CRÓNICA DOS DIAS DE
ONTEM E DOS QUE CORREM
FLeming de OLiveira
UM
MODELO DE CASAMENTO (I)
A evolução do
casamento constituiu um importante sinal da transformação da realidade familiar.
De
certo modo, até meados do século passado, à II Guerra, pelo menos aquem Pirinéus,
casar era fundar um lar, lançar as bases de uma realidade social, a família,
perfeitamente definida e claramente legível no quadro da coletividade e do
Estado Novo. Por essa altura, a profissão e a situação material, bem como, as
qualidades morais dos futuros cônjuges, pareciam mais interessantes que
disposições estéticas ou psicológicas, para decidir avançar para uma união. As
pessoas casavam-se para se ajudarem e apoiarem ao longo de uma vida, que se
anunciava muito dura e que o era ainda mais para os solteiros, para ter filhos,
aumentar o património, legá-lo um dia, ajudá-los a ter êxito e, claro, a ter também
êxito. Sendo os valores familiares pilares centrais nesta sociedade,
julgavam-se as pessoas em função do
êxito da sua família e da sua contribuição para ele. Este projeto que implicava
uma “estrutura jurídica” forte,
ainda que sem a participação de notário, constituía um contrato duradouro, que
só poderia ser rompido, por razões especialmente graves, imputadas a um dos
cônjuges. Os divórcios eram relativamente raros, muitas vezes pedidos pela
mulher quando, por exemplo, o marido alcoólico não se contentava em a enganar,
bater, ser incapaz de prover às necessidades da casa, mas ainda se tornava um peso,
muito “pesado”. As deceções sentimentais pesavam, pois, menos do que as contrariedades
materiais.
Todavia,
nunca soube aferir, seguramente por inexperiência, tendo em conta esta conceção
que ainda conheci, o papel dos sentimentos no contexto deste modelo de casamento.
Não
me parece arriscado defender que se pode dizer que a sociedade portuguesa de
antanho não fazia do amor, nem uma condição do casamento, nem um critério para
aferir o seu sucesso. Para casar, um homem e uma mulher deveriam agradar um ao
outro, ter o desejo de se puderem compreender, apreciar, estimar, em suma,
estarem bem um para o outro. Isto não excluía, que eles se não amassem desde
logo, mas também não garantia que se viessem a amar um dia.
A
valorização dos aspetos institucionais do casamento encobria, por isso, inúmeras
realidades afetivas. Quanto aos aspetos “físicos”, por pudor não se dizia ainda “sexuais”, apesar de serem naturalmente importantes, vêm após a fidelidade,
as qualidades de espírito, a partilha da autoridade e sobretudo, a partilha das
preocupações e tarefas. Casar era, antes de mais, formar uma equipa.
(continua)
Se ainda ontem se
mantinha secreto, pelo menos muito reservado, a, eventual fogueira da paixão
entre os cônjuges, hoje já não se dissimula a sua atenuação, ou mesmo o
apagamento nas vidas conjugais de longa duração, que o prolongamento da
esperança de vida, felizmente, acarreta. Se existem segredos que os casais
guardam cautelosamente, que se sabe daquilo que cada um esconde mesmo do outro
ou dos filhos?
Nada
se sabe, bem entendido, o que é contraditório com a desejada transparência das
relações interpessoais/cojugais/familiares. Antigamente, as pessoas acomodavam-se
ao enigma da identidade do outro, na condição de ele assumir a sua função sócio-familiar.
Recordo-me de ouvir contar em Casa de Meus Pais, de que aqui já tenho falado, a
história desse parente que na véspera da celebração das bodas de ouro,
perguntou à nora: “Que presente poderei oferecer à sua sogra? Além de não ter
geito para compras, não conheço bem os gostos dela”…
O
que é que une ou simplesmente reúne o casal em que um dos membros vive por um
projeto e outro por retrospeção? Que se passa na alcova conjugal, onde já não
se dá a luz, onde já não se comunica? Suceder-se-ão nela os tempos da paixão,
do imaginário, da continência imposta pelo hábito, das trocas amistosas, do
silêncio, quando ela é trocada por camas separadas, por quartos individuais?
