sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

D. CARLOS, LUÍS XVI, AFONSO COSTA, AMÉRICO D´OLIVEIRA, O ROTATIVISMO E ALCOBAÇA

SUMÁRIO:
(1).O Sarg. A. Ganito (da Guarda Real/Pessoal de D. Carlos)-(2).O Rotativismo-(3).D. Carlos, Luís XVI e Afonso Costa-(4).Ecos em Alcobaça-(5).Américo d’Oliveira-(6).O Partido Republicano em Alcobaça-(7).O Descalabro do Regime.O Golpe do Elevador-(8).O Regicídio e Aquilino Ribeiro-(9).Reflexos em Alcobaça-(10).Condolências da Câmara Municipal de Alcobaça.

(I)

-1-O SARG. A. GANITO (da Guarda Real/Pessoal de D. Carlos)-
A 1 de fevereiro de 1908, quando regressavam a Lisboa provenientes de Vila Viçosa, o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe foram assassinados no Terreiro do Paço.
Nos últimos anos da monarquia, o Sarg. Cav. António de Oliveira Ganito, natural de Castelo Branco, foi colocado no quartel de Alcobaça.
Casado durante a sua comissão na vila, como não teve filhos, ajudou a criar a Abília, filha de uma galega, criada de um padre, e de quem, segundo se dizia, também era filha. Quando o Sarg. Ganito foi destacado para o Palácio de Vila Viçosa, para fazer parte da guarda pessoal do Rei D. Carlos, além da esposa levou consigo a menina.
A viver nas instalações do palácio, o Sarg. António Ganito conheceu pessoalmente o Rei D. Carlos, viu-o partir para as caçadas, assistiu à distribuição das peças de caça, recebendo por vezes algumas e acompanhou-o ao comboio para Lisboa, no fatídico dia 1 de fevereiro de 1908. O Sarg. Ganito, acabou por regressar a Alcobaça, e a Abília veio a casar com um sobrinho de sua esposa. Deste casamento, nasceram dois filhos, uma rapariga e um rapaz, e aquela, de nome Maria Dolores Pimenta, é sogra de Joaquim Romão, a quem se voltará a referir.

-2-O ROTATIVISMO-
O atentado ficou a dever-se, entre o mais, ao colapso do sistema político, em parte fruto do Rotativismo.
Esta foi a designação dada ao sistema político-partidário vigente em Portugal durante a segunda metade do século XIX, com maior expressão no período compreendido entre 1878 e 1900, o qual era caraterizado pela alternância no poder dos dois grandes partidos políticos, o  Partido Regenerador, do centro direita, e o Partido Progressista ou o Partido Histórico, do centro esquerda. O Rotativismo português, teve o apogeu entre 1878 e 1890, e durante esse período, o Partido Regenerador governou durante 81 meses e o Partido Progressista 69 meses. De fora ficavam os pequenos partidos de oposição, o Partido Republicano Português e o Partido Socialista Português, que se dedicavam ao combate contra a monarquia pela via doutrinária, ausentes do arco do poder e sem expressão parlamentar. O Rei, como árbitro/moderador, papel atribuído pela Carta, havia designado João Franco para chefe do governo. Este, enérgico e habituado à guerrilha política (dissidente em 1901 do Partido Regenerador, por divergências relativas a uma lei sobre a contribuição predial), passou a liderar o Partido Regenerador Liberal que fundou em 1903, no que foi acompanhado por cerca de três dezenas de deputados, entre os quais figuras de primeiro plano dentro do Partido Regenerador. João Franco convenceu o Rei a encerrar as Cortes de modo, alegadamente a seguir um caminho novo, implementar medidas objetivas e credíveis com vista à moralização da vida política, como a reorganização interna que conduziria ao restauro da autoridade do Estado e reformas sociais, aspiradas mas adiadas, capazes de colherem larga base de apoio popular, especialmente entre os trabalhadores que pretendia caçar como eventualmente os republicanos, destinatários da alta questão da justiça social e utilidade pública, no seu mais largo sentido. Para João Franco, o seu novo partido tinha sentido pois a fórmula rotativa estava esgotada, Portugal não pode continuar a ser ludíbrio de regeneradores e progressistas.
 A governação de João Franco, agitou fortemente a oposição, não só a republicana, mas também a monárquica não menos agressiva, liderada por rivais que o acusavam de governar em ditadura.
Se o Sr. João Franco estende a mão aos republicanos, esta fica-lhe no ar, porque nós não lha queremos, afirmou nas Cortes o Deputado António José de Almeida, que os republicanos de Alcobaça muito apreciavam.
No Partido Progressista também se verificou em 1905 uma dissidência liderada por José Alpoim, Ministro de Justiça de um governo chefiado por José Luciano. Em Alcobaça, esta interessava, tão só, na medida em que os republicanos como Santiago Ponce sabiam e diziam não ter pressa, pois que iriam comer a maçã madura que lhes caía no prato sem esforço.

