ONTEM, HOJE OU
AMANHÃ
FLeming de OLiveira
Uma Questão de Idade
A partir de que idade,
alguém, se considera “velho”?
Nos
meus tempos de rapaz, com 50 anos de idade já se era considerado “idoso”. A
velhice, hoje em dia, é também uma construção social e a sociedade viu surgir
dois fenómenos/momentos bem diversos, a adolescência, que se mistura por vezes com
a infância e a segue, e depois a idade adulta. E essas duas décadas, como foi o
caso de meu Pai, por vezes três, que separam a cessação da atividade
profissional do momento em que as insuficiências físicas e mentais eliminam a
autonomia, fazem um “velho”.
Antigamente,
a esperança de vida, tornava muito curto o período entre a cessação da
atividade e a morte, que com frequência antecipava-se aquela. Atualmente,
muitos milhares de portugueses reformados são “maduros”, sem estarem senis, longe
disso!
As
evidências biológicas não são escamotáveis, envelhece-se muito cedo, e aos
trinta e tal anos o organismo atinge a fase de rendimento máximo. Toma-se
consciência do declínio físico, através do uso de óculos para ler, de alguma
surdez, a falta de fôlego ao subir escadas ou numa corridinha, tensão arterial
elevada, a irritabilidade perante ninharias, enquanto que a degenerescência intelectual
se traduz em “lapsos/buracos” da memória, primeiro relativamente a nomes
próprios, depois ao passado recente que se desvanece, enquanto as recordações
antigas permanecem nítidas.
Rebuscando
no baú das memórias um tempo cada vez mais distante, o “idoso” deixa de ser
contemporâneo da sua própria história e este “laudator temporis” aborrece, quanto
basta, os próximos, irritados com as suas manias “despropositadas”. Com a idade
emergem, ou tornam-se mais intensos, o gosto pelo conforto,pelo sol, descanso
ou requinte, a procura de notoriedade familiar ou social, bem como o desejo de
reconhecimento do mérito. Prosélito da sua maneira de ser e viver, o “idoso”
exaspera por aquilo que pelos outros é percebido ou entendido como uma indevida
auto-satisfação.
A
expressão popular “voltar à infância” é adequada, já que aos poucos se vão
substituindo os alimentos sólidos por líquidos ou papas, o interese crispa-se
em torno da alimentação e das funções excremenciais, o médico torna-se um pai e
a enfermeira uma mãe, que não devem estar longe. Enquanto a dependência da
criança decresce progressivamente para desaguar na vida, a do “velho” condu-lo
ao fim. Daí uma sábia e interessante conclusão, que recordo ouvir em casa do
meu Pai, que se reformou lúcido e demasiado cedo: “O velho é uma caricatura da
criança, uma criança que caminha para futuro nenhum, a velhice é uma infância
vazia, uma infância absurda. É um vazio em si e diante de si”.
Preocupado
com a sua sobrevivência, o “idoso” perde uma parte da sensibilidade, a morte dos outros pouco o afeta, a da gente
do seu meio dá-lhe uma satisfação inconfessada.
Há regras imutáveis!
O peso do luto não
deve fazer esquecer que a morte é também transmissão de um património.
Cada
vez é mais frequente, os filhos entrarem na posse de uma parte do património
familiar antes da morte dos pais. A coexistência de três gerações é vulgar e a
de quatro deixou de admirar. Deste modo, enquanto se herda cada vez mais tarde,
aumenta o número de ascendentes a cargo, como os reformados, incluidos os pré-reformados.
Entre
os inúmeros casos de que tomei conhecimento no meu escritório, posso referir
aos meus leitores, o do herdeiro de um património, que com sessenta anos de
idade ainda não tinha herdado nada, pois que os pais ainda vivos, não efetuaram
qualquer doação, como “apreciaria”. E também o agricultor pobre, com sessenta
anos, tendo a seu cargo simultaneamente ainda um ascendente e dois filhos que
não têm emprego.
Em
consonância com um pensador que aparece nas manhãs da rádio, entendo que uma
sociologia da morte que não se baseie numa sociologia das formas de transmissão
do património, corre o risco de ser idealista e abstrata. Conscientes que os
filhos só irão herdar na idade da reforma, são muitos os pais que fazem
doações, embora eu duvide da sua “bondade”. Este donatário é, em média, dez anos mais novo que o “herdeiro natural”.
