-RUA DA MEMÓRIA-
-A HISTÓRIA É TEMA
COMPLEXO
E NÃO BAFIENTO-
-LENDAS, FACTOS E
PESSOAS CÁ DA TERRA-
-AS LENDAS SÃO VEROSÍMEIS!-
Nesta minha missão que assumi de
registar e divulgar a história recente de Alcobaça (especialmente a partir do
século XIX), vou evocando episódios esquecidos,
insólitos, controversos, inverosímeis ou lendários, mas e que
integram a memória coletiva, popular e identitária da nossa região onde Alcobaça
se insere.
A minha vida
profissional sempre esteve ligada à escrita. Então, nunca escrevi para a
Eternidade, passe o exagero da expressão. Ao contrário do que ora faço,
escrevia para e sobre o tempo que passa.
Vou
lançar este mês “UMA JANELA COM VISTA PARA A RUA DA MEMÒRIA”. Ali não inventei factos, muito
menos ajustei contas, mas admito que
a forma como os tratei pode
ser controversa. Não escrevo para académicos, mas
para pessoas como nós. O passado é revisitado sob o meu olhar e as fontes de
pesquisa foram relativizadas, tanto no que diz respeito à objetividade, quanto
à diversidade.
Pese
embora guardião de memórias, apodo que não repudio de todo, não tenho a
pretensão de me assumir como um grande ou privilegiado narrador. Ao contrário do que gostaria, a Memória
nunca conseguirá guardar toda a informação. A sua função é ir atualizando o
registo. O seu trabalho é a reescrita da história, que assim se vai modificando
com o tempo, tal como o corpo vai mudando e o mundo se vai alterando.
A narrativa
em “UMA
JANELA COM VISTA PARA A RUA DA MEMÒRIA” acompanhada, transformada ou
reforçada por imagens ou apontamentos, pode ser contada, recontada,
interpretada e reinterpretada. Caracterizada pela organização de factos
encadeados numa sequência temporal não rígida, foi alterada para estabelecer
uma relação com o leitor.
As
disputas pela memória dos acontecimentos vividos ou negados não é problema
novo. Num certo sentido, está presente desde os primórdios da Humanidade.
Somente algumas memórias continuam vivas, conquistando posições hegemónicas e
tornando-se referência para pensar o passado.
Comunidades,
grupos ou classes sociais produziram versões dos factos, algumas das quais
registadas em pinturas, esculturas, monumentos, tradições orais, etc. Para que
determinadas experiências conquistassem uma posição hegemónica foi necessário
silenciar outras, relegadas ao esquecimento e, por conseguinte, excluídas da
memória.
Faltam-me
arte e engenho para tecer ou transmitir o encantamento que tive com o trabalho
que vou apresentar com o referido livro. Por isso ou para isso, colhi palavras
de outros, do que resultou uma manta de retalhos pulsante de sentimentos, de
pessoas e de rostos costurados em situações que engendram a memória.
Como se
sabe não sou alcobacense nato, mas aqui vivo, trabalho, socializo e tenho
interesses, há perto de 50 anos. Gosto, nos meus textos de referir pessoas de “carne fraca e de osso forte”, de quem
ouvi falar, com quem privei me encontrei,
com virtudes e defeitos personalizados. Registo o passado, mas não vivo no
passado.
Considero-me
um escritor com intenção de produzir algo que possa valer para ajudar Alcobaça
a não deixar cair no esquecimento a herança que os antepassados lhe legaram.
Utilizo fontes primárias, inéditas ou não, documentos, testemunhos,
fotografias, enfim o que for possível para tentar reconstituir, recordar o
passado.
Como
referi, assumi o dever (cívico) de evocar, especialmente a partir do século XIX,
episódios esquecidos, ainda que insólitos, controversos, inverosímeis ou
lendários, mas e que
integram a memória coletiva, popular e identitária da nossa região de Alcobaça onde Alcobaça
se insere.
Sem
antecipar o conteúdo do meu livro, a lançar a 29 de abril em Alfeizerão “UMA
JANELA COM VISTA PARA A RUA DA MEMÓRIA”, destaco temas como o Padre
Brigalheira, que na década de 1920 foi Pároco em Montes, o Rancho do Alcoa,
extinto por alturas de 1956/1957 e do qual fizeram parte inúmeros alcobacenses
que entretanto nos deixaram (mas que têm descendentes, familiares ou amigos e
do qual nunca se havia feito a história ou repositório), e os Baldios da Serra
dos Candeeiros na tentativa fraudulenta da sua aquisição na década de 1990 por
parte de certos “habilidosos”.
Como esta minha missão
é infindável, informo os leitores e alcobacenses em geral, que me encontro
disponível para (re)colher informações com vista a preservar a memória da nossa
Terra, da nossa Gente, enfim da nossa Casa Comum.
Sei que
a nossa diretora Sara Vieira (Região de
Cister), encontrará espaço para acolher este propósito, se ou quando for conseguido.
