terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Ontem, hoje ou amanhã


ONTEM, HOJE OU AMANHÃ
FLeming de OLiveira
Uma Questão de Idade
A partir de que idade, alguém, se considera “velho”?
Nos meus tempos de rapaz, com 50 anos de idade já se era considerado “idoso”. A velhice, hoje em dia, é também uma construção social e a sociedade viu surgir dois fenómenos/momentos bem diversos, a adolescência, que se mistura por vezes com a infância e a segue, e depois a idade adulta. E essas duas décadas, como foi o caso de meu Pai, por vezes três, que separam a cessação da atividade profissional do momento em que as insuficiências físicas e mentais eliminam a autonomia, fazem um “velho”.
Antigamente, a esperança de vida, tornava muito curto o período entre a cessação da atividade e a morte, que com frequência antecipava-se aquela. Atualmente, muitos milhares de portugueses reformados são “maduros”, sem estarem senis, longe disso! 
As evidências biológicas não são escamotáveis, envelhece-se muito cedo, e aos trinta e tal anos o organismo atinge a fase de rendimento máximo. Toma-se consciência do declínio físico, através do uso de óculos para ler, de alguma surdez, a falta de fôlego ao subir escadas ou numa corridinha, tensão arterial elevada, a irritabilidade perante ninharias, enquanto que a degenerescência intelectual se traduz em “lapsos/buracos” da memória, primeiro relativamente a nomes próprios, depois ao passado recente que se desvanece, enquanto as recordações antigas permanecem nítidas.
Rebuscando no baú das memórias um tempo cada vez mais distante, o “idoso” deixa de ser contemporâneo da sua própria história e este “laudator temporis” aborrece, quanto basta, os próximos, irritados com as suas manias “despropositadas”. Com a idade emergem, ou tornam-se mais intensos, o gosto pelo conforto,pelo sol, descanso ou requinte, a procura de notoriedade familiar ou social, bem como o desejo de reconhecimento do mérito. Prosélito da sua maneira de ser e viver, o “idoso” exaspera por aquilo que pelos outros é percebido ou entendido como uma indevida auto-satisfação.
A expressão popular “voltar à infância” é adequada, já que aos poucos se vão substituindo os alimentos sólidos por líquidos ou papas, o interese crispa-se em torno da alimentação e das funções excremenciais, o médico torna-se um pai e a enfermeira uma mãe, que não devem estar longe. Enquanto a dependência da criança decresce progressivamente para desaguar na vida, a do “velho” condu-lo ao fim. Daí uma sábia e interessante conclusão, que recordo ouvir em casa do meu Pai, que se reformou lúcido e demasiado cedo: “O velho é uma caricatura da criança, uma criança que caminha para futuro nenhum, a velhice é uma infância vazia, uma infância absurda. É um vazio em si e diante de si”.
Preocupado com a sua sobrevivência, o “idoso” perde uma parte da  sensibilidade,  a morte dos outros pouco o afeta, a da gente do seu meio dá-lhe uma satisfação inconfessada.


Há regras imutáveis!

