SUMÁRIO:
(1).O
Sarg. A. Ganito (da Guarda Real/Pessoal de D. Carlos)-(2).O Rotativismo-(3).D.
Carlos, Luís XVI e Afonso Costa-(4).Ecos em Alcobaça-(5).Américo d’Oliveira-(6).O
Partido Republicano em Alcobaça-(7).O Descalabro do Regime.O Golpe do
Elevador-(8).O Regicídio e Aquilino Ribeiro-(9).Reflexos em
Alcobaça-(10).Condolências da Câmara Municipal de Alcobaça.
(I)
-1-O
SARG. A. GANITO (da Guarda Real/Pessoal de D. Carlos)-
A 1 de fevereiro de 1908, quando regressavam a Lisboa provenientes de Vila Viçosa, o rei D. Carlos e o príncipe
herdeiro D. Luís Filipe foram assassinados no Terreiro do Paço.
Nos últimos anos da
monarquia, o Sarg. Cav. António de Oliveira Ganito, natural de Castelo Branco,
foi colocado no quartel de Alcobaça.
Casado durante a sua
comissão na vila, como não teve filhos, ajudou a criar a Abília, filha de uma
galega, criada de um padre, e de quem, segundo se dizia, também era filha.
Quando o Sarg. Ganito foi destacado para o Palácio de Vila Viçosa, para fazer
parte da guarda pessoal do Rei D. Carlos, além da esposa levou consigo a
menina.
A viver nas
instalações do palácio, o Sarg. António Ganito conheceu pessoalmente o Rei D.
Carlos, viu-o partir para as caçadas, assistiu à distribuição das peças de
caça, recebendo por vezes algumas e acompanhou-o ao comboio para Lisboa, no
fatídico dia 1 de fevereiro de 1908. O Sarg. Ganito, acabou por regressar a
Alcobaça, e a Abília veio a casar com um sobrinho de sua esposa. Deste
casamento, nasceram dois filhos, uma rapariga e um rapaz, e aquela, de nome
Maria Dolores Pimenta, é sogra de Joaquim Romão, a quem se voltará a referir.
-2-O ROTATIVISMO-
O atentado ficou a
dever-se, entre o mais, ao colapso do sistema político, em parte fruto do
Rotativismo.
Esta foi a designação
dada ao sistema político-partidário vigente em Portugal durante a segunda
metade do século XIX,
com maior expressão no período compreendido entre 1878 e 1900,
o qual era caraterizado pela alternância no poder dos dois grandes partidos
políticos, o Partido Regenerador, do centro direita, e
o Partido
Progressista ou o Partido
Histórico,
do centro esquerda. O Rotativismo português, teve o apogeu entre 1878 e 1890, e durante esse
período, o Partido Regenerador governou durante 81 meses e o Partido
Progressista
69 meses. De fora ficavam os pequenos partidos de oposição, o Partido
Republicano Português e o Partido
Socialista Português, que se dedicavam ao combate contra a
monarquia pela via doutrinária, ausentes do arco do poder e sem expressão
parlamentar. O Rei, como árbitro/moderador, papel atribuído pela Carta, havia
designado João Franco para chefe do
governo. Este, enérgico e habituado à guerrilha política (dissidente em 1901 do
Partido Regenerador, por divergências relativas a uma lei sobre a contribuição
predial), passou a liderar o Partido Regenerador Liberal que fundou em 1903, no
que foi acompanhado por cerca de três dezenas de deputados, entre os quais
figuras de primeiro plano dentro do Partido Regenerador. João Franco convenceu
o Rei a encerrar as Cortes de modo, alegadamente a seguir um caminho novo,
implementar medidas objetivas e credíveis com vista à moralização da vida
política, como a reorganização interna que conduziria ao restauro da autoridade
do Estado e reformas sociais, aspiradas mas adiadas, capazes de colherem larga
base de apoio popular, especialmente entre os trabalhadores que pretendia caçar como eventualmente os
republicanos, destinatários da alta
questão da justiça social e utilidade pública, no seu mais largo sentido.
Para João Franco, o seu novo partido tinha sentido pois a fórmula rotativa
estava esgotada, Portugal não pode
continuar a ser ludíbrio de regeneradores e progressistas.
