FLeming de OLiveira
Paulo
VI veio Fátima em 1967 (tal como Francisco em 2017 no centenário das aparições, mas não falou delas), tendo publicamente
apresentado Lúcia, numa imagem que se tornou icónica.
“Paulo VI
recebeu as homenagens da Irmã Lúcia que, autorizada, a título excecional, pelo
Arcebispo-Bispo de Coimbra, interrompeu por três dias, a sua clausura no
Carmelo de Santa Teresa, para vir assistir ao momento mais solene da história
da Fátima, desde as aparições de há cinquenta anos, de que foi testemunha
principal.
(…) O Papa conversou afetuosamente
durante três minutos, com a freira carmelita, servindo de intérprete o Bispo de
Leiria. Depois dirigiu à vidente algumas palavras e ofereceu-lhe um estojo com
uma medalha. Lácia pediu, então, ao Papa, autorização para lhe apresentar
alguns dos seus familiares, que Sua Santidade igualmente abençoou. (…) O Padre Santo convidou
Lúcia a aproximar-se dele e apresentou-a aos peregrinos sob uma revoada de
aplausos”.
Em Outubro de 1942, Gonçalves Cerejeira havia
afirmado: “Não foi a Igreja que impôs Fátima, foi Fátima que se impôs à Igreja”.
A frase sintetiza, a meu ver, o complexo e por
vezes tenso, processo de construção do “milagre”
junto da hierarquia católica. Esta haveria de reconhecer que os
acontecimentos da Cova d’Iria eram, talvez, o facto mais saliente da história
religiosa de Portugal.
A Igreja estudou os
acontecimentos, organizou um processo canónico que estendeu ao longo de oito
anos, permitindo recolher testemunhos, e sobretudo, “verificar a prova decisiva do tempo”.
O
ambiente era de tensão, entre o Governo Português e o Vaticano, nesses tempos
finais do salazarismo, embora a maioria dos portugueses não se apercebesse
disso, por força do controlo da informação.
“Oficialmente
nada sei, mas, pessoalmente, creio que o Papa virá a Portugal, caso não haja implicações internacionais que
o não permitam”, declarou cautelosamente o leiriense Cónego José Galamba de
Oliveira, vice-presidente da comissão central das comemorações do cinquentenário
das “aparições”. Galamba de Oliveira
acrescentou saber que a TAP (“no caso de
se concretizar a visita a Portugal”) convidará o Santo Padre a fazer a
viagem num dos seus aviões.
Os rumores de uma visita do
Papa a Portugal começaram a circular durante a cerimónia da entrega por Paulo
VI ao Santuário da “Rosa de Oiro” e,
embora sem qualquer confirmação oficial, passaram a ter acolhimento muito
favorável da parte das autoridades eclesiásticas portuguesas.
A
viagem foi publicitada pessoalmente na Audiência Geral de 2 de maio de 1967 e
apresentada como uma “peregrinação para
honrar Maria Santíssima e invocar a sua intercessão em favor da paz da Igreja e
do Mundo. A peregrinação rapidíssima, terá caráter totalmente privado. Sua Santidade partirá para Fátima no
dia 13, e o avião pousará no aeródromo de Monte Real. Depois de celebrar missa e falar aos fiéis,
regressará a Roma na tarde do mesmo dia”.
Do ponto de vista
da comunicação social, a visita papal foi, provavelmente, o acontecimento mais
mediático a que, até então, se assistira e que veio atenuar a política
isolacionista do Estado Novo e também fonte de inspiração e estímulo para os
que se lhe opunham.
Salazar terá
“jurado” a Franco Nogueira que
enquanto fosse vivo, Paulo VI não viria a Portugal, que lhe recusaria o visto de entrada.
