quinta-feira, 31 de janeiro de 2013


AS FOTOGRAFIAS E A MEMÓRIA (I)

FLeming de OLiveira
Quando se começa um álbum (à moda antiga), podem inserir-se as fotografias sem distinção, fazer-se a escolha segundo o tema, o grau de sucesso, a originalidade ou qualquer outro critério. Se forem pessoas diferentes a fotografar e a construir o álbum, talvez cada uma decida a classificação a seu modo. Algumas famílias, não reúnem as fotografias num álbum, optando antes pela “caixa das fotografias” (como acontecia em casa de meus Pais), verdadeiro e valioso baú de recordações e que, de vez em quando, dão lugar a (re)descobertas emocionantes. Algumas, por outro lado, dão especial importância, não só às fotografias, mas também aos “álbuns de família”. Recordo-me de famílias, muito tradicionais, que tinham álbuns “cor-de-rosa” para as meninas, “azuis” para os meninos, “álbuns de férias”, “álbuns das festas”, a par de “álbuns dos antepassados”, sempre vestígios visuais de um tempo (bom ou menos bom), que eram “relíquias” religiosamente conservadas, protegidas no fundo de um armário para serem transmitidas. Tratavam-se de fotografias convencionais, como as de bébé, de primeira comunhão, de casamento, batizado ou festas, para as quais se fazia, com cuidado, poses de não sorrir demasiado, para que ficasse uma impressão de seriedade e de dignidade para os vindouros. Mas os “álbuns de fotografias” estão a cair em desuso, perante as fotos digitais.
A fotografia, recorde-se, é uma técnica relativamente recente, data do segundo quartel do século XIX, mas que apenas ficou disponível a toda a gente no decurso de século XX. Esta descoberta causou sensação, uma vez que tornou possível reter o momento e torná-lo  memorável, revivendo-se momentos importantes, através de um testemunho guardado através de uma indesmentível prova visual. Deste modo, não se suscitavam dúvidas que tais momentos tinham sido importantes, belos e bem passados, cabendo à tradição oral dar vida e “cor” às fotografias. Se hoje em dia, toda a gente tem uma máquina fotográfica, nem por isso a noção de escolha da fotografia, deixou de estar presente. No meu caso, fotógrafo incipiente, gosto de escolher o momento, o motivo, bem como a ocasião para mostrar ou oferecer a fotografia a familiares ou amigos (neste aspeto a minha Mulher Ana é especialmente atenta, pois trás sempre na carteira as dos netos…).
No ciclo de vida de uma família, a questão da posse das fotografias coloca-se muitas vezes a um nível que transcende a geração dos pais. Quando deixei a casa de meus Pais, levei alguns objetos úteis ou importantes sob um ponto de vista afetivo, após uma negociação mais ou menos fácil com os outros membros da casa (só meus irmãos eram mais sete).

Mas verdade seja dita, as minhas fotos de infância não estavam nas primeiras malas que então “fechei”. Essa importância foi-lhes conferida, no momento em que apareceram os meus Filhos (a Raquel, a Paula e o Miguel), a nova geração. E assim, mesmo que tenha mostrado as fotos muitas vezes à minha Mulher, só percebi que me tornei seu verdadeiro proprietário, no momento em que Ela e eu nos vimos como pais. Por conseguinte, a geração dos meus filhos e depois a geração dos filhos destes, representam, de algum modo, os legatários privilegiados dessa minha herança.
Também há o caso de um membro da família que leva, um álbum completo que pensa pertencer-lhe por “direito”, outro que levará apenas algumas fotografias de diferentes páginas, transformando-as numa desordem, enquanto um outro ainda, tentará encontrar os respetivos “negativos” (isto era no tempo anterior à era digital) para o refazer. Não esqueço o caso daquela família que constituiu álbuns personalizados para cada criança, com o objetivo de prevenir um dia conflitos de “território”, embora desconheça se isso resultou eficazmente. Neste caso, interrogo-me quanto a saber se são estas “fragmentadas” recordações que a criança tornada adulta, desejará um dia levar consigo.
Qualquer que seja o modo de proceder, possivelmente provocará reação na geração de origem, dependendo em último termo do modo como se vai sentir ao ficar sem aquele bem a que afinal (sem que verdadeiramente anteriormente se tivesse apercebido) dá tanto mais importância, quanto o significado afetivo das fotos. Sendo assim, nem sempre é possível encontrar uma solução pacífica (por duas vezes casos deste tipo chegaram-me ao escritório, e a solução encontrada não satisfez ninguém) para este conflito. Ora bem, caros leitores, não é para vós um dos objetivos da fotografia assegurar a transmissão visual de uma vivência?
Pode tudo isto ter uma importância especial no caso das famílias “reconstituídas”, independentemente da causa subjacente (morte ou divórcio). Aqui, o destino das fotografias é pertinente, principalmente em dois momentos, na separação e depois na “reconstituição” familiar.
Qual o lugar das fotografias após uma “dissolução” familiar? Ao contrário dos bens materiais que podem ser liquidados ou destinados sem demasiadas dificuldades, os “álbuns de fotografias” contêm lembranças, testemunhos repletos de emoção de uma família que se desfaz, um laço conjugal que se rompe, importante para a sua história que se pode tentar esquecer em alguns casos, mas nunca apagar. Foi neste contexto que, os casos referidos, me apareceram em termos profissionais. Por vezes os ex-cônjuges surpreendem-se com a intensidade dos sentimentos que experimentaram de tristeza e/ou de depressão. Assim se compreende bem como o futuro dessas fotografias corre o risco de suscitar fortes comoções, tanto nos familiares, adultos ou crianças, pois pertencem, pertenciam, à família, não são propriedade de um ou de outro dos seus membros., que por isso lutam por elas.
Poderia pensar-se, que seria fácil dividi-las criteriosamente, esquecendo o significado afetivo. Mas de acordo com que critério? A quem pertence uma fotografia? Ao fotógrafo? Ao que está presente na fotografia? A ambos? Não, não é pssível.
Qual é o lugar das pessoas numa fotografia quando ocorre uma “reconstituição” familiar? Por vezes há situações embaraçosas. Quando se realizam “festas de família”, nota-se por vezes a existência de um personagem com uma função importante, o fotógrafo, pago para registar o evento. Recordo um casamento, cujos noivos vinham de anteriores casamentos. O fotógrafo “oficial” percorria as salas anunciando, pleno de boa vontade: “Podem ir para o jardim para a foto de família?” Notei que os grupos, onde me incluia num, estavam indecisos, como se não soubessem bem, de que família se tratava. Não caros leitores, esta não é uma anedota, mas uma situação que revela a incerteza partilhada, quanto aos limites e definição das famílias “reconstituídas”.
De facto, por ocasião de uma festa, as fotografias destinadas a guardar a recordação, irão testemunhar a presença ou ausência de certos membros e a sua justificação irá contribuir na definição do sistema familiar de momento.
A utilização de “álbuns de família” poderá constituir um interessante elemento para traçar a evolução das diferentes estruturas familiares e criar novos laços após separações. Numa próxima oportunidade voltaremos a abordar esta questão.

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