O peso do luto não deve fazer esquecer que a morte é também transmissão de um património.
Cada vez é mais frequente, os filhos entrarem na posse de uma parte do património familiar antes da morte dos pais. A coexistência de três gerações é vulgar e a de quatro deixou de admirar. Deste modo, enquanto se herda cada vez mais tarde, aumenta o número de ascendentes a cargo, como os reformados, incluidos os pré-reformados.
Entre os inúmeros casos de que tomei conhecimento no meu escritório, posso referir aos meus leitores, o do herdeiro de um património, que com sessenta anos de idade ainda não tinha herdado nada, pois que os pais ainda vivos, não efetuaram qualquer doação, como “apreciaria”. E também o agricultor pobre, com sessenta anos, tendo a seu cargo simultaneamente ainda um ascendente e dois filhos que não têm emprego.
Em consonância com um pensador que aparece nas manhãs da rádio, entendo que uma sociologia da morte que não se baseie numa sociologia das formas de transmissão do património, corre o risco de ser idealista e abstrata. Conscientes que os filhos só irão herdar na idade da reforma, são muitos os pais que fazem doações, embora eu duvide da sua “bondade”. Este  donatário é, em média,  dez anos mais novo que o “herdeiro natural”. No tempo de meus Pais, a herança chegava quando se entrava na vida ativa, hoje ocorre quando as pessoas a deixam (mal comparando, parece-me o caso da Rainha de Inglaterra…). Aceito pensar, sem especial malícia ou mesmo cinismo, que os choros e lamentações que acompanham o defunto, estão muitas vezes a mascarar a expectativa cúpida da herança, e que só o desaparecimento ritual deixa intacto o sentido da morte e o pavor que ela suscita.
A morte, que não é apenas “obscena” ou “escandalosa”, não se limita à partilha da herança, pois exprime a perpetuação da família e a sua posição social do “de cujus” (falecido). Ver no património tão só uma acumulação de coisas, é reduzir-lhe o significado. Entendo o património como um conjunto de valores carregados de afetividade e do peso da história de uma família. O pai que economiza, empreende e acumula, para legar gostosamente aos filhos mais do que recebeu, está longe de se determinar apenas pelo espírito do lucro ou avareza. Para assegurar a continuidade da linhagem, o dinheiro adquire uma dimensão instrumental.
O património, como decorre do próprio nome, remete para a imagem paterna. Talvez por isso, o legislador aqui ou acolá, tem limitado, se não abolido, o imposto sobre sucessões.  


Mudam os tempos, muda o discurso…(I)


A ninguém é permitido, muito menos obrigado, “aliviar” o próximo, retirando o que entenda necessário para si e família, nem sequer repartir o que as conveniências ou a decência impõem.
Foi, decerto modo, o que o Papa Leão XIII escreveu em 25 de Maio de 1891, in “Rerum Novarum” e outras encíclicas, como “Auspicato Concessum” ou “Graves de Communi”. “Rerum Novarum”, talvez a mais conhecida, sobre a condição dos operários (em português "Das Coisas Novas”), era uma carta aberta aos Bispos, debatendo as  condições daqueles.
A encíclica aborda problemas levantados com a revolução industrial e as sociedades democráticas, do final do século XIX. Leão XIII, apoiava o direito dos trabalhadores a formarem sindicatos, rejeitava o “socialismo e defendia o direito à propriedade privada. Discutia, enfim, as relações entre o governo, os negócios, o trabalho e a Igreja.
Iniciou o texto, fazendo um levantamento da situação social da época e da crise de conflitos que o mundo (europeu…), e criticou a situação de miséria e pobreza a que os trabalhadores estavam submetidos em razão de um liberalismo irresponsável, de um capitalismo selvagem e de patrões desumanos. Os trabalhadores estavam a ser vítimas da cobiça e de uma concorrência desenfreada da ganância e de leis que haviam perdido o sentido e os princípios cristãos:
“(...) É necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida”.
Leão XIII criticava a concentração das riquezas nas mãos de poucos e do mau uso que dela faziam. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal.
Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens, ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isso deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram um quinhão de um pequeno número de ricos e de opulentos, que impõe assim um julgo, quase servil, à multidão do operariado.
A encíclica refuta o critério “socialista sobre a propriedade privada, acusa de injustas e absurdas as razões aduzidas pelos “socialistas”. Afirma que o homem antecede ao Estado em valor, dignidade e importância e também no tempo, que o fim do Estado é propiciar o bem comum do homem e de prover-lhe os meios para que possa alcançar a felicidade. Não é o homem para o Estado, mas o Estado que existe em função do homem, o direito de propriedade é um  direito natural, baseia-se no trabalho humano e ainda na essência da vida doméstica.
(continua)




Mudam os tempos, muda o discurso…(II)

(continuação)