No tempo de meus Pais, a herança chegava quando se entrava na vida ativa, hoje
ocorre quando as pessoas a deixam (mal comparando, parece-me o caso da Rainha
de Inglaterra…). Aceito pensar, sem especial malícia ou mesmo cinismo, que os
choros e lamentações que acompanham o defunto, estão muitas vezes a mascarar a
expectativa cúpida da herança, e que só o desaparecimento ritual deixa intacto
o sentido da morte e o pavor que ela suscita.
A
morte, que não é apenas “obscena” ou “escandalosa”, não se limita à partilha da
herança, pois exprime a perpetuação da família e a sua posição social do “de
cujus” (falecido). Ver no património tão só uma acumulação de coisas, é
reduzir-lhe o significado. Entendo o património como um conjunto de valores carregados
de afetividade e do peso da história de uma família. O pai que economiza,
empreende e acumula, para legar gostosamente aos filhos mais do que recebeu,
está longe de se determinar apenas pelo espírito do lucro ou avareza. Para
assegurar a continuidade da linhagem, o dinheiro adquire uma dimensão
instrumental.
O
património, como decorre do próprio nome, remete para a imagem paterna. Talvez
por isso, o legislador aqui ou acolá, tem limitado, se não abolido, o imposto
sobre sucessões.
Mudam os tempos,
muda o discurso…(I)
A ninguém é permitido, muito menos obrigado, “aliviar” o
próximo, retirando o que entenda necessário para si e família, nem sequer
repartir o que as conveniências ou a decência impõem.
Foi, decerto modo, o
que o Papa Leão XIII escreveu em 25 de Maio de 1891, in “Rerum Novarum” e
outras encíclicas, como “Auspicato Concessum” ou “Graves de Communi”. “Rerum Novarum”, talvez
a mais conhecida, sobre a condição dos
operários (em português
"Das Coisas Novas”), era uma carta aberta aos Bispos, debatendo as condições daqueles.
A encíclica aborda problemas
levantados com a revolução
industrial e as sociedades
democráticas, do final do século XIX. Leão XIII, apoiava o direito dos
trabalhadores a formarem sindicatos, rejeitava o “socialismo” e defendia o direito à propriedade
privada.
Discutia, enfim, as relações entre o governo, os negócios, o trabalho e a
Igreja.
Iniciou
o texto, fazendo um levantamento da situação social da época e da crise de
conflitos que o mundo (europeu…), e criticou a situação de miséria e pobreza a que
os trabalhadores estavam submetidos em razão de um liberalismo irresponsável,
de um capitalismo selvagem e de patrões desumanos. Os trabalhadores estavam a
ser vítimas da cobiça e de uma concorrência desenfreada da ganância e de leis
que haviam perdido o sentido e os princípios cristãos:
“(...) É necessário, com medidas prontas e
eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que
eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria
imerecida”.
Leão
XIII criticava a concentração das riquezas nas mãos de poucos e do mau uso que
dela faziam. A usura voraz veio
agravar ainda mais o mal.
Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja,
não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens, ávidos de
ganância, e de insaciável ambição. A tudo isso deve acrescentar-se o monopólio
do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram um quinhão de um pequeno
número de ricos e de opulentos, que impõe assim um julgo, quase servil, à
multidão do operariado.
A encíclica refuta o
critério “socialista” sobre a propriedade privada, acusa de
injustas e absurdas as razões aduzidas pelos “socialistas”. Afirma que o homem antecede ao Estado em valor, dignidade e
importância e também no tempo, que o fim do Estado é propiciar o bem comum do
homem e de prover-lhe os meios para que possa alcançar a felicidade. Não é o
homem para o Estado, mas o Estado que existe em função do homem, o
direito de propriedade é um direito
natural, baseia-se no trabalho humano e ainda na essência
da vida doméstica.
(continua)
Mudam os tempos,
muda o discurso…(II)
(continuação)
“Rerum Novarum” qualifica, como vimos, de desastrosas as
consequências da proposta “socialista” e é uma crítica à falta de princípios
éticos e valores morais na sociedade progressivamente laicizada, uma das
principais causas dos problemas sociais. O documento papal refere alguns princípios
que, na perspetiva de há mais de 100 anos, deveriam nortear a procura de
justiça social, económica e industrial como, por exemplo, a melhor distribuição
de riqueza, a intervenção do Estado na economia a favor dos pobres e
desprotegidos e a “caridade” do patronato aos trabalhadores.
