sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Uma Questão de Ética

UMA QUESTÃO ÉTICA

FLeming de OLiveira


No tempo do arroz de quinze, a “Cidade” era habitada por uma pequena e média burguesia que lhe conferia um aspeto ponderado, cortês e muito sensato. Era uma postura que se afirmava contra a “Situação”, desprezava o Terreiro do Paço e desconfiava tudo o que vinha de Lisboa, muito especialmente do Benfica.
A vida pautava-se, em suma, pelo respeito por princípios assumidos hereditariamente, a que eu poderia chamar redutoramente de “Senso Comum” princípios muito elementares.
1)-Ser poupado (gastar menos do que se ganha, para viver tranquilo).
2)-Pagar o que se deve (as dívidas são sagradas e caloteiro é atributo abaixo de cão).
3)-Cumprir com a palavra dada (o meu avô materno nunca assinou um contrato, pois um aperto de mão validava o compromisso e nem por isso deixou de ser um comerciante respeitado e importante).
4)-Viver a economia do aproveitamento (os fatos mandavam-se virar, passavam para o filho, os colarinhos e punhos das camisas eram substituídos e os buracos das meias cozidos pelas Mãos de Fada das mães).
5)-A comida era assunto de muito respeito (do prato comia-se tudo, acabava-se a limpá-lo com o pão e as sobras guardavam-se para outra refeição. Pão caído no chão apanhava-se, dava-se um beijinho e a seguir comia-se com apetite).
6)-Pagar era a pronto (o que se comprava era a contado, estilo “toma lá dá cá”. O primeiro automóvel que o meu pai comprou, um Morris Minor preto de duas portas, foi em segunda mão ao gerente de uma casa comercial do Porto). 
7)-Cumprir com o trabalho (pontualidade, assiduidade, competência eficácia, pois ser chamado de trabalhador era tão importante como ser apelidado de sério).

Resultado de imagem para éticaEste ambiente tripeiro (não se esqueça que sou natural do Porto e vivo em Alcobaça “apenas” há 40 e muitos anos), seria agora apelidado de reacionário e castrador.
Não esqueço que havia os vigaristas que atuavam junto das estações de S. Bento e Campanhã aldrabando os incautos e os carteiristas com assento nos elétricos e nas romarias do Senhor de Matosinhos ou do Senhor da Pedra e no futebol, embora com os seus códigos de ética profissional que a polícia conhecia e de certo modo respeitava.
Este tempo considerado atrasado e repressivo, conforme os valores que hoje nos comandam, e em que cresceu a minha geração “inabilitada”, foi varrido por uma realidade que subverteu valores de um mundo tido por “decente”, pelos de gastar, atropelar, consumir até a exaustão, comprando a crédito, comendo e bebendo à grande e à francesa, dar golpes de milhões em bancos e empresas público-privadas (têm a desfaçatez de dizer estão a “poupar”, embora com o dinheiro dos outros, para cobrir o défice que eles e amigos contraíram!), enfim desprezar a inocência e a honradez, trepar por qualquer preço, etc. etc..

Manuela Ferreira Leite, Ministra da Educação, avançara com a imposição de uma prova global no 10.º ano e a eterna questão das propinas.
Teve a oposição da Academia que se manifestou em Lisboa, em enorme protesto com centenas de milhares de alunos.
Desprezaram o “respeitinho” devido ao poder, excederam-se na linguagem e exibições menos elegantes de tenros traseiros!
Há anos numa qualificação e generalização que, pessoalmente, acho rascas, disse-se que temos uma “geração rasca”.
Errado!!!, temos um País de “gente rasca” que o degradou até aos limites da sua capacidade de resistência e promoveu a sua destruição cívica. A “gente rasca” é também um produto da geração adulta de hoje nos facilitismos oferecidos, no fomento negligente de irresponsabilidades, no paternalismo. Uma geração “velha” que prescindiu de transmitir os princípios da liberdade responsável.
Resultado de imagem para éticaA ausência de ética, de moral, de princípios gera, consequentemente, comportamentos políticos da mesma natureza, sem moral e sem ética. Alimenta e pratica a mentira, a manipulação, o golpe, as jogadas de interesses.
Um desrespeito profundo pela Lei. Eles são a Lei. Para eles, Lei é não haver Lei. Mudam-na da noite para o dia, ao sabor dos seus interesses e dos interesses dos seus.
Recordo os donos de duas lojas do Porto que, ante a falência, optaram por se suicidarem, enquanto outros senhores, devoristas e gastadores que hipotecam o nosso futuro, fazem discursos moralistas e apelam ao voto. O à vontade com que se ouve uns meninos (as), com ar palerma e convicto (as), falar de despedimentos, de machadadas nas reformas dos velhos que os sustentaram, é uma coisa obscena e que exigiria resposta dos mais velhos.

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