Rerum Novarum” qualifica, como vimos, de desastrosas as consequências da proposta “socialista” e é uma crítica à falta de princípios éticos e valores morais na sociedade progressivamente laicizada, uma das principais causas dos problemas sociais. O documento papal refere alguns princípios que, na perspetiva de há mais de 100 anos, deveriam nortear a procura de justiça social, económica e industrial como, por exemplo, a melhor distribuição de riqueza, a intervenção do Estado na economia a favor dos pobres e desprotegidos e a “caridade” do patronato aos trabalhadores.
A encíclica, veio completar outros trabalhos de Leão XIII, para modernizar o Pensamento Social da Igreja e da hierarquia.  
(…) “A religião confere aos infelizes a sua melhor consolação, inspirando-lhes a esperança de bens imensos e imortais, tanto maiores quanto mais pacífico e longo for o sofrimento”(…).
(…) “Dispensar aos patrões o respeito que merecem e fornecer o trabalho que lhes é devido, não se enfadar com a vida doméstica, tão rica em bens de todas as espécies, acima de todo praticar a religião e pedir-lhe consolo nas dificuldades da vida”(…).
Máximas como estas, como compreendemos facilmente não poderiam ser, hoje, proferidas a partir de Roma, de um púlpito qualquer, muito menos por um político no ativo.
Houve os que acreditaram e que por terem aberto os olhos, saíram do “Partido”. Talvez Estaline, Mao, Castro ou mesmo Cunhal tenham sido os seus modelos e durante anos justificado a esperança num mundo que não fosse dominado pela exploração, tragédia, impotência ou injustiça na repartição. Houve os que visitaram o “Partido” antes que o carreirismo os levasse a renunciar à utopia. E também os que, ocasionalmente, encontraram no “Partido”, a família que lhes faltava, os que tendo construído a identidade sobre os esteios judaico-cristãos não conseguiram passar sem a transição de uma bengala, ou os que depois do 25 de Abril, aderiram para matar o espirito, senão a família, que não era oposicionista. Há sim, e isso comove-me especialmente, os que, operários e filhos de operários, sabem muito bem que poucas são as possibilidades de sair da condição em que o acaso os fez nascer, mau grado lhes acenem com uma democracia social. Mas há também os que “calcularam” o lucro que poderiam tirar dos “compagnons de route”, antigos compromissos. Não, não me espanta nada, o fascínio que o comunismo soviético exerceu sobre alguma, auto proclamada, “intelligentsia” portuguesa. Espantoso é quando os especialistas do erro se transformam em detentores da verdade. Comunistas estavam prontos a abrir as portas dos “gulags”, para lá fechar os que duvidavam da possibilidade de uma superação dos horrores do momento. Quando se tornaram “infantilmente” esquerdistas, sincretizaram o seu anti-comunismo e o seu anti-americanismo, num espontaneismo da missão de engendrar uma sociedade nova e justa. De regresso aos sentimentos dos pais, acolhidos com o fasto mediático que convém aos filhos pródigos, atraíram os pares para a via do alinhamento pelos valores tradicionais, restaurados ou remendados.





GERIR O TEMPO QUE PASSA

O emprego do tempo é, hoje em dia, um fenómeno cultural (como acentuava o saudoso Prof. J.H. Saraiva), e o peso do passado deixa aí a sua marca.
O poder público português parece não o valorar  devidamente, nomeadamente ao gerir o fenómeno turístico.
Em Portugal, é de bom-tom ser-se “sobre-ocupado” (quem não anda muito atarefado, não presta…), adiar encontros tidos por urgentes, chegar atrasado aos jantares fora, não responder às cartas, não ligar a quem deixou uma mensagem, etc.. Creio que os ingleses elaboraram, há muito, técnicas de gestão de tempo, a que se chama vulgarmente a “pontualidade britânica” que, em casa de meus Pais, era muito observada. Não a destacando, especialmente, como uma questão de educação que é, o objetivo é a eficácia, pelo que utilizam duas palavras “efficient” (tarefa executada no tempo mínimo) e “effective” (objetivo atingido). O conceito de “planning” veio, porém, dos E.U. (não da URSS).
Liberto de uma história que pouco lhe foi ensinada, o americano ao invés do português ou do europeu, vive muito no presente e projeta-se logo no futuro, pelo que se pode dizer que o seu imaginário é mais prospetivo que retrospetivo. Não, não se posiciona, nem se preocupa assim, “Em busca do tempo perdido”. O eletrodoméstico, o telemóvel, o PC, criaram um tempo livre que o português se apressou a atulhar. Estes instrumentos que permitem “ganhar tempo ao tempo”, começam a ser tidos como alienantes. O meu tio Miguel Arcanjo, já há mais de trinta anos (ainda não haviam telemóveis ou PC), sem que os filhos ou sobrinhos como eu o secundassem, queixava-se da idolatria da técnica, da técnica inventada pelo homem e à qual se escraviza, a loucura da velocidade, uma trepidação a que ninguém escapa, uma desmesura de coisas que é o que há de menos conforme com a nossa natural maneira de ser. A gestão “feliz” do tempo, cria a disponibilidade. Uma vez que o recuo da “fronteira” passa pela inovação e pela decisão de empreender, há que não deixar escapar uma ideia nova.
De certo modo, nesta linha de raciocínio, um Advogado, o meu Amigo Soares Dias, entende que a conceção “americana” do tempo, ajuda a explicar a elevada taxa de divórcios, já que se impõe a convicção que se tem tempo, que após um fracasso matrimonial se pode sempre recomeçar e ter êxito. E daí conclui que, o casamento é um empreendimento demasiadamente sério para comportar a resignação face à mediocridade. Falhou-se conjugalmente em Alcobaça, reinicia-se a vida no Porto, em Lisboa ou até em Angola. O exemplo de certos casais, muito mediáticos, fornece a prova “provada” que, com frequência a segunda tentativa se transforma em sucesso.






