sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Acerca de “Política e Corrupção Branqueamento e Enriquecimento”, de P. Saragoça da Matta.

Acerca de “Política e Corrupção
Branqueamento e Enriquecimento”,
de P. Saragoça da Matta.

(Chiado Editora)




FLeming de OLiveira


Recebi para apreciação da Chiado Editora, Política e Corrupção- Branqueamento E Enriquecimento, do advogado Dr. Saragoça da Matta.
Nunca trabalhei com ele, não o conheço pessoalmente, mas aprecio algumas intervenções em programas televisivos.

Resultado de imagem para politica e corrupção-p. saragoca da mattaTrata-se de um conjunto de textos/conferências com alguns anos (o que lhes pode retirar alguma oportunidade), que analisam os contornos do Enriquecimento Ilegítimo, da Corrupção na Função Política e Administrativa, do Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo, assim como a Disciplina Legal e Regulatória do Mercado Financeiro. O autor também se pronuncia sobre os Prazos de Recurso nos Megaprocessos de excecional complexidade, os Meios de Prova e o Papel do Consentimento do Arguido na Utilização de Provas Através do Seu Próprio Corpo, o Dever de Exame de Toda a Prova Relevante para a Condenação em Sede de Julgamento, o Interrogatório do Arguido, a Recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça e a Delimitação do Núcleo Essencial dos Direitos Processuais das Partes.
Não entrando na apreciação destes temas, irei fazer, porém, um comentário respeitante a sua reflexão de cariz politico-filosófico sobre a (in)salubridade do nosso regime politico, embora se pudesse pensar que conforme a minha formação académica e profissional incidiria preferencialmente sobre os outros.

