIX, quando foi inventado para acoplamento à bicicleta como uma forma de levar passageiro (geralmente criança) com maior conforto e segurança. Os sidecars eram geralmente fabricados por empresas independentes das de motos, mas exceções houve como a Harley-Davidson, que os produziu para o exército da I Guerra Mundial, juntando a agilidade da moto à possibilidade de carregar arma e atirador ao lado. A popularidade do sidecar nos Estados Unidos diminuiu, porem, nos anos seguintes, fruto do desenvolvimento do automóvel, mas prosseguiu firme na Europa e teve papel importante nas tropas alemãs, russas e inglesas durante a II Guerra Mundial.
A utilização de motos em termos militares havia começado em 1910, quando os Estados Unidos utilizaram algumas Harley-Davidson no conflito com os mexicanos (1).
As motocicletas não tiveram papel determinante nas guerras, mas beneficiaram da tecnologia imposta por estas. A agilidade era fundamental para enviar mensagens ou reconhecer o campo inimigo.
A sua necessidade para fins militares veio a ter grande repercussão na produção mundial. Só os EUA produziam mais de 80 mil, entre elas 50.000 Indians e 20.000 Harley-Davidson/H-D, conforme vim a apurar. No apogeu da I Guerra, um terço de todas as máquinas dessa marca auxiliaram os soldados em combates, aumentando a facilidade e agilidade de locomoção e minimizando esforços.
Portugal teve também um corpo de motociclistas, como vemos no artigo de JERO, no Região de Cister (13 de abril de 2018) e republicado no meu blog (flemingdeoliveira.blogspot.com).
Em Portugal havia poucas motos na posse de particulares. Tenho a ideia de ver abandonada e coberta de teias de aranha a um canto de uma arrecadação em casa de um primo de Matozinhos, uma moto cuja marca não recordo (talvez Triumph), que se dizia ter sido adquirida ao Estado Português depois da I Guerra, quando foram vendidas as desnecessárias. Este primo, terá utilizado a moto militar em trabalho e lazer, que modificou de acordo com a orientação de um mecânico luso-britânico que vivia no Porto e esteve na Guerra. Gabava-se de conduzir bem, normalmente com velocidade, o que não impediu alguns acidentes e a perda de dois dentes, que o desfeavam, mas que nunca quis substituir por dentes de oiro, como se usava e a família aconselhava.
O “manecas”, excelente jogador de hóquei em campo no Leixões (chegou a ser chamado à seleção nacional) e bom bebedor de tinto (tanto agarrava uma mulher pela cintura, como uma garrafa pelo gargalo) gabava-se com fortes gargalhadas de, em novo, “fazer figura” junto do pessoal feminino. Os amigos, apreciavam menos essas façanhas, seguramente com pena de o não acompanharem.
Na II Guerra, os alemães usaram a moto com sidecar em reconhecimentos motorizados, ligação e comunicação entre tropas subordinadas a Divisão Panzer, o que ficou como uma “imagem de marca”.
Terminada a Guerra, a Harley-Davidson ganhou uma utilização mais ampla, e consagrou-se como um grande símbolo do sonho americano e, ainda hoje, é reconhecida como uma das maiores marcas americanas. A cultura de motociclismo, como conhecemos hoje, deve muito às motos militares. A atuação das motocicletas, principalmente nas guerras mundiais, deixou legado. Mas qual foi exatamente o papel que elas desempenharam nas forças armadas?
Roger Barbara 
As imagens mais icónicas de motos de guerra são da II Guerra Mundial. Em termos de cinema e motos, duas das minhas cenas de perseguição favoritas, aconteceram em “Fugindo do Inferno” e “Indiana Jones e a Última Cruzada”.
Roger Barbara era cidadão francês (entretanto faleceu), e seu pai o alcobacense José Barbara, foi um dos milhares de portugueses enviados para França para participar na I Guerra Mundial (2).
