sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Fleming de Oliveira - Crónica dos dias de ontem e dos que correm





CRÓNICA DOS DIAS DE ONTEM E DOS QUE CORREM
 FLeming de OLiveira

UM MODELO DE CASAMENTO (I)
A evolução do casamento constituiu um importante sinal da transformação da realidade familiar.
De certo modo, até meados do século passado, à II Guerra, pelo menos aquem Pirinéus, casar era fundar um lar, lançar as bases de uma realidade social, a família, perfeitamente definida e claramente legível no quadro da coletividade e do Estado Novo. Por essa altura, a profissão e a situação material, bem como, as qualidades morais dos futuros cônjuges, pareciam mais interessantes que disposições estéticas ou psicológicas, para decidir avançar para uma união. As pessoas casavam-se para se ajudarem e apoiarem ao longo de uma vida, que se anunciava muito dura e que o era ainda mais para os solteiros, para ter filhos, aumentar o património, legá-lo um dia, ajudá-los a ter êxito e, claro, a ter também êxito. Sendo os valores familiares pilares centrais nesta sociedade, julgavam-se as pessoas  em função do êxito da sua família e da sua contribuição para ele. Este projeto que implicava uma “estrutura jurídica” forte, ainda que sem a participação de notário, constituía um contrato duradouro, que só poderia ser rompido, por razões especialmente graves, imputadas a um dos cônjuges. Os divórcios eram relativamente raros, muitas vezes pedidos pela mulher quando, por exemplo, o marido alcoólico não se contentava em a enganar, bater, ser incapaz de prover às necessidades da casa, mas ainda se tornava um peso, muito “pesado”. As deceções sentimentais pesavam, pois, menos do que as contrariedades materiais.
Todavia, nunca soube aferir, seguramente por inexperiência, tendo em conta esta conceção que ainda conheci, o papel dos sentimentos no contexto deste modelo de casamento.
Não me parece arriscado defender que se pode dizer que a sociedade portuguesa de antanho não fazia do amor, nem uma condição do casamento, nem um critério para aferir o seu sucesso. Para casar, um homem e uma mulher deveriam agradar um ao outro, ter o desejo de se puderem compreender, apreciar, estimar, em suma, estarem bem um para o outro. Isto não excluía, que eles se não amassem desde logo, mas também não garantia que se viessem a amar um dia.
A valorização dos aspetos institucionais do casamento encobria, por isso, inúmeras realidades afetivas. Quanto aos aspetos “físicos”, por pudor não se dizia ainda “sexuais”, apesar de serem naturalmente importantes, vêm após a fidelidade, as qualidades de espírito, a partilha da autoridade e sobretudo, a partilha das preocupações e tarefas. Casar era, antes de mais, formar uma equipa.
(continua)

UM MODELO DE CASAMENTO (II)
Se ainda ontem se mantinha secreto, pelo menos muito reservado, a, eventual fogueira da paixão entre os cônjuges, hoje já não se dissimula a sua atenuação, ou mesmo o apagamento nas vidas conjugais de longa duração, que o prolongamento da esperança de vida, felizmente, acarreta. Se existem segredos que os casais guardam cautelosamente, que se sabe daquilo que cada um esconde mesmo do outro ou dos filhos?
Nada se sabe, bem entendido, o que é contraditório com a desejada transparência das relações interpessoais/cojugais/familiares. Antigamente, as pessoas acomodavam-se ao enigma da identidade do outro, na condição de ele assumir a sua função sócio-familiar. Recordo-me de ouvir contar em Casa de Meus Pais, de que aqui já tenho falado, a história desse parente que na véspera da celebração das bodas de ouro, perguntou à nora: “Que presente poderei oferecer à sua sogra? Além de não ter geito para compras, não conheço bem os gostos dela”…
O que é que une ou simplesmente reúne o casal em que um dos membros vive por um projeto e outro por retrospeção? Que se passa na alcova conjugal, onde já não se dá a luz, onde já não se comunica? Suceder-se-ão nela os tempos da paixão, do imaginário, da continência imposta pelo hábito, das trocas amistosas, do silêncio, quando ela é trocada por camas separadas, por quartos individuais?