TODOS QUEREM SER COMO “NARCISO” OU “VENUS”

Um rechonchudo americano, que conheci no verão passado no Algarve, retorquiu-me “claro, temos muitos obesos, olhe para mim, mas há aqueles, como vocês, que são miseráveis”, enquanto na esplanada devorava himalaias de gelados merengados ou hamburgers com batatas fritas molhadas em maionese, tudo acompanhado por grandes copos de coca-cola embora, depois, por descargo de consciência, deitasse sacarina no café.
Referindo-se ao “miserável” português, onde me incluia discreta mas tacitamente, dizia ele ser um tipo volúvel e invejoso, com Segurança Social a “insultar” um Estado que não cessa de solicitar, incapaz de empreender seja o que for a não ser criticar o outro, e que afoga a nostalgia da grandeza perdida há 500 anos no vinho tinto, com que rega o seu bacalhau, o cozido, ou o bife de vaca.
Para o português “mediatizado” acrescentava ele, os americanos são como a Greta Garbo, a Marilin, o Clark Gable, o Paul Newman ou o George Clonney. Por de trás destes “clichés” antiquados, uma constatação se me impõe, de ambos os lados do Atlântico, o corpo de Narciso ou Venus tende a melhorar. Ao nível do tipo de corpo vencedor, a iniciativa é  americana (antigamente dizia-se nórdica) e as estatísticas, talvez credíveis, informam que de há 50 anos para cá o número de americanos e europeus praticantes de “jogging” duplicou e a dieta fez baixar os acidentes cardiovasculares ou de diabetes. Embora, os americanos, auto financiem uma parte importante dos seus cuidados de saúde (Obama no seu primeiro mandato, bem tentou contrariar a situação), os que, seja qual for o nível de rendimentos consultam os médicos, são cada vez mais.
A campanha anti-tabagismo foi um êxito, e os não fumadores são, talvez, tão numerosos, como os fumadores. “Ela” bebe leite magro, come fruta, faz desporto, renuncia ao tabaco e ao álcool, que tornam a tez macilenta.
Os portugueses eram (e ainda são sujos), pelo menos os médicos, enfermeiros e as meninas do apoio domiciliário o dizem. A luta contra a sujidade, anda associada à higiene. É conveniente escovar os dentes antes de ir dormir, tomar banho regularmente e renunciar ao consumo do açúcar, para prevenir as cáries. Se a natureza dotou alguém de alguns portugueses(as) de elementos inestéticos, eles(as) já não hesitam recorrer à cirurgia estética (veja-se a Corporatión Demoestética, que aceita finaciar (a)o cliente), pois não têm culpa do respetivo código genético. A maior parte destas intervenções, têm como objetivo o rejuvenescimento, pois há que envelhecer feliz. No nosso País, a recusa do envelhecimento, ou pelo menos a arte de a ele se acomodar, começou há anos, com a talassoterapia, massagens, “liftings”, “cocktails de vitaminas” e outros instrumentos que permitem manter o corpo com as suas faculdades.
Pode-se voltar a casar, em qualquer idade. Em Portugal, mesmo em crise, não se prescinde da busca da eterna juventude.