A encíclica, veio
completar outros trabalhos de Leão XIII, para modernizar o Pensamento Social da
Igreja e da hierarquia.
(…)
“A religião confere aos infelizes a sua melhor consolação, inspirando-lhes a
esperança de bens imensos e imortais, tanto maiores quanto mais pacífico e
longo for o sofrimento”(…).
(…)
“Dispensar aos patrões o respeito que merecem e fornecer o trabalho que lhes é
devido, não se enfadar com a vida doméstica, tão rica em bens de todas as
espécies, acima de todo praticar a religião e pedir-lhe consolo nas dificuldades
da vida”(…).
Máximas
como estas, como compreendemos facilmente não poderiam ser, hoje, proferidas a
partir de Roma, de um púlpito qualquer, muito menos por um político no ativo.
Houve
os que acreditaram e que por terem aberto os olhos, saíram do “Partido”. Talvez
Estaline, Mao, Castro ou mesmo Cunhal tenham sido os seus modelos e durante
anos justificado a esperança num mundo que não fosse dominado pela exploração,
tragédia, impotência ou injustiça na repartição. Houve os que visitaram o “Partido”
antes que o carreirismo os levasse a renunciar à utopia. E também os que,
ocasionalmente, encontraram no “Partido”, a família que lhes faltava, os que
tendo construído a identidade sobre os esteios judaico-cristãos não conseguiram
passar sem a transição de uma bengala, ou os que depois do 25 de Abril,
aderiram para matar o espirito, senão a família, que não era oposicionista. Há
sim, e isso comove-me especialmente, os que, operários e filhos de operários,
sabem muito bem que poucas são as possibilidades de sair da condição em que o
acaso os fez nascer, mau grado lhes acenem com uma democracia social. Mas há
também os que “calcularam” o lucro que poderiam tirar dos “compagnons de
route”, antigos compromissos. Não, não me espanta nada, o fascínio que o
comunismo soviético exerceu sobre alguma, auto proclamada, “intelligentsia”
portuguesa. Espantoso é quando os especialistas do erro se transformam em
detentores da verdade. Comunistas estavam prontos a abrir as portas dos
“gulags”, para lá fechar os que duvidavam da possibilidade de uma superação dos
horrores do momento. Quando se tornaram “infantilmente” esquerdistas,
sincretizaram o seu anti-comunismo e o seu anti-americanismo, num espontaneismo
da missão de engendrar uma sociedade nova e justa. De regresso aos sentimentos
dos pais, acolhidos com o fasto mediático que convém aos filhos pródigos,
atraíram os pares para a via do alinhamento pelos valores tradicionais,
restaurados ou remendados.
GERIR O TEMPO QUE
PASSA
O emprego do tempo é,
hoje em dia, um fenómeno cultural (como acentuava o saudoso Prof. J.H. Saraiva),
e o peso do passado deixa aí a sua marca.
O
poder público português parece não o valorar devidamente, nomeadamente ao gerir o fenómeno
turístico.
Em
Portugal, é de bom-tom ser-se “sobre-ocupado” (quem não anda muito atarefado,
não presta…), adiar encontros tidos por urgentes, chegar atrasado aos jantares
fora, não responder às cartas, não ligar a quem deixou uma mensagem, etc..
Creio que os ingleses elaboraram, há muito, técnicas de gestão de tempo, a que
se chama vulgarmente a “pontualidade britânica” que, em casa de meus Pais, era
muito observada. Não a destacando, especialmente, como uma questão de educação
que é, o objetivo é a eficácia, pelo que utilizam duas palavras “efficient”
(tarefa executada no tempo mínimo) e “effective” (objetivo atingido). O
conceito de “planning” veio, porém, dos E.U. (não da URSS).
Liberto
de uma história que pouco lhe foi ensinada, o americano ao invés do português
ou do europeu, vive muito no presente e projeta-se logo no futuro, pelo que se
pode dizer que o seu imaginário é mais prospetivo que retrospetivo. Não, não se
posiciona, nem se preocupa assim, “Em busca do tempo perdido”. O
eletrodoméstico, o telemóvel, o PC, criaram um tempo livre que o português se
apressou a atulhar. Estes instrumentos que permitem “ganhar tempo ao tempo”,
começam a ser tidos como alienantes. O meu tio Miguel Arcanjo, já há mais de
trinta anos (ainda não haviam telemóveis ou PC), sem que os filhos ou sobrinhos
como eu o secundassem, queixava-se da idolatria da técnica, da técnica
inventada pelo homem e à qual se escraviza, a loucura da velocidade, uma
trepidação a que ninguém escapa, uma desmesura de coisas que é o que há de
menos conforme com a nossa natural maneira de ser. A gestão “feliz” do tempo,
cria a disponibilidade. Uma vez que o recuo da “fronteira” passa pela inovação
e pela decisão de empreender, há que não deixar escapar uma ideia nova.
