sexta-feira, 26 de abril de 2024

Entrevista com Fleming de Oliveira

 

Inês Santos-

Quais foi no seu entender as grandes conquistas, implementadas pelo 25 de Abril?

Fleming de Oliveira-

As grandes conquistas são, sem dúvida, a liberdade e a igualdade entre os portugueses. Se tivermos em conta os termos da Revolução Francesa, tal como a fraternidade, sinónimo de solidariedade, o coletivo preocupa-se com o coletivo, as pessoas preocupam-se com o coletivo. A nossa sociedade é hoje em dia mais coletivista do que outrora.

A liberdade e tudo mais conexo, foram conquistadas num dia. No dia 24 não se poderia falar abertamente, sob pena de ser censurado, preso e mesmo punido.

Com cerca de 30 anos e início de carreira profissional e política, intuí o poder de sonhar, de dispor de alternativas, rumo a um mundo novo e a descobrir.

Entre os direitos que o 25 de abril proporcionou, reitero, cumpre destacar a Liberdade, enfim as liberdades. Com ela veio a conquista de mais liberdades, como algo tão comezinho como namorar e o aborto, embora este seja assunto complexo com tratamento mais tardio e controverso.

Inês Santos-

Que importância teve esta data para estatuto das mulheres?

Fleming de Oliveira-

Logo a seguir ao 25 de abril, desenrolou-se um processo muito relevante para as mulheres, já que a legislação vigente as condicionava em absoluto. O Código Civil, de 1967, não foi revogado, mas reformulado e reformado, mudando o seu estatuto. Desapareceu, por exemplo, a figura do homem chefe de família, o marido ao qual a mulher, ainda que bastante evoluída, devia respeitar e obedecer. Mulher. A deixou de tsr autorização para viajar, exercer comércio ou aceder a certas profissões.

A legislação é fundamental para modificar a vida das pessoas, embora normalmente isso ocorra de forma gradual. As leis, só por si, não bastam, têm de ser conhecidas e aplicadas. A sua aplicação, é por vezes complicada e, em Portugal, grandes são os problemas no que se refere à justiça e à igualdade.

Inês Santos-

Os jovens estão cientes de que a política pode influenciar a liberdade? Eu ainda não tenho idade para votar, mas este assunto interessa-me.

Fleming de Oliveira-

Raramente, o jovem decide viver com outro antes de ganhar dinheiro para ter casa, automóvel e essas coisas tidas por vulgares ou correntes.

Diz-se, muitas vezes aos jovens, e com razão, que a liberdade não está garantida para sempre, pese embora a estabilidade do nosso regime. Com estudantes, transmito, sempre que possível esta ideia. Nos tempos que correm, há muitos portugueses insatisfeitos, jovens mas não só, que acham interessante as propostas da extrema-direita, pensando que a sua vida será melhor e rapidamente, que as coisas se podem modificar com intervenção populista. Mas acho que estão absolutamente errados.

Inês Santos-

Considera que a informação que nos é prestada é confiável?

Fleming de Oliveira-

Sim e não. Dispomos de redes sociais e outros componentes muito acessíveis, que condicionam a valoração sobre o que se está a passar na Rússia-Ucrânia, Gaza, o possível regresso de um Trump,  Bolsonaro ou outro qualquer populista, num estilo incompreensível entre nós. Estou preocupado com isso.

Inês Santos-

A verdade é que a nossa realidade e padrões de vida se diferenciam de outros países…

Fleming de Oliveira-

Tem muita razão. A falta de cultura Histórica, ao invés do que acontece e em países da Europa ocidental, é um problema e nisso, os governos de direita ou esquerda, têm tido a magna responsabilidade.

A História e a Filosofia, áreas que sempre muito valorei, deveriam ser obrigatórias, até ao 12º ano e mesmo no currículo das ciências exatas. Para mim, desde rapaz foi fundamental o gosto pela História e Filosofia, cadeiras charneiras que me serviram para pensar, viver e socializar.

Muitos portugueses que não estavam ligados à política, foram ativos no processo de transição para a democracia, pois entendiam que “quero que os meus filhos e netos vivam melhor”. É errado dizer que as gerações atuais, pese embora alegadamente as mais preparadas que nunca, vivem pior ou que vão viver pior que as anteriores. A minha geração foi marcada pela História, controlada e vigiada pelo regime salazar/marcelista, o que acarretava alguma falta de curiosidade ou acesso, relativamente ao exterior. Hoje pode-se viajar, toda a gente viaja, o que no meu tempo de rapaz era complicado. Programas como o Erasmus ou Interail foram determinantes na abertura ao mundo, apesar de em qualquer país para onde se viaja, sobretudo no mundo ocidental, se verem as mesmas lojas, os mesmos produtos, os mesmos filmes, as mesmas séries televisivas, pelo que esse excesso, alegada liberdade de informação e concorrência, concomitantemente corresponde a um afunilamento. Esta informação trouxe consigo as “fake news”, a verdade ao lado da mentira.

O 25 de abril é referência para um quadro de luta contra abusos. Saliento, destacadamente, a corrupção que merece um combate sem tréguas, embora muito difícil e nunca findo.

Inês Santos-

A Inês considera que os direitos adquiridos são fáceis de preservar no dia a dia?                                                                          

Fleming de Oliveira-

Um amigo perguntou-me como manter os direitos adquiridos, o que reputo questão difícil de responder. Seja como for, não vislumbro outro meio que não seja adquirir cultura, o que leva ao discernimento entre verdade e mentira.

Os nossos canais de televisão alegadamente informam, mas no meu entender não facilitam cultura, o cinema, o teatro e a leitura não têm a importância de outrora, pelo que haverá um incomensurável trabalho a desenvolver, dia a dia e constantemente.

Mas isto é a vida, a nossa imperiosa necessidade.

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