sexta-feira, 30 de junho de 2023

QUANDO O GOVERNO PORTUGUÊS ENGANOU O PAPA PAULO VI

 


FLeming de OLiveira

 

 

 

Paulo VI veio Fátima em 1967 (tal como Francisco em 2017 no centenário das aparições, mas não falou delas), tendo publicamente apresentado Lúcia, numa imagem que se tornou icónica.

“Paulo VI recebeu as homenagens da Irmã Lúcia que, autorizada, a título excecional, pelo Arcebispo-Bispo de Coimbra, interrompeu por três dias, a sua clausura no Carmelo de Santa Teresa, para vir assistir ao momento mais solene da história da Fátima, desde as aparições de há cinquenta anos, de que foi testemunha principal. (…) O Papa conversou afetuosamente durante três minutos, com a freira carmelita, servindo de intérprete o Bispo de Leiria. Depois dirigiu à vidente algumas palavras e ofereceu-lhe um estojo com uma medalha. Lácia pediu, então, ao Papa, autorização para lhe apresentar alguns dos seus familiares, que Sua Santidade igualmente abençoou. (…) O Padre Santo convidou Lúcia a aproximar-se dele e apresentou-a aos peregrinos sob uma revoada de aplausos”.

 

Em Outubro de 1942, Gonçalves Cerejeira havia afirmado: “Não foi a Igreja que impôs Fátima, foi Fátima que se impôs à Igreja”.

A frase sintetiza, a meu ver, o complexo e por vezes tenso, processo de construção do “milagre” junto da hierarquia católica. Esta haveria de reconhecer que os acontecimentos da Cova d’Iria eram, talvez, o facto mais saliente da história religiosa de Portugal.

A Igreja estudou os acontecimentos, organizou um processo canónico que estendeu ao longo de oito anos, permitindo recolher testemunhos, e sobretudo, “verificar a prova decisiva do tempo”.

 

O ambiente era de tensão, entre o Governo Português e o Vaticano, nesses tempos finais do salazarismo, embora a maioria dos portugueses não se apercebesse disso, por força do controlo da informação.

“Oficialmente nada sei, mas, pessoalmente, creio que o Papa virá a Portugal, caso não haja implicações internacionais que o não permitam”, declarou cautelosamente o leiriense Cónego José Galamba de Oliveira, vice-presidente da comissão central das comemorações do cinquentenário das “aparições”. Galamba de Oliveira acrescentou saber que a TAP (“no caso de se concretizar a visita a Portugal”) convidará o Santo Padre a fazer a viagem num dos seus aviões.

Os rumores de uma visita do Papa a Portugal começaram a circular durante a cerimónia da entrega por Paulo VI ao Santuário da “Rosa de Oiro” e, embora sem qualquer confirmação oficial, passaram a ter acolhimento muito favorável da parte das autoridades eclesiásticas portuguesas.

A viagem foi publicitada pessoalmente na Audiência Geral de 2 de maio de 1967 e apresentada como uma “peregrinação para honrar Maria Santíssima e invocar a sua intercessão em favor da paz da Igreja e do Mundo. A peregrinação rapidíssima, terá caráter totalmente privado. Sua Santidade partirá para Fátima no dia 13, e o avião pousará no aeródromo de Monte Real. Depois de celebrar missa e falar aos fiéis, regressará a Roma na tarde do mesmo dia”.

Do ponto de vista da comunicação social, a visita papal foi, provavelmente, o acontecimento mais mediático a que, até então, se assistira e que veio atenuar a política isolacionista do Estado Novo e também fonte de inspiração e estímulo para os que se lhe opunham.

 

Salazar terá “jurado” a Franco Nogueira que enquanto fosse vivo, Paulo VI não viria a Portugal, que lhe recusaria o visto de entrada.