LIBERTAÇÃO OU TALVEZ NÃO


Escapa já a homossexualidade, à condenação ética e ao poder médico?
O “atual” de que falamos nestes apontamentos que temos vindo a publicar e as transformações alegadamente estruturais que com ele conotam podem, aliás, ser consideradas em referência a um tempo longo. Com efeito, dizem respeito aos últimos anos de um estado político e social, que a rapidez das transformações em curso faz já parecer longínquo. Ou seja, um período que consideramos genericamente no seio de quadros sociopolíticos precisos, termina com o 25 de Abril, já que com este outra “festa” foi instaurada.  
Posto isto, sendo a resposta aquela questão eventualmente positiva ter-se-á a “libertação gay” estendido a Portugal? Lá fora e cá, o reconhecimento social da especificidade homossexual, advém em meados dos anos 70. Uma sondagem feita em Inglaterra por essa altura  (muito pouco divulgada entre nós), revela uma reprovação, quase unânime, da homossexualidade, ao passo que 1980, já só um terço dos inquiridos exprime uma condenação, sem reservas.
Foi nos “campus” e em certos bairros de cidades americanas, embora circunscritos, como Nova Iorque ou S. Francisco, que os homossexuais puderam começar a levar a existência porque optaram, sem mais a mascararem. Se é certo, como já afirmavam os romanos, que a natureza humana é estruturalmente bissexual, há ainda muito a fazer para que se apaguem mais de dois milénios de moral cristã.
Desconheço se a percentagem de homossexuais é atualmente mais elevada na Europa do que em Portugal, até porque a expressão não é totalmente inequívoca. Quando se fala de homossexuais, temos que saber se são os que se assumem “ostentatoriamente”, os que se escondem por de trás de uma vida familiar “digna” ou ainda os que desejosos recuam perante a passagem ao “acto”, vivendo um jogo fantástico, absolutamente secreto. A concentração de “gays” em lugares bem precisos, como bares ou associações, demonstra que ainda constituem uma minoria na defensiva, rejeitada, afinal, pela sociedade em geral, conservadora. O aparecimento da “sida” foi um excelente achado para o fundamentalismo latente, uma vez que metaforicamente, mata a vida do corpo antes de condenar a alma.








QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (I)
A Família tradicional


Longe vão os tempos em que os cuidados de saúde e higiene com os idosos eram prestados no calor da familia.
Foi, ainda assim, com os nossos Avós que faziam parte integrante da família “tradicional”, a quem eram dispensados o aconchego e o zelo possíveis. A família estava estruturada e preparada para isso, sendo a situação aceite no campo ou na cidade, num contexto de maior ou menor escassez de recursos. Antes de disparar o surto de urbanismo, a família tradicional era principalmente rural e agrupava, não raramente, três gerações. Na cidade, encontrava-se no seio de uma classe média burguesa, mais ou menos alta ou confortável. Com a cidade de habitações exíguas, a família viu-se reduzida ao núcleo mais elementar, desde logo, pelo número de filhos.
O conceito de família, na sociedade portuguesa, deixou há muito de caber apenas no rótulo de tradicional, para se espalhar por outras formas de organização, desde os homossexuais, à mãe e pai solteiros, casais que conjugam filhos de anteriores relações com outros nascidos da nova relação. A sociedade portuguesa olha para as mais recentes formas de organização familiar, com um misto de abertura e desconfiança, principalmente no que toca às mães solteiras e aos casais de homossexuais, cujo debate não encerrou.
Com o passar dos tempos a estrutura foi-se alterando, com exigências e compromissos sócio-laborais a exigirem maior ocupação e dispersão dos braços, o que implicou que o idoso fosse sendo remetido para o isolamento do lar. O aumento do tempo médio de esperança de vida, acarretou para esta faixa etária a necessidade duma estrutura social mais sólida, com suporte administrativo e financeiro integrado no Estado-Social. Contudo este, pelo menos em Portugal, está longe de ter capacidade de resposta para todo o espaço nacional, além de que nem os Hospitais ou as Instituições de Solidariedade Social têm condições ou vocação para lidar com a situação.
(Continua)





QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (II)

A Família tradicional


(Continuação)