De
certo modo, nesta linha de raciocínio, um Advogado, o meu Amigo Soares Dias,
entende que a conceção “americana” do tempo, ajuda a explicar a elevada taxa de
divórcios, já que se impõe a convicção que se tem tempo, que após um fracasso
matrimonial se pode sempre recomeçar e ter êxito. E daí conclui que, o
casamento é um empreendimento demasiadamente sério para comportar a resignação
face à mediocridade. Falhou-se conjugalmente em Alcobaça, reinicia-se a vida no
Porto, em Lisboa ou até em Angola. O exemplo de certos casais, muito
mediáticos, fornece a prova “provada” que, com frequência a segunda tentativa
se transforma em sucesso.
TODOS QUEREM SER COMO
“NARCISO” OU “VENUS”
Um rechonchudo
americano, que conheci no verão passado no Algarve, retorquiu-me “claro, temos muitos
obesos, olhe para mim, mas há aqueles, como vocês, que são miseráveis”,
enquanto na esplanada devorava himalaias de gelados merengados ou hamburgers
com batatas fritas molhadas em maionese, tudo acompanhado por grandes copos de coca-cola
embora, depois, por descargo de consciência, deitasse sacarina no café.
Referindo-se
ao “miserável” português, onde me incluia discreta mas tacitamente, dizia ele ser
um tipo volúvel e invejoso, com Segurança Social a “insultar” um Estado que não
cessa de solicitar, incapaz de empreender seja o que for a não ser criticar o
outro, e que afoga a nostalgia da grandeza perdida há 500 anos no vinho tinto,
com que rega o seu bacalhau, o cozido, ou o bife de vaca.
Para
o português “mediatizado” acrescentava ele, os americanos são como a Greta
Garbo, a Marilin, o Clark Gable, o Paul Newman ou o George Clonney. Por de trás
destes “clichés” antiquados, uma constatação se me impõe, de ambos os lados do
Atlântico, o corpo de Narciso ou Venus tende a melhorar. Ao nível do tipo de
corpo vencedor, a iniciativa é americana
(antigamente dizia-se nórdica) e as estatísticas, talvez credíveis, informam
que de há 50 anos para cá o número de americanos e europeus praticantes de “jogging”
duplicou e a dieta fez baixar os acidentes cardiovasculares ou de diabetes.
Embora, os americanos, auto financiem uma parte importante dos seus cuidados de
saúde (Obama no seu primeiro mandato, bem tentou contrariar a situação), os
que, seja qual for o nível de rendimentos consultam os médicos, são cada vez
mais.
A
campanha anti-tabagismo foi um êxito, e os não fumadores são, talvez, tão
numerosos, como os fumadores. “Ela” bebe leite magro, come fruta, faz desporto,
renuncia ao tabaco e ao álcool, que tornam a tez macilenta.
Os
portugueses eram (e ainda são sujos), pelo menos os médicos, enfermeiros e as
meninas do apoio domiciliário o dizem. A luta contra a sujidade, anda associada
à higiene. É conveniente escovar os dentes antes de ir dormir, tomar banho regularmente
e renunciar ao consumo do açúcar, para prevenir as cáries. Se a natureza dotou
alguém de alguns portugueses(as) de elementos inestéticos, eles(as) já não
hesitam recorrer à cirurgia estética (veja-se a Corporatión Demoestética, que
aceita finaciar (a)o cliente), pois não têm culpa do respetivo código genético.
A maior parte destas intervenções, têm como objetivo o rejuvenescimento, pois há
que envelhecer feliz. No nosso País, a recusa do envelhecimento, ou pelo menos
a arte de a ele se acomodar, começou há anos, com a talassoterapia, massagens, “liftings”,
“cocktails de vitaminas” e outros instrumentos que permitem manter o corpo com
as suas faculdades.