Roger Barbara em entrevista à RTP (3) contou que seu pai, nascido em Alcobaça em 1895 (era assim que constava do Bilhete de Identidade), aprendiz numa oficina com 14 ou 15 anos, veio para França como os demais soldados portugueses.
Motociclo utilizado na I Guerra Mundial
Desembarcou em Cherbourg e chegou a Blessy. Mas era mecânico. O meu pai dizia sempre: “Eu nem sequer sei o que é uma espingarda”. Ele nunca tinha tocado numa espingarda, imagine! Ele estava numa oficina em Blessy, estavam lá dois mecânicos, e eles ainda lá ficaram cerca de dois anos”. (…) “Depois de Cherbourg, como veio para Blessy e era mecânico, cada um deles tinha uma moto para irem arranjar veículos. Como ao meu pai não lhe agradava o guiador, cortaram o guiador, e o colega dele fez o mesmo com a sua moto. O estribo não lhe agradava, então eles acabaram por transformar um pouco a mota. Quando finalmente se aperceberam de que tinham destruído material que pertencia ao exército, talvez o meu pai exagerasse a contar isto, meteram-nos na prisão. Mas, contou-me ele, só lá ficaram uma hora porque havia material para reparar e então foram logo libertados. Esta é história que posso contar, e que me lembro de ele me contar frequentemente” (4).
Pois “li numa revista que os mecânicos do exército português eram os “queridos” do exército, também ouviu falar nisso? Que os mecânicos eram os “queridos” do exército. É verdade que nessa época não havia muitos mecânicos, de qualquer forma. Enfim, é assim
José Barbara, ainda e sempre conforme o filho Roger, era encantador, sorridente, e de palavra amável.
Ainda me lembro de pessoas dizerem “nós gostávamos muito do senhor Barbara”. E depois também gostavam muito do sotaque dele”.
-Tinha amigos portugueses que ficaram em França?
Sim, muitos. Eu era garoto e todos os domingos íamos ver um, no domingo seguinte íamos ver outro. Ele tinha muitos amigos. Eles falavam português e também francês porque respeitavam a minha mãe, que não compreendia nada do que eles contavam em português. Havia portugueses que tinham motas e que iam fazer passeios. Havia um de Lille, chamava-se Figueiredo, Manuel de Figueiredo. Até tenho uma fotografia dele e tudo”. (…) “Ele (o pai José) nunca quis naturalizar-se, sempre disse que era o que lhe restava do seu país, e isso fez com que fosse todos os anos obrigado a ir a Bolonha para tratar do seu contrato de trabalho. Tudo isto lhe causou muita chatice. A minha mãe era portuguesa. Como ele não mudou a nacionalidade, ela tornou-se portuguesa, portanto ela tinha um bilhete de identidade como o meu pai”.
-A mulher de José Barbara era francesa, mas por ter casado com um português, tornou-se portuguesa.
Foi como eu, quando fiz 20 anos, na idade do serviço militar, sempre me disseram que podia optar pela nacionalidade portuguesa ou francesa”. (…) “A minha mãe vivia na aldeia, ela aceitava tudo o que o meu pai lhe dizia, disso estou certo. E o meu pai disse-lhe que era necessário tomar essa opção. E depois havia os sogros dele, o pai da minha mãe e a mãe da minha mãe, que no fundo estavam felizes porque o meu pai sempre tratou a minha avó pelo seu nome. Chamava-se Angèle, e ela gostava muito do meu pai. A minha avó vinha aqui todas as quartas-feiras, porque eles moravam aqui em 1920”.
-Como se conheceram e quando casaram os pais?
Certo é que os meus pais se conheceram quando o meu pai era soldado em Witternesse, e depois casaram-se em 1920, quando ele foi desmobilizado”.
Após o Armistício (11 de novembro de 1918), José Barbara veio a Portugal. O filho não sabe dizer aonde
Sim, ele voltou depois de se ter casado com a minha mãe. Ao que parece, eu fui feito no comboio. Mas, enfim, eram os amigos do meu pai que contavam isso, e eu fingia não ouvir. No entanto, ouvia tudo”.