Perante este estado de coisas e com a população a envelhecer, os Lares de Idosos começaram a proliferar de Norte a Sul numa lógica de exploração ou de negócio como outro qualquer, sabe-se lá com que qualidade.
O programa do governo do Senhor “Engenheiro”, fez o “reconhecimento da diversidade das situações familiares, o que implica o estudo e acompanhamento das mudanças em curso na família e a definição de tipologias de intervenção adequadas. Além disso, defendeu a consagração de políticas públicas determinadas por critérios de justiça social nomeadamente no que se refere à progressiva eliminação dos fatores que afetam todas as famílias em situações de grande vulnerabilidade social - as pessoas/mulheres sós, sobretudo idosos, as famílias numerosas pobres, as famílias em situação de monoparentalidade, as famílias com pessoas desempregadas, as crianças em situação de risco, as famílias imigrantes e famílias com pessoas portadoras de deficiência”.
Fez o reconhecimento, fraturou, insistiu e nada adiantou…
Mais preocupante do que os Lares de Idosos, “sem alvará”, é a propagação de Casas “Clandestinas”, que acolhem pessoas sem reunir condições para tal. Trata-se de empresários, normalmente sem qualificações, que aceitam acolher em casa um, dois, três ou mais idosos e que, muitas vezes os colocam a viver em caves, outros locais do género ou a repartir camas.
As Autoridades Policiais, as Juntas de Freguesia, a Segurança Social e muitos de nós, têm conhecimento desta triste realidade, o que nem por isso facilita uma atuação, dado só ser possível num Estado de Direito entrar numa casa com autorização do proprietário ou com mandado judicial.
Nunca ninguém apurou quantas são estas casas que por aí existem, concretamente em Alcobaça, em que condições vivem os idosos. Não releva reportar às famílias a pesada quota-parte de responsabilidade no fenómeno, embora se reconheça que, assim ao proceder, ao deixarem os parentes livram-se no imediato duma incómoda preocupação.
(continua)




QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (III)
A Família tradicional


(Continuação)

Se estivessemos no antigamente, e não me refiro propriamente ao tempo da “outra senhora”, poderiamos afirmar que um idoso abandonado traduz o que há de mais sórdido, o desprezo para com o pioneiro fundador da família. Os nossos idosos, muitas vezes, são considerados como figuras gastas, um pesado e fastidioso encargo. Todavia, tendo o direito de exigir um lugar no seio da família, vêm-se obrigados, não raras vezes, a mendigar a migalha que sobra. Nalgumas sociedades ou famílias não apenas tribais, os idosos são considerados, como “O Livro da Sabedoria”, portanto, especialmente venerados.

O idoso ao ser rejeitado, acelera o seu processo de envelhecimento. Por outro lado, muitas das alterações do comportamento, devem ser interpretadas como reação à vivência da desvalia da auto-imagem,  diretamente dependente da diminuição das capacidades funcionais e intelectuais. O idoso, tornando-se pouco a pouco mais frágil, tanto sob ponto de vista físico, como psíquico, fica cada vez mais dependente, num meio cada vez menos tolerante.

A reforma é por vezes mal vista, na medida que é associada a morte social. Os colegas começam a desaparecer, os amigos e a família a afastar-se, e a surgir no medo e meio da solidão, a doença e a dificuldade de locomoção. O ser humano não é só biologia ou composto psicossomático, mas um projeto que inclui corpo e espírito, tempo e Eternidade. A História é composta de alegrias e sofrimento, pelo que se impõe sensibilizar os mais jovens a estarem conscientes da conceção de velho, que amanhã como “ cruz” tem de usar fralda, bengala, cadeira de rodas, algália e uma cama.