Chegada
a velhice, como funciona o mecanismo da memória comum? Aquilo que um memoriza,
como uma impressão mesmo forte, terá sido esquecido pelo outro. Mesmo vestígios,
pretensamente objetivos, como cartas, fotografias, ”bibelots” suscitam leituras
diferenciadas, como se se tratassem de temas diferentes. Casais que viveram
durante décadas, adiaram “prudentemente” certas perguntas, observações ou
comportamentos. Não, não estou caros leitores, a pensar nos óbvios “segredos utilitários”, como uma relação
extra conjugal ou dinheiro apartado, mas em considerações tão terra a terra
como a irritação provocada pelo ressonar, pelo não gosto de certo tipo de
cozinha, pela gesticulação ou repetição, cem vezes seguida e entre risdas, de
uma história antiga, sem graça alguma.
O
passado supostamente erradicado pelo esquecimento, está presente em cada
instante da vida do casal, mas os que partilharam a mesma existência são
detentores de uma autobiografia potencial, que o outro não partilha, mas permanece
por inteiro o segredo da mecânica do desejo e das suas avarias.
Terá
a Igreja, em Portugal, “secado”? É verdade que ela sofreu uma redução
quantitativa em relação ao que já foi, mas os “filhos” que lhe restam, não
ficaram por acaso ou interesse. O amor a Cristo, passa pelo amor ao outro, ao
próximo e a sociedade de consumo convida ao hedonistmo. Mandam-nos ser cada vez
mais belos, ficar jovens, investir o dinheiro na conservação, o mais longa
possível, de uma aparência própria de um corpo de Narciso ou de Vénus.
A
acumulação de coisas e a “libertação sexual”, dão um sentido à vida? Entendo
que não, a descristianização não é uma libertação, esta última, está ligada à
justiça e à fraternidade. Desde a ressurreição de Cristo, a morte não é um
evento que desemboca no nada, pois entrou misteriosamente na vida. Aquele que
crê em Deus, pode falar assim. Enquanto que, o que não crê, acontece-lhe
trabalhar pela libertação do homem com tanto fervor e eficácia como o crente.
Que o digam certos prosélitos.
UM
MODELO COMPLEXO
Poderemos falar da
relevante influência de um modelo/conceito de vida estrangeiro, nomeadamente alemão
(ou o americano, embora este com mais alguns anos), sobre o “modo de ser português”, nos dias que correm?
A vida do dia-a-dia, leva-nos a uma resposta afirmativa, quer se trate do uso
masculino ou feminino das calças de ganga (jeans), do “fastfood”, dos blusões com siglas de
universidades, mais ou menos reiais ou imaginárias, da música ouvida nos “walkman”, da passagem pela Alemanha
ou “States” do estudante ou professor que queira adquirir um dererminado estatuto,
quer se trate do consumo de filmes, folhetins ou policiais “made in USA”.
Ao
nível da vida do dia-a-dia pode-se falar, já não de hoje propriamente, mas há
mais de meio século, da americanização de Portugal, já que os USA, como
potência dominante, tendem a impor os seus padrões culturais, societários.
Construíram-se
pela Europa de outrora, réplicas de Versalhes e não faltava quem tentasse
reproduzir certos fastos. Existem na Europa de hoje, normalmente em escala reduzida
ou desfocada, grandes símbolos do “american
way of life”.
Um
célebre pensador, afirmou que “as raízes do passado estão no futuro”. Estou de
acordo que a compreensão da história vivida, perpassa pela ideia que os homens da época
faziam do seu futuro. Mas as raízes do passado estão, igualmente, no passado.
Continuamos à espera de uma história da memória coletiva o que, de certo modo
incipientemente, tento fazer em Alcobaça com a minha escrita. Confrontados com
essa lacuna, recordemos que sendo as pessoas produto de uma tripla história,
nacional (local), familiar e individual, o estrangeiro (agora o alemão) e o
português, não são irmãos, quando muito primos distantes.