-Mas o José (Barbara) acabou por voltar para França?
“Eles compraram casa. Nem sei como é que o meu pai fez. Ele instalou-se, sem saber uma palavra de francês. Instalou-se primeiro em Witternesse, na pequena vila, e fazia bicicletas, reparava as motos, poucos carros. Depois mudou-se para aqui e tratava dos carros, das motos, das bicicletas e tinha imensa clientela, todos iam à oficina do português”.
-Como eram vistos pelos habitantes locais, os soldados portugueses que ficaram depois da guerra?
“Muito, muito bem. Muito bem. Toda a gente gostava deles, eram estimados. Havia muitos e toda a gente gostava deles”.
-Havia a noção de divida para com os portugueses que tinham combatido em França?
“Sabe, quando cresci compreendi, ao saber o número de mortes que houve na guerra. E pensei: “Eles vieram porquê?” Quando eu era jovem chamavam-me “português”, e diziam-me que eram uns cobardes. Isso magoava-me muito e então eu batia-lhes. Diziam que houve episódios, em LaCouture, em que os portugueses fugiram. Diziam isso, de quando ocorreu a batalha e tudo o mais...”
-A Batalha de La Lys?
Talvez, talvez seja isso. Diziam que eles tinham fugido. Repetiam isso, que eles bateram em retirada. E quando a guerra chegou aqui, em 1940, voltaram à carga, repetindo que os portugueses tinham fugido”.
José Bárbara respondia:
“Se nós fugimos, é porque qualquer um teria fugido. Era fugir ou morrer. E isso eles sabiam”.
Este apontamento completa, um pouco, o artigo publicado por JERO, no Região de Cister, e republicado neste blog.

(II)

FRANCISCO DA SILVA PÁSCOA
(“CHICO” PÁSCOA)


O Moto Clube de Lisboa foi fundado em 1955 em Lisboa, por um grupo de entusiastas, utilizando de   início as instalações do “Club dos 100 à Hora”. Tratou-se de uma coletividade inscrita na Federação Portuguesa de Motociclismo, que tinha como objetivo, associar os motociclistas amadores do País, incluídos nestes os “scooteristas” e os “velomotoristas”, através da prática desportiva e do turismo, relevando ao mesmo tempo o interesse do motociclismo, como meio utilitário de transporte. A vida do Moto Clube de Lisboa foi relativamente curta, mas teve tempo para levar a cabo iniciativas interessantes, como o Circuito de Velocidade de Monsanto, o Motocross de Cascais, os Rallys a Alenquer e a Leiria, este que teve como vencedor, na classe de scooters, o alcobacense Filipe Ramos, gerente de Abadia de Alcobaça. Também organizou o Grande Rally a Lisboa com partida de várias capitais de Distrito como Leiria (e passagem por Alcobaça) e com um percurso de 75 km de Santarém a Lisboa, comum e obrigatório para todos os concorrentes.
Moto semelhante à utilizada por Chico Páscoa
na volta a Portugal
O Grande Rally a Lisboa, também denominado Rally do I Centenário da Associação Naval de Lisboa, realizou-se com entusiasmo nos dias 21 e 22 de abril de 1956, em homenagem àquela coletividade desportiva, considerada como a mais antiga da Península Ibérica, que estava a comemorar o seu aniversário. Revelou-se um bom pretexto para fomentar o interesse pela modalidade. Foi uma prova aberta a motos e scooters, para condutor e pendura, que teve como patrocinadores a Fundação Nacional Para a Alegria no Trabalho, a Câmara Municipal de Lisboa, a Emissora Nacional, o Club dos 100 à Hora, concessionários de marcas, revendedores de combustíveis e óleos com destaque para a Shell, as Pousadas de Portugal e alguns jornais diários. Os prémios eram taças de prata, medalhas e dinheiro, numa proporção das quantias recebidas a título de inscrição. A prova tinha vários percursos, facultativos e obrigatórios, um dos quais incluído no itinerário Coimbra/Santarém, passava por Alcobaça, aonde se efetuava um controlo em frente ao Mosteiro, com muito público a assistir, sob a superintendência do Ginásio Clube de Alcobaça e de Francisco (Xico) Páscoa.
