Vem aí o Natal de Jesus e dos Homens, o Natal das Crianças, o
Natal dos Sorrisos, o Natal das Lareiras Íntimas e Acolhedoras e… o
Natal do Peru.
Vem aí o Natal de 2022, e eu vejo-me, sentado na berma de uma
longuíssima estrada, fatigante como as recriminações duma mulher
despeitada, estrada por onde o destino me impele subjugando-me
inexoravelmente, mas que a bendita cegueira da infância me
ocultou misericordiosamente.
Vejo-me de novo a esperar o Natal com o peru caseiro, do rico peru
velho e duro a quem, com os meus irmãos, assobiava ameaçando
casá-lo com uma velha que o havia de matar.
Durante os distantes anos em casa de meus Pais, lambi-lhe o
molho, lambuzei-me com suas enxundias, saboreei-lhe o recheio de
picado, a febra, gozei-o em êxtases e habituei-me à ideia de que
nunca me faltaria nesta época.
Mas “nunca” é uma expressão que “nunca” se deve utilizar.
Na guerra de África e no mato da Guiné na década de 1970, longe
esteve para mim a mesa de Natal dos anos de rapaz. Era agora o
porco do mato, o javali, que estava perto, não era a ave digna que
tão familiarmente conhecera e tratara, não a igualando bem se
sabe, não podendo ser considerado como sucedâneo de hierarquia
limpa, de sangue propicio a suportar saudáveis cabidelas.
Com o porco do mato ao alcance do meu garfo reparti o meu Natal,
ao preço de um animal que os muçulmanos recusam.
No entonto, caros Amigos, o que me preocupa não é, obviamente,
esse Natal longe da Terra, mas a lembrança daquilo que poderei
comer no Natal do próximo ano.
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