BOLO-REI OU
BOLO-PRESIDENTE?
FLeming de OLiveira
O Avô do meu Pai que,
tal como a sua família, vivia em Matosinhos, era um republicano assumido,
embora não propriamente militante. Saudou com entusiasmo a implantação da
República, pois como muitos pensava que o mal do país advinha de um regime
monárquico corrupto e decadente, que o progresso viria com a mudança para uma
república democrática, parlamentar, anticlerical e socializante. O filho, o meu
Avô Augusto, tendo herdado alguns destes valores, já não os levou tão a risca e
assim aceitou que a Esposa, a muito religiosa minha Avó Lícia, repartisse o
tempo entre a lida doméstica e a colaboração com uma instituição de apoio a
meninas desvalidas. No caso do meu Pai, a inclinação politica era um
republicanismo quase limitado à não aceitação do regime monárquico.
Contava
o meu Pai que, em plena euforia decorrente da implantação da República, o Natal
de 1910 foi celebrado em casa de seus avós apenas com uma pequena expressão de
carácter cristão e algum jacobinismo republicano. Tanto assim que estava
arredada a ideia de montar um Presépio ou cantar loas ao Menino Jesus. Mas
mesmo nos meios anticlericais, era de todo impossível esquecer certos usos e
costumes centenários e tradicionais. Contava o meu Pai que, nesse Natal de 1910,
o seu avô terá encomendado o tradicional “Bolo-Rei”.
A gastronomia também pode ser vítima
das revoluções. Em Portugal, após a implantação da República, o alvo foi o
inofensivo e gostoso “Bolo-Rei”. A
impudente sanha dos revolucionários na sua ânsia de criar fraturas com o
anterior regime, abateu-se sobre esta muito portuguesa iguaria natalícia, que
não podia mais continuar a usar a palavra "Rei ". Se tinham acabado os Reis em Portugal, também tinham de
acabar na doçaria. Os fabricantes, que queriam continuar a cozinhar, vender ou
defender o velho “Bolo-Rei”, teriam
de encontrar nomes alternativos e politicamente aceitáveis ou corretos. Uns
optaram por o rebatizar de Bolo de Natal, Bolo das Festas ou Bolo de Ano Novo.
Houve ainda quem adiantasse que a melhor e mais consensual designação seria a
de Bolo Nacional.
Mas isto não satisfez alguns
republicanos, que entenderam chamar-lhe “Bolo-Presidente”,
como terá sido o caso dos avós de meu Pai.
Em Alcobaça, segundo me contaram,
terá havido um ou outro caso de repúdio pelo nome tradicional, o que acarretou
que, por via de dúvidas, o doce que essas famílias importavam de Lisboa e
chegava pela carreira do Valado fosse vendido ao público (na maior parte das
famílias era feito em casa) com a designação de Bolo de Natal.
Este ano de 2019 mais
uma vez recriei a tradição que herdei da casa dos meus Pais.
No
dia 6 de janeiro (Dia de Reis) ao almoço, os meus Pais encerravam as
comemorações do período natalício, que passavam por desmontar os enfeites, a
Árvore de Natal e o Presépio que existia ao lado iluminado, dia e noite, por
uma pequena lamparina a azeite. A minha Mãe trazia para a mesa o muito
tradicional “Bolo-Rei” e uma vela que
apagávamos e procedia ao corte do Bolo, distribuído em fatias iguais pelos oito
filhos e os pais. Em casa dos meus Pais nunca se pôs a questão de se saber se
era “Bolo-Rei” ou não e quando contei
pela primeira vez o episódio aos meus netos, eles olharam-me com um misto de
espanto e incompreensão, algo inacreditável que seriam incapazes de contar aos
amigos e na escola.
Mas
é mesmo verdade caros leitores e agora que Natal é só para dezembro, “e não quando um homem quiser”, aqui vão
mais uma vez os meus melhores votos de um ano de 2019.
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