É próprio dos vencidos, quer se trate de indivíduos ou de
grupos, elaborar estratégias de compensação, cuja argumentação crispa nos
fastos do passado e na negação daquilo que, no presente, incomoda. Como não
podemos contestar a superioridade técnica e material dos alemães da Senhora
Merkel, agora a substituírem os americanos como modelo, responsabilizando-nos
pela incapacidade de conceber um modelo societário-económico auto sustentável,
o português vinga-se contestando a sua arte de viver. Um amigo um dia destes,
chamou-me a atenção que, nós portugueses, padecemos do “Complexo de Atenas”, pretendendo
com isso dizer, que nos identificamos com os atenienses e assimilamos os alemães
aos romanos. Este complexo, assenta na suposição que o vencido é superior ao
vencedor, que este se alimenta do espirito do vencido. Os americanos (agora os
alemães) têm a quantidade, mas nós temos a qualidade, eles têm o poder, mas nós
temos o requinte, brandos costumes (!!!). Eles (americanos) têm a riqueza, nós
temos a cultura. Eles têm o futuro, mas não têm o passado. São estes alguns dos
temas que um nacionalismo feroz e complexado repisa, para aliviar a alma.
A
“IDENTIDADE” UNISEXUAL
Penso que uma das
grandes características dos dias que correm, que aliás não é nova, mas se vem
sucessivamente acentuando, reside na “ afirmação” de uma sociedade unissexo.
Os
papéis são intermutáveis, tanto os do pai como os da mãe, bem ainda o dos
parceiros sexuais. Todavia, o modelo que na Família reputamos preferido
continua a ser o “viril”. A silhueta
da mulher, especialmente a jovem, tem-se aproximado da dos rapazes, perdendo
algumas daquelas formas que os artistas europeus apreciavam e valorizavam tanto,
aliás como eu mesmo.
Será
mesmo assim ou uma interpretação distorcida? Num tempo antigo que ainda foi
meu, havia espaços absolutamente “unissexuais”
vedados às senhoras (por exemplo a taverna ou o clube), onde os homens se
reuniam e as mulheres presentes eram as de “má vida”. Recordamo-nos, por outro
lado, dos salões de cabeleireiro e os lavadouros das aldeias, vedados aos
homens, pois ali muitas confidências femininas se podiam trocar. Esta
segregação encontra-se praticamente superada, e profissões consideradas
essencialmente masculinas, bem como as grandes Escolas, escancararam-se definitivamente
às mulheres. Por seu lado, o homem introduziu-se no universo tradicionalmente
reservado ao feminino, o ginecologista substitui a parteira, o marido muda as
fraldas ao bebé, cozinha e lava a louça. O vestuário frequentemente semelhante
(jeans), exprime o ajustamento da
forma feminina à masculina. A sexualidade precoce tende a esbater fronteiras.
Ouvi recentemente “ainda” defender a tese, contra corrente, que o futuro da
humanidade reside na separação entre sexos, que os homens e as mulheres têm de
seguir vias distintas para se reencontrar o “equilíbrio” necessário. Os tempos têm demonstrado o contrário
mas, se reparamos bem, tarefas masculinas e femininas continuam a repartir-se
segundo normas tradicionais.
Gostaria de saber se os meus leitores alcobacenses entendem
que nas últimas décadas, não desapareceram ou, pelo menos, se transformaram
valores como a amizade, sentimento mal conhecido, difícil de viver e manter,
morto talvez no limite, pelo culto do casal que a tende a excluir por inúmeras
razões, a menor das quais não será a de ela ter sido testemunha do passado.
Hoje, parece-me que este sentimento é absorvido pela família. Outrora, esta não
tinha esse monopólio, pelo que a amizade desempenhava papel relevante. Esse sentimento
ligava os homens, alimentava numerosas relações de serviço, hoje substituídas
pelo contrato. A vida social era organizada a partir de laços pessoais, de
dependência e de entreajuda. As relações de serviço e as de trabalho eram
relações de homem para homem, evoluindo da amizade ou confiança, até à
exploração ou mesmo ao ódio.
