Não Gosto de “Partilhar”
FLeming de OLiveira
“Honestidade”, virou uma enorme
virtude social e “autenticidade “, alegadamente,
um grande objetivo neste Portugal XXI.
Há
quem defenda que “partilhar” não tem
limites e por isso escreve ou fala aberta e extensivamente sobre problemas que,
até há pouco tempo, eram reservados. Esses entendem que “partilhar” permite que cada um se sinta mais apto a ser ele próprio,
pelo que deste modo deve continuar a “partilhar”.
Na
nossa sociedade, o jet-set entende que não deve conter o seu pudor, e que as
redes sociais facilitam a partilha de informação, tornando-o mais próximo do
comum mortal. As fronteiras da vergonha, da decência e do pudor estão a ser
sucessivamente renovadas, a expensas de uma fama fugaz, inconsequente, e
frequentemente corrosiva para os próprios.
Creio que muitos
portugueses entendem ser mais aceitável e fácil hoje falar de sexo do que no
tempo de seus pais e pais de seus pais.
Suponho,
porém, que há muito menos pessoas que acham que falar em concreto sobre o seu
salário e o estado das finanças é assunto que gostem de partilhar, ao invés de,
à boa maneira portuguesa, não haver
reservas em partilhar especificidades dos problemas de saúde. E não é preciso
estar numa sala de espera de consultório médico.
Há
pessoas que entendem que podem ser recompensadas por exporem vidas pessoais,
mas contraponho-lhes liminarmente existirem enormes desvantagens, ainda que não
de todo visíveis.
As
desvantagens são tantas que as não poderia aqui alinhavar, e se não tivermos
passado por uma recente situação traumática, tomamos pouca ou nula atenção ao
que “partilhamos”, quando e com quem.
O facto de não estarmos
bem conscientes dos (i)limites da “partilha”,
faz com que não pensemos nos riscos e o impacto que tem ela nas nossas
relações.
Partilha on-line não tem balizas nem limites se dermos
valor à abertura, se desejarmos valorizar um bom julgamento, a confiança, e a
capacidade de regulação. Partilhar em demasia pode levar a uma situação de
enorme vulnerabilidade pois nunca é possível controlar o que os outros a partir
daí vão fazer ou dizer.
Um
amigo, cínico pela idade e por algumas maldades da vida, defendia recentemente
que a honestidade é a base da intimidade.
Não
sei se é por isso que nunca conseguiu encontrar uma relação consistente e estável.
Argumentei-lhe que ao iniciar uma relação, contar as histórias vividas e
passadas pode aumentar as probabilidades de sabotar a confiança, em vez de
parecer estar folhear um livro.
“Honestidade”
não é sinónimo de “Transparência”, uma
intimidade saudável permite um bom grau de privacidade individual, sem olvidar
que o desejo/libido é potenciado pelo desconhecido.
O excesso de
informação pessoal pode ser avassalador e se for uma forma de criar uma relação
social, muito provavelmente não será bem-sucedido. A honestidade, ainda que extrema,
pode reforçar amizades, mas não as consegue criar.
Além da disponibilidade
das redes sociais e das influências/modas culturais e sociais há outros fatores
que levam a “partilhar em demasia”.
Considerando
tudo isso, não é minimamente surpreendente como não conseguimos assim reter um único
facto ao fim de algum tempo.
Decidir
guardar algo não é o mesmo que ser desonesto e pode-se ser autêntico, sem
demasiada exposição. As coisas que revelamos nos momentos de “partilha” não correspondem necessariamente
ao que somos, pois refletem normalmente o que no momento se encontra na mente. Quanto
mais seletivas forem em relação ao que partilham, mais capazes são as pessoas
de criarem de si uma imagem verdadeira.
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