A governação de João Franco, agitou fortemente
a oposição, não só a republicana, mas também a monárquica não menos agressiva,
liderada por rivais que o acusavam de governar em ditadura.
Se o Sr. João Franco estende a mão aos republicanos,
esta fica-lhe no ar, porque nós não lha queremos, afirmou nas Cortes o
Deputado António José de Almeida, que os republicanos de Alcobaça muito
apreciavam.
No Partido
Progressista também se verificou em 1905 uma dissidência liderada por José
Alpoim, Ministro de Justiça de um governo chefiado por José Luciano. Em
Alcobaça, esta interessava, tão só, na medida em que os republicanos como
Santiago Ponce sabiam e diziam não ter pressa, pois que iriam comer a maçã madura que lhes caía no prato sem
esforço.
-3-D. CARLOS, LUIS XVI E AFONSO COSTA-
O Deputado Afonso
Costa virou-se para João Franco e disse implacavelmente sem tremer a voz: O Senhor Presidente do Conselho é mandatário
do País e os membros do Parlamento, como representantes da nação são seus
mandantes. S. Eª, como administrador ou procurador nosso, tem o dever de trazer
à Câmara as contas dos adiantamentos feitos a eles. A Nação ordena, e declarara
indispensável, que essas pessoas reponham as quantias desviadas com todos os
juros sem exceção de uma só verba; declara formalmente que não consentirá no
aumento da lista civil, nem em qualquer regularização, nem em outro modo
acomodatício de pagamento. E mais ordena do Povo, solenemente, que logo que
tudo esteja pago, diga o Senhor Presidente do Conselho ao Rei: Retire-se
senhor, saia do País, para não ter que entrar numa prisão em nome da lei.
Das galerias, soaram
aplausos, que a Mesa não conseguiu dominar.
Afonso Costa
prosseguiu: Por muito menos crimes do que
os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís
XVI.
Novamente soou a
campainha, Ordem! Ordem, e Tomás
Pizarro de Mello Sampaio (de nome completo, deputado pelo Partido
Regenerador-Liberal, de João Franco, havia assumido a Presidência da Câmara dos
Deputados, entre 1906 e 1908), declarou que
ou o senhor Afonso Costa retira a frase ou tenho de lhe aplicar o Regimento.
Afonso Costa,
repisou a injúria no mesmo tom, sobrepondo-se ao tumulto que criara na Câmara: Por muito menos rolou no cadafalso a cabeça
de Luís XVI.
O tumulto aumentou
nas galerias, que os contínuos queriam esvaziar. Os deputados republicanos
gritavam que era ilegal mandar sair o público, encontrando-se a sessão aberta e
não se deviam suspender os trabalhos. Mais uma vez a voz de Afonso Costa
fazia-se ouvir acima de qualquer outra:
-Eu respondo pelos meus atos!
-V.Exª não pode falar… Convido-o a retirar-se do
edifício das Cortes.
Afonso Costa
bradava: Havemos de sair todos! Hão de
prender-nos a todos! Esta a liberdade do governo e a liberdade da monarquia.
-Em virtude da resistência do senhor Afonso Costa à
intimação que lhe faço, em nome da Câmara, vou mandar entrar a força armada.
Quando os soldados
entraram na sala, num gesto largo e teatral, Afonso Costa ao ser arrastado para
o exterior, virou-se para eles de braços abertos e gritou: Soldados, não tendes o direito de tocar num representante do povo. E
acrescentou: Soldados! Com a minha voz e
as vossas armas baionetas, vamos proclamar a República, vamos fazer uma Pátria
nova.
Dirigindo-se a João
Franco e enquanto partia entre os soldados, Costa gritava de punho erguido: Esta é a sua liberdade!
O Deputado António
José de Almeida, ainda tentou convencer os militares (que apelidava de Filhos
do Povo), a proclamarem nesse momento a República. Este e outros incidentes,
difundidos e ampliados pelos republicanos, levaram a agitação a muitos pontos
do País. Em Alcobaça, aquilo em que participava António José de Almeida era
seguido com atenção.
Afonso Costa e
Alexandre Braga, foram julgados e condenados por ofensas ao Rei na suspensão
dos direitos parlamentares por 30 dias.