(Continua)





QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (IV)
Ser velho, não tem “graça” nenhuma


(continuação)

Os Idosos são personagens recorrentes em (com)textos que ocupam espaços importantes na televisão, particularmente nas novelas e nos programas humorísticos, pois é fácil explorar a sua  dramaticidade, ao acentuar a teimosia, desorientação e impertinência.
A familia “tradicional” está, pois, em crise, embora talvez pior que a crise, são os modelos alternativos que nos querem eleger como substitutos da verdadeira família, famílias monoparentais, pares de homossexuais a adotarem crianças, famílias em que cada um dos membros é o que fica de outras famílias. Os que assim se encontram, tem os seus “lobbies”, querem reconhecimento social, jurídico ou económico, como se tratasse de famílias tradicionais, não aceitando que a situação é a corrução daquelas. O drama da velhice, é frequentemente retratado em reportagens de idosos abandonados/depositados em Lares.  Todavia, numa hipócrita boa consciência, é vulgar que depois das imagens de abandono, sejam apresentados velhos, gente feliz sem lágrimas, que continuam a desenvolver atividades criativas, cantando e rindo...
O Poder tem de inverter a sua política familiar e deixar de gastar tanto do nosso dinheirinho em, pouco mais que, propagandear os malefícios da diminuição da natalidade e o rapidíssimo envelhecimento da sociedade portuguesa, elevado a um nível dos maiores da Europa. Respeitando a paternidade/maternidade responsável, devem estimular a natalidade dentro do matrimónio, sim dentro do matrimónio, para que a sociedade se vá retornando, mais equilibrada.
(CONTINUA)






QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (V)
Bons negócios


(continuação)
Os Lares de Idosos “ilegais” em Portugal movimentam muito dinheiro, embora pratiquem preços, ao que se diz, cerca de 15% ou mais, inferiores aos lares “legais”, o que leva a que tenham uma forte procura de famílias menos abonadas, especialmente nestes tempos que correm.
Têm sido recorrentes as notícias de Lares de Idosos “ilegais” encerrados coercivamente. Daqui lanço um alerta para os combater, pois que para além de não pagarem impostos, e por aí não são solidários perante a crise, frequentemente carecem de condições de higiene e segurança para uma qualidade de vida decente, embora não conheça nenhum caso especialmente relevante em Alcobaça.
Estimado leitor e alcobacense, sempre que precisar de um Lar para um Idoso, procure um qure seja acreditado, consultando a Segurança Social, a sua Junta de Freguesia, que têm conhecimento de situações “irregulares”, bem como disponíveis listas de lares “legais”.
Mas o abandono não se traduz apenas nos casos de Lares de Idosos, ainda que “legais”.
O número de idosos abandonados nos Hospitais não pára de aumentar, como os deixados na “Urgência”, familiares que desaparecem e não atendem os telefonemas das assistentes sociais ou vidas marcadas pela miséria, que acabam, enfim, numa cama de camarata de hospital. Mas também se registam casos de famílias que não levam os doentes para casa, quando o médico efetua a avaliação e diz que um idoso pode fazer lá a reabilitação, porventura, com necessidade de apoio domiciliário. Não os levam e vão protelando, tanto quanto possível, a permanência no hospital. Para quem fica, o sentimento de abandono será insuperável, impossível de imaginar por nós felizmente normais, pois nunca pensaram que os filhos ou outros familiares os pudessem deixar numa situação destas.
E se a tudo isto acrescentarmos que isto acontece ou pode acontecer a uma pessoa que trabalhou uma vida inteira, fez os descontos para a S.S. e contribuiu, a seu modo, para a vida coletiva, ficamos sem saber qual é o conteúdo real que devemos atribuir à expressão solidariedade social, neste Portugal tecnocrático.
A linguagem do político está cheia de palavras bonitas, utilizadas sem conteúdo substancial, e com a maior despudorada ligeireza. Certamente que estamos muito longe da sociedade justa e solidária que almejámos! E não me venham com o argumento do Défice ou Imposições da Troika…