Questiona-se naquela reflexão se os (nossos) Partidos Políticos vivem isentos de verdadeiro escrutínio, seja de mérito ou de legalidade de procedimentos, por parte do Povo (Soberano). Esta reflexão incide sobre os políticos, como se fossem uma casta perversa, um grupo de personalidades com mentalidade e procedimentos distorcidos diferentes dos demais agentes, sejam dirigentes desportivos, industriais, sindicais, etc. e que afetam a qualidade da vida coletiva. O autor aprecia, muito criticamente, a questão da disciplina de voto nas câmaras parlamentares (AR e assembleias autárquicas), a contaminação dos interesses públicos pelos interesses dos Partidos e o seu financiamento, a manipulação da máquina do Estado, a perpetuação das estruturas partidárias e a imutabilidade da lei eleitoral.
O regime politico português, por mais democrático que se reclame (ainda que não retoricamente), sofre naturalmente de distorções que viabilizam críticas, mais ou menos aceradas, justas ou oportunas. Por outro lado, sabendo-se que este regime (como qualquer outro) não é perfeito, sem necessidade de invocar facilmente a falta de cultura e prática democráticas portuguesas, há que ter em conta que se trata de um regime feito por pessoas concretas, não virtuais, que não se podem substituir por outras politicamente mais corretas, decorrente de uma Constituição aprovada numa conjuntura especialmente turbulenta e que fundamentalmente resiste.
Não é original o entendimento que a CRP está a ser desrespeitada pelos partidos com assento na AR (com a óbvia exceção do PAN) relativamente ao artº 155.º/1/C.R.P., que dispõe que os Deputados exercem livremente o seu mandato (…). E, argumenta-se, que a Disciplina de Voto, instrumento usado com alguma frequência para impor a vontade de uma liderança parlamentar ou partidária aos elementos do seu grupo, não deve subsistir numa democracia real.
Disciplina de voto é um conceito central numa democracia partidária como a portuguesa e define a indicação de que todos os deputados devem votar no mesmo sentido, aprovando ou rejeitando o que estiver em discussão.
Em Portugal, apenas o PS e o PSD consagram (embora de maneira ligeiramente diferente, mas com o mesmo propósito) a disciplina de voto nos seus estatutos, sendo que os demais a aplicam em momentos alegadamente decisivos.
No Partido Socialista o princípio da ação dos Deputados é o da liberdade de voto.
Mas excetuam-se as matérias (…).
No Partido Social Democrata, os Deputados e os eleitos em listas do Partido comprometem-se a conformar os seus votos no sentido decidido pelo Grupo que integram, de acordo com as orientações políticas gerais fixadas pela Comissão Política competente, salvo prévia autorização de dispensa de disciplina de voto, por reserva de consciência, nos termos do Regulamento desse Grupo.
Já ouvimos defender que em matérias em que há disciplina de voto cumpro escrupulosamente o sentido de voto, mesmo que pudesse discordar. Ou seja, cumpre a disciplina de voto em Moções de Censura ou de Confiança, no Programa do Governo e nos Orçamentos do Estado, assumindo no demais a liberdade de voto.
Apesar de a disciplina de voto não se encontrar especificada nos seus estatutos, o CDS/PP (tradicionalmente do Arco do Poder) teve um problema com o deputado Daniel Campelo, quando este decidiu negociar a aprovação de dois Orçamentos de Estado, do Governo (minoritário) PS. Campelo foi suspenso do partido, fez uma greve de fome!!! e acabou por ser reintegrado tempos depois, com aplausos.
Recorde-se que, aquando da votação do OE para 2013 e 2014, Rui Barreto, deputado pela Madeira, foi o único deputado da maioria PSD/CDS. a juntar-se à oposição, votando contra a aprovação do Orçamento. Rui Barreto não respeitando a disciplina de voto, acabou suspenso.
Rui Tavares escreveu (com a ligeireza de uma generalização e na qualidade de articulista) lamento dizer isto, mas os deputados que votaram contra a sua consciência fizeram-no apenas para manter um lugar nas listas de deputados. É uma evidência desagradável, mas uma evidência. E, ao fazê-lo, foram maus deputados. Um deputado que vota contra a sua consciência, numa questão de direitos dos cidadãos, para não desagradar à direção partidária que fará as próximas listas de deputados é um deputado que subverte o espírito da democracia parlamentar. Pode ser um militante leal do partido, mas é um mau representante dos cidadãos. É deplorável que em Portugal ainda tenhamos de explicar, a cada vez, que a disciplina de voto não só não é necessária ao bom funcionamento de um parlamento nem requerida por lei como é antitética do parlamentarismo e contrária ao espírito da Constituição, que no seu artigo 155.º determina que os deputados exercem livremente o seu mandato. (…)
(…) É preciso então dizê-lo claramente: um deputado que admite dar mais peso à escolha do seu nome para a próxima lista do que aos direitos dos cidadãos que representa não está a fazer nada no Parlamento. Não venham dizer que o sistema os obriga a votar contra a sua consciência. Ninguém está obrigado a ter medo de perder o lugar na lista. É esse medo que faz dos representantes meros funcionários e que deixa a democracia portuguesa subdesenvolvida. (…)
Contra a disciplina de voto em Portugal, argumenta também que não é uma questão de sistema eleitoral, mas de cultura parlamentar e democrática, pois enquanto os cidadãos não demonstrarem que exigem essa cultura democrática aos seus partidos, estes continuarão a asfixiar o parlamentarismo e acabarão por se esvaziar a si mesmos.
Diz, que há parlamentos sem disciplina de voto. Aí os votos contam-se um a um, pelo que pode haver surpresas. É verdade, mas essas surpresas é o que o partido do poder naturalmente não quer.
No Congresso americano, representantes e senadores votam, por vezes, contra o seu partido.
No Parlamento Europeu, a disciplina de voto encontra-se explicitamente proibida no Regimento.
Mas estes Parlamentos em nada se assemelham ao português, na sua composição e funções, pelo que essa invocação é desajustada e a comparação absolutamente errada.
Que podemos dizer em contrário? Se não existisse a disciplina de voto para certas matérias e, em particular, se o voto fosse secreto, as maiorias parlamentares (…) seriam muito mais frágeis e os governos apoiados por tais maiorias sujeitos a muito maior incerteza política. E, os votos de deputados poderiam mais facilmente ser cooptados por grupos de interesse, além de que seria mais difícil levar a cabo qualquer nova iniciativa política, nomeadamente, mais polémica, ou que contasse com uma base de apoio mais estreita.
O dilema existe, democracia representativa com disciplina sobre os representantes do povo, ou representantes do povo completamente livres para pensar e decidir sempre pelas suas cabeças, com todos os problemas inerentes a essas escolhas.
Seria provavelmente pouco pragmática, mas, mesmo com todos os problemas que se adivinham, inclino-me para a segunda opção, escreve o mesmo articulista.