-4-ECOS
EM ALCOBAÇA-
Em 3 de julho de 1907, Câmara Municipal
protestou contra o estado da administração pública decorrente da ditadura
franquista, pelo que enviou a Lisboa, uma delegação com dois de seus membros,
para pedir o regresso à normalidade constitucional, a qual foi acolhida com
alguma indiferença pelo secretário do ministro que a recebeu.
O Presidente da Câmara, em 30 de dezembro de
1907 anunciou que, em obediência a ordens
superiores, abandonava, tal como os vereadores, a gestão da Câmara,
protestando contra a violação constitucional e leis do país, entregando a
administração municipal a uma entidade que não foi eleita pelos munícipes, como
impunha a Carta.
A notícia do acontecimento nas Cortes com
Afonso Costa, chegou a Alcobaça no dia seguinte, trazida de Lisboa por Américo
d’Oliveira, tendo sido recebida com cautela, dados os inusitados termos e
possíveis efeitos.
Quando na sexta-feira os Deputados Afonso
Costa e Alexandre Braga, retomaram os seus lugares (afinal não cumpriram 30
dias), foi expedido para Lisboa um telegrama de solidariedade:
Drs.
Afonso Costa e Alexandre Braga, câmara dos deputados – Lisboa.
Republicanos
de Alcobaça saúdam os seus deputados e, confiando que eles continuarão a servir
o país e a honrar o seu mandato como até aqui, esperam que se não repetirá a
injusta violência de que foram vítimas, e nós com eles.
(a)
Raposo de Magalhães.
-5-AMÉRICO
D’OLIVEIRA-
Américo d’Oliveira propagandista da
República (para cuja causa contribuiu com dinheiro que herdou), maçon e
carbonário, teve ação relevante já no dia 4 de outubro, na Rotunda ao lado de
Machado dos Santos, que ao admitir o eventual falhanço do golpe, o incentivou,
permanecendo ambos lado a lado até à vitória se consumar,
As coisas não correram bem aos sublevados
que se tinham concentrado na Rotunda. Perante a ausência dos principais
dirigentes republicanos e em face dos boatos que começavam a fervilhar, alguns
consideram que se deveria levantar o acampamento.
Em 1908, Américo d’Oliveira vivendo ainda em
Alcobaça, fundou e custeou o jornal O Republicano, do qual terão saído apenas
seis exemplares e era principal redator Raul Proença que também vivia em
Alcobaça.
Este, figura cimeira do pensamento político
português no primeiro quartel do século XX,
marcou a intervenção cívica durante a I República, cujos vícios criticou
duramente. Proença combateu o sidonismo
e a Ditadura Militar que, em 1927, o condenou ao
exílio em Paris.
Tendo regressado a Portugal em 1932,
já acometido da grave doença mental que o levaria ao internamento no Hospital do
Conde de Ferreira,
no Porto, aí faleceu.
Um grupo de amigos e correligionários de
Américo d’Oliveira, ofereceu-lhe no dia 21 de janeiro de 191/sábado, no Grande
Hotel de Inglaterra- Lisboa (um dos mais conceituados da capital, propriedade
de A. Ramos, situado na esquina da Praça dos Restauradores com a Rua do
Príncipe, hoje Rua do Jardim do Regedor, inaugurado a 15.04.1906, após
profundas obras para ser adaptado a hotel e que com o 5 de Outubro, sofreu
bastantes danos, embora tenha reaberto ao fim de poucos dias), um banquete de
homenagem pelos serviços prestados à
República, quando do movimento que a implantou. Diversos brindes foram
proferidos, salientando a ação de Américo d’Oliveira, de quem o Ministro
António José de Almeida, que assistiu ao jantar, frisou ser um dos mais
heroicos combatentes da Revolução, ao qual a História haveria de fazer justiça.
O semanário lisboeta Colonial, querendo
prestar homenagem ao revolucionário Américo d’Oliveira, inseriu o retrato num
dos seus números, fazendo-o acompanhar de um artigo a salientar a sua coragem e
determinação no decorrer do 4 de outubro, na Rotunda.
Nos
primeiros momentos da revolta Machado Santos corre o acampamento e não encontra
um oficial, a quem se pudesse entregar o comando.
Foi um
momento de dolorosa angústia para o heroico marinheiro, republicano desde
muitos anos e um doido pela grande ideia.
