Veio a JF de
Évora de Alcobaça (JFEvA), por ofício datado de 17/Jan/2012, solicitar à CMA,
para corresponder à insistência/pressão do sr. José Manuel Gameiro Valério no
sentido de, o ora signatário (FLeming de OLiveira), poder intervir junto de um
processo de obstrução de um caminho público (sito em Tapada Nova-Redondas, cujo acesso está impedido por cancelas e
outros instrumentos),
cujo processo é do conhecimento total do Sr. Vereador José Vinagre.
Entregue o
assunto ao ora signatário, pelo Sr. Vereador Vinagre, foi decidido ouvir o
Presidente da JFEvA, bem como o Sr. Mateus Bento Marques, a quem é imputada a
referida obstrução.
Este último
não acedeu, nem deu resposta à solicitação (por escrito) de reunir com o ora signatário no seu escritório, no dia 21 do corrente
pelas 15h, salvo se preferisse outra data/hora, ao invés do que aconteceu no
dia 19 com o Presidente da JFEvA.
O caso em
apreço não é especialmente original (pelo menos em
termos teóricos), mas nem por de mais fácil
tratamento/enquadramento/solução final.
Analizando os elementos colhidos (verbalmente) através do Sr. Joaquim Marques Pego (JFEvA) e da consulta dos documentos constantes do dossier facultado pela CMA, podemos enquadrar o caso em apreço (embora nunca em definitivo) nos termos que se seguem, para
depois se extrairem as devidas consequências/conclusões.
-1)-Embora seja e continue a ser matéria
tradicionalmente controversa na doutrina e na jurisprudência nacionais, deverão
considerar-se como públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, se encontram no uso direto e
imediato do público em geral (não apenas os fregueses/vizinhos).
-2)-Consideram-se tempos imemoriais, os que são anteriores à memória das
pessoas vivas, enfim, quando ninguém, por mais idoso que seja, se recorda da
origem desse uso, porque sempre
todos se recordam de o ter usado e por ali passado.
-a’)-Por outro lado, a imemorialidade
do uso só se verificará se a autoridade competente (neste caso a JFEvA) conseguir
provar que o começo do uso direto e imediato pelo público, não é da memória dos vivos.
-3)-Convém
salientar, liminarmente, que a natureza de um caminho, público ou privado, é uma
realidade muitas vezes algo inconstante, pois que se pode alterar no tempo, consoante o uso e as necessidades das respetivas
populações que dele se servem.
-a’)-Esta
constatação não é dispicienda, eventualmente para análise do nosso caso.
-b’)-A
Informação proveniente do Gabinete da Fiscalização (Municipal) datado de 6 de
Junho de 1012, da autoria do Sr. António Cruz, consigna numa escrita, tecnicamente
imprecisa que, o sr. Mateus Bento
Marques colocou novamente a cancela e
vedação na entrada do percurso da serventia e que este está a obstruir a passagem de peões pela
referida serventia de pé posto, junto à sua habitação…
-c’)-Por
sua vez a Informação, (sem
data, do sr Paulo Gonçalves-SIG),
começa por se referir apenas a
um caminho, sendo que depois
salienta que o caminho em questão encontra-se
representado na Carta do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica, o que presupõe o seu carácter público
vicinal.
-d’)-Para
chegar a esta conclusão/pressuposição (salvo o devido respeito não
correta, mas sempre elidível), invoca o seu autor ainda a Cartografia, Caderneta Predial
do prédio usufruído em comodato pelo reclamante Valério e uma escritura de
alenação de 6/Mar/1981
-e’)-Todavia, reconhece (e bem) que a definição jurídica do caminho (não obstante a dita pressuposição…), cabe apenas e em definitivo aos
Tribunais Judiciais (nunca
p.e. a GNR da Benedita… como por sua vez supõe erradamente o Sr. J. Valério), pelo que assim sendo resulta inconclusiva e em aberto, não relevando,
salvo melhor opinião, a Informação do mesmo Sr. Paulo Gonçalves-SIG (doc.1), a incompetente certidão
de 27/Jan/2011 (doc.2), ainda da
autoria do Sr. Lucas, ao
atribuir-lhe a qualidade de caminho público vicinal, que configura Usurpação de Poderes.