-3-D. CARLOS, LUIS XVI E AFONSO COSTA-
O Deputado Afonso Costa virou-se para João Franco e disse implacavelmente sem tremer a voz: O Senhor Presidente do Conselho é mandatário do País e os membros do Parlamento, como representantes da nação são seus mandantes. S. Eª, como administrador ou procurador nosso, tem o dever de trazer à Câmara as contas dos adiantamentos feitos a eles. A Nação ordena, e declarara indispensável, que essas pessoas reponham as quantias desviadas com todos os juros sem exceção de uma só verba; declara formalmente que não consentirá no aumento da lista civil, nem em qualquer regularização, nem em outro modo acomodatício de pagamento. E mais ordena do Povo, solenemente, que logo que tudo esteja pago, diga o Senhor Presidente do Conselho ao Rei: Retire-se senhor, saia do País, para não ter que entrar numa prisão em nome da lei.
Das galerias, soaram aplausos, que a Mesa não conseguiu dominar.
Afonso Costa prosseguiu: Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI.
Novamente soou a campainha, Ordem! Ordem, e Tomás Pizarro de Mello Sampaio (de nome completo, deputado pelo Partido Regenerador-Liberal, de João Franco, havia assumido a Presidência da Câmara dos Deputados, entre 1906 e 1908), declarou que ou o senhor Afonso Costa retira a frase ou tenho de lhe aplicar o Regimento.
Afonso Costa, repisou a injúria no mesmo tom, sobrepondo-se ao tumulto que criara na Câmara: Por muito menos rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI.
O tumulto aumentou nas galerias, que os contínuos queriam esvaziar. Os deputados republicanos gritavam que era ilegal mandar sair o público, encontrando-se a sessão aberta e não se deviam suspender os trabalhos. Mais uma vez a voz de Afonso Costa fazia-se ouvir acima de qualquer outra:
-Eu respondo pelos meus atos!
-V.Exª não pode falar… Convido-o a retirar-se do edifício das Cortes.
Afonso Costa bradava: Havemos de sair todos! Hão de prender-nos a todos! Esta a liberdade do governo e a liberdade da monarquia.
-Em virtude da resistência do senhor Afonso Costa à intimação que lhe faço, em nome da Câmara, vou mandar entrar a força armada.
Quando os soldados entraram na sala, num gesto largo e teatral, Afonso Costa ao ser arrastado para o exterior, virou-se para eles de braços abertos e gritou: Soldados, não tendes o direito de tocar num representante do povo. E acrescentou: Soldados! Com a minha voz e as vossas armas baionetas, vamos proclamar a República, vamos fazer uma Pátria nova.
Dirigindo-se a João Franco e enquanto partia entre os soldados, Costa gritava de punho erguido: Esta é a sua liberdade!
O Deputado António José de Almeida, ainda tentou convencer os militares (que apelidava de Filhos do Povo), a proclamarem nesse momento a República. Este e outros incidentes, difundidos e ampliados pelos republicanos, levaram a agitação a muitos pontos do País. Em Alcobaça, aquilo em que participava António José de Almeida era seguido com atenção.
Afonso Costa e Alexandre Braga, foram julgados e condenados por ofensas ao Rei na suspensão dos direitos parlamentares por 30 dias.