O
amor, tornou-se a condição de sucesso do casamento. Os cônjuges devem comunicar
entre si? Apaziguadas as refregas do desejo, estabelece-se uma “espécie” de amizade. É o
casamento a duas velocidades ou o divórcio. As relações familiares são cada vez
mais íntimas, mesmo entre gerações. Estudo/inquéritos demonstram que pais e
filhos nunca estiveram tão “próximos”,
embora a mãe seja normalmente a confidente preferida. Na sociedade de ontem, a
diferenciação dos estatutos das funções e papéis era muito nítida, não só entre
sexos, mas entre pais e filhos. A relativa homogeneização que se vive
atualmente, torna as fronteiras mais permeáveis, e os “quarentões” são intimados a permanecer jovens, isto é, a ser
capazes de praticar os mesmos desportos que os filhos, a ser os seus melhores
companheiros. Aliás, “companheiro”
etimologicamente é aquele com quem se partilha o pão e assim, o passou a
entender a geração saída nos anos sessenta ou setenta, como a dos meus filhos.
Entre
as mulheres, às rivalidades que procedem nas estratégias de sedução, juntam-se
as rivalidades de carreira? Os homens afirmam-no para se “tranquilizarem” e
tirarem proveito das discórdias, embora não seja ”democrático” excluir que
entre as mulheres não se estabeleça o pacto decisivo que superando as ninharias
em que as armadilhas grosseiras do macho as confinam, lhes permitira no futuro
deixar de ser definitivamente o repouso do guerreiro.
UM
MODELO DE OMNIPRESÊNCIA
Onde está o dinheiro?
A
resposta parece-me ser bem simples, está em toda a parte. Mas enquanto, os
textos e os discursos, por exemplo, sobre a sexualidade economia ou a crise são
inúmeros, os que tratam “tout court” do dinheiro, evocam-no, mais do que o
nomeiam. O dinheiro, omnipresente, omnipotente, transcendendo o tempo e o
espaço, é tido para alguns como uma forma algo fetichizada de Deus, enquanto outros
entenderam Deus, como o símbolo do dinheiro.
Dinheiro
escondido, dinheiro exibido, ele está pois em todo o lado onde se espera que
esteja e também onde se não espera tal. Com ele nos deparamos em todas as
etapas e momentos da vida. Quando nasce o primeiro filho, eis que aparece o natural
herdeiro do património. Quando florescem os primeiros amores, eis que o
dinheiro se intromete discretamente entre os lábios dos jovens namorados. Os
miúdos vão casar-se? O equilíbrio dos patrimónios, mesmo que não se contabilize
diante do notário, não esquece os mecanismos sociais que alimentam a confusão
entre a necessidade e o acaso. E a morte? A coberto das lágrimas, lá estão presentes
os herdeiros, cujas mãos se agarram as pegas do caixão. São frequentemente as
mortes que revelam a articulação entre o dinheiro e a família, forçando-a a
recorrer à personagem pública e imparcial que é o juiz. Conheci o caso de um
senhor de idade e muito rico, viúvo e sem filhos, que deixou a significativa
fortuna a uma pessoa desconhecida dos irmãos e sobrinhos. Estes entenderam não
ter outro recurso que não provar que o testamento foi redigido, quando o “velhote”
não sabia o que fazia. Mas, por acaso, parderam o litígio. E os espetáculos
político-mediáticos? Mostram-se os ricos aos pobres, para que estes tenham
paciência, uma paciência que durará toda uma vida, em prol da política.
É
a partir do dinheiro que eu construo a “minha” identidade, o “meu” automóvel, o
“meu” apartamento, a “minha” residência secundária, as” minhas” férias, o “meu”
gosto pelos vinhos de marca. Afinal, o bom gosto alia-se ao enigma das contas
bancárias.
Para
certos pensadores do século XVIII, o problema radicava no acesso dos pobres à
propriedade. Mais tarde veio Marx, mas a história deu-lhes razão.
Uma
grande maioria dos casais portugueses, são proprietários da sua residência
principal, embora devam o respetivo valor ao banco. Uma grande maioria possui
pelo menos um automóvel. Salvo raríssimas exceções, toda a gente tem um
aparelho de televisão. Estes pilares, ditos da modernidade, preservam um certo
tipo de paz social, que a crise que vivemos ainda não afetou de todo. Se
perguntarmos a um jovem português, rapaz ou rapariga, o que reputa mais
importante, precioso, na vida, alguns talvez digam que é o amor, mas muitos
mais, dirão aliás, nada cinica, mas muito pragmaticamente, que é o dinheiro.