-f’)-Existe usurpação
de poderes, quando um órgão da Administração pratica um acto incluído
nas atribuições do poder legislativo ou do poder judicial (cfr, FREITAS DO
AMARAL, in Direito Administrativo, III VOL, pag 295.
O vício de usurpação de poderes,
caracteriza-se pela violação do princípio constitucional da reserva de
jurisdição, consagrado no art. 202º da CRP..
-g’)-Existirá tal vício, se o acto
administrativo houver sido praticado, tão só, para composição de um conflito de
interesses de terceiros, com o único escopo de realização do direito.
-4)-O uso dado aos caminhos, públicos ou
privados, pela generalidade da população ou apenas por algumas pessoas, tem
levado a que por via da usucapião e consequente afetação ou desafetação ao
domínio público (seja
por ato administrativo ou tacitamente) haja caminhos que, sendo inicialmente privados, passam a públicos e vice-versa.
-a’)-Não
pudemos apurar se ou como aqui se enquadra o caminho em questão, pois não
resulta dos documentos facultados e/ou das não abundantes informações do Sr.
Presidente da JFEvA.
-5)-O
DL 169/99, de 18 de Setembro, definiu, como se sabe bem, as competências dos
Municípios e Freguesias, consignando o artº 34º/1/e), assim que uma JF, como a
de Évora de Alcobaça, tem poderes de administração
e conservação do património da Freguesia, onde se incluem, implícita
e naturalmente, os caminhos publicos vicinais (se ou quando assim o forem…devidamente reputados).
-a’)-O
artº 15º do DL 280/2007, prevê que as entidades titulares de bens afetos ao
domínio público (eventualmente
a referida JFEvA)
disponham de poderes de uso,
administração, tutela, defesa.
-6)-Ainda que sejam possíveis outras opiniões quanto à
vigência ou não do DL 34593, entendemos também, que compete à JF (eventualmente a JFEvA) a administração dos caminhos públicos
vicinais (se
ou quando assim forem bem/indiscutivelmente classificados).
-a’)-Além dos preceitos legais supra
indicados, dispõe também nesse sentido o artº253º/10 do Cod. Adm. (não totalmente revogado e, em parte, em vigor) que diz
-b’)-Sobre
a construção, conservação e reparação dos caminhos (públicos)
que não estejam a cargo das Câmaras Municipais;
7)-O poder/dever de (boa)
administração dos caminhos (efetivamente
públicos) vicinais,
inclui a sua conservação e manutenção, compreendendo os trabalhos necessários à
existência de condições de circulação e características funcionais, tendo em nota a sua especial vocação
pública de ligação, trânsito ou acesso rural.
-8)-A obrigatoriedade de manutenção e conservação dos caminhos
vicinais aplica-se aos caminhos que tenham aquela natureza (se efetivamente o forem incontroversamente), independentemente de implicarem um
percurso de maior ou menor distância até um destino.
-9)-Um critério, que tem dominado o entendimento maioritário da
nossa Jurisprudência, ainda que portanto esta não seja unânime, resulta do
Assento do STJ, de 19 de Abril de 1989, que fixou, à data com força obrigatória
geral e presentemente apenas com valor de uniformização de Jurisprudência que são públicos os caminhos que, desde
tempos imemoriais, estão no uso direto e imediato do público.
-10)-Para que um caminho seja pois considerado como público
deverá, insiste-se destinar-se ao uso
do público, de todas as pessoas, vizinhos ou não, portanto sem restrição e
desde tempos imemoriais, mais longe que a memória de alguém.
-a’)-O
caminho considerar-se-á afeto ao domínio público quando a administração pratique sobre ele atos de jurisdição
administrativa.
-b’)-Desconhecemos se a JFEvA praticou
alguns atos quais, onde e quando.
-c’)-O “interessado”
Valério faz confusão na qualificação do caminho que reclama obstruído, cfr. sua
exposição de 9/Jun/2011 onde o define como serventia…
-11)-Quanto aos caminhos
vicinais, não obstante integrarem a natureza de caminhos públicos, constituem
ligações de interesse local secundário (por
contraposição com os caminhos municipais),
vocacionadas para o trânsito rural, sendo, por isso, também conhecidos por caminhos rurais.
