O Poder
tradicionalmente, ainda que burguesmente democrático, lida mal com quem gosta
de pensar pela sua cabeça, levantar questões, suscitar dúvidas (incómodas) e
não se conforma, de todo, com as respostas simples e a despachar. O Poder
resiste em abrir o jogo, dar informações e louva-se no preconceito da sua
autoridade (foi eleito por uma maioria!) e competência, perante as alternativas
(que nunca existem, quando sugeridas por outrém). Acaba por isso por ser o mau
da peça, ainda que não pelas suas profundas motivações ou atuação (admitimos
por princípio e sem condescender que, até, podem ser boas), pois quer para nós,
alegadamente o melhor possível. Poucas vezes reconhece, porém, que o que pode e
sabe talvez não seja o adequado ou suficiente. Isto vem, é verdade, a propósito
deste ou outro Poder qualquer, daqui ou acolá, bem como das medidas de
austeridade que têm sido implementadas, desde que a crise se instalalou e
deixou de ser escamoteavel. Muitas das decisões tomadas são brutais, tanto pelo
resultado como pelo método, dando a sensação de ser feitas a olho (e apenas com
um), e concebidas de modo a ter de comer e calar.
Neste
contexto, parece fácil atribuir à troika
o odioso da questão, esquecendo que há mais de dez anos, sucessivos e adiados Poderes
(sempre a pensar curto e nas próximas eleições), nos vem dizendo que temos de
assumir rapidamente reformas estruturais.
Um parente, que vive
há perto de 50 anos no Brasil, esteve este ano com a família, mais uma vez a passar
férias a Portugal. Andou pelo Norte, Centro e foi até ao Algarve. Embora sendo
uma pessoa razoavelmente informada sobre o que se passa entre nós (vê todos os
dias a RTP Internacional e quando calha compra o Expresso numa banca da Avenida
Paulista), disse-me que estava agradavelmente surpreendido pois a crise, afinal,
não era tão grave como as notícias que lhe chegavam faziam crer. As estradas,
as esplanadas, os restaurantes e as praias continuavam tão animadas como antes.
As lojas embora com pouco movimento vendem de tudo e os preços não são altos. E
quando lhe respondi que a crise contempla pesadamente outras componentes para
além da material, como a incerteza do que somos, o que queremos e para onde
vamos, a perda da certeza e expectativas com que lidamos desde que temos
memória deixaram de ter valor e nos irão obrigar (quiçá!) a trabalhar mais por
menos (até nos vão às reformas), ficou perplexo,l mudo e calado.
Esse
meu parente, que foi para o Brasil com uma mão à frente e outra atrás e hoje
vive bem (reformado) num país em franco crescimento e ambição (e por isso está
a impor-se no panorama interno e internacional), também não compreende que nós
portugueses que vivemos em solo europeu, possamos esquecer as expectativas que
nos foram graciosamente incutidas desde há cerca de 4 décadas e passar a viver
com a frugalidade decorrente do que somos capazes, apenas com os nossos meios, os
que ele conheceu e que o levaram a ir fazer vida para o outro lado do Atlântico.
Como ultrapassar isto? Respondi,
franca e simplesmente, que não sei, mas acredito que além da terapia de choque
que pode matar o doente, outras poderiam haver se o Poder não fosse tão cioso
da sua competência.Fleming de Oliveira
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