À partida, era expectável que a visita do Papa se prestasse fortemente capitalizada pelo regime. Mas também acabou por se revelar mobilizadora e benéfica para as oposições, que reconheciam os seus anseios e preocupações no discurso de Paulo VI que liderava um movimento de renovação da Igreja que assumira a causa dos mais fracos e denunciava as injustiças decorrentes de um capitalismo feroz e alheado do progresso dos povos, que fomentava a revolta e a guerra.

Conforme o embaixador de Portugal em Roma, António de Faria, o Pontífice tardou todavia a dar o “sim” à deslocação. D. João Pereira Venâncio desenvolveu inúmeras diligências para que o Papa aceitasse o convite, cuja anuência lhe foi confirmada apenas nos primeiros dias de Maio de 1967.

Paulo VI foi o primeiro Papa a fazer com regularidade viagens para fora do Vaticano. Antes de Fátima, foi à Terra Santa, à Assembleia Geral de ONU, em 1963 ao Congresso Eucarístico em Bombaim, que Franco Nogueira, qualificou como “um agravo gratuito, no duplo sentido de que é inútil e injusto para com um país católico”, em 1964 à Colômbia.

A deslocação a Fátima, à partida, não foi apreciada pelo governo português. Permanecia o agravo entre a Índia e Portugal, pois aquela tinha invadido e ocupado Goa, Damão e Diu em dezembro de 1961, e, apesar da tentativa do Papa em procurar mostrar que a ida a Bombaim não era um gesto hostil a Portugal e ao catolicismo português, provocou uma forte reação por parte de Salazar e do Governo.

A visita papal a Portugal deveria ser um momento de glória, nunca de embaraço. Não foi uma visita de Estado, o Pontífice decidiu não ir a Lisboa, não pernoitar em Portugal e aceitar ser convidado do Bispo de Leiria. Enfim, para mostrar o distanciamento face ao regime político português.

Assim que correu a notícia da visita papal, o país entrou em efervescência a preparar a receção que, além da solenidade protocolar propriamente dita, se queria envolta em exuberantes manifestações populares de carinho e apoio à sua pessoa (e ao regime…), bem como ao propósito da peregrinação, a paz no mundo e o entendimento dos homens.

 

No Museu do Caramulo, existe um Rolls-Royce Phantom III de 1937, ligado a histórias interessantes ocorridas em Portugal. Entre 1936 a 1939, foram produzidas cerca de 710 unidades deste modelo, aliás o último Rolls-Royce de luxo a ser fabricado antes da II Guerra.

Este carro esteve ao serviço da Presidência da República e nessas funções, transportou algumas figuras de Estado que visitaram o nosso país.

O General Craveiro Lopes era o Presidente da República quando se foi decidido adquirir um Rolls-Royce descapotável, tendo em vista a receção à Rainha Isabel II na visita a Portugal em fevereiro de 1957.

Harry Rugeroni foi enviado a Inglaterra com esse propósito, mas não conseguiu comprar o modelo desejado, em estado novo. Decidiu-se, assim, por um usado, aproveitar o Rolls-Royce, do Príncipe de Berar, que veio para Londres em 1950, e expurgado das suas fantasias de nobre indiano. O carro recebeu a matrícula DD-30-92, ficou ao serviço da Presidência da República.

O Papa Paulo VI tinha comunicado ao governo português que não desejava usar um Rolls-Royce, pelo facto de ser um carro muito ostensivo.

Apesar da consciência que o Rolls-Royce não se enquadrava nas pretensões do Papa, os portugueses recorreram ao proverbial engenho e criatividade. O Estado Português não queria desiludir Sua Santidade. Por isso, foi decidido descaracterizar o automóvel, procedendo-se à substituição do seu símbolo (Rolls Royce) pela bandeira do Vaticano. A grelha foi pintada de negro, nomeadamente o logótipo.

O Papa viajou no Rolls-Royce todo o tempo, sem que tivesse percebido que se encontrava num carro de luxo. 

 

 

 

 

 

 

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