ENTRE A UTOPIA E A
REALIDADE (I)
A revolução
permanente, é uma utopia. A guerra permanente, uma realidade.
Nos
tempos recentes, foi a I Guerra, depois veio a Guerra de Espanha, a II Guerra,
as Guerras da Coreia, do Vietname, do Ultramar e, até, a “guerra-fria”. A
guerra esteve sempre presente no pensamento e na ação do homem, através de
recordações heróicas, vergonhosas, reconstruidas, momentos abominados ou privilegiados,
em que tudo era passível de ser permitido ou ordenado.
Nos
livros de história fala-se dos horrores, dos sentimentos, das vítimas da
guerra, mas jamais, pois não é politicamente correto, dos seus prazeres, do
gosto de pilhar, matar, violar ou humilhar. A guerra pertence, obviamente, à
vida pública, mas também idelevelmente, por quem lá passou, à vida privada,
alternando entre o que se pode dar ou receber imprevisivelmente. Esss mortos,
cuja lista memorial, cobre dezenas de milhares de monumentos erigidos em
Portugal (entre nós, parece haver uma certa reserva), e em toda a Europa,
quantos homens terão também eles morto, à distância ou a corpo a corpo, antes
de sucumbir?
Morreram
pela Pátria, mataram pela Pátria. Isto é valorizado, aquilo silenciado. A morte
recebida, transforma um homem em cadáver, mas a morte dada transforma o homem
num outro homem. Este desejo, esta paixão de destruição são tão fortes que
podemos-nos perguntar, se a paz não é a continuação da guerra por outros meios.
O
vocabulário bélico, invade a política (batalha eleitoral), o desporto (A…
capitulou finalmente ao terceiro “set”, B… sucumbiu ao combate desigual) e
mesmo a vida privada (na sala do tribunal decorreu uma prova de força entre o
casal desavindo pela custódia dos filhos ou pela partilha dos bens).
(continua)
ENTRE A UTOPIA E A
REALIDADE (II)
Cada vez que vou a
França, reconheço que temos uma enorme divida de gratidão para com eles, os
americanos, canadianos, britanicos, australianos, neozelandeses e mesmo russos,
e mais homens e mulheres de muitas outras nações que estiveram unidos por uma
causa nobre.
Serviram
como soldados, marinheiros, pilotos e enfermeiros na II Guerra, milhares deles
não mais voltaram aos países que deixaram para vir combater e libertar a Europa,
onde ficaram enterrados no mar ou em grandes cemitérios, ainda hoje muito bem e
respeitosamente respeitados nas suas cruzes brancas.
Há
uma data que simboliza o ponto de viragem na guerra travada pelos Aliados, 6 de
Junho de 1944. O Dia D, como ficou conhecido, foi uma resposta especial para
responder à nuvem suástica que pairava sobre o nosso continente.
Passaram
várias décadas.
Muito
poucos dos que estiveram na Normandia, ainda se encontram vivos, mas quando na
Páscoa passada estive em Omaha Beach (Omaha a “sangrenta”) senti, sem nunca ter vivido esses tempos, aliás ainda nem era
nascido, uma pequena contração no estômag
Sabendo
que cada dia perdemos os poucos que ainda restam desses heróis, quero ter a
certeza que esses e a sua memória nunca mais serão esquecidos pelo que fizeram,
mesmo por nós portugueses.
As
histórias sobre esse 6 de Junho de 1944 continuam a fascinar-me.
Olhar
sobre o mar e o céu da Normandia, hoje tão calmos que nos permitem passear na
areia e molhar os pés, e com tão poucos vestígios do drama que ali se
desenrolou, e pensar no que foi a saga de dor, angústia, exaltação ou morte, vivida
por aqueles que fizeram e protegeram o desembarque das tropas Aliadas, não deve
esquecer o sacrifício dos que lutaram e morreram nas praias de Omaha e Utah, e
que sirva para homenagear o sacrifício dos soldados que, independentemente da
nacionalidade e do lugar onde combateram e tombaram numa guerra cruel.