Pode-se
voltar a casar, em qualquer idade. Em Portugal, mesmo em crise, não se prescinde
da busca da eterna juventude.
LIBERTAÇÃO OU TALVEZ
NÃO
Escapa já a
homossexualidade, à condenação ética e ao poder médico?
O
“atual” de que falamos nestes apontamentos que temos vindo a publicar e as
transformações alegadamente estruturais que com ele conotam podem, aliás, ser consideradas
em referência a um tempo longo. Com efeito, dizem respeito aos últimos anos de
um estado político e social, que a rapidez das transformações em curso faz já
parecer longínquo. Ou seja, um período que consideramos genericamente no seio de
quadros sociopolíticos precisos, termina com o 25 de Abril, já que com este
outra “festa” foi instaurada.
Posto
isto, sendo a resposta aquela questão eventualmente positiva ter-se-á a “libertação
gay” estendido a Portugal? Lá fora e cá, o reconhecimento social da
especificidade homossexual, advém em meados dos anos 70. Uma sondagem feita em
Inglaterra por essa altura (muito pouco
divulgada entre nós), revela uma reprovação, quase unânime, da homossexualidade,
ao passo que 1980, já só um terço dos inquiridos exprime uma condenação, sem reservas.
Foi
nos “campus” e em certos bairros de cidades americanas, embora circunscritos,
como Nova Iorque ou S. Francisco, que os homossexuais puderam começar a levar a
existência porque optaram, sem mais a mascararem. Se é certo, como já afirmavam
os romanos, que a natureza humana é estruturalmente bissexual, há ainda muito a
fazer para que se apaguem mais de dois milénios de moral cristã.
Desconheço
se a percentagem de homossexuais é atualmente mais elevada na Europa do que em
Portugal, até porque a expressão não é totalmente inequívoca. Quando se fala de
homossexuais, temos que saber se são os que se assumem “ostentatoriamente”, os
que se escondem por de trás de uma vida familiar “digna” ou ainda os que
desejosos recuam perante a passagem ao “acto”, vivendo um jogo fantástico,
absolutamente secreto. A concentração de “gays” em lugares bem precisos, como bares
ou associações, demonstra que ainda constituem uma minoria na defensiva,
rejeitada, afinal, pela sociedade em geral, conservadora. O aparecimento da “sida”
foi um excelente achado para o fundamentalismo latente, uma vez que
metaforicamente, mata a vida do corpo antes de condenar a alma.
QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
(I)
A Família
tradicional
Longe vão os tempos
em que os cuidados de saúde e higiene com os idosos eram prestados no calor da
familia.
Foi,
ainda assim, com os nossos Avós que faziam parte integrante da família “tradicional”,
a quem eram dispensados o aconchego e o zelo possíveis. A família estava
estruturada e preparada para isso, sendo a situação aceite no campo ou na
cidade, num contexto de maior ou menor escassez de recursos. Antes de disparar o
surto de urbanismo, a família tradicional era principalmente rural e agrupava,
não raramente, três gerações. Na cidade, encontrava-se no seio de uma classe
média burguesa, mais ou menos alta ou confortável. Com a cidade de habitações
exíguas, a família viu-se reduzida ao núcleo mais elementar, desde logo, pelo
número de filhos.
O conceito de família, na sociedade portuguesa, deixou há muito de caber
apenas no rótulo de tradicional, para se espalhar por outras formas de
organização, desde os homossexuais, à mãe e pai solteiros, casais que conjugam
filhos de anteriores relações com outros nascidos da nova relação. A sociedade portuguesa
olha para as mais recentes formas de organização familiar, com um misto de
abertura e desconfiança, principalmente no que toca às mães solteiras e aos
casais de homossexuais, cujo debate não encerrou.
Com
o passar dos tempos a estrutura foi-se alterando, com exigências e compromissos
sócio-laborais a exigirem maior ocupação e dispersão dos braços, o que implicou
que o idoso fosse sendo remetido para o isolamento do lar. O aumento do tempo
médio de esperança de vida, acarretou para esta faixa etária a necessidade duma
estrutura social mais sólida, com suporte administrativo e financeiro integrado
no Estado-Social. Contudo este, pelo menos em Portugal, está longe de ter
capacidade de resposta para todo o espaço nacional, além de que nem os
Hospitais ou as Instituições de Solidariedade Social têm condições ou vocação
para lidar com a situação.