Falando de motos e deste Rally a Lisboa, referiremos um dos seus patrocinadores, as Pousadas de Portugal, aonde se inseria a recentemente inaugurada Pousada de Alfeizerão (ou de S. Martinho como também era conhecida).
Francisco da Silva Páscoa, “Chico” Páscoa em Alcobaça, por razões profissionais e não s, foi desde novo um entusiasta do motociclismo, dos carros antigos, bem como dos desportos motorizados. Como representante em Alcobaça, devidamente credenciado, colaborou de forma ativa com o Moto Clube de Lisboa, nas suas catividades, fazendo inscrições e cobrando quotas. Na altura, no rescaldo da II Guerra e das restrições que se prolongaram por anos, muitas pessoas possuíam motos, que utilizavam como usual meio de transporte. Pela sua oficina de Alcobaça, terão passado todas as motas e scooters da zona, pelo que ao longo dos tempos chegou a afinar ou reparar, segundo calcula, mais de setenta marcas diferentes. Era um grande animador da mensagem “pertencer ao Moto Club de Lisboa é uma honra e o dever de todo o motociclista”.
Em 1951, como pendura de Carlos Cordeiro, participou na I Volta a Portugal Para Motos, organizada pelo Benfica, numa AJS 350 CC, com o n° 10 de chapa, não tendo passado de Lagos pois, em Rogil, embateram num ciclista que atravessara imprevidentemente a estrada, o que os obrigou a desistir.
Não havia em Alcobaça e redondezas, prova, gincana ou concentração de motos que não participasse, concorrendo ou fazendo parte da organização.
Tem histórias interessantes para contar, recordando-se, por exemplo, do amigo que fazia do farol da moto o esconderijo da correspondência extraconjugal, até a mulher o descobrir, provocando grande escândalo e pondo-lhe as malas na rua.


NOTAS:
(1) -Desde o início da Revolução Mexicana em 1910, o Exército dos Estados Unidos estava estacionado ao longo da fronteira e em várias ocasiões lutou com os rebeldes mexicanos ou tropas federais. O auge do conflito aconteceu em 1916 quando Pancho Villa atacou a cidade fronteiriça de Columbus, Novo México. Em resposta, o Exército dos Estados Unidos, lançou uma operação no norte do México, para encontrar e capturar Villa, mas este escapou.
(2) -Preservar a memória da participação dos nossos militares na I Guerra Mundial justifica o interesse da indexação dos Boletins Individuais de militares do Corpo Expedicionário Português. Consultados esses boletins, não encontramos qualquer referência a soldado José Barbara.
Contudo essas referências tem um valor meramente indicativo, pois nem sempre a identificação das localidades e dos nomes é rigorosa. Com efeito, em muitos casos, a indicação é demasiado ambígua para que possa ser corretamente identificada.
José Barbara terá sido natural do Concelho de Alcobaça. Mas de que localidade? Em que oficina terá feito aprendizagem?
O filho Roger, embora de dupla nacionalidade, sabia mal o passado português do pai José Barbara.
(3) -Em 2008, a RTP meteu ombros a um projeto ambicioso: o documentário Portugueses nas trincheiras, da autoria de Sofia Leite e António Louçã, que foi procurar em França e em Portugal o rasto dos soldados que combateram na Flandres. Alguns ficaram em França, aí constituíram família e fizeram a sua vida profissional. Outros caíram prisioneiros do Exército Alemão e andaram de campo em campo de prisioneiros, numa vida aventurosa e muito penosa que merece ser recordada.
No site da RTP, estão disponíveis os seus mais significativos materiais de arquivo sobre o tema.
A entrevista com Roger Barbara decorreu em francês, pois mal falava português.
(4) -Esta moto é uma Trusty Triumph modelo H e, possivelmente, semelhante à do primo “manecas”.