Chegada a velhice, como funciona o mecanismo da memória comum? Aquilo que um memoriza, como uma impressão mesmo forte, terá sido esquecido pelo outro. Mesmo vestígios, pretensamente objetivos, como cartas, fotografias, ”bibelots” suscitam leituras diferenciadas, como se se tratassem de temas diferentes. Casais que viveram durante décadas, adiaram “prudentemente” certas perguntas, observações ou comportamentos. Não, não estou caros leitores, a pensar nos óbvios  “segredos utilitários”, como uma relação extra conjugal ou dinheiro apartado, mas em considerações tão terra a terra como a irritação provocada pelo ressonar, pelo não gosto de certo tipo de cozinha, pela gesticulação ou repetição, cem vezes seguida e entre risdas, de uma história antiga, sem graça alguma.
O passado supostamente erradicado pelo esquecimento, está presente em cada instante da vida do casal, mas os que partilharam a mesma existência são detentores de uma autobiografia potencial, que o outro não partilha, mas permanece por inteiro o segredo da mecânica do desejo e das suas avarias.   
Terá a Igreja, em Portugal, “secado”? É verdade que ela sofreu uma redução quantitativa em relação ao que já foi, mas os “filhos” que lhe restam, não ficaram por acaso ou interesse. O amor a Cristo, passa pelo amor ao outro, ao próximo e a sociedade de consumo convida ao hedonistmo. Mandam-nos ser cada vez mais belos, ficar jovens, investir o dinheiro na conservação, o mais longa possível, de uma aparência própria de um corpo de Narciso ou de Vénus.
A acumulação de coisas e a “libertação sexual”, dão um sentido à vida? Entendo que não, a descristianização não é uma libertação, esta última, está ligada à justiça e à fraternidade. Desde a ressurreição de Cristo, a morte não é um evento que desemboca no nada, pois entrou misteriosamente na vida. Aquele que crê em Deus, pode falar assim. Enquanto que, o que não crê, acontece-lhe trabalhar pela libertação do homem com tanto fervor e eficácia como o crente. Que o digam certos prosélitos.

UM MODELO COMPLEXO
Poderemos falar da relevante influência de um modelo/conceito de vida estrangeiro, nomeadamente alemão (ou o americano, embora este com mais alguns anos), sobre o “modo de ser português”, nos dias que correm? A vida do dia-a-dia, leva-nos a uma resposta afirmativa, quer se trate do uso masculino ou feminino das calças de ganga (jeans), do “fastfood”, dos blusões com siglas de universidades, mais ou menos reiais ou imaginárias, da música ouvida nos “walkman”, da passagem pela Alemanha ou “States” do estudante ou professor que queira adquirir um dererminado estatuto, quer se trate do consumo de filmes, folhetins ou policiais “made in USA”.
Ao nível da vida do dia-a-dia pode-se falar, já não de hoje propriamente, mas há mais de meio século, da americanização de Portugal, já que os USA, como potência dominante, tendem a impor os seus padrões culturais, societários.
Construíram-se pela Europa de outrora, réplicas de Versalhes e não faltava quem tentasse reproduzir certos fastos. Existem na Europa de hoje, normalmente em escala reduzida ou desfocada, grandes símbolos do “american way of life”.
Um célebre pensador, afirmou que “as raízes do passado estão no futuro”. Estou de acordo que a compreensão da história vivida,  perpassa pela ideia que os homens da época faziam do seu futuro. Mas as raízes do passado estão, igualmente, no passado. Continuamos à espera de uma história da memória coletiva o que, de certo modo incipientemente, tento fazer em Alcobaça com a minha escrita. Confrontados com essa lacuna, recordemos que sendo as pessoas produto de uma tripla história, nacional (local), familiar e individual, o estrangeiro (agora o alemão) e o português, não são irmãos, quando muito primos distantes.
