UMA QUESTÃO ÉTICA
FLeming de OLiveira
No tempo do arroz de quinze, a “Cidade” era habitada por uma pequena e média burguesia que lhe conferia um aspeto ponderado, cortês e muito sensato. Era uma postura que se afirmava contra a “Situação”, desprezava o Terreiro do Paço e desconfiava tudo o que vinha de Lisboa, muito especialmente do Benfica.
A vida pautava-se, em suma, pelo respeito por princípios assumidos hereditariamente, a que eu poderia chamar redutoramente de “Senso Comum” princípios muito elementares.
1)-Ser poupado (gastar menos do que se ganha, para viver tranquilo).
2)-Pagar o que se deve (as dívidas são sagradas e caloteiro é atributo abaixo de cão).
3)-Cumprir com a palavra dada (o meu avô materno nunca assinou um contrato, pois um aperto de mão validava o compromisso e nem por isso deixou de ser um comerciante respeitado e importante).
4)-Viver a economia do aproveitamento (os fatos mandavam-se virar, passavam para o filho, os colarinhos e punhos das camisas eram substituídos e os buracos das meias cozidos pelas Mãos de Fada das mães).
5)-A comida era assunto de muito respeito (do prato comia-se tudo, acabava-se a limpá-lo com o pão e as sobras guardavam-se para outra refeição. Pão caído no chão apanhava-se, dava-se um beijinho e a seguir comia-se com apetite).
6)-Pagar era a pronto (o que se comprava era a contado, estilo “toma lá dá cá”. O primeiro automóvel que o meu pai comprou, um Morris Minor preto de duas portas, foi em segunda mão ao gerente de uma casa comercial do Porto).
7)-Cumprir com o trabalho (pontualidade, assiduidade, competência eficácia, pois ser chamado de trabalhador era tão importante como ser apelidado de sério).
Este ambiente tripeiro (não se esqueça que sou natural do Porto e vivo em Alcobaça “apenas” há 40 e muitos anos), seria agora apelidado de reacionário e castrador.
Não esqueço que havia os vigaristas que atuavam junto das estações de S. Bento e Campanhã aldrabando os incautos e os carteiristas com assento nos elétricos e nas romarias do Senhor de Matosinhos ou do Senhor da Pedra e no futebol, embora com os seus códigos de ética profissional que a polícia conhecia e de certo modo respeitava.
Este tempo considerado atrasado e repressivo, conforme os valores que hoje nos comandam, e em que cresceu a minha geração “inabilitada”, foi varrido por uma realidade que subverteu valores de um mundo tido por “decente”, pelos de gastar, atropelar, consumir até a exaustão, comprando a crédito, comendo e bebendo à grande e à francesa, dar golpes de milhões em bancos e empresas público-privadas (têm a desfaçatez de dizer estão a “poupar”, embora com o dinheiro dos outros, para cobrir o défice que eles e amigos contraíram!), enfim desprezar a inocência e a honradez, trepar por qualquer preço, etc. etc..
Manuela Ferreira Leite, Ministra da Educação, avançara com a imposição de uma prova global no 10.º ano e a eterna questão das propinas.
Teve a oposição da Academia que se manifestou em Lisboa, em enorme protesto com centenas de milhares de alunos.
Desprezaram o “respeitinho” devido ao poder, excederam-se na linguagem e exibições menos elegantes de tenros traseiros!
Há anos numa qualificação e generalização que, pessoalmente, acho rascas, disse-se que temos uma “geração rasca”.
Errado!!!, temos um País de “gente rasca” que o degradou até aos limites da sua capacidade de resistência e promoveu a sua destruição cívica. A “gente rasca” é também um produto da geração adulta de hoje nos facilitismos oferecidos, no fomento negligente de irresponsabilidades, no paternalismo. Uma geração “velha” que prescindiu de transmitir os princípios da liberdade responsável.
A ausência de ética, de moral, de princípios gera, consequentemente, comportamentos políticos da mesma natureza, sem moral e sem ética. Alimenta e pratica a mentira, a manipulação, o golpe, as jogadas de interesses.
Um desrespeito profundo pela Lei. Eles são a Lei. Para eles, Lei é não haver Lei. Mudam-na da noite para o dia, ao sabor dos seus interesses e dos interesses dos seus.
Recordo os donos de duas lojas do Porto que, ante a falência, optaram por se suicidarem, enquanto outros senhores, devoristas e gastadores que hipotecam o nosso futuro, fazem discursos moralistas e apelam ao voto. O à vontade com que se ouve uns meninos (as), com ar palerma e convicto (as), falar de despedimentos, de machadadas nas reformas dos velhos que os sustentaram, é uma coisa obscena e que exigiria resposta dos mais velhos.
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