O que
ele sofreu nesses momentos, ao ver que o movimento ia talvez fracassar, diante
delle que estava ali resolvido a praticar todas as loucuras!
Olhou
em volta de si e viu Américo de Oliveira, que procurava o mesmo que ele: uns
galões de ouro.
Com a
mesma ideia dirigem-se para outro.
-Estamos
perdidos! Exclama Machado dos Santos. Estamos sós! Que fazer?
Américo
de Oliveira exclamou, num ímpeto:
-Tocar
a unir, e perguntar aos sargentos se aceitam o seu comando!
Machado
dos Santos exultou, já não estava só, tinha ali ao lado um companheiro heroico.
Silenciosamente, mas com grande decisão, caíram nos braços um do outro, e foi
com uma voz potente de comando de Machado dos Santos mandou tocar a unir.
Felizmente,
os heroicos sargentos aceitaram sem relutância o comando de um oficial da
marinha, que nem sequer era combatente. De tal modo eles queriam ir para a
frente!
Américo d’Oliveira participou no 28 de maio
de 1926, tendo sido um dos dois que, com Mendes Cabeçadas, foi ao Palácio de
Belém parlamentar com Bernardino Machado, a entrega do poder.
Foi o editor
de Arquivo Nacional, que Rocha Martins dirigiu entre 1932 e 1943,
semanário que divulgava, aliás sem grande profundidade factos, acontecimentos,
biografias e memórias de contemporâneos e de figuras de outras épocas, quase
sempre marcadas por controvérsia.
SUMÁRIO:
(1).O
Sarg. A. Ganito (da Guarda Real/Pessoal de D. Carlos)-(2).O Rotativismo-(3).D.
Carlos, Luís XVI e Afonso Costa-(4).Ecos em Alcobaça-(5).Américo
d’Oliveira-(6).O Partido Republicano em Alcobaça-(7).O Descalabro do Regime.O
Golpe do Elevador-(8).O Regicídio e Aquilino Ribeiro-(9).Reflexos em
Alcobaça-(10).Condolências da Câmara Municipal de Alcobaça.
(II)
6-O PARTIDO REPUBLICANO EM ALCOBAÇA-
O Partido Republicano
não tinha delegação em Alcobaça, o que não impedia ação política por parte de
seus membros ou dirigentes.
O Centro Democrático Republicano apenas
seria constituído em 1907, pelo que até aí os republicanos reuniam-se
informalmente, na farmácia ou em casa de Natividade. Por isso os abaixo assinados, constituídos em
comissão para levarem a efeito a organização do partido republicano no concelho
de Alcobaça, tomam a liberdade de convidar para um reunião que se há de efetuar
no dia 25 do corrente, todos os cidadãos republicanos e maiores de 21 anos do
mesmo concelho, a fim de se eleger a respetiva comissão municipal e encetar
outros trabalhos concernentes á referida organização.
A
reunião terá lugar em Alcobaça, à 1 hora da tarde na casa onde existiu a antiga
fábrica de papel, á Levada, pertencente ao Sr. Francisco Xavier de Figueiredo
Oriol Pena.
Alcobaça,
15 de dezembro de 1906.
José
Eduardo R. de Magalhães
António
de Sousa Neves
Santiago
Perez Ponce y Sanchez
João
Ferreira da Silva
Afonso
Ferreira
Nota-São
considerados cidadãos republicanos, além dos que se acham inscritos como
subscritores do partido, todos quantos assinaram as mensagens de adesão
enviadas ao comício de Leiria e ao banquete em homenagem aos deputados
republicanos, e bem assim aqueles que, desejando aderir, compareçam á reunião
do dia 25 e nessa ocasião se inscrevam no respetivo cadastro partidário, a fim
de poderem votar na eleição da comissão municipal.
-7-O
DESCALABRO DO REGIME.O GOLPE DO ELEVADOR-
Os acontecimentos acabaram por se
precipitar, na sequência da questão dos Adiantamentos à Casa Real e da
assinatura do Decreto de 30 de janeiro de 1908.
Brito Camacho,
relativamente a João Franco disse que, havemos
de obrigá-lo a transigências que rebaixam ou às violências que comprometem.