É próprio dos vencidos, quer se trate de indivíduos ou de grupos, elaborar estratégias de compensação, cuja argumentação crispa nos fastos do passado e na negação daquilo que, no presente, incomoda. Como não podemos contestar a superioridade técnica e material dos alemães da Senhora Merkel, agora a substituírem os americanos como modelo, responsabilizando-nos pela incapacidade de conceber um modelo societário-económico auto sustentável, o português vinga-se contestando a sua arte de viver. Um amigo um dia destes, chamou-me a atenção que, nós portugueses, padecemos do “Complexo de Atenas”, pretendendo com isso dizer, que nos identificamos com os atenienses e assimilamos os alemães aos romanos. Este complexo, assenta na suposição que o vencido é superior ao vencedor, que este se alimenta do espirito do vencido. Os americanos (agora os alemães) têm a quantidade, mas nós temos a qualidade, eles têm o poder, mas nós temos o requinte, brandos costumes (!!!). Eles (americanos) têm a riqueza, nós temos a cultura. Eles têm o futuro, mas não têm o passado. São estes alguns dos temas que um nacionalismo feroz e complexado repisa, para aliviar a alma.

A “IDENTIDADE” UNISEXUAL
Penso que uma das grandes características dos dias que correm, que aliás não é nova, mas se vem sucessivamente acentuando, reside naafirmação” de uma sociedade unissexo.
Os papéis são intermutáveis, tanto os do pai como os da mãe, bem ainda o dos parceiros sexuais. Todavia, o modelo que na Família reputamos preferido continua a ser o “viril”. A silhueta da mulher, especialmente a jovem, tem-se aproximado da dos rapazes, perdendo algumas daquelas formas que os artistas europeus apreciavam e valorizavam tanto, aliás como eu mesmo.
Será mesmo assim ou uma interpretação distorcida? Num tempo antigo que ainda foi meu, havia espaços absolutamente “unissexuais” vedados às senhoras (por exemplo a taverna ou o clube), onde os homens se reuniam e as mulheres presentes eram as de “má vida”. Recordamo-nos, por outro lado, dos salões de cabeleireiro e os lavadouros das aldeias, vedados aos homens, pois ali muitas confidências femininas se podiam trocar. Esta segregação encontra-se praticamente superada, e profissões consideradas essencialmente masculinas, bem como as grandes Escolas, escancararam-se definitivamente às mulheres. Por seu lado, o homem introduziu-se no universo tradicionalmente reservado ao feminino, o ginecologista substitui a parteira, o marido muda as fraldas ao bebé, cozinha e lava a louça. O vestuário frequentemente semelhante (jeans), exprime o ajustamento da forma feminina à masculina. A sexualidade precoce tende a esbater fronteiras. Ouvi recentemente “ainda” defender a tese, contra corrente, que o futuro da humanidade reside na separação entre sexos, que os homens e as mulheres têm de seguir vias distintas para se reencontrar o “equilíbrio” necessário. Os tempos têm demonstrado o contrário mas, se reparamos bem, tarefas masculinas e femininas continuam a repartir-se segundo normas tradicionais.
Gostaria de saber se os meus leitores alcobacenses entendem que nas últimas décadas, não desapareceram ou, pelo menos, se transformaram valores como a amizade, sentimento mal conhecido, difícil de viver e manter, morto talvez no limite, pelo culto do casal que a tende a excluir por inúmeras razões, a menor das quais não será a de ela ter sido testemunha do passado. Hoje, parece-me que este sentimento é absorvido pela família. Outrora, esta não tinha esse monopólio, pelo que a amizade desempenhava papel relevante. Esse sentimento ligava os homens, alimentava numerosas relações de serviço, hoje substituídas pelo contrato. A vida social era organizada a partir de laços pessoais, de dependência e de entreajuda. As relações de serviço e as de trabalho eram relações de homem para homem, evoluindo da amizade ou confiança, até à exploração ou mesmo ao ódio.