Tenho a
convicção, certeza mesmo, que a defesa e manutenção do nosso património é
património futuro, e que este é muito mais que a pedra. A História não é
repositório de coisas bafientas e vetustas, é o estudo do passado, ainda que este
pareça ser apenas, o dia de ontem.
Algumas
pessoas pensam serem a última “batata frita
do pacote” e que lhes cabe fazer tudo de novo, porque o passado não conta. Errado.
A História faz-se no presente, sem olvidar as condições de sustentabilidade e
de respeito pelo entorno.
Municípios
como atualmente é o caso de Alcobaça, têm massa crítica e capacidade de
intervenção, o que confere confiança para gerir o património. Depois do 25 de
abril ocorreu uma explosão de associações de defesa do património que continuam
a existir, pese embora um trabalho quase residual, o que no contexto referido é
bom sinal.
Sei que
o orçamento municipal da cultura não é dos mais nutridos, nem que o respetivo
pelouro é dos que têm numericamente mais pessoas afetadas. Como autor de
escrita nunca solicitei subsídios, quando muito financiamentos, alguns apoios.
Há
diferença? Entendo que sim, tal entendo não ser, liminarmente, contra os subsídios.
Sei perfeitamente o que é um financiamento, mas há pessoas que quando ouvem
alegados/supostos economistas, populistas e economistas populistas falar de
financiamentos e dizer piadas mais ou menos benignas ficam com as “orelhas a arder”. Não estou a fazer
nenhuma observação de natureza política, mas enfim a fazer desabafos…
O
colonialismo português ao longo de seis centenas de anos, foi muito complexo e
assim colide, inevitavelmente, com “verdades
eurocentristas” que conduzem à tentação de o rever com penitências
presentes. O progresso civilizacional, concedo, colide com algumas enormidades
dos saudosistas do “império que iluminou
o mundo”, embora descobrir é algo do mais fantástico que existe.
Como
cerca de um milhão de rapazes entre 1963 e 1974, casado e pai de 2 filhas cumpri
serviço militar na Guiné e se estive na secretaria em Bissau algum tempo,
também soube o que era a vida em aquartelamento no mato e na fronteira. Então
tive dúvidas sobre o sentido de uma guerra que só tem cavalheirismo na
literatura, pois é um alfobre de horrores em que caiem as partes em confronto.
Um
conhecido, natural de Moçambique mas que estudou em Portugal e aqui vive,
entende como normal e justo que devolvamos ao seu país, o que de lá “indevidamente” trouxemos, embora não o
saiba especificar, como se a gesta portuguesa tivesse sido fundamentalmente
malévola.
Indiferente
a um luso-tropicalismo serôdio e desajustado, o Ministro da Cultura (PS), que
nem conheço pessoalmente, fez uma declaração serena e ponderada sobre as
restituições.
Na linha
do que tenho defendido, o nosso colonialismo não pode ajuizado conforme o “presentismo”, as regras e valores deste século
XXI, que corre.
Como
jurista (não propriamente como político) até me atrevo a dizer que o seu país
só existe como tal, após os portugueses de lá terem saído. O Portugal do século
XV até ao de 25 de abril é, afinal, acusado de se ter apropriado indevidamente
do que era seu.
Em
resumo, é Portugal a roubar a Portugal.
Não
pretendo justificar-me, mas reafirmar que me assumo como republicano e
democrata. Esta postura, que incorpora um sentimento que vai muito além da convicção
ideológica, não impediu que há meses tivesse acompanhado com interesse o
cerimonial associado à morte de Isabel II de Inglaterra, pelo peso das
indumentárias e dos procedimentos, bem como pelo que a monarquia britânica
ocupou na minha e nas nossas vidas pelo menos desde 1952, isto é, o ano em que
esta subiu ao trono. Mesmo encarando a instituição monárquica como ultrapassada
e contrária a valores que reputo fundamentais, nesse momento mostrar
indiferença era algo que considero uma forma desconforme de marcar posição,
ainda que só para mim.
No ano
passado e no seguimento desse evento escrevi, para uma revista um artigo (do
qual tirei uma separata) sobre a memorável visita que em 1957 a jovem e
graciosa Rainha Isabel fez a Portugal e a Alcobaça. Embora tenha costados
britânicos (mas há mais de 170 anos a viverem em Portugal), não esqueço que
houve momentos em que fizeram aquilo que lhes interessava e muto bem apetecia,
pese embora outros em que foi decisiva a sua participação.
Não sendo
historiador por formação, sinto que enquanto a pena me não doer, estou habilitado
a discernir em torno de um facto histórico e fazer a sua divulgação, não como um
papagaio, salvo o respeito a este. Com essa divulgação nada pretensiosa ou muito
menos académica, faço um pouco de História em moldes que reputo cuidadosos,
embora eventualmente controversos, atento como trato os dados recolhidos.