Pagador de “Promessas” (I)
O Senhor da Pedra

Até me vir radicar em Alcobaça, vivia numa terra à beira-mar onde todos os anos se realizava uma romaria mais animada que propriamente importante, o Senhor da Pedra (que ocorria imediaramente a seguir ao Senhor de Matosinhos e à Senhora da Hora), como estas com uma natureza bastante urbana, pois todas elas têm localização na orla do Porto.
Hoje em dia, o Senhor da Pedra descaraterizou-se, absolutamente, tanto na componente religiosa, como lúdica. Enquanto rapaz e mesmo homem feito, sempre me interessou e intrigou o fenómeno da “promessa” (ao Senhor da Pedra, que era o que conhecia de perto), dadas as características contraditórias, que apresentava ou lhe reconhecia.
A “promessa”, como tem sido referido, é uma relação que se aproxima  do sacrifício, ao mesmo tempo que se insere no quadro de uma outra de intercâmbio. A pessoa “promete”  quando está em perigo a segurança da sua existência pessoal, familiar ou social. O exame dos ex-votos de que estão cheias as dependências dos santuários (o Senhor da Pedra, não era uma exceção, embora não das mais expressivas), e que por vezes mostram o “milagre” que se agradece, permitem-nos ajuizar a  variedade de situações em que surgem as “promessas”, como a guerra, acidentes, problemas de amor, exames escolares, calamidades ou mesmo negócios. As “promessas” mais frequentes, foram quase sempre as relativas à saúde, enquanto que em Portugal, nos finais de Estado Novo,  eram as que tinham ligação com a Guerra de África. “Pagam-se” elas de forma dolorosa (de outro modo teriam menos valor…), longas caminhadas a pé ou de joelhos, substituídas, por vezes, por bens ou pelo valor em dinheiro.  
A oferta/promessa de uma missa, não é um fenómeno particular, nem raro das romarias portuguesas. Conhece-se a amplitude das transferências económicas no âmbito do mundo cristão, concretamente durante a Idade Média, fruto de disposições testamentárias, instituindo as ”missas perpétuas”. Estas ocorrências deram direta ou indiretamente origem a vários santuários de peregrinação popular.
Bem entendido, tenho muito respeito pela “promessa” estabelecida num dificil momento de provação ou dor, cimentando uma ligação ao “protetor” (celeste). A intensidade desta “ligação”, encena-se tanto ao longo do caminho para o santuário, como à volta do “protetor”, no momento em que é dado cumprimento à prestação. A  encenação encontra sempre público ávido de uma emoção forte. Veja-se o que acontece em Fátima, que mobiliza a atenção/emoção dos circunstantes e que a comunicação social não regeita aproveitar, por vezes com despudor.
(continua)































Pagador de Promessas (II)
Uma relação de troca
FLeming de OLiveira
·        (continuação)
O clero poucas vezes é consultado  e, mesmo assim, a sua opinião nem sempre tem relevãncia. Aliás, quase não participa ou não participa mesmo, nesta prestação “necessariamente” dolorosa, além de que tenta travá-la em benefício de outras mais discretas, menos suscitáveis de criar uma “inútil” agitação emocional, ou diretamente relacionadas com atos sacramentais, para os quais a sua intervenção é indispensável, senão mais rendível.  Em princípio, as ofertas pecuniárias destinar-se-iam ao “protetor”, embora necssariamente colocadas à disposição do grupo organizador, Igreja, confrades, ou comissão, para manter o culto. Em geral, pouco importa ao “pagador” a aplicação concreta da prestação, dado que não pensa ter direito de vigiar a utilização do que é para ele foi o “preço do sangue”. Não, não tem preferência por uma ou outra aplicação, seja em trabalhos de conservação, embelezamento do santuário ou na compra de objetos de culto.
“Para mim a melhor prova de que estas penitências de pouco ou nada servem é eu nunca vi um padre faze-las. Eles bem sabem o que é útil, se não as fazem…”.
Assim, sob pressão do clero esclarecido, vão sendo abandonadas as promessas mais espetaculares ou, pelo menos, atenua-se o seu caráter, em proveito de uma religião que se quer mais racional.
A “promessa”, para além do significado que tem para os que a  praticam, é suscetivel de análises diferentes. Desde logo podemos encontrar a estrutura de troca a que já referi,  regulada pelo costume e suscetivel de conhecer manifestações espontâneas que poderão encaminhá-la para a magia, feita de gestos simbólicos, mas com  significado para os iniciados, destinados a  superar a angústia existencial, pelo que estes gestos têm tendência a estabelecer-se nos escaninhos da condição humana e a encenar situações em que esta se revela dramática. Por este mesmo facto, suscitam a angústia para poderem assumi-la. Ao mesmo tempo, esta relação cria e reforça os laços da comunidade, fonte de segurança psicológica, de vitalidade física e de energia moral, enfim privilegiando a coesão. Assumem, assim, as “promessas” a qualidade de quase ritos.

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