Beber
vinho é contribuir para o pão de
um
milhão de portugueses
Na agricultura não
havia semana-inglesa, muito menos americana de que nunca se ouvira falar, que
seria sempre considerada uma modernice, sem viabilidade no nosso país. Só não
se trabalhava ao Domingo, pois de manhã havia que ir à missa. Domingo não era Domingo
sem missa em latim e sermão, ameaçando com as penas do Inferno, como se na
terra ele já não o houvesse. Como poderia haver castigo depois da morte?
interrogavam-se alguns arrojados. Liberdade//Tu
tens a vontadinha//Que não eu.//Quero a minha//E não a que me prometes//Lá no
céu, como dizia o velho Edmundo Bettencourt. Sem pretender entrar em
terrenos complicados, somos mesmo de opinião que, neste século XXI, Inferno e
Paraíso são metáforas, pois não cremos que Deus na sua infinita sabedoria,
tenha criado um Universo em que coexistem domínios terrenos e ultra-terrenos.
Não é possível compatibilizar Fé com um Deus que anula o Homem. Esse Deus não
pode existir. Também discordamos que seja entendido, que a vida é uma
peregrinação rumo a Deus, como entendia Dante na Idade Média, se bem o
interpretamos.
Passe aqui um breve parêntesis. A pretensa
relação com Deus, decorre de uma pessoa que se assume ou supõe religiosa, não
tanto necessariamente no sentido de pertencer a esta ou aquela confissão, mas
porque a ideia de Deus parece óbvia. Quem pode rejeitar que as religiões
trouxeram ao mundo um rol de barbaridades, superstições, guerras e mesmo
infantilismo? Mas não, o mundo não seria possível, nem mesmo melhor, sem
religiões, pois a indignidade não está nelas, mas nos crentes ou agentes que
delas se servem de modo rasteiro, nalguns casos blasfemo, pelos propósitos
desumanos.
O Domingo era
motivo para tomar banho, vestir roupa lavada, ver e ser visto, os
rapazes ou mesmo os homens feitos, lançarem olhares sequiosos ao mulherio.
Da parte de tarde, os
homens lá voltavam à taberna, onde é que haveria de ser? para entre uns copos
de branco ou tinto, por a conversa em dia, jogar o chinquilho ao perde-pagas. Se o vinho atrapalhava o
negócio deixava-se este, como sentenciava doutamente o Domingos Felizardo. Talvez isso, lhe tivesse
criado a fama de ninguém ter mais sede que ele. Claro que quando apanhava uma
carraspana eram depois três dias da semana a descansar, como sabiam por
experiência o patrão e a mulher que no princípio ficava desesperada e depois se
habituou.
As mulheres aproveitavam a tarde para tratar
da lide da casa. Bailes, quase só pelo Carnaval, Santos Populares ou Santa
Marta estando as moças muito vigiados pelas mães. Se se pensar bem, os
sentimentos que hoje em dia tanto atrapalham a felicidade, também existiam, mas
o Regime encarregava-se de paternalmente conferir aos acontecimentos as devidas
proporções, como se não houvesse capacidade individual ou coletiva para digerir
momentos difíceis. Sem dúvida que se vivia, lado a lado, com perguntas para as
quais não era dada resposta. Como muitos portugueses na sua pouca instrução,
Machado não sabia exprimir, por palavras, todo um turbilhão de sentires, e se o conseguisse ou soubesse
fazer, era mais que normal que o Poder (com quem nunca privou) não lhe desse
grande relevância ou dedicasse um vago olhar distraído.
Beber vinho é contribuir para o pão de um milhão de
portugueses, era o slogan integrado
na campanha ao consumo de vinho, patrocinada pela J.N.V., pelo Grémio dos
Armazenistas de Vinho e com o apoio publicitário do governo. Essa campanha
continha, todavia, algumas contradições, nunca resolvidas a contento. Desde há
tempos, havia um conflito entre a opção pão e vinho. A questão não era
pacífica, pois se no pão seria necessário aumentar a produção de modo a
satisfazer as necessidades do país, no vinho a colheita normalmente
ultrapassava as necessidades internas, acarretando um problema cuja solução não
era fácil, isto é, o destino dos excedentes.
Na zona de Montes, Coz ou Alpedriz, o vinho
era quase tinto. Não havia cooperativas. O branco era de bica aberta. Isto é, em fins de setembro ou outubro,
espremiam-se as uvas no esmagador. O mosto (só ele), ia depois para uma vasilha
grande, a fim de fermentar, onde ficava até março, altura em que era
transferido para uma outra vasilha limpa. O vinho aparecia então claro, limpo,
e com bastante graduação (por vezes 18º), o que impunha que fosse desdobrado.
Este vinho era frequentemente aproveitado para água-pé, que também chegava a
atingir uns bons 14º.
Nas vindimas, num ambiente festivo, trabalhava
toda a gente da terra, as mulheres na apanha das uvas, os homens a carregar os
cestos para os carros de bois, com eixos das rodas e chumaceiras de madeira,
até às tinas das adegas. Até há alguns anos, a Adiafa era a festa popular do fim das vindimas ou das colheitas,
uma época em que trabalhadores e patrões confraternizavam, após uma boa
campanha. Hoje em dia, a Adiafa é uma mera recordação ou não mais que uma
promoção turística de uma região, uma manifestação para ajudar a manter a
memória da cultura e os antigos costumes que teimam em persistir à mudança
constante dos valores sociais. Alguns proprietários mais
importantes, faziam a Adiafa, com um jantar melhorado com o pessoal, aonde
estavam presentes a carne de porco, retirada da salga, e filhoses.
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