-12)-Nos
termos do artigo 17º/1/r), da Lei nº 169/99, na redacção atualizada pela Lei nº
5-A/2002, de 11 de Janeiro,
sem
prejuizo do supra referido a Assembleia
de Freguesia (AF) implicitamente tem competência para se pronunciar e
deliberar, por iniciativa própria ou a solicitação da JF, sobre a natureza do
caminho em causa, nomeadamente, se for o caso, reconhecendo e declarando que o
mesmo é um caminho público (vicinal), sem
prejuizo da função resrvada aos Tribunais Judiciais.
-13)-A omissão por parte de uma JF das respetivas competências
de administração, conservação e manutenção dos caminhos vicinais, pode no limite ser considerada violação
de dever de zelo e constitui-la em responsabilidade indemnizatória
pelos danos resultantes, nos termos gerais de direito.
-a’)-Mas isto pressupõe, naturalmente, um
conjunto de dados que cumpre assegurar e que não confirmamos através da JFEvA.
-14)-A
JF (seja ela qual for) apenas
ficará isenta da obrigação de conservação e manutenção de um caminho vicinal
através da sua desafetação do domínio público, mediante
decisão/parecer/conselho tomada pela AF, sob proposta da JF por constatação da
desafetação da sua utilidade pública, nos termos do artº. 17º/r) da Lei nº 169/99
e do artº. 17º do DL 280/2007
-a’)-Quando sejam desafectados das
utilidades que justificam a sujeição ao regime da dominialidade, os imóveis
deixam de integrar o domínio público, ingressando no domínio privado do Estado,
das Regiões Autónomas ou das autarquias locais.
-b’)-No caso que apreciamos, não houve
desafetação formal, nem é líquida a natureza pública do caminho, como temos
salientado.
-15)-A
competência para realização de obras de conservação e manutenção num caminho
vicinal (se
e quando o for) é
exclusiva da JF.
-a’)-Não pode, neste entendimento, um
particular realizar essas obras, sem as estabelecer previamente com a JF (não com o Município) e fazer-lhe a respetiva comunicação.
-16)-Os
caminhos públicos podem, como vimos, deixar de estar afetados ao domínio público,
ainda que tacitamente, se por razões
de desnecessidade (que
não de impossibilidade física ou legal) deixarem de ser
usados por todos para relevantes fins de utilidade pública.
-17)-A
prática continuada de actos de afetação não pública (privada e que excluam o uso de todos) por parte de um particular, poderá
implicar a desafetação tácita do domínio público (passagem ao património privado da
autarquia) e
a sua eventual aquisição por usucapião.
-18)-A
colocação de portões ou outros obstáculos num caminho vicinal que obste à sua
utilização pelo público em geral, constitui
um ato ilegítimo de turbação, ou mesmo esbulho.
-19)-De
acordo com o artº. 21º do DL 280/2007 a JF (em caso que não suscite dúvidas) deve ordenar aos particulares que
cessem quaisquer comportamentos em caminhos vicinais (cuja natureza não suscite dúvidas) que sejam considerados abusivos, não
titulados ou que lesem ou impeçam a fruição indiscriminada e não arbitrária do
caminho por todos (como
sucede com a colocação de portões ou outros obstáculos), e que reponham a situação.
-20)-Perante uma situação concreta de conflito relativa ao direito de
propriedade e à utilização de um caminho ou
passagem por parte da população, cabe aos tribunais judiciais, determinar a natureza jurídica da
situação em causa, nomeadamente, esclarecendo se se trata de uma servidão legal
de passagem ou de um caminho, e, neste caso, decidir em último termo sobre
a sua natureza pública ou particular.
-a’)-Neste
entendimento, insere-se a Jurisprudência conhecida, destacando-se o longínquo e
indesmentido (válido) Acórdão do STJ, de 5 de Junho de
1942, onde se determinou que os
Tribunais comuns são os competentes para decidir sobre a natureza dos caminhos,
sobre se são ou não são particulares.
-b’)-É apenas no âmbito dos Tribunais Judiciais que a JF poderá reclamar (querendo) a qualificação do caminho em causa
como vicinal, tentar fazer valer os consequentes direitos a manter a sua administração
a circulação por parte da população em geral onde se inclui o Sr. Valério.