(Continua)
QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
(II)
A Família
tradicional
(Continuação)
Perante este estado
de coisas e com a população a envelhecer, os Lares de Idosos começaram a
proliferar de Norte a Sul numa lógica de exploração ou de negócio como outro
qualquer, sabe-se lá com que qualidade.
O programa do governo do Senhor “Engenheiro”, fez o “reconhecimento da diversidade das situações familiares, o
que implica o estudo e acompanhamento das mudanças em curso na família e a
definição de tipologias de intervenção adequadas. Além disso, defendeu a
consagração de políticas públicas determinadas por critérios de justiça social
nomeadamente no que se refere à progressiva eliminação dos fatores que afetam
todas as famílias em situações de grande vulnerabilidade social - as
pessoas/mulheres sós, sobretudo idosos, as famílias numerosas pobres, as
famílias em situação de monoparentalidade, as famílias com pessoas
desempregadas, as crianças em situação de risco, as famílias imigrantes e
famílias com pessoas portadoras de deficiência”.
Fez o reconhecimento, fraturou, insistiu e nada adiantou…
Mais
preocupante do que os Lares de Idosos, “sem alvará”, é a propagação de Casas “Clandestinas”,
que acolhem pessoas sem reunir condições para tal. Trata-se de empresários, normalmente
sem qualificações, que aceitam acolher em casa um, dois, três ou mais idosos e
que, muitas vezes os colocam a viver em caves, outros locais do género ou a
repartir camas.
As
Autoridades Policiais, as Juntas de Freguesia, a Segurança Social e muitos de
nós, têm conhecimento desta triste realidade, o que nem por isso facilita uma
atuação, dado só ser possível num Estado de Direito entrar numa casa com
autorização do proprietário ou com mandado judicial.
Nunca
ninguém apurou quantas são estas casas que por aí existem, concretamente em
Alcobaça, em que condições vivem os idosos. Não releva reportar às famílias a pesada
quota-parte de responsabilidade no fenómeno, embora se reconheça que, assim ao
proceder, ao deixarem os parentes livram-se no imediato duma incómoda
preocupação.
(continua)
QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
(III)
A Família
tradicional
(Continuação)
Se estivessemos no antigamente, e não me refiro
propriamente ao tempo da “outra senhora”, poderiamos afirmar que um idoso
abandonado traduz o que há de mais sórdido, o desprezo para com o pioneiro
fundador da família. Os nossos idosos, muitas vezes, são considerados como
figuras gastas, um pesado e fastidioso encargo. Todavia, tendo o direito de
exigir um lugar no seio da família, vêm-se obrigados, não raras vezes, a
mendigar a migalha que sobra. Nalgumas sociedades ou famílias não apenas
tribais, os idosos são considerados, como “O Livro da Sabedoria”, portanto,
especialmente venerados.
O idoso ao ser rejeitado, acelera o seu processo de
envelhecimento. Por outro lado, muitas das alterações do comportamento, devem
ser interpretadas como reação à vivência da desvalia da auto-imagem, diretamente dependente da diminuição das
capacidades funcionais e intelectuais. O idoso, tornando-se pouco a pouco mais
frágil, tanto sob ponto de vista físico, como psíquico, fica cada vez mais
dependente, num meio cada vez menos tolerante.
A reforma é por vezes mal vista, na medida que é
associada a morte social. Os colegas começam a desaparecer, os amigos e a
família a afastar-se, e a surgir no medo e meio da solidão, a doença e a
dificuldade de locomoção. O ser humano não é só biologia ou composto psicossomático,
mas um projeto que inclui corpo e espírito, tempo e Eternidade. A História é
composta de alegrias e sofrimento, pelo que se impõe sensibilizar os mais
jovens a estarem conscientes da conceção de velho, que amanhã como “ cruz” tem
de usar fralda, bengala, cadeira de rodas, algália e uma cama.
(Continua)
QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
(IV)
Ser velho, não tem
“graça” nenhuma
(continuação)
Os
Idosos são personagens recorrentes em (com)textos que ocupam espaços
importantes na televisão, particularmente nas novelas e nos programas
humorísticos, pois é fácil explorar a sua
dramaticidade, ao acentuar a teimosia, desorientação e impertinência.
