(Do Cancioneiro
Popular de Loriga)
SALAZAR É “PROTETOR
DO OPERÁRIO”
OU “AFINAL É ELE QUEM RISCA, OS OUTROS
NÃO RISCAM NADA”?
Fleming de OLiveira
Este Verão dei uma
volta pela nossa Beira Alta (cada vez gosto mais
de andar pelo nosso Portugal “profundo”), tendo
parado em Loriga (pequena povoação e
freguesia do Concelho da Guarda) que não conhecia e
cujo nome, antes, nada me dizia.
Foi por isso com
verdadeira surpresa ao aperceber-me, de algumas características extremamente
curiosas da terra, nomeadamente o seu enorme e secular Cancioneiro Popular,
recentemente (2013) recolhido em livro, aliás, sem chancela autárquica,
que adquiri prontamente e li “gulosamente”.
O Cancioneiro foi
transmitido por via oral e, em certos momentos, interpretado pela Banda
Filarmónica da Sociedade Recreativa e Musical Loriguense, bem como pelo Rancho
Folclórico Loriguense. Aquela coletividade, ao longo da sua existência,
ocupou-se da música erudita, mas nunca se afastou da música popular.
Todas as cantigas do
cancioneiro, sejam elas de Missa, Reis, Ano Novo, Entrudo, ou Escárnio, passaram de geração em geração,
através da “única” forma que o povo tinha para as transmitir, isto é, de pais
para filhos, de avós para netos, em suma, pelo que vulgarmente falando, se
designa por tradição oral.
Ao longo de várias
gerações, a economia-base de muitas famílias serranas, como as de Loriga,
assentou na complementaridade agro-silvo-pastorícia. Todavia, no caso de
Loriga, a partir de meados do século XIX, com o aparecimento da primeira
fábrica de lanifícios (1856) constitui-se um modelo de desenvolvimento da economia
local baseado, não apenas na produção industrial, mas também na agro-pastoril.
Nesta perspetiva e
no tocante à componente dominante industrial, entre meados do século XIX e o
terceiro quartel do século XX, Loriga tornou-se uma das principais vilas
industriais do Concelho da Guarda.
Tendo em conta, o
fervor religioso que caracterizava a dinâmica social desta região beirã, a
igreja desempenhava (nem sempre muito
subtilmente), funções de
“sustentabilidade ideológica” e de controlo social, em favor do “status quo”
dominante e bem patente, por exemplo, no privilégio das “cadeiras, bancos de
veludo” reservados junto ao altar aos membros das classes possidentes,
políticos incluídos.
Contudo, não
obstante o meio ambiental de isolamento e controlo, o povo tinha “válvulas de
escape” à pressão e labor agrícolo-industrial. Havia, obviamente, danças,
bailes e romarias. As danças e bailes eram comuns, sobretudo na Primavera e
Verão, normalmente aos domingos à tarde a “toque” de realejo ou concertina.
Neste quadro, em boa
medida, o património de cantares, cantigas e desgarradas, reunidas naquele
cancioneiro, fica a dever-se às dinâmicas dessas “danças e bailes de domingo à
tarde” mas também, às romarias, em que gerações de alegres alegres, sempre
munidas de farnel (os imprescindíveis
chouriço, frango e vinho tinto), após cumprimento
das respetivas promessas ao santo devoto palmilhavam as rotas poeirentas do
regresso, dando largas à sua criatividade, malícia, cantando, rindo e dançando
até à próxima.
Destaco a seguir um
cantar laudatório do Regime/Salazar (talvez
encomendado e que os meus leitores mais novos, eventualmente, compreenderão
menos e nem achem curioso), que ao que me
consta não terá sido interpretado pela Banda ou Rancho, mas tão só pelo povo nos
seus convívios.
“Vamos ter nesta Loriga
Um Bairro de encantar
Que nos dá a gente amiga
Do governo Salazar.
Vai acabar o tormento
De vivermos apertados
Ao frio, à chuva e ao vento
E o senhorio a explorar.
O Salazar, chefe de sentimentos nobres
Protetor do operário
Defensor da gente pobre
Mas nunca deixa de atender a plebe
Vamos propor o seu nome
Pró Bairro da Vista Alegre.”
E agora, de certo
modo em contraponto vou transcrever um outro cantar com a mesma origem popular,
que terá passado as malhas de um regedor “bufo-pidesco”.
“Nós vimos de Santa Comba
Ó rebim, bim, bim, ó rebim, bim, bão
Dizer aos de Santa Comba
Se dão ou tiram ou tiram ou dão.
Mas aqui já nos disseram
Ó rebim, bim, bim, ó rebim, bim, bum
Lá na terra todos dão
Mas tirar só tira um.
Tinha um doutor um pomar
Lá na quinta mesmo ao cimo
Há laranjas de encantar
E maçãs que são um mimo
Apesar dos arvoredos
Traz os campos num sarilho
A gente é que lavra a terra
E ele é quem guarda o milho,
Ai!
Nós vimos de Santa Comba…
Ele foi sempre de pequeno
Um rapaz de ideias prontas
Já nas aulas lá na terra
Estava sempre a riscar contas
Estava sempre a riscar contas
A riscar na tabuada
Afinal é ele quem risca
Os outros não riscam nada,
Ai!
Nós vimos de Santa Comba…
Santa Comba por destino
Fica mesmo em Portugal
Fica à beira de Oliveira
De Oliveira do Hospital
Oliveira do Hospital
E os doentes não ilude
Afinal é o Oliveira
Quem nos trata da saúde,
Ai!
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