O amor, tornou-se a condição de sucesso do casamento. Os cônjuges devem comunicar entre si? Apaziguadas as refregas do desejo, estabelece-se uma “espécie” de amizade. É o casamento a duas velocidades ou o divórcio. As relações familiares são cada vez mais íntimas, mesmo entre gerações. Estudo/inquéritos demonstram que pais e filhos nunca estiveram tão “próximos”, embora a mãe seja normalmente a confidente preferida. Na sociedade de ontem, a diferenciação dos estatutos das funções e papéis era muito nítida, não só entre sexos, mas entre pais e filhos. A relativa homogeneização que se vive atualmente, torna as fronteiras mais permeáveis, e os “quarentões” são intimados a permanecer jovens, isto é, a ser capazes de praticar os mesmos desportos que os filhos, a ser os seus melhores companheiros. Aliás, “companheiro” etimologicamente é aquele com quem se partilha o pão e assim, o passou a entender a geração saída nos anos sessenta ou setenta, como a dos meus filhos.
Entre as mulheres, às rivalidades que procedem nas estratégias de sedução, juntam-se as rivalidades de carreira? Os homens afirmam-no para se “tranquilizarem” e tirarem proveito das discórdias, embora não seja ”democrático” excluir que entre as mulheres não se estabeleça o pacto decisivo que superando as ninharias em que as armadilhas grosseiras do macho as confinam, lhes permitira no futuro deixar de ser definitivamente o repouso do guerreiro.

UM MODELO DE OMNIPRESÊNCIA
Onde está o dinheiro?
A resposta parece-me ser bem simples, está em toda a parte. Mas enquanto, os textos e os discursos, por exemplo, sobre a sexualidade economia ou a crise são inúmeros, os que tratam “tout court” do dinheiro, evocam-no, mais do que o nomeiam. O dinheiro, omnipresente, omnipotente, transcendendo o tempo e o espaço, é tido para alguns como uma forma algo fetichizada de Deus, enquanto outros entenderam Deus, como o símbolo do dinheiro.
Dinheiro escondido, dinheiro exibido, ele está pois em todo o lado onde se espera que esteja e também onde se não espera tal. Com ele nos deparamos em todas as etapas e momentos da vida. Quando nasce o primeiro filho, eis que aparece o natural herdeiro do património. Quando florescem os primeiros amores, eis que o dinheiro se intromete discretamente entre os lábios dos jovens namorados. Os miúdos vão casar-se? O equilíbrio dos patrimónios, mesmo que não se contabilize diante do notário, não esquece os mecanismos sociais que alimentam a confusão entre a necessidade e o acaso. E a morte? A coberto das lágrimas, lá estão presentes os herdeiros, cujas mãos se agarram as pegas do caixão. São frequentemente as mortes que revelam a articulação entre o dinheiro e a família, forçando-a a recorrer à personagem pública e imparcial que é o juiz. Conheci o caso de um senhor de idade e muito rico, viúvo e sem filhos, que deixou a significativa fortuna a uma pessoa desconhecida dos irmãos e sobrinhos. Estes entenderam não ter outro recurso que não provar que o testamento foi redigido, quando o “velhote” não sabia o que fazia. Mas, por acaso, parderam o litígio. E os espetáculos político-mediáticos? Mostram-se os ricos aos pobres, para que estes tenham paciência, uma paciência que durará toda uma vida, em prol da política.
É a partir do dinheiro que eu construo a “minha” identidade, o “meu” automóvel, o “meu” apartamento, a “minha” residência secundária, as” minhas” férias, o “meu” gosto pelos vinhos de marca. Afinal, o bom gosto alia-se ao enigma das contas bancárias.
Para certos pensadores do século XVIII, o problema radicava no acesso dos pobres à propriedade. Mais tarde veio Marx, mas a história deu-lhes razão.
Uma grande maioria dos casais portugueses, são proprietários da sua residência principal, embora devam o respetivo valor ao banco. Uma grande maioria possui pelo menos um automóvel. Salvo raríssimas exceções, toda a gente tem um aparelho de televisão. Estes pilares, ditos da modernidade, preservam um certo tipo de paz social, que a crise que vivemos ainda não afetou de todo. Se perguntarmos a um jovem português, rapaz ou rapariga, o que reputa mais importante, precioso, na vida, alguns talvez digam que é o amor, mas muitos mais, dirão aliás, nada cinica, mas muito pragmaticamente, que é o dinheiro.

ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE (I)
A revolução permanente, é uma utopia. A guerra permanente, uma realidade.
Nos tempos recentes, foi a I Guerra, depois veio a Guerra de Espanha, a II Guerra, as Guerras da Coreia, do Vietname, do Ultramar e, até, a “guerra-fria”. A guerra esteve sempre presente no pensamento e na ação do homem, através de recordações heróicas, vergonhosas, reconstruidas, momentos abominados ou privilegiados, em que tudo era passível de ser permitido ou ordenado.
Nos livros de história fala-se dos horrores, dos sentimentos, das vítimas da guerra, mas jamais, pois não é politicamente correto, dos seus prazeres, do gosto de pilhar, matar, violar ou humilhar. A guerra pertence, obviamente, à vida pública, mas também idelevelmente, por quem lá passou, à vida privada, alternando entre o que se pode dar ou receber imprevisivelmente. Esss mortos, cuja lista memorial, cobre dezenas de milhares de monumentos erigidos em Portugal (entre nós, parece haver uma certa reserva), e em toda a Europa, quantos homens terão também eles morto, à distância ou a corpo a corpo, antes de sucumbir?
Morreram pela Pátria, mataram pela Pátria. Isto é valorizado, aquilo silenciado. A morte recebida, transforma um homem em cadáver, mas a morte dada transforma o homem num outro homem. Este desejo, esta paixão de destruição são tão fortes que podemos-nos perguntar, se a paz não é a continuação da guerra por outros meios.
O vocabulário bélico, invade a política (batalha eleitoral), o desporto (A… capitulou finalmente ao terceiro “set”, B… sucumbiu ao combate desigual) e mesmo a vida privada (na sala do tribunal decorreu uma prova de força entre o casal desavindo pela custódia dos filhos ou pela partilha dos bens).
(continua)

ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE (II)
Cada vez que vou a França, reconheço que temos uma enorme divida de gratidão para com eles, os americanos, canadianos, britanicos, australianos, neozelandeses e mesmo russos, e mais homens e mulheres de muitas outras nações que estiveram unidos por uma causa nobre.
Serviram como soldados, marinheiros, pilotos e enfermeiros na II Guerra, milhares deles não mais voltaram aos países que deixaram para vir combater e libertar a Europa, onde ficaram enterrados no mar ou em grandes cemitérios, ainda hoje muito bem e respeitosamente respeitados nas suas cruzes brancas.
Há uma data que simboliza o ponto de viragem na guerra travada pelos Aliados, 6 de Junho de 1944. O Dia D, como ficou conhecido, foi uma resposta especial para responder à nuvem suástica que pairava sobre o nosso continente.
Passaram várias décadas.
Muito poucos dos que estiveram na Normandia, ainda se encontram vivos, mas quando na Páscoa passada estive em Omaha Beach (Omaha a “sangrenta”) senti, sem nunca ter vivido esses tempos, aliás ainda nem era nascido, uma pequena contração no estômag
Sabendo que cada dia perdemos os poucos que ainda restam desses heróis, quero ter a certeza que esses e a sua memória nunca mais serão esquecidos pelo que fizeram, mesmo por nós portugueses.
As histórias sobre esse 6 de Junho de 1944 continuam a fascinar-me.
Olhar sobre o mar e o céu da Normandia, hoje tão calmos que nos permitem passear na areia e molhar os pés, e com tão poucos vestígios do drama que ali se desenrolou, e pensar no que foi a saga de dor, angústia, exaltação ou morte, vivida por aqueles que fizeram e protegeram o desembarque das tropas Aliadas, não deve esquecer o sacrifício dos que lutaram e morreram nas praias de Omaha e Utah, e que sirva para homenagear o sacrifício dos soldados que, independentemente da nacionalidade e do lugar onde combateram e tombaram numa guerra cruel.