Foram eficazes os ataques da oposição personalizados, tanto em D. Carlos como
em João Franco, por parte de republicanos e dissidentes progressistas. Os Adiantamentos à Casa Real foi uma acerada polémica
que envolveu a Família Real, cujo aproveitamento pelos republicanos, contribuiu
bastante para o desgaste da instituição monárquica.
Não faltavam políticos que julgavam que a
popularidade e o êxito se conquistavam não tanto pela inteligência e probidade,
mas sim pela demagogia ou mesmo pelo talento histriónico.
As traições (tal como hoje, com
caraterísticas nada originais) que ocorriam com maior incidência, situavam-se
no mesmo grupo político, onde eram todos muito amigos e solidários irrestritos
e traduziam-se em reações hipócritas e interesseiras, para subir numa escada
virtual, onde se agarravam os da frente para se empurrarem para trás, os que
ajudaram a subir. Para isso, o traidor sentia-se logo no direito de falar mal
do traído. O político antes elogiado e considerado um verdadeiro representante
de uma comunidade, passava num instante para outro a ser chamado de político
ultrapassado e sem ação.
Os amigos estavam sempre à beira da
deceção, perante a iminência do rompimento de uma amizade.
Eça de Queiroz, em Os Maias, descreve a dependência política, o
caciquismo e o nepotismo, quando Gonçalo, reconhecendo embora que o Conde de
Gouvarinho é uma cavalgadura, tenta
justificar o apoio que lhe é concedido:
-É
necessário, homem! Razões de disciplina e de solidariedade partidária… Há um
compromisso… O Paço quer, gosta dele…
Espreitou
em roda, murmurou, colado ao Ega:
-Há aí
umas questões de sindicatos, de banqueiros, de concessões em Moçambique…
Dinheiro, menino, o omnipotente dinheiro!
Já nessa altura, Portugal era um
estranho país de corruptos onde não havia corrutores…
O Golpe do Elevador da Biblioteca, foi uma tentativa de golpe de estado, visando à proclamação da
República, levada a cabo pelo PRP, de
parceria com a dissidência progressista,
como reação ao anunciado fim da ditadura e
o consequente risco de o Partido Regenerador Liberal, de João Franco, vir a assumir o poder.
Embora
o golpe tenha abortado por ação preventiva do governo, este falhou em eliminar
os focos de conspiração. Daí resultou, em questão de dias, a execução da ação
que previa a eliminação física do monarca, em consequência do qual, embora a
mudança de regime em si não tenha sido efetuada, o afastamento do Rei e de João
Franco puseram termo à tentativa de reforma da monarquia, mantendo-se a mesma
instabilidade e que levaria à proclamação da República. O
golpe fracassou, devido à inconfidência de um conspirador pelo que nesse dia
foram presos vários dirigentes republicanos. Afonso Costa e o Visconde de Ribeira Brava foram
encontrados de armas na mão no dito elevador, conjuntamente com outros
conspiradores, quando tentavam chegar à Câmara Municipal. António José de Almeida, Luz Almeida/fundador da Carbonária, e João Chagas//jornalista,
contavam-se entre os noventa e três conspiradores presos. José Maria de Alpoim,
conseguiu fugir para Espanha. Alguns grupos de civis armados, desconhecedores
do falhanço, ainda fizeram tumultos pela cidade.
Em
resposta, e como expressão de uma crispação do regime, que ainda assim permitia
aos republicanos bastantes intervenções políticas, o governo apresentou ao Rei,
que se encontrava em Vila Viçosa, o Decreto de 30 de janeiro de 1908,
que previa o exílio para o estrangeiro ou a
expulsão para as colónias, sem julgamento, de indivíduos que fossem
pronunciados em tribunal por atentado à ordem pública. O preâmbulo do diploma
dizia que atendendo ao que me
representaram o Conselheiro de Estado, Presidente do Conselho de Ministros e
Secretário dos Negócios do Reino, e os ministros e secretários de Estado de
outras repartições, hei por bem decretar, para ter força de lei o seguinte (…).
Conta-se
que, ao assiná-lo, D. Carlos terá comentado: Assino a minha sentença de morte, mas os senhores assim o quiseram.
Eram
os ministros, não tanto o Rei ao que se diz, que determinavam armar-se com esta
lei, ao mesmo tempo que permitiam a fuga de alguns implicados no golpe, como
sucedeu com José Maria de Alpoim.