No que diz respeito ao financiamento dos partidos, Saragoça da Matta defende que estes não devem auferir comparticipações do OE, e devem gerir a sua ação com os meios que consigam obter. Nesta matéria, aparecem depressa os autoproclamados arautos da seriedade, a dizer que os partidos são maus, e mesmo há protagonistas dentro dos partidos políticos a dizer que são mais sérios que outros.
Muito bem, mas Saragoça da Matta para além de defender a bondade da proposta não permite ajuizar como é que os partidos se socorrendo tão só do autofinanciamento conseguem levar a cabo uma politica apenas orientada pelo interesse publico, sem cair na necessidade de satisfação dos interesses dos seus financiadores ou corresponder aos respetivos lóbis.
Tendo em conta que o objetivo do partido politico é ganhar o poder e depois exercê-lo (nunca se esqueça que conforme a CRP temos um governo de partidos), é impossível dissociá-lo de facto dos interesses dos que o suportam.
Em termos teóricos (a política não se faz com meras soluções teóricas, muito menos quando há balizas, e apresentar propostas teóricas é menos arriscado que concretas), seria mais transparente que do OE saísse uma verba para o funcionamento partidário, capaz de garantir condições para os agentes políticos exercerem o seu trabalho e a sua responsabilidade cívica sem dependência de outro poder, nomeadamente o económico. E acrescentam, isto acompanhado da melhoria dos mecanismos de transparência, de controlo e de fiscalização.
Não aceito que, para justificar e/ou manter uma postura de imparcialidade, o agente (politico ou não) individualmente (ou não) se venha a rodear de pessoas que não se identificam consigo, não sejam da sua confiança, pois que politica real pressupõe uma relação de solidariedade, ainda que conjuntural, com interesses ou pessoas que a corporiza.
É ingénuo pensar que o exercício da ação politica de forma coerente e estável, se pode desenvolver sem solidariedade e fidelidades, já que passe a expressão será abrir a porta do galinheiro à raposa.
Como cidadão, entendo que na verdade o Estado se transformou numa máquina ao serviço do poder e dos que o ocupam, dos que protege e dos que lhe são submissos, com raras e honrosas exceções. Criou-se um ambiente onde se diluíram pilares como a família e o casamento, para impor a vontade da lei onde devia prevalecer a liberdade individual.
Assiste-se à aprovação de leis em clima de confronto ou revanchismo, quando o Poder deveria mobilizar forças que se inserem ou não na sua maioria parlamentar, acolhendo sugestões e aperfeiçoamentos que contribuiriam para uma execução mais justa ou isenta de dúvidas.
Neste quadro, o debate político atingiu elevados níveis de agressividade e oportunismo, sem esquecer a manipulação ou a gestão política dos anúncios ou dos dados políticos.
Por isto e tudo mais, o autor defende que Portugal vive uma ficção democrática. Esquece (???) que temos a democracia de acordo com a matriz da CRP, e pessoas reais, que pode e deve continuar a ser melhorada, erradicando-se situações de comportamentos ilegítimos que violam o decoro ou interesse público.