À partida, era expectável que a visita do Papa se prestasse
fortemente capitalizada pelo regime. Mas também acabou por se revelar
mobilizadora e benéfica para as oposições, que reconheciam os seus anseios e
preocupações no discurso de Paulo VI que liderava um movimento de renovação da
Igreja que assumira a causa dos mais fracos e denunciava as injustiças
decorrentes de um capitalismo feroz e alheado do progresso dos povos, que
fomentava a revolta e a guerra.
Conforme o embaixador de Portugal em
Roma, António de Faria, o Pontífice tardou todavia a dar o “sim”
à deslocação. D. João Pereira Venâncio desenvolveu
inúmeras diligências para que o Papa aceitasse o convite, cuja anuência lhe foi
confirmada apenas nos primeiros dias de Maio de 1967.
Paulo VI foi o primeiro Papa a fazer com regularidade viagens para
fora do Vaticano. Antes de Fátima, foi à Terra Santa, à Assembleia Geral de
ONU, em 1963 ao Congresso Eucarístico em Bombaim, que Franco Nogueira, qualificou como “um agravo gratuito, no duplo sentido de que
é inútil e injusto para com um país católico”, em 1964 à Colômbia.
A deslocação a Fátima, à partida, não foi apreciada pelo governo
português. Permanecia o agravo entre a Índia e Portugal, pois aquela tinha
invadido e ocupado Goa, Damão e Diu em dezembro de 1961, e, apesar da tentativa
do Papa em procurar mostrar que a ida a Bombaim não era um gesto hostil a
Portugal e ao catolicismo português, provocou uma forte reação por parte de
Salazar e do Governo.
A
visita papal a Portugal deveria ser um momento de glória, nunca de embaraço.
Não foi uma visita de Estado, o
Pontífice decidiu não ir a Lisboa, não pernoitar em Portugal e aceitar ser
convidado do Bispo de Leiria. Enfim, para mostrar o distanciamento face ao
regime político português.
Assim que
correu a notícia da visita papal, o país entrou em efervescência a preparar a receção que, além da solenidade
protocolar propriamente dita, se queria envolta em exuberantes manifestações populares
de carinho e apoio à sua pessoa (e ao regime…), bem como ao propósito da
peregrinação, a paz no mundo e o entendimento dos homens.
No Museu do Caramulo, existe um Rolls-Royce
Phantom III de 1937, ligado a histórias interessantes ocorridas em Portugal.
Entre 1936 a 1939, foram produzidas cerca de 710 unidades deste modelo, aliás o
último Rolls-Royce de luxo a ser fabricado antes da II Guerra.
Este carro esteve ao serviço da
Presidência da República e nessas funções, transportou algumas figuras de
Estado que visitaram o nosso país.
O General
Craveiro Lopes era o Presidente da República quando se foi decidido adquirir um
Rolls-Royce descapotável, tendo em vista a receção à Rainha Isabel
II na visita a Portugal em fevereiro de 1957.
Harry Rugeroni
foi enviado a Inglaterra com esse propósito, mas não conseguiu comprar o modelo
desejado, em estado novo. Decidiu-se, assim, por um usado, aproveitar o
Rolls-Royce, do Príncipe de Berar, que veio para Londres em 1950, e expurgado
das suas fantasias de nobre indiano. O carro recebeu a matrícula DD-30-92, ficou
ao serviço da Presidência da República.
O Papa Paulo VI tinha comunicado ao
governo português que não desejava usar um Rolls-Royce, pelo facto de ser um
carro muito ostensivo.
Apesar da consciência que o
Rolls-Royce não se enquadrava nas pretensões do Papa, os portugueses recorreram ao proverbial engenho e criatividade. O Estado
Português não queria desiludir Sua Santidade. Por isso, foi decidido
descaracterizar o automóvel, procedendo-se à substituição do seu símbolo (Rolls
Royce) pela bandeira do Vaticano. A grelha foi pintada de negro, nomeadamente o
logótipo.
O Papa viajou no Rolls-Royce todo o
tempo, sem que tivesse percebido que se encontrava num carro de luxo.
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