Correu
na época, que o regicídio fora devido a este diploma. Não é, de todo, verdade.
É de notar, no entanto, que o diploma, assinado a 30 de janeiro, só foi
publicado a 1 de fevereiro, e os preparativos para o regicídio datam
seguramente de antes dessa data.
O
ambiente contra o Rei fora preparado tanto pelos republicanos, como por grande
número de monárquicos sedentos de
poder a todo o custo.
O
decreto em questão era na verdade uma ameaça séria, mas não foi da sua letra
que saíram a carabinas do BuÍça e a pistola do Costa.
-8-O REGICÍDIO E AQUILINO RIBEIRO-
A família real
encontrava-se em Vila Viçosa,
mas os acontecimentos políticos levaram o Rei a antecipar o regresso a Lisboa.
A comitiva régia
chegou de comboio ao Barreiro ao final da
tarde, para depois tomar o barco, desembarcando no Terreiro do Paço, por volta das 17
horas. Apesar do clima de enorme tensão, o Rei optou por se deslocar em carruagem aberta, com
reduzida escolta, com o objetivo de demonstrar
normalidade. O Rei aparecia na rua de vez em quando. Descobriam-se algumas
cabeças, o povo chegava-se para uns olhares de momento, lançavam-se nas gazetas
e nas Cortes todo o tipo de diatribes.
Enquanto a família
real saudava os populares, a carruagem foi atingida por vários disparos. Um
tiro de carabina atravessou o
pescoço do Rei, que morreu imediatamente. Seguiram-se mais disparos, sendo que
o Príncipe D. Luís Filipe ainda alvejou um dos atacantes, antes de ser atingido
mortalmente. D. Amélia, de pé, defendia-se com um ramo de flores que lhe fora
oferecido pouco antes, fustigando um dos atacantes, que subira o estribo da
carruagem, gritando Infames! Infames!,
numa imagem que correu mundo e ficou marcada para a História. O Infante
D. Manuel foi atingido num braço. Dois dos regicidas, Manuel Buíça e Alfredo Costa, foram mortos no
local. Este, empregado do comércio, editor e jornalista, membro da Carbonária e
maçon, estivera implicado já no falhado Golpe do Elevador e apesar da
participação nessa iniciativa, continuava a
andar livremente por Lisboa. Diz-se que afirmou, afagando a pistola que trazia
na algibeira, num encontro que teve depois da Janeirada com Machado Santos e Soares Andrea, no Café Gelo
que, se
algum bufo me deita a unha, queimo-lhe os miolos. A carruagem entrou
no Arsenal da Marinha, onde se verificou o óbito do Rei e do herdeiro ao trono.
D. Carlos e o filho foram sepultados no Panteão Nacional dos Braganças (não se
confunda com o Panteão dos Duques de Bragança em Vila Viçosa) e nos respetivos
mausoléus lançou-se terra de Vila Viçosa.
Foi Manuel dos Reis da Silva
Buíça quem alvejou de forma mortal D. Carlos I e o Príncipe Real D. Luís Filipe.
Homem
de caráter expansivo e exaltado, não mantinha muitas ligações exteriores ao seu
círculo profissional e frequentava, com Alfredo Costa e Aquilino Ribeiro o Café Gelo, no Rossio.
No
princípio do século XX1906, Aquilino Ribeiro foi para Lisboa,
onde conviveu com meios revolucionários radicais, violentos.
No
seu primeiro livro, A Filha do Jardineiro, atacou fortemente o Rei D. Carlos I,
livro esse ao que se diz financiado por Alfredo Costa e que apareceu sob o
pseudónimo de Miriel Mirra.
Entrou
para a Loja Montanha, do Grande Oriente Lusitano, a convite de Luz de Almeida.
Consta também que pertenceu à Carbonária, a choça,
de que faziam parte os bons primos (Les Bons Cousins Charbonniers)
Alfredo Costa e Manuel dos Reis Buíça e conspirou no Café Gelo.
Nesse
ano de 1907, Aquilino foi preso como anarquista na sequência da
explosão de uma bomba no seu quarto, na Rua do Carrião em Lisboa, na qual
morreram dois carbonários (28 de novembro).
