segunda-feira, 1 de junho de 2020

Beber vinho é contribuir para o pão de um milhão de portugueses


Beber vinho é contribuir para o pão de
um milhão de portugueses





Na agricultura não havia semana-inglesa, muito menos americana de que nunca se ouvira falar, que seria sempre considerada uma modernice, sem viabilidade no nosso país. Só não se trabalhava ao Domingo, pois de manhã havia que ir à missa. Domingo não era Domingo sem missa em latim e sermão, ameaçando com as penas do Inferno, como se na terra ele já não o houvesse. Como poderia haver castigo depois da morte? interrogavam-se alguns arrojados. Liberdade//Tu tens a vontadinha//Que não eu.//Quero a minha//E não a que me prometes//Lá no céu, como dizia o velho Edmundo Bettencourt. Sem pretender entrar em terrenos complicados, somos mesmo de opinião que, neste século XXI, Inferno e Paraíso são metáforas, pois não cremos que Deus na sua infinita sabedoria, tenha criado um Universo em que coexistem domínios terrenos e ultra-terrenos. Não é possível compatibilizar Fé com um Deus que anula o Homem. Esse Deus não pode existir. Também discordamos que seja entendido, que a vida é uma peregrinação rumo a Deus, como entendia Dante na Idade Média, se bem o interpretamos.
Passe aqui um breve parêntesis. A pretensa relação com Deus, decorre de uma pessoa que se assume ou supõe religiosa, não tanto necessariamente no sentido de pertencer a esta ou aquela confissão, mas porque a ideia de Deus parece óbvia. Quem pode rejeitar que as religiões trouxeram ao mundo um rol de barbaridades, superstições, guerras e mesmo infantilismo? Mas não, o mundo não seria possível, nem mesmo melhor, sem religiões, pois a indignidade não está nelas, mas nos crentes ou agentes que delas se servem de modo rasteiro, nalguns casos blasfemo, pelos propósitos desumanos.
O Domingo era  motivo para tomar banho, vestir roupa lavada, ver e ser visto, os rapazes ou mesmo os homens feitos, lançarem olhares sequiosos ao mulherio.
Da parte de tarde, os homens lá voltavam à taberna, onde é que haveria de ser? para entre uns copos de branco ou tinto, por a conversa em dia, jogar o chinquilho ao perde-pagas. Se o vinho atrapalhava o negócio deixava-se este, como sentenciava doutamente o Domingos Felizardo. Talvez isso, lhe tivesse criado a fama de ninguém ter mais sede que ele. Claro que quando apanhava uma carraspana eram depois três dias da semana a descansar, como sabiam por experiência o patrão e a mulher que no princípio ficava desesperada e depois se habituou.
As mulheres aproveitavam a tarde para tratar da lide da casa. Bailes, quase só pelo Carnaval, Santos Populares ou Santa Marta estando as moças muito vigiados pelas mães. Se se pensar bem, os sentimentos que hoje em dia tanto atrapalham a felicidade, também existiam, mas o Regime encarregava-se de paternalmente conferir aos acontecimentos as devidas proporções, como se não houvesse capacidade individual ou coletiva para digerir momentos difíceis. Sem dúvida que se vivia, lado a lado, com perguntas para as quais não era dada resposta. Como muitos portugueses na sua pouca instrução, Machado não sabia exprimir, por palavras, todo um turbilhão de sentires, e se o conseguisse ou soubesse fazer, era mais que normal que o Poder (com quem nunca privou) não lhe desse grande relevância ou dedicasse um vago olhar distraído.
 Beber vinho é contribuir para o pão de um milhão de portugueses, era o slogan integrado na campanha ao consumo de vinho, patrocinada pela J.N.V., pelo Grémio dos Armazenistas de Vinho e com o apoio publicitário do governo. Essa campanha continha, todavia, algumas contradições, nunca resolvidas a contento. Desde há tempos, havia um conflito entre a opção pão e vinho. A questão não era pacífica, pois se no pão seria necessário aumentar a produção de modo a satisfazer as necessidades do país, no vinho a colheita normalmente ultrapassava as necessidades internas, acarretando um problema cuja solução não era fácil, isto é, o destino dos excedentes.
Na zona de Montes, Coz ou Alpedriz, o vinho era quase tinto. Não havia cooperativas. O branco era de bica aberta. Isto é, em fins de setembro ou outubro, espremiam-se as uvas no esmagador. O mosto (só ele), ia depois para uma vasilha grande, a fim de fermentar, onde ficava até março, altura em que era transferido para uma outra vasilha limpa. O vinho aparecia então claro, limpo, e com bastante graduação (por vezes 18º), o que impunha que fosse desdobrado. Este vinho era frequentemente aproveitado para água-pé, que também chegava a atingir uns bons 14º.
Nas vindimas, num ambiente festivo, trabalhava toda a gente da terra, as mulheres na apanha das uvas, os homens a carregar os cestos para os carros de bois, com eixos das rodas e chumaceiras de madeira, até às tinas das adegas. Até há alguns anos, a Adiafa era a festa popular do fim das vindimas ou das colheitas, uma época em que trabalhadores e patrões confraternizavam, após uma boa campanha. Hoje em dia, a Adiafa é uma mera recordação ou não mais que uma promoção turística de uma região, uma manifestação para ajudar a manter a memória da cultura e os antigos costumes que teimam em persistir à mudança constante dos valores sociais. Alguns proprietários mais importantes, faziam a Adiafa, com um jantar melhorado com o pessoal, aonde estavam presentes a carne de porco, retirada da salga, e filhoses.

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