A minha digressão pela Normandia, fez-me compreender o que nunca resultara da leitura de qualquer romance histórico ou visionamento de um filme.
Pode aquela ter sido, uma guerra global, mas o universo de um soldado termina a poucos metros de si próprio, talvez mesmo ao lado de um companheiro ou nas balas que assobiam sobre si ou nas explosões que rebentam a seus pés.
Passei por Africa, pela Guiné como quase um milhão de rapazes da minha geração, mas não tenho a pretenção de fazer comparações com a II Guerra aonde o bem e o mal, estiveram perfeitamente definidos.
Deixemos homenagear os rapazes que entre 1961 e 1974 passaram pelos 3 teatros de operações de Africa, lançando daqui uma ingénua e muito utópica proposta, para que nunca mais seja dada a oportunidade de pôr o mundo em perigo.
UM MODELO DE ALIMENTAÇÃO (I)
O que é que comemos?
Sem dúvida, muitas vezes nos confrontamos com o segredo. Estes frutos são bonitos, apetitosos? Contêm produtos e… são insípidos. Aqueles vinhos têm aroma e uma cor mesmo bonita? Não nos dizem, mas são feitos no “laboratório”. E este frango prontinho a entrar na panela lá de casa? É necessário não olhar a colher que leva à boca a canja descorada e esquecer a branca carne flácida. Gostamos de ler, normalmente em letras minúsculas, o “acondicionamento” do que comemos. É um “reino” de hormonas, conservantes, corantes, excipientes, mais ou menos dissimulados. Já não se mais embalam produtos, calibram-se (lembram-se quando isso começou no MERCOALCOBAÇA, a ser praticado com a fruta?) para “encher o olho”, satisfazer as exigências da mais fácil comercialização e da clientela, nas grandes superfícies. O segredo de fabrico, que nada tem a ver com a inesquecível, perfumada e saborosa, receita da avó, escapa ao consumidor.
É sabido que as crianças escolhem preferencialmente o alimento mais açucarado, mesmo quando se lhe juntou um produto salinizado ou amargo para impedir a perceção do açúcar. Ciente, dessa apetência, a indústria alimentar até nos passou a propor produtos amargos, salgados, apimentados que, todavia, não dispensam açúcar. O “comedor” moderno não sabe bem o que come e o alimento tornou-se, frequentemente, um objeto sem história conhecida.
Dessa ignorância nasceu o medo, as autoridades médico-laboratoriais potenciam inquietações, dando a conhecer novos modos de alimentação das aves e do gado de abate. Os jornalistas, néscios ou “vendidos”, publicam artigos sobre o consumo, que desencadeiam pânicos e fazem baixar as vendas de certos produtos, em proveito de outros. A carne de vaca e das aves ressentiu-se disso, não há muitos anos, embora se possa agora comer carne, mas com “riscos e perigos”, sobretudo, se se suportam mal os antibióticos, as enzimas, os tranquilizantes ou os estrogénios. Misturas muito perigosas!!!, ao que dizem.
Sabendo-se que o tabaco é cancerisno, pode-se deixar de fumar. Mas se o frango, a carne de vaca ou de porco, os frutos e a salada também o são, o que nos resta? A alguns vêm as lágrimas aos olhos ao recordar os festins de outrora. Comparam-se as taxas do colesterol e, mal deixada a mesa, há quem corra ao laboratório de análises para verificar a normalidade do metabolismo. O médico, sendo magro, é um acusador implacável, sentenciando, sem apelo, nem agravo: “Você come demais”.
As revistas do “socialite”, do cor-de-rosa, usam e abusam do tema  “magreza”, alertando que é imperioso ser magro, emagrecer para permanecer jovem, esbelto e desejável. Para isso publicam, com sucesso, fichas de cozinha, bem elaboradas e destacáveis. Em Portugal, continua a comer-se bem, embora nalguns casos com medo e vergonha de o dizer.
(continua)

UM MODELO DE ALIMENTAÇÃO (II)
Antigamente, utilizava-se entre nós a expressão “Diz-me o que comes e eu digo-te quem és”.