O meu
campo de intervenção tem sido muito circunscrito à nossa região, pois entendo
que nos assuntos deste nosso território tem cabimento alguém ligado ao gosto do
património ou com opinião sobre ele. Nesse sentido tenho publicado como o próximo “UMA
JANELA COM VISTA PARA A RUA DA MEMÓRIA”, a lançar no dia 29 de abril de
2023 pelas 16h, em Alfeizerão.
Ao terminar o curso de
Direito, sabia qual seria em circunstâncias normais a minha saída profissional,
o que felizmente se cumpriu, conjugada com alguma intervenção política em
Alcobaça. Aqui, consegui conciliar o trabalho forense das 9 horas à meia-noite,
com um gostoso diletantismo de colaboração com o município, o PPD/PSD e O Alcoa.
Conhecer
e dar a conhecer a História (a minha paixão desde os bancos da escola), ajuda
ou deveria ajudar as pessoas a posicionarem-se no seu mundo. Neste tempo de
intolerância, a História é por vezes utilizada de forma perniciosa, alimentada
por nacionalismos radicais e populistas. Acredito que o papel do historiador
passa por demonstrar como cada um é fruto de inúmeras e nem sempre
identificáveis contradições. Cada um de nós tem no seu ADN, judeus, mouros,
cristãos, católicos, protestantes, espanhóis, africanos, pessoas que não
morreram descalças, que tiveram de lutar pela sobrevivência (mesmo económica) e
uma dos objetivos do seu sacrifício foi criar descendência. Cumpre ao
historiador demonstrar tanto quanto possível essa mescla, afinal do que somos
feitos. A História em lugar de fomentar nacionalismos, deve ajudar a relevar e
a demonstrar que somos a súmula de muitos, muitos contributos, a relativizar,
rejeitando a exclusividade.
As lendas com o que
têm de folclore e sedutoras transmitem normalmente por via oral as cosmovisões,
as mitologias, as explicações sobre como surgiu este ou aquele sítio, esta ou
outra receita, determinada devoção ou ritual, etc.. Algumas têm origem em
acontecimentos verdadeiros, pese embora se saiba que quem conta um conto lhe acrescenta
um ponto. Naquele meu livro, recorro às lendas da nossa Terra (Alcobaça), umas
mais outras menos conhecidas, mas sempre bonitas. Alguns dos pais da nossa História
como os ilustres Herculano, Garrett ou Arnaldo Gama deram importância às lendas
para o que fizeram pesquizas, para assim as registarem e divulgarem. A minha
tarefa foi mais fácil, embora não tenham menos encanto que as daqueles.
Gostaria
muito de saber a opinião dos leitores quando o livro sair.
Desde
que o mundo é mundo, compartilhamos histórias que perpassam as pessoas, fazendo
delas o que são. A par dos provérbios, lengas-lengas, ditos e dizeres populares, as lendas
são importantes testemunhos orais, que podem caracterizar um povo e uma Terra.
Neste sentido,
Alcobaça, concretamente o Mosteiro, é um rico alfobre, onde o trabalho ao nível
identitário pode apresentar-se como fator de atração.
Daí, mais uma razão
para a publicação desta minha “UMA JANELA COM VISTA PARA A RUA DA MEMÓRIA” que, de forma simples procura dar
a conhecer algum património oral.
As lenda são verossímeis? Sim, porque o povo
quer que sejam. De mãe para filho, é transmitida uma fabulação de maravilhas
que estão para além da História. Conta-se o que, se não aconteceu, poderia muito
bem ter acontecido. E assim, oralmente, se escreve uma literatura, em que o
espírito do povo vira criança, brinca e faz de conta. Brinca? Talvez não, é a
sério. O que é que pode mais do que um sonho? As lendas procuram transmitir-nos
algo importante que se passa na zona penumbrosa e criativa do popular. E o que
não existe passa a existir por força do seu encantatório enredo.
Alguns de nós habituaram-se a
ouvir histórias de lendas contadas pelos pais (especialmente a mãe) e avós. No
imaginário coletivo, as lendas são frequentemente histórias de mouras
encantadas, dos seus apaixonados cavaleiros e encantamentos. Recordam-nos
momentos de afetos, de sonhos, de irmos a um qualquer lugar para ver se
encontrávamos uma bela moura (as mouras são todas lindas) ou testemunhos sua
presença, junto de uma fonte ou poço, castelo ou palácio. Gostaria que este
livro fosse um pretexto para as mais novas ou futuras gerações continuarem a
fazê-lo, para passarem bons momentos em família ou na escola, permitindo-lhes
conhecer, para melhor amar, o património comum.
É salutar acreditar que, algures, há um pote com
moedas de ouro a aguardar ser achado. Mais do que irmos à sua procura,
de berços dourados ou de outros tesouros escondidos num palácio ou castelo
perto de nós, devemos, acima de tudo, prezar criar laços de afeto com o nosso Património
e a nossa História, promovendo consciência crítica nas gerações mais novas e
vindouras.
Todavia nos nossos alegados centros culturais,
as lendas vão perdendo eficácia, menosprezadas por uma civilização que luta
desesperadamente pela vida real.
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