A
minha digressão pela Normandia, fez-me compreender o que nunca resultara da
leitura de qualquer romance histórico ou visionamento de um filme.
Pode
aquela ter sido, uma guerra global, mas o universo de um soldado termina a
poucos metros de si próprio, talvez mesmo ao lado de um companheiro ou nas
balas que assobiam sobre si ou nas explosões que rebentam a seus pés.
Passei
por Africa, pela Guiné como quase um milhão de rapazes da minha geração, mas
não tenho a pretenção de fazer comparações com a II Guerra aonde o bem e o mal,
estiveram perfeitamente definidos.
Deixemos
homenagear os rapazes que entre 1961 e 1974 passaram pelos 3 teatros de
operações de Africa, lançando daqui uma ingénua e muito utópica proposta, para
que nunca mais seja dada a oportunidade de pôr o mundo em perigo.
UM
MODELO DE ALIMENTAÇÃO (I)
O que é que comemos?
Sem
dúvida, muitas vezes nos confrontamos com o segredo. Estes frutos são bonitos,
apetitosos? Contêm produtos e… são insípidos. Aqueles vinhos têm aroma e uma
cor mesmo bonita? Não nos dizem, mas são feitos no “laboratório”. E este frango
prontinho a entrar na panela lá de casa? É necessário não olhar a colher que
leva à boca a canja descorada e esquecer a branca carne flácida. Gostamos de
ler, normalmente em letras minúsculas, o “acondicionamento” do que comemos. É
um “reino” de hormonas, conservantes, corantes, excipientes, mais ou menos
dissimulados. Já não se mais embalam produtos, calibram-se (lembram-se quando
isso começou no MERCOALCOBAÇA, a ser praticado com a fruta?) para “encher o
olho”, satisfazer as exigências da mais fácil comercialização e da clientela, nas
grandes superfícies. O segredo de fabrico, que nada tem a ver com a
inesquecível, perfumada e saborosa, receita da avó, escapa ao consumidor.
É
sabido que as crianças escolhem preferencialmente o alimento mais açucarado,
mesmo quando se lhe juntou um produto salinizado ou amargo para impedir a
perceção do açúcar. Ciente, dessa apetência, a indústria alimentar até nos passou
a propor produtos amargos, salgados, apimentados que, todavia, não dispensam
açúcar. O “comedor” moderno não sabe bem o que come e o alimento tornou-se,
frequentemente, um objeto sem história conhecida.
Dessa
ignorância nasceu o medo, as autoridades médico-laboratoriais potenciam inquietações,
dando a conhecer novos modos de alimentação das aves e do gado de abate. Os
jornalistas, néscios ou “vendidos”, publicam artigos sobre o consumo, que
desencadeiam pânicos e fazem baixar as vendas de certos produtos, em proveito
de outros. A carne de vaca e das aves ressentiu-se disso, não há muitos anos,
embora se possa agora comer carne, mas com “riscos e perigos”, sobretudo, se se
suportam mal os antibióticos, as enzimas, os tranquilizantes ou os estrogénios.
Misturas muito perigosas!!!, ao que dizem.
Sabendo-se
que o tabaco é cancerisno, pode-se deixar de fumar. Mas se o frango, a carne de
vaca ou de porco, os frutos e a salada também o são, o que nos resta? A alguns vêm as lágrimas aos olhos ao
recordar os festins de outrora. Comparam-se as taxas do colesterol e, mal
deixada a mesa, há quem corra ao laboratório de análises para verificar a
normalidade do metabolismo. O médico, sendo magro, é um acusador implacável,
sentenciando, sem apelo, nem agravo: “Você come demais”.
As
revistas do “socialite”, do cor-de-rosa, usam e abusam do tema “magreza”, alertando que é imperioso ser
magro, emagrecer para permanecer jovem, esbelto e desejável. Para isso
publicam, com sucesso, fichas de cozinha, bem elaboradas e destacáveis. Em
Portugal, continua a comer-se bem, embora nalguns casos com medo e vergonha de
o dizer.
(continua)
UM
MODELO DE ALIMENTAÇÃO (II)
Antigamente,
utilizava-se entre nós a expressão “Diz-me o que comes e eu digo-te quem és”.