-4-ECOS EM ALCOBAÇA-
Em 3 de julho de 1907, Câmara Municipal protestou contra o estado da administração pública decorrente da ditadura franquista, pelo que enviou a Lisboa, uma delegação com dois de seus membros, para pedir o regresso à normalidade constitucional, a qual foi acolhida com alguma indiferença pelo secretário do ministro que a recebeu.
O Presidente da Câmara, em 30 de dezembro de 1907 anunciou que, em obediência a ordens superiores, abandonava, tal como os vereadores, a gestão da Câmara, protestando contra a violação constitucional e leis do país, entregando a administração municipal a uma entidade que não foi eleita pelos munícipes, como impunha a Carta.
A notícia do acontecimento nas Cortes com Afonso Costa, chegou a Alcobaça no dia seguinte, trazida de Lisboa por Américo d’Oliveira, tendo sido recebida com cautela, dados os inusitados termos e possíveis efeitos.
Quando na sexta-feira os Deputados Afonso Costa e Alexandre Braga, retomaram os seus lugares (afinal não cumpriram 30 dias), foi expedido para Lisboa um telegrama de solidariedade:
Drs. Afonso Costa e Alexandre Braga, câmara dos deputados – Lisboa.
Republicanos de Alcobaça saúdam os seus deputados e, confiando que eles continuarão a servir o país e a honrar o seu mandato como até aqui, esperam que se não repetirá a injusta violência de que foram vítimas, e nós com eles.
(a) Raposo de Magalhães.

-5-AMÉRICO D’OLIVEIRA-
Américo d’Oliveira propagandista da República (para cuja causa contribuiu com dinheiro que herdou), maçon e carbonário, teve ação relevante já no dia 4 de outubro, na Rotunda ao lado de Machado dos Santos, que ao admitir o eventual falhanço do golpe, o incentivou, permanecendo ambos lado a lado até à vitória se consumar,
As coisas não correram bem aos sublevados que se tinham concentrado na Rotunda. Perante a ausência dos principais dirigentes republicanos e em face dos boatos que começavam a fervilhar, alguns consideram que se deveria levantar o acampamento.
Em 1908, Américo d’Oliveira vivendo ainda em Alcobaça, fundou e custeou o jornal O Republicano, do qual terão saído apenas seis exemplares e era principal redator Raul Proença que também vivia em Alcobaça.
Este, figura cimeira do pensamento político português no primeiro quartel do século XX, marcou a intervenção cívica durante a I República, cujos vícios criticou duramente. Proença combateu o sidonismo e a Ditadura Militar que, em 1927, o condenou ao exílio em Paris. Tendo regressado a Portugal em 1932, já acometido da grave doença mental que o levaria ao internamento no Hospital do Conde de Ferreira, no Porto, aí faleceu.