Todavia,
em 12 de janeiro seguinte conseguiu evadir-se da prisão e durante a
clandestinidade em Lisboa, manteve contactos com os regicidas,
refugiado numa casa de Meira e Sousa, na Rua Nova do Almada, em frente do
Tribunal da Boa Hora.
Foi
aí que, segundo alguns biógrafos lhe terá aparecido Alfredo Costa na manhã de 1
de fevereiro, a participar que estava decidido a matar o Rei. De facto, ocorreu
o atentado nesse dia, tendo Aquilino Ribeiro, segundo alguns, sido avistado com
um revólver no Largo do Corpo Santo, segundo outros no Terreiro do Paço, facto
que o irá marcar até ao fim.
Ao
fim de pouco tempo, Aquilino teve de fugir para Paris. Pedida a
extradição, o Presidente Clemenceau não a concedeu. Em Paris, continuou a
frequentar os meios radicais conhecendo o exilado Lenine.
Aquilino
Ribeiro definiu Manuel Buíça ao arrepio da imagem que lhe é atribuída, como galante, franco, liberal, corajoso,
blasonador, incoerente muitas vezes, parlapatão mais de uma, sem equilíbrio na
vida, sem disciplina moral.
Não
terá sido o regicídio que determinou a queda da Monarquia, mas parece ser
consensual que a precipitou. A Monarquia estava condenada, não tinha quem se
dispusesse a lutar por ela o seu fim era uma questão de tempo. A crise
político-social era mais que evidente e o governo de João Franco, concitava
tanto os ódios de monárquicos, como republicanos.
Aquilino
Ribeiro entrou para a Biblioteca Nacional, em Lisboa, em 1919, a convite de Raul Proença,
aonde também de acordo com alguns biógrafos, foi procurado para lhe mostrarem
uma Ata do Regicídio.
Participou
na fracassada revolta de 7 de fevereiro de 1927 contra a Ditadura, o que o levou
de novo a ter de se exilar em Paris, regressando no fim
do ano clandestinamente a Portugal, para se envolver
noutra intentona fracassada, a Revolta de Pinhel, pela qual acabou por ser
preso, embora se tenha evadido de Viseu, para se refugiar de novo em Paris,
após ter atravessado a Espanha praticamente a pé, num tipo de aventura muito a
seu gosto.
Em
Lisboa, veio a ser julgado à revelia em Tribunal Militar
e condenado.
-9-REFLEXOS EM ALCOBAÇA-
A notícia do atentado começou a circular em
Alcobaça, na manhã do dia seguinte/Domingo 2 de fevereiro, trazida por pessoas
que chegavam de fora. Acolhida a princípio com reservas, em breve pelas
comunicações telegráficas foi-se adquirindo a certeza de terem sido
assassinados a tiro o Rei e o Príncipe Herdeiro.
Era enorme a curiosidade em saber
pormenores, pelo que quando chegaram os jornais de Lisboa na carreira do Valado
de Frades, foram insuficientes para contentar as pessoas que os aguardavam numa
numerosa fila, lendo-os depois sofregamente e nalguns casos até os revendendo
com proveito.
Durante o dia, não se falou noutra coisa na
rua (era domingo e os barbeiros estavam fechados), aguardando com impaciência
os republicanos mais comprometidos que se reuniam no Centro Republicano, os
desenvolvimentos políticos, o que era espicaçado por fantasiosos boatos,
rapidamente desmentidos. Houve mesmo quem assegurasse saber da presença de uma
esquadra inglesa de três navios, fundeada no Rio Tejo, para evitar eventuais
motins populares. A este boato, que não correu apenas em Alcobaça, responderam
alguns telegramas de Londres e Paris publicados nos jornais de Lisboa no dia 4,
nos quais foi expressamente desmentido.
Ao
mesmo tempo que a notícia das mortes ganhava força em Alcobaça, uma onda de
boatos tinha-a cruzado veloz, desmentindo qualquer morte, que as reais
personalidades foram feridas no braço, que os assassinos foram mortos, que o
Rei (por graça de Deus…) jamais poderia morrer às mãos de uns malandros ateus a soldo de ideias
estrangeiras. Não se sabia naquilo em que se haveria de acreditar. A única
verdade inteira e viva dos alcobacenses, é que estava um dia de chuviscos, caía
uma água miudinha que fazia rebrilhar as pedras da calçada e a erva da terreiro
em frente ao mosteiro.