Tenho as maiores dúvidas quanto às vantagens da criação de círculos uninominais, para já. A revisão constitucional de 1997 viabilizou a criação de círculos uninominais na eleição da Assembleia da República no quadro de um sistema proporcional e, portanto, em articulação com círculos plurinominais como os que já existem. Todavia as resistências, têm sido fortíssimas e estes anos passados, nada se avançou.
Esclareça-se que nos círculos uninominais escolhe-se apenas um nome, um deputado. Nos círculos plurinominais escolhem-se deputados de entre listas com vários nomes. No primeiro caso escolhe-se para representante quem se prefere. No segundo escolhe-se a lista de partido e proposta por este, sendo os candidatos eleitos conforme a proporção obtida por cada lista. Mais que deputados escolhe-se o partido.
Um sistema assente apenas em círculos uninominais pode assumir-se injusto na representação das correntes políticas em confronto. As eleições inglesas são disso um bom exemplo. Um sistema só de círculos plurinominais pode tornar-se distante na relação eleito/eleitor, pelo que se for possível criar um sistema misto daria, uma representação mais justa e próxima.
Subscrevo que o essencial, numa reforma do sistema eleitoral, será de definir se se pretende com o voto popular eleger deputados de forma conjugável com a governabilidade do país.
O atual Governo PS, apoiado na AR por BE, PCP e PEV, decorre de uma vontade parlamentar e não popular.
 Em Portugal, encontram-se conhecidas dezenas propostas sobre a reforma do sistema eleitoral e foram feitos outros tantos estudos. O próprio António Costa, enquanto Ministro da Administração Interna, encomendou o estudo do sistema alemão sobre círculos uninominais, que, como os demais, foi para a gaveta onde se encontra.
Esta matéria, aliás não trabalhada ou amadurecida, carece do favor dos partidos (dificilmente se entenderiam entre si), não apenas porque isso não iria implicar uma maior aproximação com os eleitores, como pelo facto de círculos políticos uninominais, assentarem em personalidades da não confiança ou estranhos aos partidos.
É fácil reconhecer que não há sistemas eleitorais perfeitos, sendo um dos mais graves a falta de representatividade.

Mas não tem nada de meritório o nosso?
Sim, a conjugação da proporcionalidade com a governabilidade
Proporcionalidade tem a ver a relação/dimensão dos grupos parlamentares, às proporções de votos recebidos. Idealmente, um partido que recebe 20% dos votos, teria direito a 20% dos deputados. Tal não acontece, pois, deve ser contrabalançado com a governabilidade, isto é a facilidade com que se constituem maiorias parlamentares para dar suporte a governos estáveis. Se o sistema eleitoral tende a gerar maiorias absolutas de um ou dois partidos, goza de boa governabilidade, diremos nós. Mas se tende a gerar grupos parlamentares muito fragmentados, diminutos e pouco representativos, é necessário o entendimento de três ou mais partidos para constituir uma maioria a assegurar a governabilidade. Quanto mais proporcional é um sistema, pior é, em princípio, a sua governabilidade.
Os votos depositados não conduzem a uma eleição com direito a cadeira parlamentar (nem no texto ou no seu espírito).
Seria uma solução absolutamente extraordinária, que os votos perdidos, viessem implicar cadeiras vazias pertencentes aos eleitores que não se reveem no sistema politico partidário.
Salvo melhor opinião, esta tese e o seu resultado não acarretariam mais valor à democracia, não lhe acrescentariam verdade ou eficiência, ou assegurava maior preocupação dos partidos e dos eleitos com os respetivos eleitores.
Para terminar, podemos referir que através de uma proposta (salvo o devido respeito) fantástica, não se evitaria a distribuição de benesses dos partidos aos seus eleitores/apaniguados e assim se iniciaria a desmontagem da maquiavélica simulação democrática em que o sistema desta III República aprisionou os cidadãos.


Seja como for, é uma interessante reflexão académica que alegadamente visa Portugal, mas que seria, com a mesma facilidade e utilidade, aplicável a outros países europeus.

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