Um grupo de amigos e correligionários de Américo d’Oliveira, ofereceu-lhe no dia 21 de janeiro de 191/sábado, no Grande Hotel de Inglaterra- Lisboa (um dos mais conceituados da capital, propriedade de A. Ramos, situado na esquina da Praça dos Restauradores com a Rua do Príncipe, hoje Rua do Jardim do Regedor, inaugurado a 15.04.1906, após profundas obras para ser adaptado a hotel e que com o 5 de Outubro, sofreu bastantes danos, embora tenha reaberto ao fim de poucos dias), um banquete de homenagem pelos serviços prestados à República, quando do movimento que a implantou. Diversos brindes foram proferidos, salientando a ação de Américo d’Oliveira, de quem o Ministro António José de Almeida, que assistiu ao jantar, frisou ser um dos mais heroicos combatentes da Revolução, ao qual a História haveria de fazer justiça.
O semanário lisboeta Colonial, querendo prestar homenagem ao revolucionário Américo d’Oliveira, inseriu o retrato num dos seus números, fazendo-o acompanhar de um artigo a salientar a sua coragem e determinação no decorrer do 4 de outubro, na Rotunda.
Nos primeiros momentos da revolta Machado Santos corre o acampamento e não encontra um oficial, a quem se pudesse entregar o comando.
Foi um momento de dolorosa angústia para o heroico marinheiro, republicano desde muitos anos e um doido pela grande ideia.
O que ele sofreu nesses momentos, ao ver que o movimento ia talvez fracassar, diante delle que estava ali resolvido a praticar todas as loucuras!
Olhou em volta de si e viu Américo de Oliveira, que procurava o mesmo que ele: uns galões de ouro.
Com a mesma ideia dirigem-se para outro.
-Estamos perdidos! Exclama Machado dos Santos. Estamos sós! Que fazer?
Américo de Oliveira exclamou, num ímpeto:
-Tocar a unir, e perguntar aos sargentos se aceitam o seu comando!
Machado dos Santos exultou, já não estava só, tinha ali ao lado um companheiro heroico. Silenciosamente, mas com grande decisão, caíram nos braços um do outro, e foi com uma voz potente de comando de Machado dos Santos mandou tocar a unir.
Felizmente, os heroicos sargentos aceitaram sem relutância o comando de um oficial da marinha, que nem sequer era combatente. De tal modo eles queriam ir para a frente!
Américo d’Oliveira participou no 28 de maio de 1926, tendo sido um dos dois que, com Mendes Cabeçadas, foi ao Palácio de Belém parlamentar com Bernardino Machado, a entrega do poder.
Foi o editor de Arquivo Nacional, que Rocha Martins dirigiu entre 1932 e 1943, semanário que divulgava, aliás sem grande profundidade factos, acontecimentos, biografias e memórias de contemporâneos e de figuras de outras épocas, quase sempre marcadas por controvérsia.






SUMÁRIO:
(1).O Sarg. A. Ganito (da Guarda Real/Pessoal de D. Carlos)-(2).O Rotativismo-(3).D. Carlos, Luís XVI e Afonso Costa-(4).Ecos em Alcobaça-(5).Américo d’Oliveira-(6).O Partido Republicano em Alcobaça-(7).O Descalabro do Regime.O Golpe do Elevador-(8).O Regicídio e Aquilino Ribeiro-(9).Reflexos em Alcobaça-(10).Condolências da Câmara Municipal de Alcobaça.


(II)

6-O PARTIDO REPUBLICANO EM ALCOBAÇA-
O Partido Republicano não tinha delegação em Alcobaça, o que não impedia ação política por parte de seus membros ou dirigentes.
O Centro Democrático Republicano apenas seria constituído em 1907, pelo que até aí os republicanos reuniam-se informalmente, na farmácia ou em casa de Natividade. Por isso os abaixo assinados, constituídos em comissão para levarem a efeito a organização do partido republicano no concelho de Alcobaça, tomam a liberdade de convidar para um reunião que se há de efetuar no dia 25 do corrente, todos os cidadãos republicanos e maiores de 21 anos do mesmo concelho, a fim de se eleger a respetiva comissão municipal e encetar outros trabalhos concernentes á referida organização.
A reunião terá lugar em Alcobaça, à 1 hora da tarde na casa onde existiu a antiga fábrica de papel, á Levada, pertencente ao Sr. Francisco Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
Alcobaça, 15 de dezembro de 1906.
José Eduardo R. de Magalhães
António de Sousa Neves
Santiago Perez Ponce y Sanchez
João Ferreira da Silva
Afonso Ferreira
Nota-São considerados cidadãos republicanos, além dos que se acham inscritos como subscritores do partido, todos quantos assinaram as mensagens de adesão enviadas ao comício de Leiria e ao banquete em homenagem aos deputados republicanos, e bem assim aqueles que, desejando aderir, compareçam á reunião do dia 25 e nessa ocasião se inscrevam no respetivo cadastro partidário, a fim de poderem votar na eleição da comissão municipal.

-7-O DESCALABRO DO REGIME.O GOLPE DO ELEVADOR-
Os acontecimentos acabaram por se precipitar, na sequência da questão dos Adiantamentos à Casa Real e da assinatura do Decreto de 30 de janeiro de 1908.
Brito Camacho, relativamente a João Franco disse que, havemos de obrigá-lo a transigências que rebaixam ou às violências que comprometem. Foram eficazes os ataques da oposição personalizados, tanto em D. Carlos como em João Franco, por parte de republicanos e dissidentes progressistas. Os Adiantamentos à Casa Real foi uma acerada polémica que envolveu a Família Real, cujo aproveitamento pelos republicanos, contribuiu bastante para o desgaste da instituição monárquica.