Nem
para os mais fervorosos adeptos do ideário da República, frequentadores do
Centro, a sua formação consolidada a partir do leite materno havia conseguido
extirpar o mito ancestral que só o sangue lava a honra que os braganças
conspurcaram. A legitimação do preceito tinha permitido que muitas mulheres
houvessem morrido às mãos de maridos e namorados, enlameados no caráter pela
(mera) suspeita de um adultério. Os duelos, agora fora de moda, vinham dos
tempos de antanho, desafios de vida ou morte para reencontrar uma justiça
verdadeira. Mas nenhum tribunal português, nenhum júri, mesmo os dos novos
tempos que se avizinhavam e porque se lutava, tinha força para condenar
homicidas de uma honra coletiva, lavada a tiro.
Nenhum
tribunal, condenaria heróis da moral firmada na destreza do gatilho, embora soubessem
que a ação dos assassinos (sejam eles um Costa ou do Buíça), era uma exceção,
não uma regra, ainda que inserta no painel de virtudes nacionais que levava uma
parte do país a jurar a morte da outra.
Na
segunda-feira, estiveram encerradas a Recebedoria e Tribunal e outras
repartições do Estado, hasteada a meio pau a Bandeira Nacional na Porta de
Armas do Quartel e no edifício da Câmara Municipal. Várias pessoas vestiram de
luto, os sinos da Igreja da Conceição, Igreja Nova, Igreja de Santo António ou
Igreja da Misericórdia e do Mosteiro, dobraram a finados várias vezes por dia,
e na Câmara foi aberto um Livro de Condolências, assinado por populares.
Disse-se
que houve mesmo dois republicanos que o assinaram (o que não conseguimos
comprovar).
A Comissão Administrativa da Câmara
deliberou na sessão extraordinária de 4 de fevereiro pedir ao Dr. Adolfo
Guimarães, amigo pessoal do Presidente e de Vitorino Froes, que a representasse
nos funerais de Lisboa.
O Pe. Ribeiro d’Abranches, Pároco de
Alcobaça, celebrou uma missa na Igreja do Mosteiro, sufragando a alma de D.
Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe, tendo convidado para o ato diversas
corporações e entidades civis e militares que compareceram, tal como alunos de
ambos os sexos da escola oficial. Entre a assistência destacava-se o Comandante
do Regº. Artª.2, aquartelado no Mosteiro, que ocupava a primeira fila, o qual
envergava fato de gala e se encontrava acompanhado pela oficialidade e algumas
praças.
O Pe. Augusto Adelino de Miranda, capelão do
Regimento, fez ao Evangelho uma alocução apropriada à cerimónia.
-10-CONDOLÊNCIAS
DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALCOBAÇA-
Na mesma sessão, foi deliberado enviar ao
camarista de serviço de D. Manuel II, o telegrama: Muito rogo a V. Ex.ª se digne fazer constar em nome da comissão
Administrativa da Câmara Municipal de Alcobaça, a profunda mágoa que lhe causou
o inqualificável atentado de que foram vítimas sua Augusto Pai e infeliz irmão
e que em nome dos povos deste Concelho se protesta contra tal procedimento,
ao que aquele respondeu, dando parte
que o novo Rei agradecia as condolências.
A Alcobaça republicana, embora não tenha
aplaudido o regicídio com garrafas de champanhe ou palmas, também não o
repudiou expressamente.
A sua postura, exprimindo um sentimento
republicano radical, bem registado no Semana Alcobacense, decorria do
sentimento que foi estranho e trágico o epílogo da triste aventura, que à
História de Portugal, passou com o nome de Franquismo.
Isto era apregoado franca e publicamente
pelos republicanos nas ruas, farmácias ou Centro Republicano, num momento em
que a sensação agora de alívio como diziam, lhes dava a impressão de acordar de
um horroroso e agitado pesadelo, onde não era oprimir, censurar, mentir, perseguir,
vexar e ludibriar que se governa o povo Português.
No
discurso de massas, embora se queixassem da falta de liberdade e da censura, os
republicanos usavam uma linguagem e uma imprensa onde parecia não haver freios,
como era o caso de o Semana Alcobacense.
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