Hoje
isto suscita as maiores reservas, pois por vezes é difícil saber o que estamos
realmente a comer, ao invés do que
acontecia nos “bons velhos tempos” em que nos alimentávamos apenas da hortas da
casa ou da avó.
Nos
dias que passam, companhias multinacionais com linhas de produção sofisticadas,
alegadamente evoluídas, distribuem a comida que chega até nós, seja no
restaurante ou a casa, através do supermercado.
Se
é verdade que processos novos diminuem o custo da alimentação e até podem
promover o aumento da produção, também acarretam novos riscos.
O
franguinho comido na canja ou no churrasco pode conter salmonela.
O
bife de vaca mal passado, que tanto apreciamos apenas com uma pitadinha de sal,
pode estar infetado.
Mesmo
os vegetarianos, não estão a salvo destas ameaças e alguns governos
(escrupulosos?), já avisaram que rebentos de vegetais, só devem ser ingeridos
após cozidos.
Os
produtores de carne, muitas vezes, dão antibióticos aos animais, por vezes os
mesmos que se usam nos humanos, tal como me confidenciou um veterinário alcobacense.
Os animais ficam mais gordos, crescem mais depressa e mais depressa chegam aos
consumidores. Mas será que resistimos a todos estes antibióticos que,
indiretamente, assim consumimos?
Os
engenheiros genéticos, fazem parte desta cadeia e novos métodos de tratar as
colheitas suportam a esperança de se erradicar a fome, poder alimentar um dia
todo o Mundo….
Cada
vez mais alimentos geneticamente modificados/manipulados, entram no mercado e
na nossa alimentação, pelo se coloca a questão de se saber como ou se essa
mudança, vai afetar o ambiente e se refletir na modificação dos seres humanos.
Mas
até lá vamos comendo se possível um bom bifinho a saber mesmo a bife.
Se
quiseram, posso indicar alguns locais aqui perto de Alcobaça onde se “come bem”.
CADA VEZ SOMOS MAIS
BELOS E SAUDÁVEIS!!!
Os portugueses, destes
dias que correm, não são apenas mais belos, felizmente são vaidosos, como mais
saudáveis.
Sabe-se
que, entre as duas Guerras, um décimo da população portuguesa sofria de sífilis
que todos os anos vitimava muita gente. A blenorragia, no meu tempo de
estudante coimbrão, ainda fazia bastantes estragos, fundamentalmente por falta
de prevenção e terapêutica eficazes, sem esquecer um suposto machismo. Por sua
vez, a tuberculose revestia uma tal amplitude, que o Estado intervindo na vida
privada, chegou a impor a sua declaração e multiplicou pelo País os
dispensários e sanatórios. Muita gente morria todos os anos do que, numa
expressão vaga, se chamava “doenças malditas”, “doenças infeciosas” ou “gripes
malignas”.
A
ação dos poderes públicos não se revelou nada inútil, pois a partir de certa
altura (cerca dos anos 30), deixou de se verificar epidemia de tifo e o sarampo
passou a ficar sob controlo (mesmo assim ainda tive sarampo, o que me permitiu
faltar às aulas do liceu, durante cerca de uma semana).
A
multiplicação dos sanatórios (hoje em dia salvo raras exceções encerrados), fez
recuar fortemente a tuberculose, sem no entanto a erradicar definitivamente. As
doenças eram tanto mais dissimuladas, envergonhadas, quanto mais largamente
espalhadas. A sífilis, por exemplo, pertencia ao mundo do segredo e a ida para
o sanatório era o que revelava, publicamente, o estado de tuberculose.
A
dor física, que fazia parte da vida quotidiana, não era entendida como um
fracasso da medicina, outrossim uma fatalidade. Consumiam-se menos analgésicos
e os portugueses acomodavam-se, melhor ou pior, à insónia, sem recorrer aos
soníferos. Há quem defenda que a I Guerra não teria sido tão (ainda que mesmo
assim mal…) aceite pelos portugueses, se os combatentes do C.E.P. não
estivessem tão habituados à dor, como se dizia na minha família relativamente a
um bisavô gaseado que esteve na Flandres.
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