Não faltavam políticos que julgavam que a popularidade e o êxito se conquistavam não tanto pela inteligência e probidade, mas sim pela demagogia ou mesmo pelo talento histriónico.
As traições (tal como hoje, com caraterísticas nada originais) que ocorriam com maior incidência, situavam-se no mesmo grupo político, onde eram todos muito amigos e solidários irrestritos e traduziam-se em reações hipócritas e interesseiras, para subir numa escada virtual, onde se agarravam os da frente para se empurrarem para trás, os que ajudaram a subir. Para isso, o traidor sentia-se logo no direito de falar mal do traído. O político antes elogiado e considerado um verdadeiro representante de uma comunidade, passava num instante para outro a ser chamado de político ultrapassado e sem ação.
Os amigos estavam sempre à beira da deceção, perante a iminência do rompimento de uma amizade.

Eça de Queiroz, em Os Maias, descreve a dependência política, o caciquismo e o nepotismo, quando Gonçalo, reconhecendo embora que o Conde de Gouvarinho é uma cavalgadura, tenta justificar o apoio que lhe é concedido:
-É necessário, homem! Razões de disciplina e de solidariedade partidária… Há um compromisso… O Paço quer, gosta dele…
Espreitou em roda, murmurou, colado ao Ega:
-Há aí umas questões de sindicatos, de banqueiros, de concessões em Moçambique… Dinheiro, menino, o omnipotente dinheiro!
Já nessa altura, Portugal era um estranho país de corruptos onde não havia corrutores…

O Golpe do Elevador da Biblioteca, foi uma tentativa de golpe de estado, visando à proclamação da República, levada a cabo pelo PRP, de parceria com a dissidência progressista, como reação ao anunciado fim da ditadura e o consequente risco de o Partido Regenerador Liberal, de João Franco, vir a assumir o poder.
Embora o golpe tenha abortado por ação preventiva do governo, este falhou em eliminar os focos de conspiração. Daí resultou, em questão de dias, a execução da ação que previa a eliminação física do monarca, em consequência do qual, embora a mudança de regime em si não tenha sido efetuada, o afastamento do Rei e de João Franco puseram termo à tentativa de reforma da monarquia, mantendo-se a mesma instabilidade e que levaria à proclamação da República. O golpe fracassou, devido à inconfidência de um conspirador pelo que nesse dia foram presos vários dirigentes republicanos. Afonso Costa e o Visconde de Ribeira Brava foram encontrados de armas na mão no dito elevador, conjuntamente com outros conspiradores, quando tentavam chegar à Câmara Municipal. António José de Almeida, Luz Almeida/fundador da Carbonária, e João Chagas//jornalista, contavam-se entre os noventa e três conspiradores presos. José Maria de Alpoim, conseguiu fugir para Espanha. Alguns grupos de civis armados, desconhecedores do falhanço, ainda fizeram tumultos pela cidade.
Em resposta, e como expressão de uma crispação do regime, que ainda assim permitia aos republicanos bastantes intervenções políticas, o governo apresentou ao Rei, que se encontrava em Vila Viçosa, o Decreto de 30 de janeiro de 1908, que previa o exílio para o estrangeiro ou a expulsão para as colónias, sem julgamento, de indivíduos que fossem pronunciados em tribunal por atentado à ordem pública. O preâmbulo do diploma dizia que atendendo ao que me representaram o Conselheiro de Estado, Presidente do Conselho de Ministros e Secretário dos Negócios do Reino, e os ministros e secretários de Estado de outras repartições, hei por bem decretar, para ter força de lei o seguinte (…).
Conta-se que, ao assiná-lo, D. Carlos terá comentado: Assino a minha sentença de morte, mas os senhores assim o quiseram.