A familia “tradicional” está, pois, em
crise, embora talvez pior que a crise, são os modelos alternativos que nos querem eleger como
substitutos da verdadeira família, famílias monoparentais, pares de
homossexuais a adotarem crianças, famílias em que cada um dos membros é o que fica
de outras famílias. Os que assim se encontram, tem os seus “lobbies”, querem
reconhecimento social, jurídico ou económico, como se tratasse de famílias
tradicionais, não aceitando que a situação é a corrução daquelas. O
drama da velhice, é frequentemente retratado em reportagens de idosos
abandonados/depositados em Lares. Todavia,
numa hipócrita boa consciência, é vulgar que depois das imagens de abandono,
sejam apresentados velhos, gente feliz sem lágrimas, que continuam a
desenvolver atividades criativas, cantando e rindo...
O Poder tem de inverter a sua política familiar e
deixar de gastar tanto do nosso dinheirinho em, pouco mais que, propagandear
os malefícios da diminuição da natalidade e o rapidíssimo envelhecimento da
sociedade portuguesa, elevado a um nível dos maiores da Europa. Respeitando a
paternidade/maternidade responsável, devem estimular a natalidade dentro do
matrimónio, sim dentro do matrimónio, para que a sociedade se vá retornando,
mais equilibrada.
(CONTINUA)
QUESTÕES DE SOLIDARIEDADE
SOCIAL (V)
Bons negócios
(continuação)
|
Os Lares de Idosos
“ilegais” em Portugal movimentam muito dinheiro, embora pratiquem preços, ao
que se diz, cerca de 15% ou mais, inferiores aos lares “legais”, o que leva a
que tenham uma forte procura de famílias menos abonadas, especialmente nestes
tempos que correm.
Têm
sido recorrentes as notícias de Lares de Idosos “ilegais” encerrados coercivamente.
Daqui lanço um alerta para os combater, pois que para além de não pagarem
impostos, e por aí não são solidários perante a crise, frequentemente carecem
de condições de higiene e segurança para uma qualidade de vida decente, embora
não conheça nenhum caso especialmente relevante em Alcobaça.
Estimado
leitor e alcobacense, sempre que precisar de um Lar para um Idoso, procure um
qure seja acreditado, consultando a Segurança Social, a sua Junta de Freguesia,
que têm conhecimento de situações “irregulares”, bem como disponíveis listas de
lares “legais”.
Mas
o abandono não se traduz apenas nos casos de Lares de Idosos, ainda que “legais”.
O número de
idosos abandonados nos Hospitais não pára de aumentar, como os deixados na “Urgência”,
familiares que desaparecem e não atendem os telefonemas das assistentes sociais
ou vidas marcadas pela miséria, que acabam, enfim, numa cama de camarata de hospital.
Mas também se registam casos de famílias que não levam os doentes para casa,
quando o médico efetua a avaliação e diz que um idoso pode fazer lá a
reabilitação, porventura, com necessidade de apoio domiciliário. Não os levam e
vão protelando, tanto quanto possível, a permanência no hospital. Para quem
fica, o sentimento de abandono será insuperável, impossível de imaginar por nós
felizmente normais, pois nunca pensaram que os filhos ou outros familiares os
pudessem deixar numa situação destas.
E
se a tudo isto acrescentarmos que isto acontece ou pode acontecer a uma pessoa
que trabalhou uma vida inteira, fez os descontos para a S.S. e contribuiu, a
seu modo, para a vida coletiva, ficamos sem saber qual é o conteúdo real que
devemos atribuir à expressão solidariedade social, neste Portugal tecnocrático.
A
linguagem do político está cheia de palavras bonitas, utilizadas sem conteúdo
substancial, e com a maior despudorada ligeireza. Certamente que estamos muito
longe da sociedade justa e solidária que almejámos! E não me venham com o
argumento do Défice ou Imposições da Troika…
Pagador de “Promessas”
(I)
O Senhor da Pedra
Até me vir radicar em
Alcobaça, vivia numa terra à beira-mar onde todos os anos se realizava uma
romaria mais animada que propriamente importante, o Senhor da Pedra (que
ocorria imediaramente a seguir ao Senhor de Matosinhos e à Senhora da Hora), como
estas com uma natureza bastante urbana, pois todas elas têm localização na orla
do Porto.
Hoje
em dia, o Senhor da Pedra descaraterizou-se, absolutamente, tanto na componente
religiosa, como lúdica. Enquanto rapaz e mesmo homem feito, sempre me
interessou e intrigou o fenómeno da “promessa” (ao Senhor da Pedra, que era o
que conhecia de perto), dadas as características contraditórias, que apresentava
ou lhe reconhecia.