Hoje isto suscita as maiores reservas, pois por vezes é difícil saber o que estamos realmente a comer,  ao invés do que acontecia nos “bons velhos tempos” em que nos alimentávamos apenas da hortas da casa ou da avó.
Nos dias que passam, companhias multinacionais com linhas de produção sofisticadas, alegadamente evoluídas, distribuem a comida que chega até nós, seja no restaurante ou a casa, através do supermercado.
Se é verdade que processos novos diminuem o custo da alimentação e até podem promover o aumento da produção, também acarretam novos riscos.
O franguinho comido na canja ou no churrasco pode conter salmonela.
O bife de vaca mal passado, que tanto apreciamos apenas com uma pitadinha de sal, pode estar infetado.
Mesmo os vegetarianos, não estão a salvo destas ameaças e alguns governos (escrupulosos?), já avisaram que rebentos de vegetais, só devem ser ingeridos após cozidos.
Os produtores de carne, muitas vezes, dão antibióticos aos animais, por vezes os mesmos que se usam nos humanos, tal como me confidenciou um veterinário alcobacense. Os animais ficam mais gordos, crescem mais depressa e mais depressa chegam aos consumidores. Mas será que resistimos a todos estes antibióticos que, indiretamente, assim consumimos?
Os engenheiros genéticos, fazem parte desta cadeia e novos métodos de tratar as colheitas suportam a esperança de se erradicar a fome, poder alimentar um dia todo o Mundo….
Cada vez mais alimentos geneticamente modificados/manipulados, entram no mercado e na nossa alimentação, pelo se coloca a questão de se saber como ou se essa mudança, vai afetar o ambiente e se refletir na modificação dos seres humanos.
Mas até lá vamos comendo se possível um bom bifinho a saber mesmo a bife.
Se quiseram, posso indicar alguns locais aqui perto de Alcobaça onde se “come bem”.

CADA VEZ SOMOS MAIS BELOS E SAUDÁVEIS!!!
Os portugueses, destes dias que correm, não são apenas mais belos, felizmente são vaidosos, como mais saudáveis.
Sabe-se que, entre as duas Guerras, um décimo da população portuguesa sofria de sífilis que todos os anos vitimava muita gente. A blenorragia, no meu tempo de estudante coimbrão, ainda fazia bastantes estragos, fundamentalmente por falta de prevenção e terapêutica eficazes, sem esquecer um suposto machismo. Por sua vez, a tuberculose revestia uma tal amplitude, que o Estado intervindo na vida privada, chegou a impor a sua declaração e multiplicou pelo País os dispensários e sanatórios. Muita gente morria todos os anos do que, numa expressão vaga, se chamava “doenças malditas”, “doenças infeciosas” ou “gripes malignas”.
A ação dos poderes públicos não se revelou nada inútil, pois a partir de certa altura (cerca dos anos 30), deixou de se verificar epidemia de tifo e o sarampo passou a ficar sob controlo (mesmo assim ainda tive sarampo, o que me permitiu faltar às aulas do liceu, durante cerca de uma semana).


A multiplicação dos sanatórios (hoje em dia salvo raras exceções encerrados), fez recuar fortemente a tuberculose, sem no entanto a erradicar definitivamente. As doenças eram tanto mais dissimuladas, envergonhadas, quanto mais largamente espalhadas. A sífilis, por exemplo, pertencia ao mundo do segredo e a ida para o sanatório era o que revelava, publicamente, o estado de tuberculose.
A dor física, que fazia parte da vida quotidiana, não era entendida como um fracasso da medicina, outrossim uma fatalidade. Consumiam-se menos analgésicos e os portugueses acomodavam-se, melhor ou pior, à insónia, sem recorrer aos soníferos. Há quem defenda que a I Guerra não teria sido tão (ainda que mesmo assim mal…) aceite pelos portugueses, se os combatentes do C.E.P. não estivessem tão habituados à dor, como se dizia na minha família relativamente a um bisavô gaseado que esteve na Flandres.   



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