Eram os ministros, não tanto o Rei ao que se diz, que determinavam armar-se com esta lei, ao mesmo tempo que permitiam a fuga de alguns implicados no golpe, como sucedeu com José Maria de Alpoim.
Correu na época, que o regicídio fora devido a este diploma. Não é, de todo, verdade. É de notar, no entanto, que o diploma, assinado a 30 de janeiro, só foi publicado a 1 de fevereiro, e os preparativos para o regicídio datam seguramente de antes dessa data.
O ambiente contra o Rei fora preparado tanto pelos republicanos, como por grande número de monárquicos sedentos de poder a todo o custo.
O decreto em questão era na verdade uma ameaça séria, mas não foi da sua letra que saíram a carabinas do BuÍça e a pistola do Costa.

-8-O REGICÍDIO E AQUILINO RIBEIRO-
A família real encontrava-se em Vila Viçosa, mas os acontecimentos políticos levaram o Rei a antecipar o regresso a Lisboa.
A comitiva régia chegou de comboio ao Barreiro ao final da tarde, para depois tomar o barco, desembarcando no Terreiro do Paço, por volta das 17 horas. Apesar do clima de enorme tensão, o Rei optou por se deslocar em carruagem aberta, com reduzida escolta, com o objetivo de demonstrar normalidade. O Rei aparecia na rua de vez em quando. Descobriam-se algumas cabeças, o povo chegava-se para uns olhares de momento, lançavam-se nas gazetas e nas Cortes todo o tipo de diatribes.
Enquanto a família real saudava os populares, a carruagem foi atingida por vários disparos. Um tiro de carabina atravessou o pescoço do Rei, que morreu imediatamente. Seguiram-se mais disparos, sendo que o Príncipe D. Luís Filipe ainda alvejou um dos atacantes, antes de ser atingido mortalmente. D. Amélia, de pé, defendia-se com um ramo de flores que lhe fora oferecido pouco antes, fustigando um dos atacantes, que subira o estribo da carruagem, gritando Infames! Infames!, numa imagem que correu mundo e ficou marcada para a História. O Infante D. Manuel foi atingido num braço. Dois dos regicidas,  Manuel BuíçaAlfredo Costa, foram mortos no local. Este, empregado do comércio, editor e jornalista, membro da Carbonária e maçon, estivera implicado já no falhado Golpe do Elevador e apesar da participação nessa iniciativa, continuava a andar livremente por Lisboa. Diz-se que afirmou, afagando a pistola que trazia na algibeira, num encontro que teve depois da Janeirada com Machado Santos e Soares Andrea, no Café Gelo que, se algum bufo me deita a unha, queimo-lhe os miolos. A carruagem entrou no Arsenal da Marinha, onde se verificou o óbito do Rei e do herdeiro ao trono. D. Carlos e o filho foram sepultados no Panteão Nacional dos Braganças (não se confunda com o Panteão dos Duques de Bragança em Vila Viçosa) e nos respetivos mausoléus lançou-se terra de Vila Viçosa.
Foi Manuel dos Reis da Silva Buíça quem alvejou de forma mortal D. Carlos I e o Príncipe Real D. Luís Filipe.
Homem de caráter expansivo e exaltado, não mantinha muitas ligações exteriores ao seu círculo profissional e frequentava, com Alfredo Costa e Aquilino Ribeiro o Café Gelo, no Rossio.