Seguidamente
referiremos/enquadraremos algumas situações relacionadas com a matéria aqui em
apreço.
a)-Caminho:
consiste numa
via que as pessoas utilizam para ir de uma localidade para outra, duma povoação
para os campos que amanham, quando por lá se têm de fazer e se fazem
determinados percursos.
a’)-Os
caminhos particulares, como decorre da sua designação, são propriedade de
pessoas e destinados, pela sua natureza privada, ao usufruto dos seus legítimos
possuidores ou por terceiros, desde que, neste caso, com o consentimento
daqueles (aqui
se contando os atravessadouros e as servidões legais de passagem).
b’)-Por
isto se disse que são tecnicamemente imprecisos (se não contraditórios) os termos utilizados pela
Fiscalização Municipal ou o interessado Valério, o que não valoriza a sua
utilização em ternos judiciais.
b)-Os atravessadouros:
constituem-se como a ligação entre caminhos públicos, através
de uma propriedade privada, aparecendo também designados como atalhos e visando
primacialmente o encurtamento de distâncias.
consideram-se
abolidos os atravessadouros, por mais antigos que sejam, desde que não se
mostrem estabelecidos em proveito de prédios determinados, constituindo
servidões, deixando estes de merecer
tutela legal, salvo situações excecionais (cada vez mais raras), como quando se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade, enquanto não
existirem vias públicas destinadas à utilização ou aproveitamento de uma ou
outra, bem como os admitidos em legislação especial, cfr artº. 1384º do CC.
b’)-Desconhecemos
se o caminho que se analisa se pode integrar na qualificação de (antigo) atravessadouro.
c’)-Quando
um caminho particular (cujo leito é propriedade privada e não
pública)
passa por um prédio particular e se
consubstancia num poder conferido ao proprietário de um prédio encravado de
aceder à via pública, estamos perante uma servidão legal de passagem, cujo
regime jurídico está previsto no artº. 1547º e ss. do CC.
d’)-Nas
servidões de passagem o seu uso não é
extensível a todos, como sucede nos caminhos públicos, mas apenas aos que se
encontram em condições de delas beneficiar (prédios dominantes encravados).
c)-Atalho:
é uma via
que encurta um percurso que as pessoas utilizam para um pequeno percurso em
substituição dum percurso menos curto.
a’)-Atalho e atravessadouro são noções suscetíveis de confusão.
d)-Servidões (legais) de passagem:
são pois constituídas
sobre prédios rústicos, nos termos do art. 1550º do C.C, apenas em benefício
dos proprietários de prédios vizinhos que não tenham comunicação com a via
pública, mas que nunca faz delas
caminhos públicos.
EM CONCLUSÃO:
-a)-Desconhecemos,
(nesta fase),
face aos elementos disponíveis (dossier da CMA e
reunião com o Presidente da JFEvA) se,
efetivamente, se trata de caminho público (eventualmente atravessadouro), conforme pretende o queixoso/particular (Valério), e se a atuação/obstrução do proprietário denunciado (Bento Marques) é, ou
não, legítima.
-a’-Isto é, entre o mais, as caracteristicas físicas do
caminho, bem como os objetivos da sua constituição (imemorial) bem como o uso e manutenção que lhe tem sido conferido
ao longo dos anos.
-b)-Desconhecemos
se a JFEvA está disponível para acionar judicialmente o Sr. Valério,
sabendo que tem necessariamente de assumir/provar (documental e testemunhalmente) a sua legitimidade, a natureza de caminho público
vicinal, correndo o risco de o não conseguir, pelo menos de acordo com os
elementos que neste momento dispõe.
-a’)-Assim, reputamos ser útil uma intervenção prévia da
AFEvA, por iniciativa própria ou a solicitação da JFEvA para
se pronunciar e deliberar sobre a matéria.
-b’)-Esta iniciativa teria especial relevância pois
implicaria um exaustivo levantamento da situação e poderia sr útil em termos
probatórios/judiciais.
-c)-De fato, o quadro legal acima exposto, relativamente
à temática dos caminhos vicinais, legitima, por parte da AF, por iniciativa
própria ou por solicitação da Junta, uma tomada de posição que reconhecesse ao
caminho em questão a qualidade de caminho vicinal,
sem prejuízo da
competência dos Tribunais Judiciais, como
sempre temos salientado.
Informo que estou totalmente disponível como sempre e
sem reservas para continuar a acompanhar este assunto, não obstante o meu
contrato de prestação de serviços ser apenas com o Município de Alcobaça, pelo
que aguardo instruções do Sr. Presidente da CMA que se reputem adequadas.
Sem comentários:
Enviar um comentário