A
“promessa”, como tem sido referido, é uma relação que se aproxima do sacrifício, ao mesmo tempo que se insere no
quadro de uma outra de intercâmbio. A pessoa “promete” quando está em perigo a segurança da sua existência
pessoal, familiar ou social. O exame dos ex-votos de que estão cheias as dependências
dos santuários (o Senhor da Pedra, não era uma exceção, embora não das mais
expressivas), e que por vezes mostram o “milagre” que se agradece, permitem-nos
ajuizar a variedade de situações em que
surgem as “promessas”, como a guerra, acidentes, problemas de amor, exames
escolares, calamidades ou mesmo negócios. As “promessas” mais frequentes, foram
quase sempre as relativas à saúde, enquanto que em Portugal, nos finais de
Estado Novo, eram as que tinham ligação
com a Guerra de África. “Pagam-se” elas de forma dolorosa (de outro modo teriam
menos valor…), longas caminhadas a pé ou de joelhos, substituídas, por vezes, por
bens ou pelo valor em dinheiro.
A
oferta/promessa de uma missa, não é um fenómeno particular, nem raro das
romarias portuguesas. Conhece-se a amplitude das transferências económicas no âmbito
do mundo cristão, concretamente durante a Idade Média, fruto de disposições testamentárias,
instituindo as ”missas perpétuas”. Estas ocorrências deram direta ou
indiretamente origem a vários santuários de peregrinação popular.
Bem
entendido, tenho muito respeito pela “promessa” estabelecida num dificil momento
de provação ou dor, cimentando uma ligação ao “protetor” (celeste). A
intensidade desta “ligação”, encena-se tanto ao longo do caminho para o
santuário, como à volta do “protetor”, no momento em que é dado cumprimento à prestação.
A encenação encontra sempre público ávido
de uma emoção forte. Veja-se o que acontece em Fátima, que mobiliza a atenção/emoção
dos circunstantes e que a comunicação social não regeita aproveitar, por vezes
com despudor.
(continua)
Pagador de Promessas
(II)
Uma relação de troca
FLeming
de OLiveira
·
(continuação)
O clero poucas vezes é
consultado e, mesmo assim, a sua opinião
nem sempre tem relevãncia. Aliás, quase não participa ou não participa mesmo,
nesta prestação “necessariamente” dolorosa, além de que tenta travá-la em benefício
de outras mais discretas, menos suscitáveis de criar uma “inútil” agitação
emocional, ou diretamente relacionadas com atos sacramentais, para os quais a
sua intervenção é indispensável, senão mais rendível. Em princípio, as ofertas pecuniárias destinar-se-iam
ao “protetor”, embora necssariamente colocadas à disposição do grupo
organizador, Igreja, confrades, ou comissão, para manter o culto. Em geral, pouco
importa ao “pagador” a aplicação concreta da prestação, dado que não pensa ter direito
de vigiar a utilização do que é para ele foi o “preço do sangue”. Não, não tem
preferência por uma ou outra aplicação, seja em trabalhos de conservação,
embelezamento do santuário ou na compra de objetos de culto.
“Para
mim a melhor prova de que estas penitências de pouco ou nada servem é eu nunca
vi um padre faze-las. Eles bem sabem o que é útil, se não as fazem…”.
Assim,
sob pressão do clero esclarecido, vão sendo abandonadas as promessas mais
espetaculares ou, pelo menos, atenua-se o seu caráter, em proveito de uma
religião que se quer mais racional.
A
“promessa”, para além do significado que tem para os que a praticam, é suscetivel de análises diferentes.
Desde logo podemos encontrar a estrutura de troca a que já referi, regulada pelo costume e suscetivel de conhecer
manifestações espontâneas que poderão encaminhá-la para a magia, feita de
gestos simbólicos, mas com significado
para os iniciados, destinados a superar
a angústia existencial, pelo que estes gestos têm tendência a estabelecer-se
nos escaninhos da condição humana e a encenar situações em que esta se revela
dramática. Por este mesmo facto, suscitam a angústia para poderem assumi-la. Ao
mesmo tempo, esta relação cria e reforça os laços da comunidade, fonte de
segurança psicológica, de vitalidade física e de energia moral, enfim privilegiando
a coesão. Assumem, assim, as “promessas” a qualidade de quase ritos.
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