No princípio do século XX1906, Aquilino Ribeiro foi para Lisboa, onde conviveu com meios revolucionários radicais, violentos.
No seu primeiro livro, A Filha do Jardineiro, atacou fortemente o Rei D. Carlos I, livro esse ao que se diz financiado por Alfredo Costa e que apareceu sob o pseudónimo de Miriel Mirra.
Entrou para a Loja Montanha, do Grande Oriente Lusitano, a convite de Luz de Almeida. Consta também que pertenceu à Carbonária, a choça, de que faziam parte os bons primos (Les Bons Cousins Charbonniers) Alfredo Costa e Manuel dos Reis Buíça e conspirou no Café Gelo.
Nesse ano de 1907, Aquilino foi preso como anarquista na sequência da explosão de uma bomba no seu quarto, na Rua do Carrião em Lisboa, na qual morreram dois carbonários (28 de novembro).
Todavia, em 12 de janeiro seguinte conseguiu evadir-se da prisão e durante a clandestinidade em Lisboa, manteve contactos com os regicidas, refugiado numa casa de Meira e Sousa, na Rua Nova do Almada, em frente do Tribunal da Boa Hora.
Foi aí que, segundo alguns biógrafos lhe terá aparecido Alfredo Costa na manhã de 1 de fevereiro, a participar que estava decidido a matar o Rei. De facto, ocorreu o atentado nesse dia, tendo Aquilino Ribeiro, segundo alguns, sido avistado com um revólver no Largo do Corpo Santo, segundo outros no Terreiro do Paço, facto que o irá marcar até ao fim.
Ao fim de pouco tempo, Aquilino teve de fugir para Paris. Pedida a extradição, o Presidente Clemenceau não a concedeu. Em Paris, continuou a frequentar os meios radicais conhecendo o exilado Lenine.
Aquilino Ribeiro definiu Manuel Buíça ao arrepio da imagem que lhe é atribuída, como galante, franco, liberal, corajoso, blasonador, incoerente muitas vezes, parlapatão mais de uma, sem equilíbrio na vida, sem disciplina moral.
Não terá sido o regicídio que determinou a queda da Monarquia, mas parece ser consensual que a precipitou. A Monarquia estava condenada, não tinha quem se dispusesse a lutar por ela o seu fim era uma questão de tempo. A crise político-social era mais que evidente e o governo de João Franco, concitava tanto os ódios de monárquicos, como republicanos.
Aquilino Ribeiro entrou para a Biblioteca Nacional, em Lisboa, em 1919, a convite de Raul Proença, aonde também de acordo com alguns biógrafos, foi procurado para lhe mostrarem uma Ata do Regicídio.
Participou na fracassada revolta de 7 de fevereiro de 1927 contra a Ditadura, o que o levou de novo a ter de se exilar em Paris, regressando no fim do ano clandestinamente a Portugal, para se envolver noutra intentona fracassada, a Revolta de Pinhel, pela qual acabou por ser preso, embora se tenha evadido de Viseu, para se refugiar de novo em Paris, após ter atravessado a Espanha praticamente a pé, num tipo de aventura muito a seu gosto.
Em Lisboa, veio a ser julgado à revelia em Tribunal Militar e condenado.

-9-REFLEXOS EM ALCOBAÇA-
A notícia do atentado começou a circular em Alcobaça, na manhã do dia seguinte/Domingo 2 de fevereiro, trazida por pessoas que chegavam de fora. Acolhida a princípio com reservas, em breve pelas comunicações telegráficas foi-se adquirindo a certeza de terem sido assassinados a tiro o Rei e o Príncipe Herdeiro.
Era enorme a curiosidade em saber pormenores, pelo que quando chegaram os jornais de Lisboa na carreira do Valado de Frades, foram insuficientes para contentar as pessoas que os aguardavam numa numerosa fila, lendo-os depois sofregamente e nalguns casos até os revendendo com proveito.
Durante o dia, não se falou noutra coisa na rua (era domingo e os barbeiros estavam fechados), aguardando com impaciência os republicanos mais comprometidos que se reuniam no Centro Republicano, os desenvolvimentos políticos, o que era espicaçado por fantasiosos boatos, rapidamente desmentidos. Houve mesmo quem assegurasse saber da presença de uma esquadra inglesa de três navios, fundeada no Rio Tejo, para evitar eventuais motins populares. A este boato, que não correu apenas em Alcobaça, responderam alguns telegramas de Londres e Paris publicados nos jornais de Lisboa no dia 4, nos quais foi expressamente desmentido.
Ao mesmo tempo que a notícia das mortes ganhava força em Alcobaça, uma onda de boatos tinha-a cruzado veloz, desmentindo qualquer morte, que as reais personalidades foram feridas no braço, que os assassinos foram mortos, que o Rei (por graça de Deus…) jamais poderia morrer às mãos de uns malandros ateus a soldo de ideias estrangeiras. Não se sabia naquilo em que se haveria de acreditar. A única verdade inteira e viva dos alcobacenses, é que estava um dia de chuviscos, caía uma água miudinha que fazia rebrilhar as pedras da calçada e a erva da terreiro em frente ao mosteiro.
Nem para os mais fervorosos adeptos do ideário da República, frequentadores do Centro, a sua formação consolidada a partir do leite materno havia conseguido extirpar o mito ancestral que só o sangue lava a honra que os braganças conspurcaram. A legitimação do preceito tinha permitido que muitas mulheres houvessem morrido às mãos de maridos e namorados, enlameados no caráter pela (mera) suspeita de um adultério. Os duelos, agora fora de moda, vinham dos tempos de antanho, desafios de vida ou morte para reencontrar uma justiça verdadeira. Mas nenhum tribunal português, nenhum júri, mesmo os dos novos tempos que se avizinhavam e porque se lutava, tinha força para condenar homicidas de uma honra coletiva, lavada a tiro.
Nenhum tribunal, condenaria heróis da moral firmada na destreza do gatilho, embora soubessem que a ação dos assassinos (sejam eles um Costa ou do Buíça), era uma exceção, não uma regra, ainda que inserta no painel de virtudes nacionais que levava uma parte do país a jurar a morte da outra.

Na segunda-feira, estiveram encerradas a Recebedoria e Tribunal e outras repartições do Estado, hasteada a meio pau a Bandeira Nacional na Porta de Armas do Quartel e no edifício da Câmara Municipal. Várias pessoas vestiram de luto, os sinos da Igreja da Conceição, Igreja Nova, Igreja de Santo António ou Igreja da Misericórdia e do Mosteiro, dobraram a finados várias vezes por dia, e na Câmara foi aberto um Livro de Condolências, assinado por populares.
Disse-se que houve mesmo dois republicanos que o assinaram (o que não conseguimos comprovar).
A Comissão Administrativa da Câmara deliberou na sessão extraordinária de 4 de fevereiro pedir ao Dr. Adolfo Guimarães, amigo pessoal do Presidente e de Vitorino Froes, que a representasse nos funerais de Lisboa.
O Pe. Ribeiro d’Abranches, Pároco de Alcobaça, celebrou uma missa na Igreja do Mosteiro, sufragando a alma de D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe, tendo convidado para o ato diversas corporações e entidades civis e militares que compareceram, tal como alunos de ambos os sexos da escola oficial. Entre a assistência destacava-se o Comandante do Regº. Artª.2, aquartelado no Mosteiro, que ocupava a primeira fila, o qual envergava fato de gala e se encontrava acompanhado pela oficialidade e algumas praças.
O Pe. Augusto Adelino de Miranda, capelão do Regimento, fez ao Evangelho uma alocução apropriada à cerimónia.

-10-CONDOLÊNCIAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALCOBAÇA-
Na mesma sessão, foi deliberado enviar ao camarista de serviço de D. Manuel II, o telegrama: Muito rogo a V. Ex.ª se digne fazer constar em nome da comissão Administrativa da Câmara Municipal de Alcobaça, a profunda mágoa que lhe causou o inqualificável atentado de que foram vítimas sua Augusto Pai e infeliz irmão e que em nome dos povos deste Concelho se protesta contra tal procedimento, ao que aquele respondeu, dando parte que o novo Rei agradecia as condolências.
A Alcobaça republicana, embora não tenha aplaudido o regicídio com garrafas de champanhe ou palmas, também não o repudiou expressamente.
A sua postura, exprimindo um sentimento republicano radical, bem registado no Semana Alcobacense, decorria do sentimento que foi estranho e trágico o epílogo da triste aventura, que à História de Portugal, passou com o nome de Franquismo.
Isto era apregoado franca e publicamente pelos republicanos nas ruas, farmácias ou Centro Republicano, num momento em que a sensação agora de alívio como diziam, lhes dava a impressão de acordar de um horroroso e agitado pesadelo, onde não era oprimir, censurar, mentir, perseguir, vexar e ludibriar que se governa o povo Português.
No discurso de massas, embora se queixassem da falta de liberdade e da censura, os republicanos usavam uma linguagem e uma imprensa onde parecia não haver freios, como era o caso de o Semana Alcobacense.

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